PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR Nº 09/2014
PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR Nº 09/2014
Reg. Col. 0446/16
Acusados: Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx
Filadélphia Empréstimos Consignados Ltda. Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxxx
Assunto: Oferta pública irregular de Contratos de Investimento Coletivo (art. 19 c/c 2°, inciso IX, da Lei n° 6.385/1976) e embaraço à fiscalização (Instrução CVM n° 18/1981)
Diretor Relator: Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx
Voto
I. OBJETO E ORIGEM
1. Trata-se de inquérito administrativo instaurado pela SPS1 em conjunto com a PFE, para apurar a eventual responsabilidade da Filadélphia Empréstimos Consignados Ltda. e de seu presidente, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, bem como de seus administradores Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxxx, pela oferta de CICs sem o devido registro na CVM, em infração ao art. 19 c/c 2°, IX, da Lei n° 6.385/1976.
2. Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx também foi acusado de embaraço à fiscalização, nos termos da Instrução CVM n° 18/1981, vigente à época dos fatos.
3. A Filadélphia, cujo objeto social era a “prestação de serviços de correspondente de instituições financeiras e auxiliar na intermediação financeira”, atuava a nível nacional como correspondente bancário, ou seja, como agente de
1 Os termos iniciados em letras maiúsculas e que não estiverem aqui definidos têm o significado que lhes é atribuído no Relatório deste voto.
instituições financeiras, intermediando a oferta ao público de produtos e serviços financeiros, em especial empréstimos consignados.2
4. Os fatos que levaram ao presente inquérito começaram a ser investigados a partir do recebimento de consulta, em 17.4.2009, a respeito de investimento ofertado na internet pela Filadélphia, denominado Cartão Fidelidade, anunciado como “fundo de investimento” e com promessa de rentabilidade mensal de 2,5% a 4%, dependendo do valor investido.
5. As apurações preliminares procedidas pela SIN levaram à emissão, em 2.7.2009, de deliberação de stop order contra a sociedade, seu presidente Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx e outras duas administradoras da Filadélphia, determinando a suspensão da oferta de qualquer fundo de investimento e a interrupção da atividade de administração de carteira de valores mobiliários.
6. Após a publicação da deliberação3, as propostas de rentabilidade do produto foram retiradas do anúncio veiculado pela Filadélphia na internet, mas, de modo a apurar se a stop order estava sendo cumprida, a SFI realizou inspeção em sua sede, na cidade de Lagoa Santa, Minas Gerais, entre 4.5.2010 e 25.8.2010.
7. A inspeção apurou que a Filadélphia mantinha filiais em vários estados do país e captava recursos de pessoas físicas por meio de contratos de mútuo remunerados a taxas superiores às vigentes no mercado. Primeiramente, a captação era feita com um instrumento denominado Contrato de Cessão de Quotas, passando depois a se operar com o Cartão Fidelidade. Porém, todos os contratos obtidos pelos inspetores tinham como contraparte funcionários ou agentes da sociedade, o que os fez concluir pela não caracterização de oferta pública de investimentos.
8. Posteriormente, outras denúncias, assim como comunicações de órgãos policiais que também estavam investigando a atuação da Filadélphia na captação de recursos junto ao público, trouxeram indícios de que (i) Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx havia omitido documentos e forjado contratos, de modo a sabotar os trabalhos da inspeção, e
(ii) que a stop order emitida pela CVM não estava sendo respeitada por ele e pela sociedade.
9. Essas denúncias e comunicações trouxeram aos autos novas cópias de contratos de mútuos, supostamente ofertados publicamente pela Filadélphia, que se
2 Os correspondentes bancários foram criados pela Resolução nº 3.110/2003, do Conselho Monetário Nacional (“CMN”), e são atualmente regidos e têm sua esfera de atuação delimitada pela Resolução CMN 3.954/2011 e suas alterações subsequentes.
3 Deliberação CVM nº 579/2009.
caracterizariam como CICs4 – valores mobiliários, portanto –, cuja oferta pública estaria sujeita ao prévio registro na CVM. Porém, na medida em que tais cópias estavam em branco ou não possuíam autenticidade comprovada, decidiu-se pela necessidade de aprofundamento das investigações por meio de inquérito administrativo.
10. A Comissão de Inquérito, instaurada em 30.10.2014 pela Portaria/CVM/SGE/Nº 262/2014 (fl. 01), pôde se utilizar, para concluir pela culpabilidade dos acusados, de documentos oriundos da Operação Gizé da Polícia Federal, anexados aos autos em 11.8.2014 e que incluíam cópias autênticas de contratos firmados com diferentes pessoas físicas, além de depoimentos e escutas telefônicas.
11. A Operação Gizé, deflagrada em 31.1.2012, investigou a atuação da Filadélphia no mercado financeiro e levou o MPF-MG a oferecer, em 17.3.2014, denúncia contra Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxxx, por gerir sociedade como se instituição financeira fosse, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.5
II. Oferta dos contratos de mútuo e embaraço à fiscalização
12. No curso da investigação, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, por meio de esclarecimentos enviados à CVM (fls. 68-72, 990-994) e de documentos entregues à inspeção da Xxxxxxxxx, tentou fazer valer a versão de que a Filadélphia somente firmava contratos de mútuo com pessoas ligadas, sejam funcionários da sociedade ou outros mutuantes que, concomitantemente ao mútuo, assinavam contratos de agenciamento para atuar na captação de novos clientes.
13. Xxxxxxx, assim, o disposto no art. 3º, §1º da Instrução CVM nº 400/20036, que estabelece que uma oferta não será considerada pública quando for direcionada a pessoas com quem o ofertante tenha um relacionamento habitual prévio, seja ele comercial, creditício, societário ou trabalhista.
14. Porém, a Comissão de Inquérito, com base nas apurações procedidas pela Polícia Federal no curso da Operação Gizé, concluiu que o caráter privado da oferta dos contratos de mútuo teria sido simulado por Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, de modo a enganar a inspeção da Xxxxxxxxx, conduta que se configuraria como embaraço à fiscalização.
4 Conforme análise presente no Memo n° 67/2012/GJU-4/PFE/AGU (fls. 1.111 a 1.122).
5 Em 23.3.2018, sentença exarada nos autos da Ação Penal nº 04277.2011.4.01.3800 condenou Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxx pelo fato de o grupo Filadélphia, operar, sem autorização, como verdadeira instituição financeira. Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx também foi condenado por lavagem de dinheiro, tendo havido a absolvição de todos quanto à formação de quadrilha.
6 §1º Para efeito desta Instrução, considera-se como público em geral uma classe, categoria ou grupo de pessoas, ainda que individualizadas nesta qualidade, ressalvados aqueles que tenham prévia relação comercial, creditícia, societária ou trabalhista, estreita e habitual, com a emissora.
Como consequência, imputou a ele infração ao art. 1°, parágrafo único, I e II, da Instrução CVM n° 18/1981, então vigente.
15. Observo, primeiramente, que houve um equívoco formal por parte da Comissão de Inquérito, pois na referida Instrução não há artigos e, consequentemente, parágrafos, sendo constituída apenas pelos itens I a III.
16. Não verifico, porém, em função desse equívoco, qualquer prejuízo aos acusados, pois os itens I e II da Instrução delimitam a imputação buscada pela Comissão, o primeiro determinando ser o embaraço a fiscalização uma infração grave e o segundo, no caput e nas alíneas “a” e “b”, fixando os possíveis infratores – pessoas referidas no artigo 9º, inciso I, alíneas "a" a "g" da Lei nº 6.385/76 – e tipificando a conduta.
17. Ademais, o item II da Instrução CVM n° 18/1981 foi transcrito no item 76 do relatório de inquérito, na seção que descreve e analisa os atos de Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx que foram, ao fim, caracterizados como embaraço à ação fiscalizatória da CVM, estando, pois, plenamente caracterizada a conduta do acusado e o dispositivo legal que a ela se amoldava e que, portanto, foi infringido.
18. Assim, entendo que o mero acréscimo, aos dispositivos violados, de itens não constantes da norma, por equívoco da acusação, não atentou contra o seu direito de defesa.
19. Quanto ao mérito, conforme me manifestei no julgamento do PAS 03/2011, de que fui relator, são dois os requisitos necessários para a caracterização do embaraço à fiscalização: (i) a solicitação pela CVM de informações e documentos que existam e estejam em posse de pessoa sujeita à atuação fiscalizadora da Autarquia, nos termos do art. 9º, inciso I, da Lei nº 6.385/76; e (ii) a conduta omissiva ou comissiva deste agente, ao intencionalmente impedir ou dificultar a obtenção das informações ou documentos solicitados.7
20. O primeiro requisito foi cumprido no curso da inspeção à sede da Filadélphia, por meio de solicitação formal de documentos, em especial dos contratos de mútuo firmados pela sociedade (fls. 112-113).
21. Quanto ao segundo, entendo que a Comissão de Inquérito conseguiu comprovar, com suporte nos documentos enviados pela Polícia Federal, que Xxxxxx
7 Sobre o tema, confira-se as decisões proferidas no âmbito do PAS RJ2002/8428, Rel. Dir. Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, j. em 14.10.2004; do PAS SP2010/0186, Rel. Dir. Xxxxxxx Xxxx, x. em 27.1.2015; do PAS 03/2013, Rel. Dir. Xxxxxxx Xxxxx, j. em 5.5.2015; e do PAS 02/2013, Rel. Dir. Xxxxxxx Xxxxxxxx, x. em 22.1.2019.
Xxxxxxxx Xxxxxx obstruiu de forma intencional a atuação fiscalizadora da CVM, ao fornecer aos inspetores contratos de agenciamento sub-repticiamente elaborados apenas para a ocasião.
22. Com efeito, o acusado Xxxxxxx Xxxxxx, em depoimento dado no curso da Operação Gizé, assumiu que qualquer interessado podia contratar o mútuo e não apenas funcionários ou pessoas com relação com a Filadélphia, ressaltando que “Xxxxxx Xxxxxxxx fez os contratos particulares de agenciamento de financiamento de última hora, quando soube que os fiscais da CVM estavam para fiscalizar a empresa.”
23. O mesmo Xxxxxxx Xxxxxx teve escuta telefônica capturada no curso daquela operação, cuja transcrição foi anexada aos autos, na qual afirma a possíveis clientes que o investimento não era restrito a agentes, mas que se fazia um cadastro como tal na hora de firmar o contrato.
24. No mesmo sentido, vários mutuantes negaram, à Polícia Federal, atuar como agentes da Filadélphia quando firmaram os respectivos contratos de mútuo.8
25. A simulação de agenciamento dos mutuantes também foi confirmada pelo acusado Xxxxxx Xxxxx em seu depoimento à Polícia Federal, quando afirmou que, após a fiscalização da CVM, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, de modo a dar aparência de legalidade aos contratos de mútuo, passou a enviar aos mutuantes um contrato de agenciamento, como se os estivesse cadastrando como agentes da Filadélphia.
26. Essas diferentes manifestações comprovam, a meu ver, a conduta dolosa de Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, demonstrando a sua intenção de fazer com que a inspeção da CVM concluísse, erroneamente, que os contratos de mútuo somente eram firmados com pessoas ligadas à sociedade.9
27. Acrescento, ademais, que o montante do prejuízo causado aos investidores dos mútuos, estimado na denúncia do MPF-MG em cerca de R$ 55 milhões (fl. 1589), bem como o fato de a Filadélphia manter filiais em várias cidades, espalhadas por diferentes estados do país, também depõem contra a alegação de que os mutuantes seriam apenas funcionários e agentes da sociedade, pois somente com estes não se atingiria aquela escala de atuação.
8 Todos eles servidores militares da Aeronáutica, lotados na Base Aérea de Boa Vista, Roraima.
9 A necessidade de demonstração da intenção do agente em obstruir a atuação fiscalizadora da CVM foi ressaltada pelo Diretor Relator Xxxxxxx Xxxxxxxx, no julgamento do PAS 02/2013, em 22.1.2019. Nesse sentido já havia se manifestado o Diretor Relator Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, no julgamento do PAS RJ2002/8428, em 14.10.2004, quando frisou que “(...) exige-se a comprovação de que de fato se buscava obstruir a investigação, que não se deve presumir obviamente” ().
28. Do exposto, concluo que Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, durante a inspeção realizada pela SFI na sede da Filadélphia, atuou em embaraço à fiscalização, em infração aos itens I e II, da Instrução CVM n° 18/1981, vigente à época, ao forjar documentos com o intuito de simular a oferta privada dos contratos de mútuo.
29. No tocante à comprovação de que os contratos eram ofertados publicamente, mesmo após a retirada do anúncio do investimento na internet, provocada pela stop order, observo que dentre as formas de emissão pública de valores mobiliários, o §3º do art. 19 da Lei nº 6.385/1976 elenca, em seus incisos II e III, respectivamente, a procura por adquirentes por meio de empregados e agentes, e a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público10.
30. Conforme se infere dos supracitados depoimentos e escutas, assim agiam os acusados Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxxx quando negociavam mútuos com diferentes pessoas naturais, nas diferentes filiais da Filadélphia.
31. Na mesma direção, há documentos nos autos indicando que outros funcionários e agentes da sociedade também atuavam dessa maneira. De fato, a Delegacia de Defraudações e Falsificações da Polícia Civil no Estado do Ceará enviou à CVM depoimentos de supostos investidores da Filadélphia (fls. 1087/1098), em um dos quais C. H. I. L. J., que alegou trabalhar na sociedade, afirma que o gerente geral do escritório de Fortaleza, J. C. G. S., captava clientes junto à Aeronáutica, que solicitavam empréstimos consignados e automaticamente faziam aplicações nos mútuos.
32. Todos esses elementos me fazem concluir que as operações de mútuo eram ofertadas publicamente nas dependências da Filadélphia, por seus funcionários e agentes, nas maneiras previstas nos incisos II e III, do §3º, do art. 19 da Lei nº 6.385/1976.
33. Resta decidir se, conforme entendeu a Comissão de Inquérito, os contratos que as formalizavam devem ser considerados CICs, nos termos do 2°, IX, da Lei n° 6.385/1976, cuja distribuição pública, ao comando do caput do art. 19 da mesma lei, não poderia ter sido feita sem o necessário registro na CVM.
III. Os contratos de mútuo como CICs
34. Como já mencionado, a Filadélphia captou recursos inicialmente por meio do Contrato de Cessão de Quotas e o Cartão Fidelidade, objeto de escrutínio da inspeção realizada na sociedade. Porém, a Comissão de Inquérito, no item 20 de seu
10 §3º - Caracterizam a emissão pública: (...) II - a procura de subscritores ou adquirentes para os títulos por meio de empregados, agentes ou corretores; III - a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público, ou com a utilização dos serviços públicos de comunicação.
relatório, ressalvou ter utilizado, para imputar aos acusados a infração ao art. 19 c/c 2°, IX, da Lei n° 6.385/1976, somente a modalidade Contrato de Mútuo com Garantia, adotada posteriormente.
35. Conforme se verifica das cópias dessa modalidade de contrato acostadas aos autos, tais instrumentos traziam Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx como contratante ou mutuário e indicavam expressamente a conta corrente na qual deveriam ser depositados os recursos objeto do mútuo, cuja titularidade, no entanto, oscilou entre administradores da sociedade – entre os quais, Xxxxxx Xxxxxxxx – e a própria Filadélphia.11
36. Por sua vez, o objeto do contrato consistia no mútuo de valores financeiros pelo prazo de 60 meses, com rentabilidade de 3 a 4 % a.m., acrescida de remuneração da caderneta de poupança. Os juros pactuados eram depositados mensalmente na conta do mutuante, conforme previsto no item 2.2. do Contrato de Mútuo com Garantia e verificado, em relação a um dos mutuantes, no “Extrato Cliente” emitido pela sociedade com a descrição dos rendimentos auferidos e das retiradas realizadas (fls. 1.489).
37. Ademais, como garantia do mútuo, os contratos previam o direito sobre metade das quotas da Filadélphia.
38. A Comissão de Inquérito, seguindo o entendimento da PFE exposto no Memo n° 67/2012/GJU-4/PFE/AGU mencionado anteriormente, concluiu que tais contratos se caracterizariam como CICs, definidos no art. 2°, inciso IX, da Lei n° 6.385/1976, na medida em que, por esforço exclusivo do contratante ou mutuário, havia a garantia de uma remuneração fixa sobre o investimento realizado, independentemente de qualquer atuação efetiva por parte do contratado/mutuante.
39. Os CICs, quando ofertados publicamente, são considerados valores mobiliários e, dessa forma, conforme consignou o Diretor Xxxxxxxx Xxxxxxx em sua manifestação de voto no PAS CVM nº 19957.008081/2016-91:
“...quando confrontado com situações em que há captação de poupança popular por meio da oferta de títulos ou contratos de investimento, que não se enquadram naqueles explicitamente definidos como valores mobiliários pelos incisos I a VIII do art. 2º da Lei nº 6.385/76, este Colegiado vem, seguidamente, avaliando
11 A Comissão de Inquérito menciona, explicitamente, um contrato firmado em 28.4.2010, enviado pela Procuradoria da República no Estado de Goiás, no montante de R$40.000, tendo L. L. F. como contratado/mutuante e rentabilidade de 4 % a.m. mais poupança (fls. 1.500-1.501), e outros dois enviados pela Procuradoria da República no Estado do Pará, um de 29.7.2011, no montante de R$57.000, tendo J.
V. C. como contratado/mutuante e rentabilidade de 3 % a.m. mais poupança (fls. 1.486-1.487), e outro de 3.10.2011, no montante de R$40.000, tendo L. H. S. F. como contratado/mutuante e rentabilidade de 3,5
% a.m. mais poupança (fls. 1.478-1.479). Nos três contratos, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx figurava como contratante/mutuário, a vigência era de 60 meses e a garantia era de metade das quotas da Filadélphia.
se esses instrumentos se enquadram na definição do subsequente inciso IX, de modo a atraí-los para o regime imposto por aquela lei, bem como para fixar a competência da CVM para regular e fiscalizar a sua oferta ao público.”
40. Para essa avaliação, emprega-se usualmente o que ficou conhecido como Howey Test,12 no qual se investiga a presença, no caso concreto, dos elementos previstos no inciso IX do art. 2º da Lei nº 6.385/76, ou seja, verifica-se se existem i) investimento de recursos; ii) por meio de títulos ou contratos; iii) direcionados a um empreendimento coletivo; iv) com a expectativa de obtenção de lucros; v) que decorrem dos esforços do empreendedor ou de terceiros.
41. Utilizando e consolidando essa metodologia, a CVM passou a enfrentar operações de apelo à poupança popular que não se utilizavam dos valores mobiliários tradicionais, mas que se enquadravam nessa definição mais ampla e aberta introduzida em nosso ordenamento, baseado no conceito norte-americano de security.
42. Nesse sentido, foi exigido o registro de diferentes ofertas públicas de títulos ou contratos que a Autarquia concluiu caracterizarem-se como CICs, tais como CEPACs, Processo CVM nº RJ2003/0499, CCBs, Processo CVM nº RJ2007/11593, CPRs, Processo CVM nº RJ2007/13207 e, mais recentemente, condo-hotéis, em vários processos.
43. No entanto, no caso em apreço, não vislumbro a presença de todos os elementos necessários para a comprovação de que os contratos por meio dos quais os recursos de terceiros eram captados configuravam-se como CICs.
44. Primeiramente, observo que, dos termos do Contrato de Mútuo com Garantia, não se extrai qualquer vinculação entre os recursos aportados e eventual atividade ou empreendimento desenvolvido pela Filadélphia ou por seus administradores, cujo resultado econômico seria partilhado entre diferentes mutuantes.
45. Em outras palavras, não há evidências de que, ao celebrarem os mútuos, os contratantes visariam participar de investimento coletivo, sob a administração do tomador dos recursos.
46. Conforme aponta a doutrina, “[a] noção de empreendimento comum contida na Howey definition remonta à ideia de que, em geral, o valor mobiliário é oferecido a diversas pessoas, que partilham um mesmo conjunto de ativos, com a
12 Este teste se baseia na experiência jurisprudencial norte-americana, em especial a decisão da Suprema Corte datada de 1946 para o caso SEC v. W. J. Howey Company, decisão esta que inspirou a redação do inciso IX do art. 2º da Lei nº 6.385/1976.
expectativa de auferir lucros decorrentes dos esforços do promotor do negócio ou do instrumento que está sendo ofertado.” (g.n.).13
47. A ausência do caráter coletivo das contratações se constata, também, pelo fato de que não havia uniformidade entre as remunerações pactuadas, pois os contratos acostados aos autos traziam rentabilidade variando entre 3, 3,5 e 4% a.m. mais poupança. Este fato enfatiza o escopo individual do investimento, pois o rendimento de cada contrato era calculado individualmente e não pela média de todos os instrumentos que comporiam um pool.
48. A falta de direcionamento dos recursos para um empreendimento comum se revela, também, nas diferentes contas bancárias em que era depositado o valor mutuado, que tanto podiam ser a da Filadélphia como a de Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx ou a de outro administrador da sociedade.
49. Em suma, cada um dos mutuantes era movido, no meu sentir, apenas por seu próprio interesse ou retorno esperado, incorporado em seu contrato – ou seja, pela taxa de juros que lhe foi oferecida em um contrato típico de mútuo –, e não pelo suposto sucesso de alguma atividade a ser desenvolvida com os recursos aportados.
50. Entendo, portanto, não estarmos diante de um contrato de investimento coletivo, conforme definido no inciso IX do art. 2º da Lei nº 6.385/76, que, quando ofertado publicamente, está sujeito a registro perante a CVM.
51. Além disso, conforme as investigações da Polícia Federal e o consignado na denúncia apresentada pelo MPF-MG (fls. 1.570 a 1.597), verificou-se que não se estava diante de uma atividade inserida no âmbito da competência administrativa da CVM, mas sim, por envolver atuação irregular como instituição financeira, na esfera de competência do Banco Central do Brasil, e tampouco tratava-se de um negócio lícito:
13 (XXXXXXX, Xxxxxx; XXXX, Xxxxxxx X., PARENTE, Xxxxxx., Xxxxxxxxx, Xxxxxx xx Xxxxxxx. Mercado de Capitais – regime jurídico. 3. Ed. Revista e ampliada. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p. 37). Ao examinarem a jurisprudência norte-americana, os autores também fazem referência a entendimento segundo o qual a caracterização de um investment contract não prescinde da existência de um empreendimento compartilhado entre múltiplos investidores: “No julgamento do caso Xxxxxxxx v. M-S Commodities, Inc. por exemplo, o Sétimo Circuito decidiu que o gerenciamento de uma conta de investimentos em commodities por um corretor não envolvia um empreendimento comum. O Tribunal considerou ser necessária a existência de comunidade horizontal e destacou o fato de que a lucratividade da conta do autor da ação judicial não dependia do sucesso ou da falha no gerenciamento de outras contas pelo mesmo corretor. A Corte entendeu que existia entre o investidor e seu corretor apenas um contrato de ‘agency for hire’, sendo os clientes representados por um agente comum. Num caso posterior, Hirk v. Agri-Research Council, Inc., o Sétimo Circuito estreitou seu conceito de comunidade horizontal ao afirmar claramente que são necessários tanto a multiplicidade de investidores com um pooling de fundos para caracterizar a existência do elemento do empreendimento comum” (p. 40).
“Verifica-se que, ao ofertar o produto “mútuo”, a intenção dos diretores da FILADÉLPHIA era a captação de recursos financeiros de terceiros para fomentar as atividades de recompra de dívidas. No entanto, a FILADÉLPHIA, enquanto correspondente bancária, não estava autorizada a realizar adiantamentos em operações de recompra de dívidas, tampouco a captar recursos de terceiros, operações estas de concessão de crédito e de captação de depósitos à vista, privativas de instituições financeiras devidamente autorizadas.”
52. Com efeito, nos termos dos artigos 17 e 18 da Lei nº 4.595/1964, a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros são atividades próprias de instituições financeiras, que somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central do Brasil.
53. No mesmo sentido, a Resolução CMN n° 3.110/2003 e a Resolução CMN nº 3.954/2011 que a sucedeu, vedavam aos correspondentes bancários a realização de adiantamento a cliente, por conta de recursos a serem liberados pela instituição contratante, ou seja, não poderia a Filadélphia recomprar dívidas de consignatários14.
54. Logo, na esfera administrativa, apesar de não estar sujeita à competência desta Autarquia, a atividade de captação de recursos conduzida pela Filadélphia por meio do Contrato de Mútuo com Garantia submetida ao crivo de outra instância administrativa, neste caso, o Banco Central do Brasil.
55. Nesta seara, conforme exposto, a Filadélphia extrapolou os limites das atividades que estava autorizada a realizar como correspondente bancária e envolveu-se em prática ilícita, inclusive com repercussão criminal, conforme tipificada na denúncia do MPF-MG como o crime previsto no art. 16 da Lei nº 7.492/1986, consistente em operar no mercado financeiro, sem autorização, como se instituição financeira fosse. Por tal ilícito, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxx foram
14 O modus operandi da Filadélphia foi assim detalhado pelo MPF-MG: “A Filadélphia disponibilizava aos investidores interessados uma aplicação cuja rentabilidade variava entre 2,5% a 5% ao mês, mais poupança. Ao concretizar o negócio, o investidor depositava o valor investido na conta de uma das empresas do Grupo, que se comprometia a lhe pagar essas altas taxas de juros, acima daquelas praticadas no mercado. (...) Muitas vezes o mútuo era atrelado a um prévio empréstimo consignado em bancos parceiros da Filadélphia, pelo o que a empresa era comissionada. Paralelamente, um cliente qualquer procurava a Filadélphia, com o intuito de viabilizar a recompra de um débito junto a uma determinada instituição financeira. (...) Usando os recursos captados por meio do “mútuo”, a Filadélphia pagava o boleto e quitava a dívida do cliente, realizando, portanto, adiantamentos em operações de recompra de dívidas, sem autorização do Banco Central (...). Em seguida a Filadélphia apresentava para o segundo banco o boleto comprovando a quitação da dívida junto ao primeiro banco; alguns dias depois, quando o novo empréstimo era liberado, o segundo banco ressarcia o dinheiro adiantado pela empresa para a recompra da dívida de seu cliente e comissionava a empresa pela captação do novo empréstimo” (fls. 1.573-1.574).
condenados, em 23.3.2018, nos autos da Ação Penal nº 04277.2011.4.01.3800 (fls. 1.760-1.789).15
56. Concluo assim, do exposto, que a captação de recursos junto ao público, promovida pela Filadélphia e seus administradores, inseria-se no âmbito da competência administrativa do Banco Central do Brasil e que os Contratos de Mútuo com Garantia por meio dos quais os recursos eram captados não se tratavam, como entendeu a Comissão de Inquérito, de CICs.
57. Logo, não houve, no meu entender, infração por parte dos acusados ao art. 19 c/c 2°, IX, da Lei n° 6.385/1976.
IV. Conclusão e Responsabilidades
58. Apurou-se aqui uma suspeita de captação irregular de poupança popular via mercado de valores mobiliários que, ao fim de longo iter processual, revelou-se ser atividade ilícita de intermediação na concessão de crédito, invadindo atividade privativa de instituição financeira, não sujeita, portanto, à competência desta Autarquia.
59. Para a demora na apuração dos fatos e responsabilidades contribuiu a conduta do acusado Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, que durante inspeção procedida pela CVM
15 15 A sentença reproduz trecho de interceptação telefônica de Xxxxxxx Xxxxxx captada pela Polícia Federal, onde o mesmo explica como a Filadélphia conseguia, por meio do esquema ilícito operado por seus administradores, pagar aos mutuantes uma rentabilidade acima da praticada no mercado: “Quando ele (cliente) já tem a dívida... ele quer quitar a dívida com o cara do Mercantil... eu posso fazer no próprio Mercantil o refinanciamento deste contrato. Então nós vamos lá e refinanciamos a dívida do cliente ou a recompra, que é eu comprar o saldo devedor do Banco Mercantil e implantar esse contrato em uma outra instituição, ok. (...) Dentro desse contexto de consignação, o índice de retorno de comissionamento, que a gente chama de ticket médio, cê tem de 0,5 <incompreensível> de meio por cento a 28, 36%. O ticket médio ficar variável entre 6 a 9,5%. (...) Se eu tenho uma ticket médio de 9,5%, suponhamos que eu fiz uma recompra hoje de R$35.000,00. Então como que vai ser: suponhamos que esse dinheiro seja do Xxxxxxx. To aqui com 35 mil do Xxxxxxx. Então eu paguei dívida sua de R$35.000,00. Se eu tô falando de um ticket médio de 9,5%, isso quer dizer que eu vou ter na operação R$3.325,00. Aí, então, esse é meu comissionamento na operação. Então, fui lá, paguei a dívida de um cliente qualquer com o dinheiro do Xxxxxxx, R$35 mil. O banco, no dia seguinte, recebe da Filadélphia o boleto pago no valor de 35 mil, mandando que ele implante o novo contrato. Aí o cliente vai lá e implanta um novo contrato. Que acontece dois dias depois? Que é D+2. O banco devolve os 35 mil pra Filadélphia, porque eu só paguei pra ela. Então o banco me devolve os 35 mil. Toma aqui Filadélphia, aquela dívida que ocê pagou do cliente, tá aqui seu dinheiro de volta. Então paga os 35 mil pra Filadélphia. Voltou o dinheiro do CLÁUDIO. E comissiona aquela operação, que é do que eu vivo. Ó nessa operação recebi R$3.325,00, ok. Se eu ganhei (...) suponhamos que eu tô te dando uma rentabilidade de 3,5%, cê vai ter nesse percentual R$1.225, que é o seu rendimento mensal, correto? Então eu te pago os seus 1.225 e a diferença é o lucro que eu tive na operação com o seu dinheiro. Então, pro cê entender um pouquinho, 2.100 é o que eu ganhei nesse negócio. Eu fiz uma recompra, tive a produção. Paguei os rendimentos e fiquei com 2.100. Eu poderia reinvestir esses 2.100? Sim. Que que eu faço com ele? ele vai praquele <incompreensível> que eu falei com cê que eu tenho
<incompreensível>. Ou seja, com uma operação com o seu dinheiro eu consigo te pagar 2 meses de rendimento. Com uma operação direta, eu te pago 2 rendimentos de uma vez só” (fl. 1.764).
na Filadélphia escondeu contratos e forjou outros, de forma a impedir que fosse constatado, de plano, que a sociedade estava captando recursos junto ao público. Caso ele tivesse fornecido aos inspetores a documentação correta, não somente a investigação administrativa teria sido mais célere como, muito provavelmente, as autoridades administrativas e judiciárias poderiam ter apurado os ilícitos com mais antecedência, muitas pessoas não teriam sido lesadas e menos recursos púbicos despendidos.
60. Assim, no que diz respeito à acusação de embaraço à fiscalização, restou devidamente comprovada a responsabilidade de Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, motivo pelo qual, com fundamento no art. 11 da Lei nº 6.385/76, voto pela sua condenação à penalidade de multa pecuniária no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), por violação aos itens I e II, da Instrução CVM n° 18/1981, vigente à época dos fatos.
61. Considerei, como circunstância agravante da conduta do acusado, o fato de ele não somente ter omitido os documentos solicitados pela Inspeção, como também ter se valido de ardil ao forjar contratos de agenciamento, simulando vínculos entre os contratantes e a Filadélphia, com o intuito de afastar o caráter público de sua captação de recursos. De outra parte, considerei como atenuante os bons antecedentes de Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx.
62. Voto, também, com fundamento no exposto ao longo desse voto, pela absolvição de Filadélphia Empréstimos Consignados Ltda., Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxx Xxxxxx da acusação de violação ao art. 19 c/c art. 2°, inciso IX, da Lei n° 6.385/1976.
63. Por fim, diante de indícios de captação de recursos junto ao público em que não se tenha certeza quanto à competência administrativa da CVM, recomendo às áreas técnicas, como orientação para casos futuros, que avaliem a conveniência de adotar medida de supervisão alternativa à stop order, priorizando-se o alerta ao mercado acerca da ausência de registro do ofertante junto a esta Autarquia.
64. Além disso, em casos como o presente, em que as autoridades judiciárias concluíram, ao longo de detalhada investigação, pela caracterização de ilícito penal, cuja tipologia, na esfera administrativa sancionadora, se insere na esfera de competência de outra entidade administrativa, avaliem a conveniência de se prosseguir com o processo administrativo sancionador.
65. Finalmente, proponho que o resultado desse julgamento seja comunicado ao Banco Central do Brasil, em complemento ao OFÍCIO/CVM/SGE/Nº 60/2012 e ao MPF-MG, em complemento ao Ofício Nº 99/2016/CVM/SGE e em atendimento ao
OF/PRMG/AABM/Nº7644/2017, para as providências que julgarem cabíveis no âmbito de suas respectivas competências.
É como voto.
Rio de Janeiro, 24 de setembro de 2019.
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx DIRETOR RELATOR