RESUMO
RESUMO
A procriação medicamente assistida permitiu a dissociação entre concepção, gestação e parentalidade. A cisão trouxe ao mundo do Direito a necessidade de repensar conceitos tais como a procriação assistida como alternativa reprodutiva, a taxatividade dos meios de filiação, o critério de estabelecimento de parentalidade, a disponibilidade do estatuto jurídico pessoal ou a contratualização da maternidade e a renúncia à maternidade. In concreto, o contrato de colaboração reprodutiva - negócio jurídico em que uma mulher se predispõe a gerar uma criança para outrem, a prosseguir a gravidez e a entregar a criança após o parto – foi instituído pela Lei nº25/2016, de 22 de Agosto, na quarta alteração à LPMA. O contrato de gestação de substituição encerra em si um manancial de questões. Ab initio, a dificuldade em aceitar o risco da comercialização da gestante e da criança, a coisificação de ambos, a natureza do contrato, a estranheza do estabelecimento da filiação por contrato - à anterior dicotomia entre parentalidade biológica e parentalidade afectiva, surge-nos a parentalidade “pela intenção”- o que obriga à adopção de novo critério para o estabelecimento de parentalidade, uma vez que, hodiernamente, quem dá à luz pode não ser a mãe. Estas são apenas algumas das questões prementes às quais daremos tratamento.
ABSTRACT
Medically assisted reproduction has led to a dissociation between conception, gestation and parenthood. In the legal world, this division has brought about the need to rethink concepts such assisted reproduction as alternative of a reproduction, the ratability of the means of filiation, the criteria for the establishment of parentage, the availability of the legal status of the individual, the contractualization of maternity and the refusal of maternity.
In concreto, the contract of collaborative reproduction – legal process in which a woman agrees to conceive a child for another, carry to term and give away the child after the birth – was instituted by the Lei nº25/2016 on 22nd August, as the fourth alteration of the LPMA. The establishment of the gestational carrier contract closes a source of fundamental questions. Ab inition, the struggle to accept the risk of the commercialization of the carrier and the child, the disregard of both as “things”, the nature of the contract, the strangeness of the idea of a contract laying the foundations for the establishment of filiation - adding to the former dichotomy between biologic parenthood and affective paranthood the concept of parenthood “by intention”
- it is of paramount importance to adopt new criteria for the establishment of parentage, considering that, nowadays, someone who gives birth may not be a mother. These are just some of the pressing issues which will be addressed.
ÍNDICE
RESUMO 1
ABSTRACT 1
ABREVIATURAS 5
INTRODUÇÃO 6
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES 7
1. Metamorfose do Ser, do Querer e do Ter 7
2. Tecnocracia: um presente envenenado 7
3. A medicina do futuro e o futuro do Homem: bioética como imperativo categórico 8
4. As técnicas de procriação medicamente assistida: do milagre biológico ao milagre tecnológico 9
CAPÍTULO 1 10
A FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DA PMA E OS ADVENTOS CONTRATUALISTAS . 10 SUBCAPÍTULO 1 10
A FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DA PMA 10
5. Desinstitucionalização e constitucionalização do Direito da Família 10
5.1. Constitucionalização do direito civil 13
5.2. Direitos de personalidade como direitos fundamentais 14
5.2.1.O sufrágio dos direitos de personalidade no seio do direito da família 14
5.2.2. Direito de procriar como condição essencial do desenvolvimento da personalidade
.......................................................................................................................................... 16
5.2.3.Direito de procriar como direito à saúde jusfundamental 16
5.2.4. Direito a procriar na dimensão da autonomia individual densificado pela tutela geral da personalidade na perspectiva de igualdade perante os heterossexuais 17
5.3. Direitos familiares pessoais como direitos subjectivos de estrutura complexa 18
6. Autonomia privada : o problema da liberdade contratual nas relações familiares 19
7. Direito da Família 20
7.1. O que impera: o amor ou o sangue? 21
7.2.A questão da monoparentalidade 22
7.3. Conflitos de “automonias” dos cônjuges (direito a não ser pai) 23
7.3.1. O consentimento do cônjuge como “vaexata quaestio” 23
8. Direito a Ser filho 25
8.1. A insólita mudança: de filhos de pais incógnitos a anónimos 25
8.2. Reforço do direito da identidade pessoal vs o direito (inconstitucional) ao anonimato
.............................................................................................................................................. 26
8.2.1 Direito à identidade 26
8.2.2 Direito ao conhecimento da sua ascendência biológica verdadeira (ou identidade pessoal na sua dimensão de direito à historicidade pessoal) 27
8.2.3. Direito a conhecer as suas origens genéticas e sub-rogação de gestação 28
8.2.4. Direito ao respeito pela vida familiar ou proibição de privação deliberada de família 28
8.2.5. Direito ao estabelecimento de vínculos jurídicos de maternidade e paternidade 29
8.3. O princípio do superior interesse da criança 30
8.4. Protecção da vida nascente 31
8.5. Respeito pelas gerações vindouras e conservação da espécie 32
SUBCAPÍTULO 2 32
CONSIDERAÇÕES SOBRE O ACTUAL PANORAMA LEGAL 32
9. Novas questões suscitadas pela alteração legislativa da Lei n.º 17/2016, de 20 de junho 32
9.1.O carácter (duvidoso) subsidiário das técnicas da PMA 34
9.2. A desigualdade constitucional no acesso às gestação de substituição: casais de homens ou homens solteiros 34
9.3. A idade dos intervenientes na gestação de substituição 35
9.4.Condições de exclusão das gestantes de substituição 36
9.5.Anonimato dos dadores 37
10.O vácuo legislativo na Lei da PMA 37
10.1. O consentimento do casado ou unido com a gestante e beneficiária 37
10.2. Especiais deveres dos centros de PMA 38
10.2.1.Entidade competente supervisora 38
10.2.2. A obrigatoriedade de relatórios semestrais quanto à actividade 39
CAPÍTULO 2 39
O CONTRATO DE COLABORAÇÃO REPRODUTIVO 39
SUBCAPÍTULO 3 40
O MODELO ACTUAL 40
11. A permissão da ingerência da autonomia privada 41
12. A caracterização do contrato de “gestação de substituição” 42
12.1. Da tipicidade 42
12.2. Da unilateralidade à bilateralidade e tipo contratual 43
12.3. O consentimento das partes 44
12.4. Cláusulas obrigatórias 45
12.4.1. “disposições a observar em caso de ocorrência de malformações ou doenças fetais” 45
12.4.2. “eventual interrupção voluntária da gravidez” 46
12.5. Os direitos e as obrigações 46
12.5.1. Da gestante 46
12.5.2 Dos beneficiários 47
12.5.3. Do centro de PMA: os especiais deveres de informação, esclarecimento e recomendações médicas 47
13. A nulidade do contrato de gestação de substituição 49
SUBCAPÍTULO 4 50
PROPOSTAS DE CONTRATO DE COLABORAÇÃO REPRODUTIVA 50
14. O contrato de colaboração reprodutiva como uma prestação de serviços 50
14.1. A cedência da capacidade reprodutiva 50
14.2. O contrato de colaboração reprodutiva como adopção 52
15. A inconstitucionalidade do actual regime contratual de colaboração reprodutiva e o imperativo de futuro 53
CONCLUSÃO 55
BIBLIOGRAFIA 56
ABREVIATURAS
art./arts. – artigo / artigos CC – Código Civil
CDOM – Código Deontológico da Ordem dos Médicos
CEDHBio – Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina CNECV – Conselho Nacional para a Ética e Ciências da Vida CNPMA – Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida CP – Código Penal
CRP – Constituição da República Portuguesa
DUDH – Declaração Universal dos Direitos do Homem DGPI – Diagnóstico Genético Pré-Implantação
FIV – Fertilização In Vitro
ICSI – Microinjecção intracitoplasmática
LPMA – Lei da Procriação Medicamente Assistida (Lei n.º 32/2006, de 26 de julho de 2006) ONU – Organização das Nações Unidas
PMA – Procriação Medicamente Assistida
RJPA – Regime Jurídico do Processo de Adopção
INTRODUÇÃO
Todos os trabalhos académicos são reflexão, um convite ao barulho silencioso do pensamento para talvez nos encontramos para nos desencontrar. As reflexões em torno da vida não encontram soluções unanimes, e a mais das vezes, não permitem um encerrar da discussão, a lembrar que a vida, a forma como a vivemos, ou, para alguns, como a deveríamos viver, é um mistério por resolver. Não somos apenas uma só faceta, somos o eu condicionado pelo outro ou o eu melhorado pelo outro1. Somos as nossas liberdades moldadas pelas liberdades alheias, as nossas vontades, e quanto, o quanto elas dizem sobre nós. A parentalidade é, por excelência, matéria de direitos, liberdades e garantias, mas também responsabilidades. Interligar a maternidade ao princípio da autonomia privada, dimensão do primado do livre desenvolvimento da pessoa, fazer disciplinar a maternidade pela contratualização entra claramente em rota de colisão com o resultado pretendido – a constituição de uma família, uma pequena comunidade inserida na Comunidade – o que pressupõe que o princípio da autonomia não pode ser o único primado justificativo, como que a luz do farol, de todas as ramificações advindas das relações contratuais estabelecidas em prol de uma parentalidade artificialmente desenvolvida. O efeito de facto do contrato – a vida nascente – traz à colação o direito da família, para não esquecer que é no seio familiar e, em nome da família que aqui estamos. A vida nascente, como projecto colectivo, suplanta o projecto individual. Solta-se apenas um pensamento que norteará o escrito sucedâneo, o direito a ser mãe não é confundível com o direito à alternativa da procriação assistida.
Não existem respostas fáceis. Qualquer tomada de posição a montante influenciará a jusante de todo o ordenamento jurídico.
Seremos sempre inacabados2, por perfeição e natureza3
1 “eu sou eu e a minha circunstância” XXXX XXXXXX X XXXXXX, Meditaciones del Quijote, Edición de Xxxxxx Xxxxxx, 4ª ed., Catedra, Madrid, 1998. Recebe influências neokantianas, perspectiva o indivíduo como um ser a culturalizar, em que o seu desenvolvimento passa pela adaptação aos ideais e pela adopção de comportamentos ajustados às normas (de validade universal), o “dever-ser” como resultado de uma culturalização do indivíduo. Em confronto de ideias “O facto de o homem ser dotado de razão não faz com que ele apenas possa ou deva agir de acordo com ela.” XXXXXXXX XXXXX XXXXXX, A parte geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, Reimpressão da edição de 1992, Almedina, Coimbra, 2000, 7 (nota 3)
2Justificando o Direito como necessidade antropológica do homem “Carecido de um equipamento instintivo que determine e dirija certeiramente a sua conduta (...)caracterizado por uma incompletude essencial (…) diz-se “aberto para o mundo” (…) esta incompletude e abertura estão radicadas biologicamente, no próprio inacabamento do desenvolvimento ontogénico.” Xxxxxxxx Xxxxxxx, Introdução ao direito e ao discurso legitimador, Almedina, Coimbra, 1996, 7
3A consciência da nossa finitude, de sermos “seres para a morte”, parece cada vez menos absoluta, minada pela vontade de omnipotência, veja-se o exemplo da manipulação genética para fins de melhoramento da espécie humana. A terapêutica genética ou celular (realizada pela substituição do genoma da célula por outro gene normal)
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES4
1. Metamorfose do Ser, do Querer e do Ter 5
Quis o progresso da pós-modernidade que hodiernamente sejamos coagidos a perspectivar a “metanarrativa moderna do progresso” como o futuro da humanidade. De infinitude, ilimitada, em que o conhecimento não serve nada mais do que o poder. Mas talvez, se pudéssemos conhecer sem nunca nos apoderarmos desse conhecimento, talvez, não nos encontrássemos presos ao movimento da reificação. Estaremos livres da morte e da doença, teremos prole quando e como entendermos (à nossa semelhança ou melhorada), seremos produtos (objecto e não sujeito6), e deixaremos de ser. Passaremos a ter. Um corpo, objecto, um filho, artifício individual. E depois? O que seremos se o fica é o que temos?
2. Tecnocracia: um presente envenenado 7
A epifania do tecnologicamente possível, da falsa ideia da auto-suficiência, do poder humano ilimitável provoca cegueira social. Para isso em muito contribuiu a evolução da biologia8 que revelou mistérios como a origem e evolução da vida, as funções do organismo, sua ontogenia e adaptações.9 O estudo do ADN e dos seu genes (segmentos específicos) permitiu a modificabilidade da estrutura biológica - assim nasce a engenharia genética10 - a traduzir-se a tentação do homem em intervir, isolar genes, modificá-los, de os introduzir noutros organismos, de corrigir e dirigir a evolução da natureza humana. O avanço da genética colheu consternação e a resposta jusfundamental fez-se notar na quarta revisão do texto constitucional
e a sua aplicação quer em células somáticas, quer ainda em células da linha germinal poderá envolver: 1) a intervenção genética sobre o embrião humano (seja fins de investigação ou terapêuticos); 2) manipulação genética para um melhoramento genético da pessoa, e porquanto da espécie.
4As reflexões explanadas infra foram resultado das seguintes obras: XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXX, Xxxxxxxxx, suicídio ajudado e barrigas de xxxxxxx, Xxxxxxx, Xxxxxxxxx, 2017, 17 a 170; XXXX XXXXXX, The value of life, an introdcuction to medical ethics, Reprinted 2001, Routledge, London, 136 a 156; BETTE-XXXX XXXXXXX, Bioethics, Selections from the Hastings Center Report, third ed., Bedford/St.Martin´s, 1998, 62 a 85
5“Nasci cedo, demasiado cedo. Se tivesse nascido agora, o meu pai teria utilizado as vias mais modernas da genética” XXXXXXX XXXXXX, A alma do mundo, anima mundi, trad. Xxxxx Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxxxx, 2ª ed., Presença, Lisboa, 1997, 22.
6A fazer lembrar os primórdios dos debates doutrinais acerca da definição dos direitos de personalidade.
7Ao passar do conhecimento da vida para o poder sobre a vida, a biologia avança com demasiada rapidez: não permite que haja tempo para reflectirmos nas consequências dessas mudanças” Xxxxxx Xxxxxx, Os filhos da ciência,Xxxxx, Lisboa, 1985, 14.
8O diálogo entre as diferentes disciplinas da biologia, sejam a fisiologia celular, a genética, a bioquímica, a virologia, a microbiologia, nasceu a biologia molecular (estuda os fenómenos que se desenvolvem nos organismos vivos em função das estruturas e das interrelações funcionais manifestadas entre os constituintes macromoleculares da célula.)
9A nova era começou a desenhar-se com a descoberta por Xxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx do ADN em 1953, ou ainda antes nove anos, quando Xxxxxx Xxxxx descobria que o ADN é a substância física do património hereditário. 10Tem por base a recombinação genética ou ADN recombinado, em que o processo de clonagem dos genes é o objectivo primeiro.
(art.26º nº3), acompanhada do eco internacional11. E assim o futurismo de Xxxxxx suplanta a ficção e torna-se realidade. Ilustrativamente “procura-se agora (…) legitimação da experimentação e da utilização das potencialidades, especialmente terapêuticas, dos tecidos embrionários e fetais. Além disso discutem-se candidatos a novos sujeitos do direito internacional e constitucional, como são as gerações futuras ou vindouras, e afirmam-se, sem negar o adquirido da “idade dos direitos” (Xxxxxx), dimensões de dever.”12
3. A medicina do futuro e o futuro do Homem: bioética como imperativo categórico13
É inegável o contributo da evolução da medicina. Quando as diferenças entre tratamento e aperfeiçoamento se esbatem, o médico é chamado a desempenhar funções prementes de consciencialização, de informação e aconselhamento médico. No entanto o papel do médico encontra-se em mudança. A figura de autoridade sapiente e inquestionável decaiu em detrimento da capacitação decisória do paciente. Mas terá o homem direito a declarar-se “doente” e a optar pelas terapêuticas a implementar? Invocando assim o princípio da autonomia em detrimento dos princípios da subsidiariedade e da beneficência?14 As dúvidas avultam no caso das técnicas de PMA, se se iniciou as intervenções fundamentadas no princípio da subsidiariedade (tratamento de infertilidade), evoluiu-se para a conformação do princípio da beneficência (em prol da saúde reprodutiva e não transferência de doenças genéticas), absolutizando-se a sua aplicação com o princípio da autonomia, em que cada um para além do desejo de ter um filho, pretender ter “o filho desejado”.
11Quer ao nível mundial, Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem (DUGH, ora em diante) aprovado por unanimidade, na XXIX Secção do Congresso Geral da UNESCO, a 11 de Novembro de 1997, quer ao nível regional, na Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina em conjugação com o Protocolo Adicional no que concerne à clonagem humana. De referir ainda as Comissões Nacionais de Ética, em Portugal o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV, ora em diante).
12JOÃO XXXXXX XXXXXXXXX XXXXXXXX, “O direito à identidade genética do ser humano”, in Portugal- Brasil ano 2000 tema direito, Studia Iuridica 40, Colloquia 2, Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, 269.
13“descendência da exclusão biológica(...) “a qualificação dos indivíduos numa escala de rendimento potencial opor-se-á em, breve ao respeito que se reivindica pela alteridade” XXXXXXX XXXXXXX, A procriação pela medicina, Instituto Piaget, Biblioteca Básica de Ciência e Cultura, Lisboa, 1993, 113.
14Os princípios da bioética: não-maleficência, beneficência, justiça e princípio da autonomia, cfr. XXX X. XXXXXXXXX, XXXXX X. CHILDRESS,. Principles of biomedical ethics, Sixth ed., Oxford University Press, Oxford/New York, 2009
4. As técnicas de procriação medicamente assistida: do milagre biológico ao milagre tecnológico15 16
Centramo-nos agora na área em que a evolução médico-científica nos concedeu mote para este trabalho: a reprodução medicamente assistida e a sub-rogação da gestação (pese embora a sub-rogação não seja técnica de PMA).
A infertilidade17 como tema transversal à história da humanidade, conheceu a sua grande metamorfose a partir do século XX. Hodiernamente as técnicas disponíveis e mais praticadas são a estimulação ovárica18, inseminação artificial intra-uterina(IIU)19, a fertilização in vitro (FIV)e a fertilização in vitro com microinjecção intracitoplasmática (ICSI)20. De referir ainda o diagnóstico genético pré-implementação que permite diagnóstico pré-natal precoce para os casais com elevando risco de transmissão de uma doença genética(DGPI )25.
Acresce a possibilidade de uma mulher gerar uma criança para outrem, de dispor o seu corpo e a sua capacidade reprodutiva, para encetar uma gravidez em prol de outra mulher. Questões adensam-se sobre a susceptibilidade de contratualização da maternidade, o carácter oneroso ou gratuito, ou ainda a possibilidade de renúncia do estado jurídico de maternidade.
15Para o estudo da evolução comparativa da procriação artificial cfr. XXXXX XXXX, O direito fundamental à disposição sobre o próprio corpo (a relevância da vontade na configuração do seu regime), Teses e monografias, Tese de doutoramento em ciências jurídico-políticas apresentada à Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, 554 a 572, em especial 571 a 572 e nota 456.
16“Desde sempre, homens e mulher sofreram por serem privados de filhos e atribuíram esse destino a uma maldição. Os homens e as mulheres com a sorte de procriarem sempre se inquietaram com a normalidade do filho a nascer (…)”XXXXXXX XXXXXXX, A procriação pela medicina, cit., 111.
18É a forma mais simples de intervenção médica, a paciente é submetida a uma estimulação hormonal suave dos ovários, normalmente com a hormona folículo-estimulante (FSH), através de injecções subcutâneas (de fácil aplicação). Não existe um número mínimo ou máximo de ciclos.
19John Xxxxxx realizou a primeira inseminação artificial intraconjugal em 1770 (Londres). A técnica consiste na lavagem e capacitação dos espermatozoides, com posterior introdução na cavidade uterina. Indicações para este tratamento: malformações do pénis, impotência, vaginismo, ejaculação retrogada, volume de esperma muito reduzido, alterações moderadas do número, morfologia e motilidade dos espermatozoides, formação de anticorpos anti-espermatozoides, muco cervical hostil e infertilidade de causa desconhecida. A taxa de sucesso é de 15% por ciclo e a taxa de gravidez gemelar é inferior a 10%. O limite máximo de ciclos a realizar deverá ser definido individualmente, estimando-se os 3-4ciclos mas sendo possível alargar para os 6 ciclos.
20Microinjecção intracitoplasmática (ICSI: Intracytoplasmic Sperm Injection) injecção sob controlo microscópico, de um único espermatozoide no interior do ovócito. Indicação para as anomalias graves no número, morfologia e motilidade dos espermatozoides, azoospermia obstrutiva, alterações morfológicas dos ovócitos, portadores do vírus da imunodeficiência humana (VIH positivos) ou portadores de vírus da hepatite B ou C.
CAPÍTULO 1
A FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DA PMA E OS ADVENTOS CONTRATUALISTAS SUBCAPÍTULO 1
A FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DA PMA
5. Desinstitucionalização e constitucionalização do Direito da Família21
As técnicas de procriação medicamente assistidas trouxeram o corolário da procriação assexuada. Realidades como monoparentalidade (de raiz e por escolha), de sub-rogação da gestação em que uma mulher gera para entregar a outrem, de biparentalidade homossexual, encetaram um revolução sócio-jurídica. A presunção da paternidade, o estabelecimento da maternidade pelo parto, a fuga “para trás” em prol de um pretenso direito a não ser estabelecida a paternidade, são apenas alguns exemplos. A concepção da família encontra-se em mutação e olvidamos até que seja possível definir com exactidão grande parte das realidades familiares. Impera o individualismo e cada um funcionaliza os institutos da família a seu gosto. E eis que o Direito da Família encontra-se em crise, procura-se-lhe novas funções, novas áreas de actuação, reinterpreta-se os seus valores.
Mas os adventos da mudança à muito que fazem o seu caminho. Ao falamos em projectos de parentalidade, em construção de uma família, referimo-nos (ou deveríamos referir- nos) a valores supraindividuais22, ao invés, o discurso dos direitos individuais23 objectiva-se cada vez mais como justificativo de uma espécie de tecnofilia. Proclama-se um direito a procriar
21 “É provável que os progressos neste campo (da revolução biológica) reduzam a estilhaços as concepções morais e legais que julgávamos profundamente inscritas nos nossos hábitos.” Xxxxxx Xxxxxx, Os filhos da ciência,cit., 14. 22No plano colectivo, como forma de perpetuação da espécie é defensável um dever, dito moral, de procriar, no entanto, no plano individual não existe nenhum dever jurídico. A mais, quanto à referência de um valor supraindividual, tem-se em mente que os filhos serão do mundo e não dos pais, farão parte de um colectivo, como seres sociais que somos. Os filhos são descendentes dos pais mas pertencem a uma ordem natural colectiva – a espécie humana. Reforçando a ideia de contributo colectivo está o facto de os pais não possuierem um verdadeiro direito subjectivo sobre os filhos, têm antes poderes-deveres, assim o dever de educar e civilizar, para o mundo... 23Primado da dignidade da pessoa humana, a tutela constitucional da reprodução advém do princípio do desenvolvimento da personalidade e do princípio da autonomia privada. Em contraponto com a nota anterior argumenta-se que a procriação satisfaz interesses individuais. Pelas razões mais diversas, temos filhos por motivações pessoais (queremos deixar semente nossa neste mundo, porque perspectivamos o filho como um projecto pessoal de entrega e amor).É curioso que, à nascença, façamos a análise das feições do bebé.
(advindo da autodeterminação parental24). Confundem-se conceitos25, esvaziam-se direitos26 e movimentamo-nos rapidamente para uma hipertrofia do eu27, numa Era de autosuficiência em que cada um se basta a si mesmo. É nesta senda que o direito a procriar ganha força, não como projecto comum, solidário, inserido na instituição família, de partilha com o mundo de “mais um” da espécie mas como um acto individualista, de expressão da vontade egoística, expressão por ventura de empoderamento da mulher28 29
24“Quem praticar acto de procriação artificial em mulher, sem o seu consentimento, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.” art.168º CP, Capítulo V (Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual), Secção I (Crimes contra a liberdade sexual). Esta sistematização é criticada por XXXX XXXXXX XXXX (advogando que não é a liberdade da disposição sexual da mulher que está em causa) e, parece, subscrito o entendimento por XXXXX XXXX, O direito fundamental à disposição sobre o próprio corpo (a relevância da vontade na configuração do seu regime), cit., 577 (nota 533).
25Confunde-se a condicionante fáctica da reprodução humana ocorrer com a ligação entre pessoas de sexos diferentes com o conceito de infertilidade (ausência de gravidez após um ano de actividade sexual regular sem uso de contraceptivos.
26JORGE BACELAR GOUVEIA refere uma “banalização” da garantia inerente dos direitos fundamentais, a “multiplicação” excessiva de direitos fundamentais, em que se perdeu a ideia de “hierarquização” como se todos os direitos fundamentais tivessem o mesmo valor, a “perda da visão axiológica” a par com a “dessubstancialização” e desmaterialização dos direitos fundamentais., cfr. “A afirmação dos direitos fundamentais no Estado Constitucional Contemporâneo”, ponto 8, consultável em xxxxx://xxx.xx.xxx.xx
27A natureza ambivalente do indivíduo, como ser autónomo e social, da “sociabilidade não social” Kantiana, não pode ser esquecida. O tão proclamado direito ao desenvolvimento da personalidade não pode ser vislumbrado unicamente como o direito a ser e a ter tudo a que cada indivíduo aspira. A satisfação dos interesses individuais só é possível em sociedade, o indivíduo não se basta a si mesmo. XXXXX XXXXX XX XXXXXX refere-se ao reconhecimento “nos outro a mesma dignidade do que no eu”, ao “espaço de exclusão não só dos outros, mas também do próprio (…) por o eu não se poder conceber como superior a si mesmo, e portanto, não se poder intrometer no seu eu de modo prejudicial”, Nós, Estudos sobre os direitos das pessoas, Almedina, Coimbra, 2004. 15.
28Os movimentos feministas, de empoderamento da mulher parecem surgir como um medir de forças, como uma tentativa de divisão entre homens e mulheres. Lembro a ideia do sistema das quotas nas empresas que me parece uma falsa questão, pois que não se trata de implementar a quotização dos postos de trabalho a mulheres e homens mas tão só de garantir a existência de igualdade de oportunidades aquando a candidatura ao posto de trabalho. Uma espécie de meritocracia surge como possível resposta, cfr. XXXXXXX XXXXX, The rise of the meritocracy, Harmondsworth, Penguin Books, 1961. Não se nega a, ainda muito infeliz, existência contemporânea de discriminações de género (p.ex. salários ou cargos ocupados) no entanto enquanto o discurso inflamado fizer lembrar o antípoda machismo não iremos almejar o pretendido: uma igualdade de facto. É necessário defender a igualdade das Pessoas, por isso a palavra feminismo não me preenche, uma vez que a denominação é desprovida do que lhe é mais importante, o “nós” enquanto seres da mesma espécie.
29O empoderamento da mulher faz-se sentir na abertura das técnicas de PMA apenas às mulheres. Dir-se-á que tal facto deve-se à natureza das coisas, apenas as mulheres podem gerar uma criança (esta afirmação acabará por ser desmentida pelo progresso médico-reprodutivo, com a ectogénese, em que a gestação do feto decorre dentro de um útero artificial, o primeiro caso conhecido data de 1996, com a gestação de uma cabra). No caso da gestação por substituição, a discriminação dos casais homossexuais de homens (ou homens solteiros) é mais evidente uma vez que, para estes, é o único método para terem filhos. Discriminação essa se perspectivarmos a alternativa procriativa que a LPMA instituiu (acesso a “todas as mulheres” independentemente de diagnóstico de infertilidade). Em rigor, a única alternativa procriativa que homossexuais homens ou homens sós têm é a gestação de substituição. A igualdade jusfundamental pressupõe a não discriminação em razão do sexo ou da orientação sexual. Tiremos ilações...XXXXXXXXX XXXXXX XXXXXXX XXXXX realça que para terem descendência biológica estes casais (ou homens solteiros) têm de recorrer à gestação de substituição “Técnicas de reproducción asistida y filiación en uniones homosexuals en Espanã” in XXXXXX XXXX- XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX (coord.), Autonomia e heteronomia do Direito da Família e no Direito das Sucessões, Almedina, Coimbra, 2016, 834 ss. Cfr. ponto 9.2 infra.
O sufrágio dos direitos individuais na autodeterminação da parentalidade tem as raízes mais profundas na mudança do paradigma institucional da família30 31 para o paradigma personalista32. A redesenha desta mutação inicia-se com o denominado processo de desinstitucionalização3334 (ou desfuncionalização) que se solidifica com a “constitucionalização do direito da família” (quer na aplicação dos princípios e normas constitucionais nas relações
30“os direitos da família são os que nascem do facto de uma pessoa pertencer a uma determinada família(...) no organismo familiar, os seus membros estão entre si em relações de supremacia e sujeição, como um organismo político, ao mesmo tempo que de cooperação e solidariedade”, XXXX XX XXXXX XXXXXXXXX, Tratado de direito civil : em comentário ao código civil português, Vol.1, Coimbra Editora, Coimbra,1929, 277.
31Até ao séc.XX a família enquanto instituição corporativa, enquanto dimensão comunitária e como fim em si mesmo, funcionalizava as posições jurídicas dos seus membros em prol de um fim unitário, comum. A estrutura intersubjectiva das relações jurídico-familiares, hierarquizadora e especificadora de funções de cada um, ilustrada na expressa inglesa “breadwinner-housewife marriage” (em que o paterfamílias detinha o poder conjugal e paternal e a esposa teria a função da governação doméstica) não permitia conceber a igualdade entre as partes o que sedimentava a indisponibilidade e a imutabilidade dos estados pessoais que a relação familiar constituía. A supremacia do homem na relação conjugal é ilustrada brilhantemente por XXXXXXXXX XX XXXXXXXX, com a expressão “dois numa só carne”, assim "por força desta fusão deste dois seres num só, que a existência da mulher ficava suspensa, ou, pelo menos, ficava incorporada e consolidada dentro da existência do homem...pela mesma razão era impossível conceber um contrato entre os dois cônjuges , que não podia deixar de constituir um “contrato consigo mesmo” ou um pedido de indemnização de um cônjuge contra o outro, porque eram a mesma pessoa.”, “Dois numa só carne” in Lex Familiae Revista Portuguesa de Direito da Família, ano II, n.º 3, Centro de Direito Família, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, 4. Ainda cfr. XXXX XXXXXXXX XXXXX, “A visão personalista da família e afirmação de direitos individuais no seio do grupo familiar” in XXXX XXXXXX XXXXX XXXXXXXX - XXXXXXXX XXX XXXXXX(coord.), Pessoa, direito e direitos: Colóquios 2014/2015, Direitos Humanos – Centro de Investigação Interdisciplinar, Escola de Direito da Universidade do Minho, Braga, 2016, 335 a 365
32RUTE XXXXXXXX XXXXX resume-nos ilustrativamente a contemporaneidade jurídico-familiar “O recuar da importância da dimensão comunitária em favor do acentuar do relevo da dimensão individualista na configuração do tratamento jurídico da entidade familiar é um movimento que se vem, paulatinamente, produzindo no direito português, à luz das novas directrizes constitucionais. Na verdade, o protagonismo dado à pessoa – a cada pessoa em si e por si, apesar da sua inserção na família – reflecte-se na definição do recorte subjectivo das posições jurídicas que emergem e se desenvolvem no interior do contexto familiar como ineludíveis consequências na perspectiva jurídica dos direitos dos familiares” no seu artigo “A visão personalista da família e afirmação de direitos individuais no seio do grupo familiar” in XXXX XXXXXX XXXXX XXXXXXXX - BENEDITA MAC CRORIE (coord.), Pessoa, direito e direitos: Colóquios 2014/2015,cit., 336
33Socorremo-nos da sistematização originária de XXXX XXXXXXXX XXXXX, “A visão personalista da família e afirmação de direitos individuais no seio do grupo familiar” in XXXX XXXXXX XXXXX XXXXXXXX - XXXXXXXX XXX XXXXXX(coord.), Pessoa, direito e direitos: Colóquios 2014/2015, cit., 341 e 342
34Na sua primeira vaga, a partir da segunda metade do século XX, contribuiu essencialmente a mudança fáctica na diversificação das formas familiares (aumento das ruturas matrimoniais, diminuição do número de casamentos em detrimento de um aumento das uniões não matrimonializadas e o crescente número de filhos nascidos fora do casamento). Enquanto a segunda vaga, de natureza jurídica, ocorre já no último terço do século, impulsionado e legitimado pelo primeiro, através de inúmeras reformas legislativas que em Portugal ficou denominada pela “Reforma de 77” pese embora a demanda da transformação do direito da família já se tivesse iniciado em 1975.
jurídico-privadas35, quer no novo enquadramento constitucional da família (no texto constitucional de 1976) que acolhe uma visão personalista da família e do casamento36).
Esta dimensão individualista37 traduz a proclamação dos direitos individuais no seio familiar38, como espaço de exercício de direitos fundamentais39 e/ou direitos de personalidade.
5.1. Constitucionalização do direito civil
As teorias da eficácia imediata40 e da eficácia mediata dos direitos fundamentais nas relações jurídicas privadas pese embora distintas acabam por convergir na ideia de que os
35Insere-se numa das causas da segunda vaga de desinstitucionalização, e tal como todo o direito civil (como abordado infra), tem por base a absorção das normas e princípios constitucionais nas soluções de direito da família (ordinário). Densificou-se a aplicação do princípio da igualdade (formal e material) por força da sua consagração geral no art.13º da CRP, em que um dos seus corolários, de âmbito conjugal, no seu art.36º nº3 da CRP, é um dos exemplos. Consequentemente “enquanto nos outros ramos desse domínio do direito privado, a interferência das directrizes constitucionais acarretou uma limitação do poder de autodeterminação dos particulares -ainda que justificada pela finalidade última de se servir a própria autonomia -, no âmbito do direito da família, (…) importou um alargamento desse poder, com a (decorrente e causante) erosão do carácter institucional da realidade familiar (...)” XXXX XXXXXXXX XXXXX, “A visão personalista da família e afirmação de direitos individuais no seio do grupo familiar” in XXXX XXXXXX XXXXX XXXXXXXX - XXXXXXXX XXX XXXXXX(coord.), Xxxxxx, direito e direitos: Colóquios 2014/2015, cit.,343 e 344.
36Em consequência da proclamação dos princípios da dignidade da pessoa humana no seu art.1º e do respeito e “garantia da efectivação dos direitos e liberdades fundamentais” previstos no seu art.2º. Acentua-se a dimensão “individual-subjectiva” da família, em que esta deixa de ser o fim ético em si mesmo, passando a ser um meio de desenvolvimento pessoal dos cônjuges. XXXXXXXXX XX XXXXXXXX fala-nos de um “sistema interno referencial”, numa “relação pura” desligada de “qualquer quadro de valores e respostas externas”, tratando-se afinal de “uma relação entre dois estranhos” “Precisamos assim tanto do Direito da Família? (Do "Panjurisme" iluminista ao "Fragmentarische Charakter"),” in Lex Familia, Revista Portuguesa de Direito da Família, ano X, n.ºs 19, Centro de Direito da Família, Coimbra Editora, Coimbra, 2013,5. Ressalva-se, a continuidade da tutela da dimensão institucional da família , no art.67º da CRP, como “elemento fundamental da sociedade” (este será tema abordado infra no “direito da família”).
37“ Temos, finalmente, dois parceiros conjugais sujeitos ao mesmo processo de renascimento da subjectividade (…) isto quer dizer que cada um exigirá da união – do outro – muito mais do que alguma vez se pretendeu; e isto passa-se num quadro em que cada um está mais sofregadamente do que nunca formulando as suas próprias pretensões”. XXXXXXXXX XX XXXXXXXX, “Transformações do direito da família” in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, Vol.I Direito da família e das sucessões, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra editora, Coimbra, 2004, 764
38“o artigo 36º da Constituição surge como repositório das posições jurídicas subjectivas em matéria de família” XXXXX XXXX, Novos direitos ou novo(s) objecto(s) para o direito?, U.Porto editorial, 1ªed., Porto, 2010, 107.
39Categoricamente “o crescimento dos direitos fundamentais – tão vasto e intenso que até tem feito lembrar que são demasiado esquecidos os deveres fundamentais – sublinha nitidamente que cada indivíduo pretende escrever a sua biografia” XXXXXXXXX XX XXXXXXXX, “Precisamos assim tanto do Direito da Família? (Do "Panjurisme" iluminista ao "Fragmentarische Charakter"),” in Lex Familia, Revista Portuguesa de Direito da Família, ano X, n.ºs 19, Centro de Direito da Família, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, 3.
40“os direitos fundamentais vigoram imediatamente em face das normas de direito privado(...) Aqui os direitos fundamentais desempenham as suas funções “normais”, como proibições de intervenção e imperativos de tutela” XXXXX XXXXXXX XXXXXXX, Direitos fundamentais e direito privado; trad. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxx Xxxxx, Xxxxxxxx, Coimbra, 2003, 36. No entanto o autor alerta para a modificação dos efeitos dos direitos fundamentais face aos sujeitos da relação jurídica “não resulta que os direitos fundamentais tenham sempre, para a relação entre sujeitos de direito privado, exatamente o mesmo conteúdo e o mesmo alcance que na relação entre o cidadão e o Estado” cit., 37
princípios de direito civil concretizam-se de acordo com os princípios e valores constitucionais. As normas juscivilísticas operam sempre em respeito dos princípios e valores constitucionais.
5.2. Direitos de personalidade como direitos fundamentais41
O primado da pessoa humana, como objecto central de protecção constitucional - como um dos vectores basilares a preservar e a promover42 - perspectiva todo o programa normativo que norteia a unidade do sistema jurídico português. A tutela geral da personalidade (art.70º do CC), na redacção constitucional do art.26º, abarca o desenvolvimento da personalidade e a “protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”. Porquanto, para além de expressão do princípio da igualdade consagrado no art.13º, “impõe um dever de legislar sempre que seja necessário para combater as formas de discriminação que a Constituição considere intoleráveis”.
5.2.1.O sufrágio dos direitos de personalidade43 no seio do direito da família44 45
41“o direito ao livre desenvolvimento da pessoa é um direito fundamental, consagrado na Constituição(...) O direito geral de personalidade permanece, todavia, um direito subjectivo civilístico, enquanto direito que “tem lugar no direito civil” que não deve na sua aplicação ser sobrecarregado com considerações jurídico-constitucionais” XXXXX XXXX XXXXX, “O direito ao livre desenvolvimento da personalidade” in Portugal-Brasil ano 2000 tema direito, cit., 244 e 245.
42Preservação, quanto à fixação de limites de actuação dos poderes públicos; de promoção, aquando mandatos prestacionais.
43O direito de personalidade, como direito subjectivo e positivado como primado constitucional, “direito ao livre desenvolvimento da personalidade”, na decorrência do imperativo de respeito pela dignidade humana não representa, xxxxx, apenas a consagração de um direito subjectivo, mas também, objectivamente, a afirmação de um princípio interpretativo da relação entre o cidadão e o Estado e de uma decisão valorativa fundamental, da qual podem e devem extrair-se consequências para a totalidade da ordem jurídica, para a qual pode dizer-se que “irradia”. ” XXXXX XXXX XXXXX, “O direito ao livre desenvolvimento da personalidade” in Portugal-Brasil ano 2000 tema direito, Studia Iuridica 40, Colloquia 2, Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, 160. Os direitos de personalidade encontram-se inseridos na categoria de direitos absolutos (efeito erga omnes, implicando uma obrigação passiva universal) que podem ser diferenciados em direitos de personalidade, direitos de família e direitos reais. Os direitos absolutos por sua vez fazem parte dos direitos subjectivos.
44“(...)a personalidade humana é para o Direito um prius, algo que o Direito já encontra, sendo o seu reconhecimento não apenas exigência lógica (que se bastaria com o reconhecimento da personalidade de alguns segundo a conhecida regra “hominum causa (omne jus constitutum est)...”, mas postulado axiológico, que impõe o reconhecimento e tutela da personalidade de todos os seres humanos”. XXXXX XXXX XXXXX, “O direito ao livre desenvolvimento da personalidade” cit.,165. De resto, este autor faz um brilhante excurso sobre a consagração, evolução do direito (geral) de personalidade; suas diferentes dimensões; titularidade e seus limites e ainda a relação direitos fundamentais e direitos de personalidade.
45Coloca-se a questão de reconhecido os direitos de personalidade saber “como se devem conceber esses direitos: como uma pluralidade taxativa de direitos, incidindo cada um sobre um particular aspecto da personalidade, ou, numa visão unitária, admitindo um complexivo direito de personalidade referido à personalidade no seu todo.” XXXXX XXXX XXXXX, “O direito ao livre desenvolvimento da personalidade” cit.,171. Defendendo um direito geral de personalidade consagrado no art.70º da CRP, XXXXXXXX XXXXX XXXXXX, A parte geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, Reimpressão da edição de 1992, Almedina, Coimbra, 2000, 257 a 271; para uma análise sobre os autores nacionais que perfilham pela afirmação de um direito geral de personalidade cfr. XXXXX XXXX XXXXX, “O direito ao livre desenvolvimento da personalidade” cit., 176 (nota 75) e ainda
Nenhum direito de personalidade é passível de invocação absoluta e isolada46 uma vez que o bem jurídico tutelado – personalidade humana, como realidade complexa, dinâmica, unitária mas integrada num fluxo contínuo da espécie – não pode prescindir da identificação e do diálogo entre as diferentes dimensões tuteladas47 em prol da “matriz unificante e englobante da personalidade humana em geral”48. É esta fusão dos bens jurídicos da personalidade que em conjunto os ultrapassa individualmente e cede coordenadas de interligação.
Em referência à PMA dir-se-á que o direito a ser mãe não pode ser confundido com um putativo direito a ter um filho (direito na procriação assistida). O direito a ser mãe consubstancia-se num direito de personalidade49 - respeitante ao próprio titular do direito – mas porque pressupõe um direito de filiação inserido nos direitos familiares, neste caso, os poderes jurídicos a si atribuídos encontram-se funcionalizados perante os objectivos legais estabelecidos para as relações com certas pessoas, autonomizados na disciplina do Direito da Família. Refere-se assim os poderes-deveres entre pais e filhos (v.g., dever de auxílio e assistência – art.36º nº5 da CRP, art.1874º nº1 e 1878º do CC). Pretendemos assim afirmar que o direito de maternidade e paternidade encontra-se limitado intrinsecamente, pela ratio, pelo fim axiológico-funcional.
XXX XXXXXX XXXXXX XXXXXXX, Comentário aos artigos 70º a 81º do Código Civil, (Direitos de Personalidade), Universidade Católica Editora, Lisboa, 2012, em particular 57 a 63. Esta autora advoga a necessidade de “apartar a tutela geral da personalidade do suposto reconhecimento de uma pretensa categora dogmática, de conteúdo vago e impreciso, representada pelo direito geral de personalidade. Nem se vislumbra utilidade particular naquela autonomização. O nº1 do artigo 70º constitui um título normativo bastante que legitima a protecção dos bens da personalidade sem tipificação legal. Não se justifica, pois, autonomizar um direito geral de personalidade”, cit., 63. Esta é uma crítica conhecida à concepção do direito geral de personalidade como direito-mãe, direito-quadro, surgindo como super-direito, de tipo aberto, como cláusula geral. No entanto impressivamente, para afastar um numerus clausus, XXXXXXX XX XXXXXXXX, justifica o reconhecimento de um direito geral de personalidade pela “ilimitabilidade” da personalidade jurídica, Teoria Geral do Direito Civil, Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx (coord), 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2012, 163
46Também pelo facto de estar em causa um direito-quadro e ser necessário delimitar a sua aplicação, XXXXX XXXX XXXXX sugere “ a valoração e ponderação dos interesses e bens em conflito no caso concreto”, “O direito ao livre desenvolvimento da personalidade” cit.,178.
47“O que significa que, na maior parte das vezes, a identificação de um bem particular da personalidade reflecte apenas o mais imediato de certo corte sectorial da personalidade exigindo a compreensão do caso concreto, normalmente, a consideração de outros sectores da personalidade interligados com aquele bem (…). XXXXXX XX XXXXX, XXXXXXXXXXXX.V.A., cit., 199
48IBIDEM
49“os direitos de personalidade têm como objecto imediato a própria pessoa do titular e não a pessoa de outrem ou nem mesmo um certo comportamento de outrem” in XXXXXX XX XXXXX, XXXXXXXXXXXX.V.A., cit., 201. Este autor coloca mesmo em questão a existência de uma tutela imediata da personalidade humana na sua dimensão relacional.
5.2.2. Direito de procriar como condição essencial do desenvolvimento da personalidade Xxxxxxxx em mente que a funcionalização da mulher como doméstica, cuidadora dos
filhos e serviçal do seu marido encontra-se superada nos horizontes modernos. É com satisfação que o papel da mulher, hodiernamente, não mais se traduz na procriação.50 Se no passado a infertilidade reduzia a mulher à inutilidade51, hoje é uma circunstância, que pode ser de lamento pessoal ou não.52 Tanto mais que ao casamento deixou de estar associada a ideia de prole e a constituição da família não se reduz à filiação. No entanto, não se nega a importância, não redutora, atribuída à procriação, como elemento da identidade fundamental da pessoa. Mas esta identidade fazendo parte do conjunto de dimensões da Pessoa, não é o seu necessariamente núcleo duro. Não podemos afirmar que a procriação é condição essencial ao desenvolvimento pessoal, tal depende de cada pessoa individualmente considerada.
5.2.3. Direito de procriar como direito à saúde jusfundamental
Nos casos de infertilidade53 é legítimo afirmar, sem inquietações, o reconhecimento jusfundamental de um direito à PMA. Trata-se de um critério de “princípio de tratamento”, ao invés, nos casos de ausência de infertilidade ou risco de transferência de doenças genéticas, o princípio constitucional da igualdade material pressupõe o tratamento desigual de situações desiguais.54 Acrescentamos que por uma questão de afectação e gestão de recurso, o Estado
50A entrada no mercado de trabalho no pós segunda guerra mundial, com a crescente autonomização, a expansão dos movimentos de direitos humanos na luta pela igualdade, reconheceu a paridade entre homens e mulheres. A mulher assumiu um papel activo na sociedade, de coexistência em que o seu livre desenvolvimento pressupõe a liberdade, o acesso à educação, à autodeterminação pessoal e sexual, ao mercado do trabalho e aos cargos de direcção, à governação política, naturalmente, a tudo o que se concede ao homem.
51Inutilidade essa reforçada pela atribuição de culpa ao elemento feminino, hoje sabemos que as causa de infertilidade podem ser de ambos os sexos, estando estatisticamente muito equilibrados.
52“Rejeitamos o por vezes invocado desejo inato de procriar na medida em que desvaloriza o facto, consensualmente reconhecido, de que o homem, ao longo da sua inovação tem progressivamente substituído o determinismo da natureza pela iniciativa criadora da inteligência. O homem subordina as manifestações espontâneas da sua natureza ao escrutínio da sua capacidade reflexiva, assim as convertendo em condições naturais para a sua afirmação e desenvolvimento. Também no que diz respeito à procriação seria ingénuo e equívoco explica-la no homem como se este se confinasse à sua dimensão natural, à semelhança dos demais seres, negligenciando as múltiplas e muito diversificadas construções do homem em relação a este aspecto e às quais chamamos cultura.(...)teremos necessariamente de rejeitar um inatismo procriativo.” M.XXXXXX XXXXX, “PMA: do desejo de um filho ao filho desejado”, in XXXX XXXXXXXX XXXXXXXX (coord.), Do início ao fim da vida”, Publicações da Faculdade de Filosofia, Universidade Católica Portuguesa, Braga, 2005, 119 (nota 6).
53Pelo imperativo do art.24º, 26º, 64º, 36º, 67º da CRP “efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros” em estrita conexão com o acesso à legis art mais inovadora.
54LUÍSA NETO, O direito fundamental à disposição sobre o próprio corpo (a relevância da vontade na configuração do seu regime), cit., 582.
deverá racionalizar a sua intervenção na área da saúde reprodutiva, afectando os recursos disponíveis primariamente a pessoas com problemas de infertilidade55.
5.2.4. Direito a procriar na dimensão da autonomia individual densificado pela tutela geral da personalidade na perspectiva de igualdade perante os heterossexuais56
O direito ao desenvolvimento da personalidade inclui a formação da personalidade e o reconhecimento de um espaço de liberdade, autonomia e realização pessoal. A constituição de uma família é uma das dimensões de realização xxxxxxx00. Para os casais do mesmo sexo e para as mulheres solteiras, fala-se de uma autodeterminação parental e de uma igualdade perante os casais heterossexuais58. Mas relações entre adultos baseadas na sua autodeterminação sexual e na sua liberdade (tutela jusconstitucional pelos princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana e do seu livre desenvolvimento) não podem ser confundidas com o compromisso para com o ser nascente59. Esta é uma visão individualista da família, em que a visão institucional desvanece-se em prol de uma hipertrofia dos direitos individuais que corrompem o animus da autonomização do direito da família. Falamos de uma pretensa liberdade na procriação assistida (freedom in procreation), a qual não possui garantia constitucional. O art.36º nº1 da CRP ao consagrar o direito fundamental de constituir família, sufraga o direito fundamental de procriar (freedom to procreate) e a eliminação de todos os obstáculos ao estabelecimento jurídico de relações de filiação. Esta interpretação do normativo não obsta a concepção da existência de um direito subjectivo de recorrer a meios médico-científicos idóneos para procriar. O que não força a conclusão de estarmos perante um direito de personalidade. Estamos sim, perante um
55Aliás a utilização de técnicas de reprodução assistida não resolvem os problemas de infertilidade. A PMA não é cura da doença, a pessoa, o casal, contínua infértil, mesmo aquando a geração de um filho.
56“(...)nenhum valor para si tem o bem-estar como existência da vontade particular: só o possui como bem-estar universal em si, isto é, segundo a liberdade. O bem-estar não é um bem sem o direito. Do mesmo modo, o direito não é o Bem sem utilidade.” XXXXX, Princípios da filosofia do direito, cit., 127.
57Assim repercute o art.36º nº1 da Constituição “Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade.”. O direito de constituir uma família engloba o direito à procriação, ao estabelecimento de relações jurídicas de paternidade e maternidade, ao estabelecimento da relação de adopção.
58Não se discute o reconhecimento do direito de viver livremente de acordo com a sua orientação sexual. O princípio da igualdade, no art.13º nº2 da Constituição, elenca exemplificativamente factores de desigualdade intoleráveis e, pela revisão constitucional de 2004, a “orientação sexual” passou a pertencer ao elenco. Não se trata apenas de proibir a discriminação mas também de proteger as pessoas contra a discriminação.
59“o direito ao desenvolvimento da personalidade e, mais concretamente, o direito à autodeterminação sexual e a proibição da discriminação em função da orientação sexual não exigem o reconhecimento de todas as situações da vida em comum e de todas as relações afectivas duradouras como equiparáveis, nem impõe a sua igual protecção como manifestações da vida familiar.” (…) “do exposto resulta que não existe qualquer discriminação com base na orientação sexual quando se restringe o estabelecimento da filiação à paternidade e à maternidade, em correspondência com a base antropológica da geração.” XXXX XXXX XXXXXX, “O impacto da retórica da igualdade de direitos das pessoas com orientação homossexual nas leis relativas às famílias” , in XXXXXX XXXX- XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX (coord.), Autonomia e heteronomia do Direito da Família e no Direito das Sucessões, cit., 852.
direito subjectivo que paira entre os direitos de personalidade e os direitos familiares porque se se inicia o seu fundamento no espaço de autodeterminação e desenvolvimento pessoal (direito de personalidade)60, ele encerra o seu âmbito de actuação no espaço de filiação, rectius, no estabelecimento de relações de filiação (direito da família). Em resumo, o direito a procriar e a estabelecer os respectivos laços de filiação é um direito subjectivo, de personalidade, enquanto a pretensa possibilidade de procriação medicamente assistida é um direito subjectivo ao acesso do “tecnologicamente possível”61, de estrutura complexa, móvel62, que será sempre funcionalizado, em última instância, pelo superior interesse da criança nascente63.
5.3. Direitos familiares pessoais como direitos subjectivos de estrutura complexa64
O conteúdo dos direitos familiares pessoais não se restringe aos poderes ou faculdades, comportando também deveres, os denominados “poderes-deveres ou direitos-deveres”65. Porquanto o seu titular não é apenas auto-responsável mas também responsável pelo outro (ex., pelo sustento e educação dos filhos) - funcionalização do poder-dever 66- uma vez que não pode exercer o seu direito de “livre vontade” mas apenas direccionado para as funções controladas pela ordem jurídica (art.36º nº5, 6 e 7 da CRP e art.1915º nº1 do CC).
60Não se argumente que em causa está a reserva da vida privada e familiar (art.26º da CRP), a única reserva da vida privada existente é da pessoa que se candidata às técnicas de PMA. Pense-se na monoparentalidade fundada na PMA e repare-se que sem a futura criança não há família, muito menos reserva da vida familiar (referimo-nos à constituição de família apenas pela filiação, claro). O que sobressai é o interesse individual e não o interesse superior da criança a nascer. E nesse caso a alegação da reserva da vida privada não pode inibir o Estado de regular estas matérias.
61Trata-se de um bem juridicamente tutelável, em que se releva a expectativa de acesso às técnicas médicas existentes.
62Que se move entre os direitos de personalidade e os direitos familiares e que resulta essencialmente na tutela das situações de infertilidade porque estas concebem-se dentro da estrutura natural de procriação - que só não ocorre por uma incapacidade reprodutiva. A mais, os casos de infertilidade inserem-se no direito à saúde e ao acesso às técnicas medicamente aptas. Assim, o acesso às técnicas de PMA inscrevem-se no princípio da subsidiariedade, enquanto meio de superação de infertilidade, e no princípio da beneficência quando em causa estão doenças transmissíveis geneticamente, como promoção da saúde reprodutiva.
63A liberdade de procriar está limitada pelo interesse da futura criança.” XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, O direito da família contemporâneo, Lições, 4ªed.AAFDL, Lisboa, 2013, 216
64“os direitos familiares pessoais não possuem objecto” XXXXXXXX XXXXX XXXXXX, A parte geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, Reimpressão da edição de 1992, Almedina, Coimbra, 2000, 255. Afastando assim os direitos familiares pessoais dos direitos de domínio, diz-nos este autor “ninguém se torna por meio de relações jurídicas familiares num objecto de direito do outro, dominado por outrem; um cônjuge não é objecto de direito do outro, nem os filhos são objecto de direito dos pais”, ibidem.
65Consagrado constitucionalmente no art.36º nº5 da CRP, a lembrar o facto de não serem autênticos direitos subjectivos pois que devem ser exercidos “do modo exigido pela função do direito” XXXXXX XXXXXXX XX XXXX XXXXX, Teoria Geral do Direito Civil, cit.,179.
66“os poderes familiares, segundo a concepção moderna, são dados como meio de praticar os inerentes deveres; são direitos de fim altruístico. A essência dos direitos de família está em que ao seu titular incumbem deveres éticos para com os outros; e, por isso, o exercício do direito não é facultativo, mas constitui uma obrigação”. XXXX XX XXXXX XXXXXXXXX, Tratado de direito civil : em comentário ao código civil português, cit., 278.
Também assim o direito a procriar encontra limite intrínseco no “fim do direito” e é concedido para “a formação de um grupo familiar composto por um filho e um progenitor; em que o interesse mais ponderoso é o da criança”67.
6. Autonomia privada68 69: o problema da liberdade contratual nas relações familiares70
Os adventos do individualismo no seio da família subjaz a necessidade de regular as relações jurídicas adjacentes. Encontramos assim a dicotomia entre alicerçar este tema no direito das obrigações ou no direito da família, conhecendo-se os seus maiores autores em Canaris e Xxxxxxx. Enquanto Xxxxxxx parte do direito dos contratos e defende que o problema insere-se na interpretação do conceito constitucional da autonomia privada71 material72,
67Como primado fundamental do direito privado, dir-se-á que que a autonomia privada pressupõe dois grandes valores fundamentais: liberdade e igualdade dos homens. Liberdade na autodeterminação das suas relações jurídicas e igualdade1 nas relações de paridade com os seus pares (passo a redundância). Advindo do valor basilar da autodeterminação do homem, a conformação das suas relações jurídicas permite a este ter o comando da sua vida, organizar individualmente o seu “pequeno mundo “XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, “Mãe portadora – a problemática da maternidade de substituição” in OLIVEIRA DE ASCENSÃO (coord.), Estudos de Direito da Bioética, cit., 333.
68No man is an island, entire of itself; every man is a piece of the continent, a part of the main; if a clod be washed away by the sea, Europe is the less, as well as if a promontory were, as well as if a manor of thy friend's or of thine own were; any man's death diminishes me, because I am involved in mankind, and therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee.” XXXX XXXXX, Meditation 17, The complete english poems, edited by
X. X. Xxxxx, Allen Lane, London, 1974.
69“autonomia” é uma palavra de origem grega, composta pelas palavras autos e monos, traduzindo à letra, estabelecer leis para si mesmo.
70“o imperativo de respeito pelo modo de ser concreto de cada indivíduo, sem sujeição a um modelo ideal predeterminado em abstrato, alimenta um conceito de liberdade de cunho substancialista, como autodeterminação efetiva em todos os domínios da existência. O que, por sua vez, e em conexão, postula uma dimensão essencial da igualdade como direito à diferença.” XXXXXXX XX XXXXX XXXXXXX, “Os Direitos de Personalidade como Direitos Fundamentais”, in XXXX XXXXXX XXXXX XXXXXXXX - XXXXXXXX XXX XXXXXX(coord.), Pessoa, direito e direitos: Colóqios 2014/2015, cit., 2016, 272.
71Canaris vislumbra os direitos fundamentais numa perspectiva individual, onde o indivíduo é o ponto de referência. Daí que correlacione o dever de protecção do Estado com o primado constitucional da liberdade. Em matéria do direito da família, este autor, considera que a autonomia privada material encontra-se comprometida pela diminuição da capacidade funcional, deturpada pela influência dos sentimentos. XXXX XXXXXX XXXXX XXXXXXXX ilustra a ideia como “a solidariedade familiar como causa da perturbação da liberdade contratual” in “Contrato e família – as relações familiares como limite da liberdade de conformação das relações contratuais” in XXXXXX XXXX- XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX (coord.), Autonomia e heteronomia do Direito da Família e no Direito das Sucessões, cit., 318.
72Autonomia em sentido material designa uma autonomia de direito e de facto, enquanto a autonomia em sentido formal refere-se exclusivamente a uma autonomia de direito, indiferente aos contextos de facto.
Xxxxxxx insere o problema no âmbito do direito da família e parte do valor constitucional da solidariedade específica entre os membros da família73 74
Mas a “alternativa entre um imperativo de tutela da liberdade, tomando como ponto de referência o indivíduo, e um imperativo de tutela da solidariedade, tomando como ponto de referência as instituições sociais, é uma falsa alternativa” (…) “Em primeiro lugar, o Estado tem um imperativo de tutela da liberdade, e em segundo lugar, tem um imperativo de tutela da solidariedade familiar. O imperativo da tutela da liberdade deve concretizar-se em normas sobre o procedimento e o imperativo de tutela da solidariedade (familiar) deve concretizar-se em normas sobre o resultado (sobre o conteúdo do contrato).”75
7. Direito da Família
Aqui chegados, e porque a evolução do conceito de família já foi abordado supra, iremos centrar a atenção no enquadramento constitucional da família e no tratamento das interligações
73Em vez de uma perturbação da liberdade das partes vista por Xxxxxxx, Xxxxxxx encontra um conflito entre as diferentes áreas de acção de cada instituição, contrato e família. Perspectiva assim os direitos fundamentais na sua dimensão institucional, em que a sua interpretação terá sempre de pressupor a dimensão individual e a dimensão colectivo-institucional. A instituição família interliga-se ao altruísmo, à solidariedade, ao amor, encontrando-se nos antípodas da instituição contrato enquanto instrumento de prossecução de interesses individuais e até económicos.
74Problema da instrumentalização da família, prestação por altruísmo ou solidariedade instrumentalizada, como meio para atingir fins egoísticos. reporta-se a uma “corrupção estrutural” na relação entre as áreas de acção do contrato e da família cfr. XXXX XXXXXX XXXXX XXXXXXXX, “Contrato e família – as relações familiares como limite da liberdade de conformação das relações contratuais” in XXXXXX XXXX- XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX (coord.), Autonomia e heteronomia do Direito da Família e no Direito das Sucessões, cit., 322.
75NUNO MANUEL PINTO OLIVEIRA, “Contrato e família – as relações familiares como limite da liberdade de conformação das relações contratuais” in XXXXXX XXXX - XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX (coord.), Autonomia e heteronomia do Direito da Família e no Direito das Sucessões, cit., 323
entre o direito a “constituir família”76, o direito a “contrair casamento”77 e o direito “a procriar”78 79
7.1. O que impera: o amor ou o sangue? 80
Por um lado, a argumentação de que o desejo de parentalidade pode ser satisfeito com o instituto da adopção - traduzido no maior acto de amor. Por outro lado, quem argumenta que a adopção não corresponde aos íntimos desejos de procriar e que compreende a ligação biológica como fundamental para o estabelecimento da parentalidade81 e afirma o vínculo biológico como a maior experiência de parentalidade. Mas...a inquietude toma conta da consciência, a maternidade de substituição é o reino supremo do espartilho do “childrearing” - unidade dos processos de concepção, gestação e acompanhamento da criança82 - é dilacerado83. A sub-rogação da gestação representa a maior dissociação entre relação afectiva e biológica. O critério cerceador do acesso à PMA - o valor hegemónico de procriar em detrimento de uma adopção – surge vencido pela evidência. Não se trata de vivenciar toda a experiência de
76Apesar do progressivo movimento individualista no seio familiar, não deixa de ser facto, como já referimos supra “o enquadramento constitucional da questão é ainda completado pela redacção do artigo 67º, que vem desta feita olhar para a família numa perspectiva de garantia institucional – xxxxx, em sede sistemática de direitos sociais.” XXXXX XXXX, Novos direitos ou novo(s) objecto(s) para o direito?, cit., 107. Xxxxx, prossegue a autora “saliente- se que esta protecção garantida pelo artigo 67º – apesar de não beneficiar da força jurídica e vinculativa que decorre do artigo 18º para os direitos, liberdades e garantias, e portanto para o artigo 36º supra citado, que beneficia de tal natureza – compreende não só a família conjugal, como a natural e adoptiva.”, cit.,108.
Reforce-se a seguinte constatação, a regulamentação da procriação assistida encontra-se inserida na dimensão institucional da família, no art.67º al.e), inserido no direito a constituir família e não na dimensão personalista do art.36º.
77Previsto na segunda parte do art.36º nº1 (na leitura conjugada com o art.16º da DUDH); a competência do direito civil para regular os requisitos, efeitos e dissolução do casamento (consagração de verdadeiro direito ao divórcio independentemente da forma de celebração do casamento) no seu nº2; estabelece a não discriminação entre filhos nascidos no casamento ou fora dele.
78A protecção da maternidade e paternidade, encarados como valores eminentes (nº 2 do art.68º da CRP) está inserida nos direitos sociais, no art.68º.
79Contrariamente, sistematizando o direito a constituir família “abarca o direito de procriar e o direito a constituir um vínculo de filiação(...)” XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, O direito da família contemporâneo, Lições, 4ªed.AAFDL, Lisboa, 2013, 216.
80“(...)a grande , a terrível contradição é esta: o que os homens mais receiam é a diversidade, mas, apesar disso, continuam a pôr filhos no mundo.(...)um filho é sempre diferente(...)na realidade, a via mais correta para as pessoas se reproduzirem era a que tinha sido escolhida, ou melhor, aceite por Xxxxxxxxxxxx. Um boneco com molas na cabeça, a electricidade passa nas molas e a coisa está feita. Tem se uma outra forma de vida, igualzinha à que estava estendida ali ao lado” XXXXXXX XXXXXX, A alma do mundo, anima mundi, cit., 22.
81Não pode conceder a inseminação heteróloga. Diz-se heteróloga, a técnica de procriação em que os espermatozoides ou ovócitos não provêm do casal, com o recurso a um dador (parcialmente heteróloga) ou a dois dadores (totalmente heteróloga), e homóloga se os gâmetas feminino e masculino são provenientes do casal.
82Procreative freedom cfr. XXXXX XXXX, Novos direitos ou novo(s) objecto(s) para o direito?, cit., 24.
83Uma criança concebida pela subrogação de gestação, face à LPMA, pode ser gerada por 4 pessoas diferentes: a mãe contraente/social/intencional, o pai beneficiário/dador de esperma (pelo menos um dos beneficiários tm de ser dador), a dadora de ovócitos e a gestante que cede o útero.
conceber, gerar e acompanhar a criança, não há um projecto de parentalidade mas apenas um projecto de autoria reprodutiva. Assemelha-se a um sentimento de posse, não de altruísmo.
Se a contrário advogar-se a supremacia do amor, “mãe/pai é quem cuida” poder-se-á dizer que a filiação por adopção encontra-se em paridade com a procriação. Podemos ir mais longe, e afirmar que os “novos” projectos de maternidade partilhada84 encontram-se esvaziados de sentido, não são os laços genéticos que movem o desejo de ser-se pai e mãe. Chegamos ao ponto de nos questionarmos se a gestante, em caso de colaboração reprodutiva, pelo imperativo do afecto, não terá o direito ao arrependimento e a pretender o bebé para si.85 Será a procriação superior a outras formas de filiação (como a adopção)?86
7.2.A questão da monoparentalidade87
Encetada a cisão entre acto sexual e reprodução, o campo das possibilidades multiplicou-se. A LPMA ao permitir o acesso às técnicas de procriação assistida a mulheres solteiras instituiu a “monoparentalidade ab initio”. É facto que o Direito concebe verdadeiras famílias unilineares88(adopção, art.1979º nº2 do CC), legitimação unilateral por autoridade de justiça e estabelecimento unilateral da filiação natural) mas entre estas e as famílias advindas
84Consiste na possibilidade de um casal contribuir biologicamente para aconcepção da criança, ovócitos de uma beneficiária e transferência embrionária para o útero da outra beneficiária. Tal procediemnto não tem correlativo na gestação de substituição pois que a segunda (gestante) não irá entregar a criança e renunciar à maternidade. A mais, o art.5º do Decreto-Regulamentar nº6/2016 “a decisão relativa ao membro do casal que é submetido à inseminação”, tal como o art.6º nº4 do mesmo diploma “4 - No SNS não é permitido ao casal de mulheres submeter-se em simultâneo a tratamentos de PMA.”. Cfr. Deliberação nº13-II/2017, de 27 de Janeiro do CNPMA que deliberou no sentido de não estar legalmente “vedada a possibilidade de atender a um projecto de maternidade biologicamente partilhado pelo um casal de mulheres”.
85Como nos diz XXXXX XXXX “A evolução científica torna praticamente sempre certa a derivação do pai. Mas por outro lado, traz ambiguidade quanto à pessoa que deve ocupar a posição de mãe. Contrapõe-se portanto a mãe social, a mãe biológica, a mãe portadora. Mas também a cópula deixou de ser indispensável para a reprodução. O que leva a perguntar se hoje não devemos dizer que o único elemento caracterizador da filiação é a derivação biológica. A evolução assinalada permite porém equiparar à relação sexual o processo em que alguém procede à dação de gâmetas como acto pessoal de procriação, permitindo ainda concluir que a mera derivação biológica nunca caracteriza, por si só, um vínculo de filiação.” (negrito nosso), Novos direitos ou novo(s) objecto(s) para o direito?, cit.,130.
86VERA XXXXX XXXXXX aponta como grande diferença entre adopção e gestação de substituição “na adopção a criança é cedida após o seu nascimento, não tendo sido gerada propositadamente para esse fim; na maternidade de substituição a decisão de a ceder é tomada ainda antes de o feto estar gerado e todo o processo se inicia tendo em vista essa finalidade”. De mãe para mãe, Questões legais e éticas suscitadas pela maternidade de substituição, Coimbra editora, Coimbra, 2005, 24.
87Será mesmo necessário uma aldeia para criar uma criança?
88Fruto de circunstâncias já existentes. Se anteriormente era o falecimento de um dos pais que motivava a monoparentalidade, hodiernamente, as rupturas conjugais ditam as circunstâncias. “De facto, até à pouco tempo, as famílias monoparentais eram um acidente – resultado de mortes precoces ou das pequenas taxas de divórcio.” (…) “o aumento da monoparentalidade, fruto das altas taxas de divórcio, terá provavelmente modificado o modo como entendemos o conceito de interesse do filho, nesta matéria” XXXXXXXXX XX XXXXXXXX, “Transformações do direito da família” in Comemoçraões dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, Vol.I Direito da família e das sucessões, cit., 775.
da procriação artificial existem diferenças. Em primeiro, a procriação artificial continua a alicerçar-se na estrutura hetero, os gâmetas masculinos e femininos continuam a ser necessários (tal como a bilateralidade reprodutiva), em segundo, nos casos já previstos existe “igualdade de vocação de ambos, enquanto que na procriação artificial só pode no seu intento assistir a mulher”89 e por último, são as exigências de protecção de crianças nascidas, diferentes dos (putativos) interesses das crianças desejadas90. Reitere-se, a adopção consubstancia-se no superior interesse da criança, é um remédio para uma situação existente, porquanto a monoparentalidade superveniente não é termo de comparação.
A questão da monoparentalidade “por escolha” encerra em si mesma uma questão fulcral: não é que se coloque em causa a capacidade de um progenitor - com amor e dedicação, criar um bom cidadão do amanhã – questiona-se que tenha o direito de coartar a criança à diversidade, a conhecer outra família (paterna), a conviver com outras gerações (tios e avós), a ver mais para além do horizonte da janela da casa materna.
7.3. Conflitos de “automonias” dos cônjuges91 (direito a não ser pai)92
7.3.1. O consentimento do cônjuge como “vaexata quaestio”93
Será que no caso de procriação medicamente assistida heteróloga (doação de terceiro de espermatozoides), basta dar informação e auscultar o cônjuge, não sendo exigível o seu consentimento?
Xxxxxxx, o direito a procriar 94não pode ser visto como um mero direito de disposição do corpo, como mero direito individual pois que este direito inicia-se e termina na relação com
89LUÍSA NETO, O direito fundamental à disposição sobre o próprio corpo (a relevância da vontade na configuração do seu regime),cit., 584.
90“uma coisa é admitir um que um núcleo de familiar considerado pouco consistente acolha uma criança desprovida de família,, reparando assim uma situação já existente; outra é permitir que esse núcleo gere uma criança sem lhe fornecer as necessárias condições”, XXXX XXXXX XXXXXX, O direito à imortalidade : o execício de direitos reprodutivos mediante técnicas de reprodução assistida e o estatuto jurídico do embrião in vitro, Almedina, Coimbra, 2014, 303.
91No passado discutia-se se haveria lugar a responsabilidade civil nas relações familiares, hodiernamente a resposta é positiva. Há lugar à responsabilidade uma vez que estamos perante uma relação contratual (art.1576º) que o facto de ser jurídico-familiar não exclui , e mais, fora do domínio contratual corresponde aos direitos familiares pessoais um estado e eles gozam da protecção conferida pelo art.483º cfr. XXXXXXXX XXXXX XXXXXX, A parte geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, Reimpressão da edição de 1992, Almedina, Coimbra, 2000, 259 (nota 53).
92JORGE XXXXXXX XXXXXXX, O direito do homem a rejeitar a paternidade de filho nascido contra a sua vontade : a igualdade na decisão de procriar, Dissertação de mestrado em direitos humanos defendida na Escola de Direito da Universidade do Minho 2012, Coimbra Editora, Coimbra, 2013
93LUÍSA NETO alerta para o facto de a questão não se centrar num direito “de vulto sobre a autonomia decisória da mulher mas porque tal solução servirá para expressar o dever de respeito pelo outro”, O direito fundamental à disposição sobre o próprio corpo (a relevância da vontade na configuração do seu regime), cit., 582 (nota 552). 94Que se diferencia do direito à capacidade reprodutiva, veremos infra.
o outro. Inicia-se com o cruzamento de material genético de indivíduos de sexo diferente e termina com a geração de um novo ser que em nada pode autodeterminar-se. Se apenas vislumbrarmos o direito a procriar como direito individual da mulher teremos cônjuges ou até unidas de facto que, de per si, decidem ser mães sem o consentimento do marido. Tudo passado nas maiores das naturalidades, em que o cônjuge ou unido de facto, desconhecendo que a sua companheira falha a toma de contraceptivos, pratica a “comunhão de cama” e depara-se com uma gravidez. O problema jurídico: na pendência do matrimónio ocorre a presunção de paternidade95, biologicamente a criança é sua mas o mesmo nunca pretendeu ter filhos. Ora, hodiernamente o matrimónio já não encontra na constituição de prole fundamento, pelo que, a constituição de família através do matrimónio96 não envolve, necessariamente, o dever de procriar (liberdade de procriação negativa, a não procriar).97 Poderá este pai afastar a presunção de paternidade? Mas, de facto, este é o pai da criança, apenas não deu consentimento para o ser. Este é um exemplo do paradigma clássico, que nos catapulta para a exigência (ou não) do consentimento do cônjuge ou unido de facto para recorrer a técnicas de procriação medicamente assistida. A LPMA não tomou posição quanto a um possível consentimento à priori do procedimento, optou por permitir – à posteriori - a impugnação da paternidade, por parte do casado ou unido de facto que não tenha consentido na inseminação ou que não tenha a criança nascido do processo ao qual deu consentimento98. Prescreve também a LPMA que, em caso de consentimento da beneficiária da técnica de procriação assistida, é lavrado registo de nascimento apenas da “sua parentalidade (…) sem necessidade de ulterior processo oficioso de averiguação”. Em bom rigor, em casos de paternidade desconhecida há obrigatoriamente lugar à averiguação oficiosa da paternidade (arts.1864º e 1865º do CC)99, não se compreendendo a
95Pater is est quod nuptias demonstrat, vertido no art.1826º do CC, pese embora presunção iuris tantum (admite prova em contrário do facto presumido)
96Art.1576º do CC.
97“ o fato do homem não haver consentido com a reprodução não pode eximi-lo de suas responsabilidades como pai, dada a voluntariedade e a consciência com que praticado o ato sexual que pode levar à criação de uma nova vida humana” “no entanto, me matéria de reprodução assistida, justamente porque o casamento não implica a abstenção do direito à liberdade negativa de procriar (liberdade de não procriar), não é razoável que um cônjuge possa pretender impor ao outro a procriação” , XXXXXXXX XXXXXXX, “Liberdade de procriar e o princípio da dignidade da pessoa humana”, in XXXXX XXXXX XXXXXX (coord.), Estudos sobre o Direito das Pessoas, Almedina, Coimbra, 2007, 60. Esta autora parece ligar a utilização de técnicas de reprodução assistida à garantia da plena realização familiar “baseada no princípio da dignidade da pessoa humana” cit., 63, “verdadeira limitação na autonomia da vontade dos pais que agora encontra sua fronteira na função social da maternidade e paternidade responsável e na dignidade da pessoa humana. A liberdade de procriar ou o direito à procriação que toca os pais funciona, portanto, como premissa do direito à vida digna que se reconhece aos filhos, nascidos ou não.” cit., 68 98Art.20º nº4 da LPMA, também o Código Civil, na sua única disposição sobre a PMA, prescreve a mesma ideia, a leitura a contrario, o art.1839º (veda a impugnação de paternidade quando dado o consentimento).
99Para além da acção de investigação, a acção de averiguação oficiosa decorre do interesse público que a descoberta da paternidade possui.
intenção do legislador em discriminar os nascidos pelos meios naturais que gozam de amplos direitos de descoberta da paternidade (acção de investigação e averiguação oficiosa) e os restantes, concebidos pela PMA que obriga a fazer renascer das cinzas o epíteto “filho de pai incógnito”.100
8. Direito a Ser filho 101
8.1. A insólita mudança: de filhos de pais incógnitos a anónimos102
A descoberta da paternidade103 constitui uma preocupação do legislador desde a reforma civilista de 1966104, igualmente sintomático é a imprescritibilidade da impugnação da perfilhação, a todo o tempo105 e ainda, mesmo em caso de nascimento perpetuado por crime contra liberdade e autodeterminação sexual da mulher106, é preterida tal circunstância, prevalecendo o estabelecimento de paternidade. Posto isto, não se concebe que um pretenso direito à reserva da vida privada coarte a possibilidade de alguém descobrir a sua ascendência biológica. O estabelecimento de filiação, enquanto dimensão de verdade pessoal, enquanto raiz de florescimento do novo ser, não pode ser renegada107. Este movimento de consagração do imperativo de conhecimento das origens genéticas108, adensou proporções com a declaração de
100A contrário temos o caso jurisprudencial do Ac. TRL de 18-01-2018 (Impugnação presumida da paternidade em caso de inseminação artificial), consultável em xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xx/xxxxx/xxx_xxxxxx_xxx.xxx?xxxxxxxx00&xxxx0000
101“A parte mais triste de se ser humano é a profundidade da nossa ignorância. Quando ligamos com crianças, é muito mais fácil acreditarmos que somos omniscientes, Infelizmente não é isso que acontece”
102“os avanços científicos processam-se em duas direcções quase opostas. Se por um lado, é desvendado o mistério da paternidade: através do código genético pode-se hoje na quase totalidade dos casos demonstrar a proveniência biológica e o problema passa a ser de implantação prática; mas onde assentava a dúvida, o direito passa a defrontar- se com uma certeza, pelo contrário, as certezas jurídicas sobre dependência entre sexualidade e reprodução são arrasadas” XXXXX XXXX, Novos direitos ou novo(s) objecto(s) para o direito?, cit.,126.
103“A liberdade de não ser considerado pai cai sobre o princípio da verdade biológica.” XXXXXXXXX XXXXXXX XXXXXX, XXXXXXXXX XX XXXXXXXX, Curso de direito da família, Direito da filiação, estabelecimento da filiação, adopção, Vol. 2, tomo 1, Xxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxx (colab.), Coimbra Editora, Coimbra, 2006, 251.
104Em que estabelece a investigação oficiosa da paternidade, art.1864º do CC. Questão conexão é o caso de o pretenso pai negar ou recusar confirmar a paternidade, o tribunal proceder às “diligências necessárias para averiguar a viabilidade da acção”.
105Nº2 do art.1859º do CC, sendo a perfilhação impugnável mesmo após a morte do perfilhado (nº1). 106Independentemente da vontade da mulher, o MP deve instaurar a acção de investigação, art.1867º do CC. 107“Conflituando o direito ao reconhecimento da filiação biológica com a privacidade e a tranquilidade do pretenso progenitor ou com a segurança material dos herdeiros deve prevalecer o direito do investigando e também o direito do Estado e da sociedade na defesa de valores éticos e eugénicos.” Ac.STJ de 21.09.2010, Xxxxx ainda o alerta quanto ao desconhecimento das suas ascendências biológicas podem causar “11. Se está assente o vínculo biológico da filiação é do interesse do Estado e da sociedade o seu reconhecimento jurídico, sob pena de perigo de frustração dos impedimentos matrimoniais – de ordem pública – que vedam o incesto.” consultável:xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxx.xxx/000x0xx0xx0xx0x000000x0x000xx000/x00xxxx00000x000000000x0000xx f51?OpenDocument
108“nos últimos 40 anos, o número de filhos de pai incógnito tem baixo substancialmente. (...)há cerca de 151.000 portugueses sem nome do pai indicado no bilhete de identidade, mas apenas 8000 têm menos de 15 anos. E mais de 70% dos casos referem-se a pessoas com mais de 40 anos” XXXXX XXXXXXX XXXX XXXXXXX, “Filhos de
inconstitucionalidade109 do prazo - de dois anos após a maioridade - caducidade da acção de investigação de paternidade que levou à alteração da redacção do art.1817º do CC, estabelecendo um prazo de 10 anos após maioridade ou emancipação110.
8.2. Reforço do direito da identidade pessoal vs o direito (inconstitucional) ao anonimato
8.2.1 Direito à identidade111
O ser humano permite-se amar a si mesmo, afirmar-se socialmente e estabelecer relações interpessoais quando se conhece integralmente. É a partir de si que se individualiza, se desenvolve, mas também que se integra e é capaz de “vestir a pele” dos seus pares (desenvolvimento da empatia). Quer a individualização, quer a universalização do ser humano
- como um fluxo de projecção colectiva, comum a toda a espécie humana - obriga a uma verdade pessoal. Sem o conhecimento da sua história, das suas raízes ontológicas, das suas certezas biológicas, da sua verdade de berço, é negado ao ser humano parte da sua personalidade.112 Assim, “o direito à identidade pessoal postula um princípio de verdade pessoal, ninguém deve ser obrigado a viver em discordância com aquilo que pessoalmente e identitariamente é.”113
pai anónimo no século XXI” in XXXXX XXXX, XXXX XXXXXXXX XXXXX, (Investigadoras responsáveis),
Debatendo a Procriação medicamente assistida , FDUP, CIJE, Porto, 2017, 51.
109Cfr. Ac. 486/2004, de 7 de julho
110Acrescidos de 3 anos após decurso do prazo, aquando conhecimento superveniente de factos que motivem a investigação. Mas as vozes da tese da imprescritibilidade das acções não calaram,- cfr., p.ex. Ac.TRC de 6.07.2010: “ (...) tratando-se de um direito de personalidade imprescritível. Assim, deve entender-se que, nesta matéria, os prazos de caducidade, sejam eles quais forem, traduzem uma restrição desproporcionada ao direito fundamental à identidade pessoal, mais precisamente ao direito à historicidade pessoal, sendo, por isso, inconstitucionais as normas dos artºs 1817º e 1842º CC, na redacção introduzida pela Lei nº 14/2009, de 1/04, com o alargamento dos prazos. As acções de investigação de paternidade e de impugnação da paternidade presumida, instauradas pelo filho, não estão sujeitas a prazos de caducidade.” - no entanto o Tribunal Constitucional, em Plenário, pelo Acórdão n.º 401/2011, veio declarar a constitucionalidade do “prazo de dez anos para a propositura da acção”.
111Decorrente nomeadamente do art.70º do CC e do art.26º nº1 da CRP. Definido como o direito “a ter um nome, de não ser privado dele, de o defender e impedir que outrem o utilize (sem prejuízo dos casos de homonímia)”, XXXXXXXXX XXXXXXX XXXXXX - XXXXXXXXX XX XXXXXXXX, (colab.) XXX XXXXXX XXXXX XXXXX,
Curso de Direito da Família,, Direito da Filiação, Vol.II, Tomo 1, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, 50.
112“O bem da identidade reside, assim, na própria ligação de correspondência ou identidade do homem consigo mesmo e está pois ligado a profundas necessidades humanas, a ponto de o teor da convivência humana depender da sua salvaguarda em termos de plena reciprocidade. (…) situando cada homem como centro autónomo de interesses, reconhecendo-lhe o seu particular modo de ser e de se afirmar e impondo aos outros o reconhecimento da sua identidade(...).” (negrito nosso) XXXXXX XX XXXXX.RABINDRANATH.V.A., cit., 245.
113JORGE MIRANDA, XXX XXXXXXXX, Constituição Portuguesa anotada, Tomo I, 2ª ed., Xxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx (coord.), Wolters Kluwer Portugal, Coimbra, 2010, 609.
8.2.2 Direito ao conhecimento da sua ascendência biológica verdadeira114 (ou identidade pessoal na sua dimensão de direito à historicidade pessoal)
Como dimensão do direito à identidade pessoal (advindo do princípio do desenvolvimento da personalidade consagrado pelo art.26º da CRP) reconhece o nosso ordenamento jurídico o direito ao conhecimento da sua ascendência biológica.115
O direito ao conhecimento das origens genéticas é entendido com a faculdade de “aceder à identidade dos respectivos progenitores e, eventualmente, ver essa ligação biológica reconhecida juridicamente”116. E importa ainda nas questões médicas, para o estudo de doenças hereditárias, em que o passado familiar desempenha função fulcral.117 Quanto às crianças nascidas através de técnicas de PMA, o direito a conhecer a suas origens genéticas parece protegido pelo art.15º nº2 da LPMA. Repito, parece, porque é inconcebível que alguém procure a sua verdade biológica se não souber que provém de uma doação de gâmetas. Parece, pois que sabemos que os progenitores sócio-afectivos tendem, com medo da perda de amor ou de algum desapego, esconder a verdade. A confidencialidade de todo o processo implica ainda o enorme
114“Os desenvolvimentos da genética, nos últimos vinte anos, têm acentuado a importância dos vínculos biológicos e do sue determinismo; e com isso têm sublinhado o desejo de conhecer a ascendência biológica. Nestas condições, o “direito fundamental à identidade pessoal” e o “direito fundamental à integridade pessoal” ganham uma dimensão mais nítida. Devemos acrescentar, também, um novo direito fundamental implicado na questão: o “direito ao desenvolvimento da personalidade” (…) é certo que tanto o pretenso filho como o suposto progenitor têm o direito de invocar este preceito constitucional, mas não será forçado dizer que ele pesa mais do lado do filho, para quem o exercício de investigar é indispensável para determinar as suas origens, a sua família, numa palavra, a sua “localização” no sistema de parentesco.” XXXXXXXXX XXXXXXX XXXXXX, XXXXXXXXX XX XXXXXXXX, Curso de direito da família (Direito da filiação, estabelecimento da filiação, adopção), Vol. 2, tomo 1, Xxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxx (colab.), cit., 249.
115“1. O direito ao conhecimento da filiação biológica (ou natural) é pessoalíssimo, incluindo o direito à identidade genética, sendo irrepetível e com dimensão permissiva alcançar a “história” e identidade próprias, já que aquele factor genético condiciona a personalidade. 2. Trata-se de um direito fundamental constitucionalmente consagrado como de identidade pessoal (artigo 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa) que adquire a dimensão de desenvolvimento da personalidade e um relevante valor social e moral.
3. O direito a investigar a paternidade é imprescritível” Ac.STJ de 21.09.2010, consultável: xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxx.xxx/000x0xx0xx0xx0x000000x0x000xx000/x00xxxx00000x000000000x0000xxx00?XxxxX ocument; cfr. também Ac.STJ de 31.01.2017, consultável: xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxx.xxx/000x0xx0xx0xx0x000000x0x000xx000/00000x0x000x000x000000x0000xxx00?XxxxX ocument;
116Rafael Luís Vale e Reis, O direito ao conhecimento das origens genéticas, (Dissertação de mestrado em ciências jurídico-civilísticas, apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em 2006, (Centro de Direito Biomédico), Coimbra Editora, Coimbra, 2008, 12. Ainda, salvaguardando a ideia de que o estabelecimento de filiação no nosso ordenamento preocupa-se com a “tradução jurídica fiel” dos vínculos biológicos XXXXXXXXX XXXXXXX XXXXXX - XXXXXXXXX XX XXXXXXXX, (colab.) Xxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxx, Curso de Direito da Família,, Direito da Filiação, Vol.II, Tomo 1, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, 51.
117“O conhecimento do património genético de um indivíduo é um dos meios para detectar doenças genéticas e anomalias graves. Como se poderá actuar nestas circunstâncias se o mesmo não é conhecido?” XXXX XXXX, O direito fundamental à disposição sobre o próprio corpo (a relevância da vontade na configuração do seu regime), cit., 590.
secretismo envolto da concepção das crianças o que só contribui para a tese “quem não sabe é como quem não vê”.
8.2.3. Direito a conhecer as suas origens genéticas e sub-rogação de gestação
Os centros de PMA têm o ónus de guardar as informações relativas ao “registo de dadores, beneficiários e crianças nascidas” por um período de 75 anos. Informações essas que se circunscrevem à informação de natureza genética (art.15º por remissão do art.30º da LPMA)118. Sob pena de repetir o supra dito, as informações armazenadas, para além de não corresponderam a todas as dimensões da identidade pessoal da criança, dificilmente chegaram aos seus destinatários por direito119.
8.2.4. Direito ao respeito pela vida familiar120 ou proibição de privação deliberada de família Pode estar em causa quando se nega a possibilidade de estabelecer relações familiares,
no âmbito da maternidade e paternidade (como valor eminente que o Estado tem de garantir, art.68º da CRP) que são “factores de efectivação do direito ao desenvolvimento integral da personalidade” (...)encontrando-se o Estado vinculado a assegurar um ambiente familiar normal”121. Diga-se que a PMA é um terreno fértil para a sua afectação uma vez que a monoparentalidade é legalmente instituída122. Nega-se assim à criança nascida por processo de PMA o conhecimento e a convivência com toda a família paternal. Ou seja, nega-se a biparentalidade que possui, como um dos factores positivos, a diversidade, o leque alargado de parentes, de diferentes idades e com diferentes percepções da mundividência.
118cfr art.6º nº3 da Lei nº 143/2015, de 8 de Setembro (RJPA) “As entidades competentes em matéria de adoção devem conservar as informações sobre a identidade, as origens e os antecedentes do adotado, durante pelo menos 50 anos após a data do trânsito em julgado da sentença constitutiva do vínculo da adoção.
119STELA BARBAS fala-nos do caso de um exame em que seja “fundamental proceder à anamnese dos antecedentes familiares e o doente ignora, por completo, o historial clínico dos seus antepassados”, a realçar que um dos efeitos do desconhecimento das suas origens, “Investigação da filiação”, in OLIVEIRA DE ASCENSÃO (coord.), Estudos de Direito da Bioética, Vol.II, Almedica, Coimbra, 2008, 42.
120“(...) a instituição da Família refere-se à realidade antropológica subjacente, enquanto as relações de comunhão entre um homem e uma mulher e os filhos por eles gerados, relações primordiais que identificam cada indivíduo e de que dependem todas as outras.” XXXX XXXX XXXXXX, “O impacto da retórica da igualdade de direitos das pessoas com orientação homossexual nas leis relativas às famílias” , in XXXXXX XXXX- XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX (coord.), Autonomia e heteronomia do Direito da Família e no Direito das Sucessões, cit., 860.
121PAULO OTERO, Personalidade e identidade pessoal e genética do ser humano: um perfil constitucional da bioética, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, 75.
122Art.20º nº3“Se apenas teve lugar o consentimento da pessoa submetida a técnica de PMA, nos termos do artigo 14.º, lavra-se apenas o registo de nascimento com a sua parentalidade estabelecida, sem necessidade de ulterior processo oficioso de averiguação.”
8.2.5. Direito ao estabelecimento de vínculos jurídicos de maternidade e paternidade123 124
Este direito125, consagrado no direito à constituição de família (art.36º nº1 da CRP126) vê-se limitado com o recurso a técnicas de PMA e o anonimato dos dadores, afasta qualquer
123Refere-se as duplas maternidades e paternidades e até a multiparentalidade legalmente permitida em alguns países (em que surgem duas mulheres como mães e um homem como pai). Xxxxxxxx em atenção que o avanço da biomedicina reprodutiva, desde 2015, por autorização do parlamento britânico, permite a denominada mitochondrial replacement technology, em que uma criança é gerada com três progenitores genéticos (três ADN diferentes). O motivo: tentativa de solucionar a doença hereditária das mitocôndrias por parte de dois nóvel das técnicas de fertilização in vitro. As grandes questões: utilização de um terceiro dador genético no processo reprodutivo e o facto desta mudança genética ser possivelmente hereditária. Em 2016 nasce, no México, o primeiro bebé através da doação das mitocôndrias e são reportadas várias gravidezes na Ucrânia.
124A dupla maternidade ou dupla paternidade, é permitida em Portugal através da adopção conjunta, desde a Lei n.º 2/2016, de 29 de Fevereiro, que veio alterar: a Lei de Protecção da União de Facto (Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio), no seu art. 7º permitindo “a todas as pessoas que vivam em união de facto nos termo, da presente lei o direito de adoção em condições análogas às previstas no artigo 1979º do Código Civil(...)”; a Lei do Casamento cívil entre pessoas do mesmo sexo (Lei n.º 9/2010, de 31 de maio) dos seus art. 3º (1 - O regime introduzido pela presente lei implica a admissibilidade legal de adoção, em qualquer das suas modalidades, por pessoas casadas com cônjuge do mesmo sexo; 2 - Nenhuma disposição legal ou regulamentar em matéria de adoção pode ser interpretada em sentido contrário ao disposto no número anterior.)” e art. 5º “(…) Todas as disposições legais relativas ao casamento, adoção, apadrinhamento civil e outras relações jurídicas familiares devem ser interpretadas à luz da presente lei, independentemente do sexo dos cônjuges.”; permitindo ainda o registo das duplas maternidades e paternidades, alterando o Código do Registo Civil (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 131/95, de 6 de junho), no seu art. 1º nº3 “Quando os sujeitos da relação jurídica de filiação, adoção ou apadrinhamento civil estejam casados ou unidos de facto com pessoa do mesmo sexo, os assentos, averbamentos ou novos assentos de nascimento no registo civil são efetuados de forma idêntica à prevista nas leis em vigor para casais de sexo diferente.”
Porquanto: “nas situações de adopção conjunta, exige a lei que as duas pessoas, casadas (e não separadas judicialmente de pessoas e bens, ou de facto) ou unidas de facto (cf. artigo 7º da Lei nº. 7/2001, de 11 de Maio), independentemente do sexo (art. 2.º da Lei n.º 2/2016), permaneçam em tal situação há pelo menos 4 anos; III - Idêntico requisito será de exigir nas situações de adopção singular, em que está em causa adoptante casado ou unido de facto, desde que o adoptando não seja filho do cônjuge ou de quem com ele viva em união de facto; IV - O que se justifica pois, de outra forma, a dispensa de tal requisito permitiria que os cônjuges ou unidos de facto, através de adopções sucessivas, conseguissem realizar uma adopção conjunta sem a observância desse requisito respeitante à duração do seu casamento ou união de facto; V - Porém, nas situações de adopção singular em que o adoptante é casado ou unido de facto, mas o adoptando é filho do cônjuge ou de quem com ele viva em união de facto, tal requisito não é exigível; VI - Pois nestas situações, o objectivo é a procura de uma rápida integração desse filho na família constituída através do casamento ou da situação jurídica da união de facto; VII - Inexistindo assim, nesta situação, que tutelar as cautelas ínsitas consagração legal daquele prazo, nomeadamente o impedir adopções irreflectidas, imponderadas ou precipitadas, fruta de uma menor maturação ou reflexão.” in Ac.TRL de 17/05/2018, consultável:
xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxx.xxx/00000xx000000000000000xx00000xxx/00x0x0000x000x0x000000x0000000x0?XxxxX ocument Diga-se ainda que não se tratando de uma adopção, a Lei 137/2015, de 7de Setembro (altera o Código Civil) permite o exercício conjunto das responsabilidades parentais. Aditado o art. 1904º-A (Exercício conjunto das responsabilidades parentais pelo único progenitor da criança e pelo seu cônjuge ou unido de facto), desencandeando mesmo um processo de regulação de responsabilidades parentais em caso de rutura entre o progenitor e seu cônjuge ou unido de facto (nº5 do artigo). Criou-se assim uma nova relação parafamiliar, acrescentando um novo impedimento dirimente relativo à celebração de matrimónio, art.1602º al.b) do CC. A grande diferença entre este novo impedimento face ao caso dos padrastos e madrastas - afinidade em linha recta, art.1602º al.c) – é o facto de este último impedimento cessar com a o divórcio do progenitor enquanto que a nova relação entre corresponsável e a criança não cessar, por força do art.1585º do CC.
125“direito de constituir família (...)na perspectiva dos filhos, significará poderem estes estabelecer com os seus progenitores as relações jurídicas próprias do estado de filho e fazerem-se valer perante terceiros” (…) “o princípio constitucional em análise afasta uma proibição absoluta da investigação da filiação, e não admite sequer uma proibição relativa, ou seja um sistema de orientação restritiva ou de investigação condicionada(...)” XXXX XX XXXXX XXXXXXX, Filiação, 4ª ed., Xxxxxxx, 2001, 12-13
pretensão das crianças assim concebidas de estabelecer, através de uma acção de investigação de paternidade, p.ex., vínculo jurídico com o seu progenitor (assim o estabelece o art.21º da LPMA, num claro arrepio ao direito à identidade pessoal.
8.3. O princípio do superior interesse da criança127 128
De facto, alicerçado no primado da igualdade nas relações familiares, a privatização do direito da família consagrou os afectos e o desenvolvimento individual para a família. Até então o determinismo funcional dos sujeitos familiares como que os aprisionava. Ultrapassados os adventos paternalistas, entramos na era da contratualização familiar. Parece no entanto que nos esquecemos – no que toca às técnicas da PMA e da gestação de substituição – do nascente que não pode ver sufragada a sua autonomia. Afinal, por muitos direitos individuais que reclamemos, há um insusceptível de consagração: o direito a escolher nascer129.
126“o direito a estabelecer os concomitantes vínculos jurídicos traduz uma dimensão do direito a constituir família previsto no artigo 36º, nº 1(...)” Ac.STJ de 31.01.2017, consultável: xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxx.xxx/000x0xx0xx0xx0x000000x0x000xx000/00000x0x000x000x000000x0000xxx00?XxxxX ocument
127Como princípio orientador na protecção e promoção dos direitos das crianças, vê-se reflectido no âmbito nacional, p.ex., no Regime Geral do Processo Tutelar Cível (Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro, na versão mais recente - Le i n.º 24/2017, de 24 de Maio) nos seus art.5º (audição da criança), art.13º (processos urgentes), art.17º nº2 (determinada que o MP deve utilizar todos os “meios judiciais necessários à defesa dos seus direitos e superior interesse), art.18º (obrigatoriedade de constituição de advogado aquando interesses conflituantes entre pais e crianças), art.24º nº3 (em que o juiz homolga o acordo obtido por mediação apenas se salvaguardar o interesse da criança), art.27º nº1 (“As decisões que apliquem medidas tutelares cíveis e de promoção e proteção, ainda que provisórias, devem conjugar-se e harmonizar-se entre si, tendo em conta o superior interesse da criança”), art.40º “Na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança (...)” ; na Constituição no seu art.69º nº1 “As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.
128“Se até aqui a filiação e o direito da filiação eram marcados por uma ideia de promoção de interesse superior da criança, hoje na matéria da procriação com base em técnicas de procriação medicamente assistida, assume protagonismo a vontade dos adultos que recorrem às técnicas e a que delas beneficiam” XXXX XXXXXXXX XXXXX, “Uma revolução na concepção jurídica da parentalidade?”, in XXXXX XXXX, XXXX XXXXXXXX XXXXX(Investigadoras responsáveis), Debatendo a Procriação medicamente assistida , FDUP, CIJE, Porto, 2017, 167.
129Teremos de invocar o princípio do princípios, o valor norteador, a luz do farol: o princípio da dignidade humana, assim “entendemos por dignidade humana o valor intrínseco, originalmente reconhecido a cada ser humano, fundado na sua autonomia ética e que alicerça uma obrigação geral de respeito da pessoa, traduzida num feixe de deveres e de direitos correlativos” XXXX XXXXXX XXXXXXXXX XXXXXXXX, “O direito à identidade genética do ser humano”, cit.,281. A importância que o princípio da dignidade da pessoa humana assume não se prende apenas com o seu significado intrínseco mas com a significação extrínseca que atribui ao conjunto dos direitos fundamentais. É a sua função de “unidade de sentido” que potência uma espécie de “sistema aberto” de todos os direitos fundamentais, permitindo-lhes uma coerência de diálogos: “O valor matricial da dignidade da pessoa humana funda (…) todas as previsões de direitos da pessoa que aí se contêm (na Constituição), cobrindo as diversificadas situações existenciais em que a sua personalidade se constrói e se exprime.”, XXXXXXX XX XXXXX XXXXXXX, “Os Direitos de Personalidade como Direitos Fundamentais”,in XXXX XXXXXX XXXXX XXXXXXXX
- XXXXXXXX XXX XXXXXX(coord.), Pessoa, direito e direitos: Colóquios 2014/2015, Direitos Humanos – Centro de Investigação Interdisciplinar, Escola de Direito da Universidade do Minho, Braga, 2016, 271.
8.4. Protecção da vida nascente 130
A tutela jurídica do nascente obriga-se na natureza evolutiva da vida xxxxxx000. Desde a fase físico-biológica de gestação, nascimento, desenvolvimento e maturação, envelhecimento, morte e decomposição, como realidade ontológica, impõe-se ao sistema jurídico. A protecção do nascituro132, alicerçada na dignidade da pessoa humana e no direito à integridade física, surge estruturalmente autónomo, pese embora funcionalmente dependente da mãe.133 A protecção do nascituro vislumbra-se ainda no ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos pelo nascituro, resultantes da ofensa de “posições relacionais”134 135, geradoras de “danos existenciais”136.
130“Os nascituros são a Humanidade do amanhã. Daí deriva o próprio direito” XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX, Tratado de Direito Civil, IV, Parte Geral Pessoas, 4ªed.revista e actualizada, Almedina, Lisboa, 2017,
350. A mais, “A vida humana é inviolável” Direito fundamental previsto no art.24º nº1 da CRP, no art.3º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e art.2º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Denote- se que a disposição constitucional não diferenciou a vida intra e extra-uterina, considerando-se porquanto o nascituro juridicamente protegido, quer constitucionalmente, quer ainda por força do art.18º nº1 da CRP, nas relações entre particulares.
131“Não sendo possível atribuir ao nascituro uma personalidade limitada ou fazer retroagir a personalidade da criança nascida ao momento da lesão, visto não haver nenhum fundamento legal para o efeito, a ordem jurídica não pode, porém, negar o facto evidente de que, face à realidade biológica, o nascituro e a criança nascida são idênticos. Assim, do mesmo modo que a lei estabelece uma conexão entre o nascimento e a personalidade, deve estabelecer também uma ligação entre o nascimento e as lesões anteriormente verificadas.” XXXXXXXX XXXXX XXXXXX, A parte geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, Reimpressão da edição de 1992, Almedina, Coimbra, 2000, 301
132Casos em que a lei reconhece direitos aos nascituros: arts.952º (doações a nascituros),1878º(poder paternal quanto aos nascituros), e 2240º (administração da herança ou legado a favor do nascituro); pressupondo já a concepção os arts.1855º (perfilhação de nascituros) e 2033º nº1 (capacidade sucessória dos nascituros).
133LUÍSA NETO ao referir-se àqueles que advogam a protecção legal do embrião pese embora entendam que não são ainda seres humanos diz-nos “É com efeito na inter-relação entre a pessoa da mãe e a sua projecção sobre o futuro bebé que este pode ser entendido como autêntica pessoa.”(…) É primordialmente com a primeira alteridade pessoal na qual cresce ou cresceu que o ser humano se constitui como pessoa.”, O direito fundamental à disposição sobre o próprio corpo (a relevância da vontade na configuração do seu regime),cit., 573. Esclareça-se que para a autora “a protecção do feto ou do embrião não decorre sequer directamente do direito à vida”, cit., 551.
134Denominação atribuída por XXXXXXXX DA FRADA no seu Forjar o Direito, Almedina, Coimbra, 2015, 236. 135Também XXXXXX XX XXXXX refere-se a esta dimensão relacional da personalidade humana na “singular unidade funcional “eu-mundo”, como um ser relacional, inserido num meio e numa estrutura de conexão entre “o “eu” (enquanto conjunto de funções e potencialidades de cada indivíduo) e o mundo (tomado este, quer de um ponto de vista psicológico interno, como objecto ou conteúdo sobre que incide a vida psíquica personalizada, quer ainda, no plano da actividade relacional como o próprio conjunto das forças ambientais em que se situa cada indivíduo) in XXXXXX XX XXXXX, XXXXXXXXXXXX.V.A., cit., 200. Destaca o autor os bens jurídicos que se “consubstanciam ou visam a identidade, a liberdade, a igualdade, a segurança e a participação, a honra, a reserva e o desenvolvimento de cada homem(...)” ibidem, 244
136Ligados com a dimensão relacional da pessoa humana, enquanto interligação da pessoa com os seus familiares, abrangendo os danos sofridos com a morte do cônjuge, a perda, durante a gravidez, do feto, a morte do pai por parte de um nascituro, entre outros. É em relação a este último que a jurisprudência resvalou caminho, com a Relação de Lisboa, a 28 de Janeiro de 1977, a conceder a um jovem “que nascera 6 dias depois da morte do pai num acidente de viação, uma indemnização com fundamento em que o “menor ficou privado do amparo moral e protecção, orientação e carinho que o pai prodigalizaria até à maioridade e muito especialmente enquanto criança e jovem” apud, Carneiro da Frada, cit., p.236 . A jurisprudência sufragou este entendimento: “ I - Repugna ao mais elementar sentido de justiça – e viola o direito constitucional da igualdade – que dois irmãos, que sofrem a perda do mesmo progenitor, tenham tratamento jurídico diferenciado pela circunstância de um deles já ter nascido à data do falecimento do pai (tendo 16 meses de idade) e o outro ter nascido apenas 18 dias depois de tal acontecimento
8.5. Respeito pelas gerações vindouras e conservação da espécie137 138
A ideia visceral: os direitos do homem são direitos de todas as gerações humanas e não podem ser monopolizadas por nenhuma.139 A responsabilidade140 perante as gerações futuras141 repercute-se no ambiente, na gestão dos recursos naturais, nas políticas estruturais da saúde, da educação, da justiça, na gestão dos recursos do Estado, a própria emissão de dívida pública a longo prazo e, no que a nós nos tem retido, na procriação. Se é certo que a taxa de natalidade portuguesa está longe dos valores necessários, também é certo que os fins não justificam todos os meios. Permitir que o projecto de parentalidade passe a um projecto de autoria reprodutiva, em que cada um tem o filho que deseja e como deseja, livre de todas as doenças, seleccionado por entre os melhores dadores, parece-me reificação e não parentalidade. Não terão os adultos do amanhã direito aos laços afectivos permitidos pela biparentalidade? Não serão eles titulares do direito a nascer de forma natural?
SUBCAPÍTULO 2
CONSIDERAÇÕES SOBRE O ACTUAL PANORAMA LEGAL
9. Novas questões suscitadas pela alteração legislativa da Lei n.º 17/2016, de 20 de junho
O que nasce torto142...
fatídico, reconhecendo-se a um e negando-se a outro, respectivamente, a compensação por danos não patrimoniais próprios decorrentes da morte do seu pai. (…) IV - Ainda na fase intra-uterina os efeitos da supressão da vida paterna fazem-se sentir no ser humano, sendo os danos não patrimoniais daí decorrentes – traduzidos na falta desta figura, quer durante o período de gestação, quer depois do nascimento, com o vazio que tal ausência provoca– merecedores de compensação” in Ac.STJ de 03.04.2014 consultável: xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxx.xxx/000x0xx0xx0xx0x000000x0x000xx000/00xxx00xxxxx00x000000xx00000xxx0?XxxxXx cument
137“Fala-se em contrato social dentro da mesma geração e em contrato intergeracional. (...)responsabilidade nos tempos actuais por parte dos que são livres para decidir como em responsabilidade entre sucessivas gerações (…) são questões bem diversas, mas todas tendo de comum dizerem respeito à vida humana. À inviolabilidade da vida humana desde a concepção e à identidade pessoal, através do conhecimento dos seus progenitores. À qualidade de vida de todos, em todas as idades, condições e circunstâncias (...)à subsistência de recursos naturais e do ambiente”, XXXXX XXXXXXX, Responsabilidade intergeracional, Ius Gentium, vol.7, nº1, jan./jun. 2016, 151. Paralelamente Para uma reflexão sobre a dimensão do futuro no instituto da responsabilidade civil cfr. XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXX, “A participação da dimensão de futuro na responsabilidade extracontratual” in Estudos em Homenagem ao Prof.Doutor Xxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, Vol.I, XXXXXXXX XXXXX XXXXXXX, XXXXXXX E. M. XXXXXXX, XXXX XXXXXX XXXXXXXX (org.), Coimbra Editora, Coimbra, 2012, 119 a 145.
138“Age de tal maneira que os efeitos da tua acção sejam compatíveis com a preservação da vida humana genuína” Uma nova versão do imperativo categórico kantiano, XXXX XXXXXX XXXXXXXXX XXXXXXXX, “O direito à identidade genética do ser humano”, cit., 265
139Paralelamente, dir-se-á que quando aos herdeiros cabe sempre a liberdade do repúdio.
140INÊS XXXXXXXXX XXXXXXX fala-nos numa “responsabilidade retrospectiva” em que o “passado é o futuro da liberdade”, assim “a responsabilidade postula liberdade refractada no futuro”, no seu “Responsabilidade civil e responsabilidade penal: entre o diálogo e o silêncio (ou a justiça restaurativa como ponto de encontro)”, FDULP, Porto, 106.
141Art.66º nº2 al.d) da CRP
142“(...) numa matéria sensível que, por isso, requer particular racionalidade e coerência argumentativa, o legislador deu exemplo de uma determinação calculista e gelada, sem se importar com os compromissos impossíveis e falsos
As técnicas de PMA foram reguladas, pela primeira vez em Portugal, com a Lei nº32/2006, de 26 de Julho.143 Uma década depois, eis a mudança de paradigma144: o alargamento dos beneficiários às técnicas de PMA permitiu o acesso a “todas as mulheres independentemente do diagnóstico de infertilidade” (art.4 nº3)145, repetindo-se ao estipular o acesso a “casais de mulheres” e “todas as mulheres independentemente do estado civil e da respectiva orientação sexual” (art.6º nº1). A mudança prosseguiu e, em Agosto de 2016, a “maternidade de substituição” de 2006, passa a “gestação de substituição” e deixa de ser um negócio jurídico nulo146. Esta opção legislativa, dir-se-á claramente progressist, não fomentou a criação de consciência social e pretendeu implantá-la à tort et à travers 147 148 Em detrimento de um evolucionismo mais natural, mais sedimentado, fortificado pelo diálogo e reflexão de todos os argumentos (mesmo os seus antípodas).
em que incorria. Com efeito, das duas uma. Se ao nascituro se reconhece o carácter de pessoa e, com isso – inelutavelmente – personalidade jurídica, daí deriva imediatamente a proibição de o sujeitar à condição de objecto e de instrumento para quaisquer fins, experimentais ou outros. Já não se admitindo o carácter de pessoa e a personalidade jurídica a ela acopulada, toda a experimentação ou utilização para outros fins deve poder ser, em princípio, tão ampla quanto possível.” - alerta CARNEIRO DA FRADA, referindo-se à versão originária da Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho. Prossegue com exemplos indiciários de que a lei da PMA protege a dignidade do embrião, concluindo, no entanto, pelo que o mesmo apelida de “farisaico equilibrismo legislativo”. Assim, “não se entende que a dignidade do embrião não tenha conduzido o legislador à prevenção genérica da possibilidade de o instrumentalizar a fins que não ele próprio(...)” - exemplificando - “ a instrumentalização que o embrião sofre se for objecto de criação deliberada por PMA para investigação científica é tida aparentemente como incompatível com a dignidade humana (do embrião supõe-se; cfr. O art. 9º, nº1). Mas caso os fins sejam outros diferentes (entre eles a criação de bancos de células estaminais e o próprio melhoramento das técnicas de PMA, já nada obstaria, ainda que a respectiva prossecução importe, do mesmo modo, a morte ou destruição do embrião.” Conclui “(...) de que forma explicar no Direito que é a intenção que macula a conduta, se essa conduta não for tida como desconforme com a ordem pública?” in CARNEIRO DA FRADA , Forjar o Direito, cit., 231 e 232.
143Instituía o carácter subsidiário e não alternativo das técnicas de PMA (art.4º), restringia os beneficiários aos casais ou unidos de facto de sexo diferente (art.6º), proibia a inseminação post mortem (art.22º), declarava a nulidade dos negócios onerosos ou gratuitos de “maternidade de substituição”(art.8º) e proibia a compra e venda de “óvulos, sémen ou embriões ou de qualquer material biológico decorrente da aplicação de técnicas de PMA” (art.18º).
144Introduzido pela Lei nº17/2016, de 20 Junho.
145Colidindo com os nºs1 e 2 do mesmo artigo (que se mantiveram inalterados, talvez o legislador se tenha esquecido de os alterar) que estabelecem a subsidiariedade e o diagnóstico de infertilidade ou doença como pressupostos de acesso às técnicas de PMA.
146Este será um tema abordado autonomamente no subcapítulo III, ponto 9.
147Por um lado as revoluções de mentalidades não operam por mudanças legislativas per si. Por outro, poder-se-á discutir qual o papel do Direito, em sede de direitos humanos, se meramente recognitivo, se atributivo. Cfr. XXXXXXX XX XXXXXXXX, Para uma teoria da relação jurídica civil, 3ªed., Coimbra editora, Coimbra, 2012 148Elucidativamente “legiferar pode não ser a única solução ou sequer a solução mais conseguida – na medida em que a lei é frequentes vezes resultado de grupos de pressão que fazem tábua rasa do consenso das populações. O que não obsta a que seja indispensável estipular todo um conjunto de regras ético-jurídicas e organizar um eficaz sistema de controlo que não seja exclusivamente médico e permita simultaneamente uma verdadeira informação e regulamentação de todos os problemas que equacionamos, pela comunidade social”. XXXXX XXXX, O direito fundamental à disposição sobre o próprio corpo (a relevância da vontade na configuração do seu regime), cit., 578.
Com isto não se pretende que fechemos os olhos às novas realidades sociais149 e que não haja um imperativo de legiferar. Não podemos é pretender que o Direito evolua - pelo menos com segurança e coerência150 – ao mesmo passo que a tecnologia. Não podemos produzir legislação, interferir com a vida dos cidadãos, criar expectativas de “novos direitos” e, pardamente levarmos o severo puxão de orelhas da inconstitucionalidade.
9.1.O carácter (duvidoso) subsidiário das técnicas da PMA 151
A expressão “todas as mulheres independentemente do diagnóstico de infertilidade” não deixa margem de dúvida. O carácter de subsidiariedade em que se funda(va) o acesso às técnicas de PMA foi ultrapassado, estabeleceu-se um verdadeiro direito na procriação, um direito à escolha, à alternância entre a reprodução sexual e assexuada. O facto do art.4º nº1 LPMA referir-se a “método subsidiário, e não alternativo, de procriação” não inviabiliza a conclusão da renúncia ao critério do diagnóstico de infertilidade ou doença geneticamente transmissível.
9.2. A desigualdade constitucional no acesso às gestação de substituição: casais de homens ou homens solteiros
A qualidade de beneficiários pressupõe, no actual normativo, o acesso de todas as mulheres independentemente do seu estado civil e (apenas) homens que estejam inseridos numa relação heterossexual152. Dito isto, indagamos se o legislador sofreu de alguma amnésia legislativa, já que a discriminação pelo sexo ou pela orientação sexual encontra-se proibida pelo
149“É afinal, bem vistas as coisas, toda a vida que está sujeita à disciplina do Direito. De modo que não é possível conhecer bem o Direito sem conhecer a vida(...)” Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Introdução ao estudo do direito,Vol.1, 3ª tiragem, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1990, 23.
150“a própria validade da LPMA está condicionada pela sua conformidade com os princípios fundamentais constantes da Constituição(...) A relevância dos princípios fundamentais do direito (...)condicionam também a validade, a interpretação e a integração dos actos, negócios e contratos. O exercício da autonomia privada está balizado pelos princípios fundamentais do direito. Estes princípios penetram em conceitos indeterminados como, por exemplo, o de ordem pública, de bons costumes e de boa fé.” XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, O direito da família contemporâneo, Lições, 4ªed., AAFDL, Lisboa, 2013, 215. Prossegue o autor identificando os princípios fundamentais que se aplicam à procriação medicamente assistida “sobretudo princípios do Direito da Personalidade e do Direito da família”, IBIDEM.
151“os princípios do nosso sistema de filiação impõem a subsidiariedade das técnicas de PMA. (…) Não há um direito a escolher livremente entre a procriação mediante acto sexual e a procriação assistida.” XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, O direito da família contemporâneo, cit., 2013, 219. Mas não uma natureza “ultra-subsidiária” admitindo que o autor que a esterilidade não deve ser motivo único para recurso à PMA, também recorrível para “evitar o aparecimento e desenvolvimento de anomalias genéticas”, IBIDEM.
152Art.6º nº1 “(...)os casais de sexo diferente ou os casais de mulheres, respetivamente casados ou casadas ou que vivam em condições análogas às dos cônjuges, bem como todas as mulheres independentemente do estado civil e da respetiva orientação sexual.”
princípio constitucional da igualdade153. Pasme-se ainda com o que nos diz o legislador ao regulamentar a procriação medicamente assistida154 “Neste sentido, a alteração introduzida visa eliminar a restrição até agora vigente(...) assegurando-se, deste modo, o respeito pelo princípio da igualdade no acesso às técnicas de PMA e rejeitando-se a exclusão de qualquer mulher no acesso às mesmas.”! O legislador estará, obrigatoriamente, a referir-se a uma igualdade apenas biológica. A mais, parece que o legislador considerou a existência de um direito “na procriação” (com o qual não concordamos) retirando o fundamento de diagnóstico de infertilidade ou doença grave para o recurso à PMA. Assim sendo, só resta concluir pela discriminação dos homens homossexuais, quando excluídos do direito “na procriação” que o legislador consagrou. Esta é uma discriminação para a qual não se encontra fundamento, nem jusfundamental, nem no próprio articulado da lei em crise155.
9.3. A idade dos intervenientes na gestação de substituição
Basta-se a capacidade jurídica das partes, maior e “desde que não exista uma sentença de acompanhamento que vede o recurso a tais técnicas.”156.
153“Uma lei que admita a gestação de substituição por casais heterossexuais ou homossexuais femininos e a negue a casais do mesmo sexo masculinos viola o princípio da não discriminação em função do sexo no acesso à gestação de substituição.” Reflecte-se nos vários corpos legislativos, assim a Lei nº 9/2010, de 31 de Maio veio consagrar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, alterando os arts.1577º, 1591º e 1690º do CC, a Lei nº 23/2010 de 30 de Agosto, primeira alteração à lei de União de Facto (Lei nº 7/2001, de 7 de Maio) que permitiu a aplicação do regime de união de facto “independentemente do sexo” e ainda, o regime da adopção alterado pela Lei nº 2/2016, de 29 de Fevereiro que permite a adopção “por pessoas casadas com cônjuge do mesmo sexo”. XXXXX XXXXXXXXX XXXXX XXXXXXX, “Uma gestação inconstitucional: o descaminho da Lei da Gestação de Substituição” in Julgar online, 2017, 9, consultável em xxxx://xxxxxx.xx/xxx-xxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxxxxx-x- descaminho-da-lei-da-gestacao-de-substituicao-2/, em Março de 2018.
154Dec. Reglm. nº 6/2016, de 29 de Dezembro
155Neste sentido, XXXXX XXXXXXXXX XXXXX XXXXXXX “(...) a perpetuação do impedimento aos casais homossexuais masculinos de recorrerem à gestação de substituição, cuja natureza discriminatória não se discute e muito menos, consequentemente, se esclarece”, “Uma gestação inconstitucional: o descaminho da Lei da Gestação de Substituição” cit., 23.
156Art.6º nº2 da LPMA, com a redação dada pela Lei nº 49/2018, de 14 de Agosto que consagra o regime dos maiores acompanhados, eliminando os institutos de interdição e inabilitação.
Em relação à limite mínimo de idade dir-se-á que de facto, pela natureza das coisas, sabemos que a fertilidade e o sucesso das técnicas de PMA estão em coorelação com a idade. Nessa perspectiva, parece sensato o critério dos 18 anos como idade mínima. Mas, acreditamos que o regime da adopção deveria ser aplicado analogicamente, 30 anos ou 25 para casais (art.1979º do CC). Não se olvida é o facto dos intervenientes, na subrogação de gestação máxime, aos 18 anos não terem ainda maturado o seu projecto de vida. Não sabem, não podem conceber o seu futuro. As mulheres, candidatas a gestantes, com 18 anos, dificilmente têm noção da magnitude de uma gravidez. É ainda precipitado que uma mulher, com 18 anos, decida recorrer a técnicas de fertilização para, per si, ter um filho. É certo que têm plena capacidade jurídica e são maiores, mas também é maior o interesse superior da criança a nascer.
Quanto ao limite máximo de idade, o Projecto de Decreto-Regulamentar no seu art.5º prescrevia os 49 anos e 364dias.157 No entanto, o CNECV, no seu Parecer 92/CNECV/2017, ao pronunciar-se sobre o limite de idade dos beneficiários refuta o critério afirmando “não se encontra justificação para a norma que estabelece uma idade limite para as mulheres sem parceiro ou parceira ou membro de um casal, que seja beneficiária, para efeitos de recurso à gestação de substituição, não sendo estabelecido qualquer idade limite para os homens beneficiários, se for o caso, o que será tanto mais relevantes os gâmetas utilizados deles provierem.” Tal orientação foi colhida pelo legislador e o artigo 5º do Projecto não logrou na versão final do Decreto-Regulamentar de 6/2017, de 31 de Julho. Mas volvidos 4 meses da sua elaboração, o CNPMA delibera no sentido da manutenção dos 49 anos e 364 dias158, como critério de acesso para as técnicas em geral, pois que “é aceitável o risco associado à utilização das técnicas possa ser assumido pelos progenitores, em particular pela grávida que quer ser mãe, porque é o seu corpo” (Deliberação nº 21-II/2017, de 24 Novembro, do CNPMA ). Em sentido oposto, quanto à gestante de substituição, a Deliberação circunscreveu o acesso ao limite dos 44 anos e 364 dias (ou no caso de a avó ou irmã gestante os 49 anos e 364 dias), justificando a opção por se verificar “ uma dissociação entre a pessoa sujeita aos riscos da gravidez e a pessoa que beneficiará da mesma” (…) e, pelo facto “se a sociedade quer valorizar a gestação de substituição como uma possibilidade ética robusta e que seja socialmente aceitável pelo sue altruísmo, não pode contemporizar e permitir que seja a pessoa mais altruísta do contrato esteja a ser colocada numa situação de risco não razoável para a sua saúde”.
9.4.Condições de exclusão das gestantes de substituição
O Decreto-Regulamentar de 6/2017 não indica quaisquer requisitos da gestante ter “pelo menos um filho com vida” e que “tenha tido no máximo uma gravidez que tenha terminado em parto”159. Existem dois entendimentos essenciais, aqueles que consideram que a gestante tem maiores condições de cumprir o contrato de gestação pelo facto de já ter sido mãe (diminuindo o risco de arrependimento e existir maior naturalidade e preparação para a gestação) e, aqueles que desconsideram totalmente tal circunstância (cada gravidez é uma experiência diferente e se
157“A gestante de substituição deve preencher as seguintes condições: a) Não ter idade superior a 49 anos e 364dias; b) ter preferencialmente pelo menos um filho com vida; c) ter tido no máximo uma gravidez que tenha terminado em parto, em situação de gestação de substituição. 2. A mulher, sem parceiro ou parceira ou membro de um casal, que seja beneficiária, para efeitos de recurso à gestação de substituição não pode ter idade superior a 49 anos e 364 dias”.
158Referente à idade materna (sem se pronunciar quanto à idade paterna)
159Estas eram orientações do Projeto do Decreto-Regulamentar.
uma gravidez anterior obstasse ao sentimento de maternidade na segunda gravidez - importante em sede de arrependimento - , chegaríamos à sui generis conclusão de que os primeiros filhos são os mais amados?!). É meu entendimento, que não cabe em sede de decreto-regulamentar o lugar próprio para se restringir o acesso a candidatas a gestação. Tal deveria ter sido mais amplamente discutido e regulamentado na LPMA.
Uma última reflexão sobre este subtema, o dever de considerar a possibilidade de limitação a uma única gestação de substituição levada a cabo pela gestante. Quer pelo impacto fisíco-emocional da gravidez, quer ainda para dissipar dúvidas em relação ao altruísmo da gestante (cerceando-se qualquer possibilidade de fazer da gestação um “trabalho”).
9.5.Anonimato dos dadores
Apenas uma nota quanto ao anonimato dos dadores - inclusive na gestação de substituição em que os gâmetas apenas têm de ser de um dos beneficiário – para apenas sublinhar o que se disse supra. Não é coerente que após tantos anos de luta para restituir a identidade pessoal dos que eram denominados “filhos de pais incógnitos”, seja o legislador permissivo ao ponto de estabelecer maternidades sem a menção da paternidade e com isso não aja lugar a uma averiguação oficiosa. É o retrocesso do progresso.
10.O vácuo legislativo na Lei da PMA
10.1. O consentimento do casado ou unido com a gestante e beneficiária 160
Quanto à gestante é suficiente o apelo ao regime da interrupção voluntária da gravidez. A mulher gestante, por ordem de coerência não será obrigada a ter um consentimento autorizante do seu par. No entanto, penso que terá sempre de existir um processo de informação e esclarecimento conjunto, pois que o companheiro terá pela frente nove meses diferentes e deverá estar a par de todas as implicações advindas do processo de gestação de substituição161. A autonomia decisória é da mulher, pois é esta que em última instância autolimita os seus
160“em relação ao primeiro não repugna prescindir do consentimento do cônjuge (…) já em relação ao casal receptor facilmente se adivinha que submeter-se a mulher a tais procedimentos sem consentimento do marido será sinónimo, num número substancial de casos, de uma ruptura inevitável” XXXX XXXXXX XXXX, Procriação assistida e responsabilidade médica, Coimbra editora, Coimbra, 1996, 295.
161Também o CNECV, no seu Parecer 92/CNECV/2017, de Janeiro de 2017, refere-se ao facto “não é considerada a questão da existência de um eventual parceiro da gestante de substituição, nomeadamente no que respeita a obrigações que lhe serão extensíveis, tal como as referentes à abstinência da práctica sexual de que possa resultar uma gravidez na vigência do contrato de GS.”, 7 e 8.
direitos de personalidade, mas ao companheiro devem ser dados todos os esclarecimentos. É bom lembrar que, recai sobre si uma presunção de parentalidade162 (apenas nestes casos de matrimónio e união de facto) que terá de ser impugnada, conforme art.20º nº4 da LPMA.163
Quanto aos beneficiários, a liberdade e autodeterminação da mulher em concurso com a autodeterminação do cônjuge, deve levar à exigência de um esclarecimento cabal e um posterior consentimento tolerante não porque o cônjuge tenha direito de veto mas porque tem direito ao divórcio.
10.2. Especiais deveres dos centros de PMA164 165
10.2.1.Entidade competente supervisora
Em primeiro lugar dever-se-ia proceder à criação de uma entidade competente para supervisionar a actividade nos centros privados de PMA. Não se olvida das capacidades de supervisão do CNPMA, mas este Conselho tem em si delegadas muitas competências 166que
162Por uma questão de prevenção, uma vez que temos em mente que a gestante obrigou-se a entregar o bebé após o parto. Quanto a esta presunção é bom lembrar que a legislação da PMA deu um passo em frente em relação ao regime tradicional de estabelecimento de paternidade. A extensão da presunção de paternidade à união de facto não aparece reconhecida no articulado da Lei nº 7/2001, pese embora as “condições análogas às dos cônjuges” sejam o mote da referida Lei. Talvez o legislador tivesse sensibilizado para o facto das uniões de facto não se encontrarem registadas.
163Assim parece ser também o entendimento de XXXX XXXXXX XXXX, Procriação assistida e responsabilidade médica, cit., 297.
164“A aplicação tão alargada das técnicas de procriação medicamente assistida é a exaltação adicional à competência rigorosa dos profissionais, na informação que divulgam e nos actos que praticam, tendo sempre presente que as técnicas de PMA constituem um acto terapêutico (...)não um “acto comercial”, de resposta favorável só porque é feito um pedido. Um dos “novos desafios” é claramente, saber e ter a coragem de dizer...não!” XXXXXXX XXXXXX, “Procriação medicamente assistida: novos direitos, novos desafios”, in XXXXX XXXX, XXXX XXXXXXXX XXXXX (Investigadoras responsáveis), Debatendo a Procriação medicamente assistida , FDUP, CIJE, Porto, 2017, 8.
165Ideia como horizonte: “para além do terapêutico, é do conhecimento comum que as tecnologias reprodutivas movimentam avultados interesses económicos que envolvem a medicalização da infertilidade: o número de médicos, clínicas privadas e produtos farmacêuticos especializados na área da procriação assistida tem-se vindo a multiplicar, o mesmo se verificando em relação ao produto financeiro que esta actividade mobiliza e em que se inclui também o marketing” M.XXXXXX XXXXX, “PMA: do desejo de um filho ao filho desejado”, in XXXX XXXXXXXX XXXXXXXX (coord.), Do início ao fim da vida, Publicações da Faculdade de Filosofia, Universidade Católica Portuguesa, Braga, 2005, 119
166É ao Conselho que compete supervisionar todo o processo de gestação de substituição, iniciando-se a sua intervenção com a análise e decisão quanto à autorização prévia do procedimento, é a si submetido o contrato de gestação, e deve ainda diligenciar para a realização de uma reunião com os intervenientes e dispõe de 60 dias para se pronunciar (art.2º nº1, 3, 4, 8 e 9 do Decreto-Regulamentar 6/2017) acrescidos dos deveres prescritos no art.30º da LPMA entre os quais: a) actualizar a informação científica sobre a PMA; b) estabelecer as condições em que devem ser autorizados os centros de PMA; c) acompanhar a atividade dos centros; d) dar parecer sobre a autorização de novos centros; e) dar parecer sobre a constituição de bancos de células estaminais, bem como sobre o destino do material biológico resultante do encerramento destes; f) estabelecer orientações relacionadas com a DGPI; g) apreciar, aprovando ou rejeitando, os projetos de investigação que envolvam embriões; h) aprovar o documento de prestação de consentimento; i) prestar as informações relacionadas com as informações genéticas dos dadores, nos termos do art.15º; j) pronunciar-se sobre a implementação das técnicas de PMA no Serviço Nacional de Saúde; l) reunir as informações a que se refere o n.º 2 do artigo 13.º, efetuando o seu tratamento
não lhe permite um exaustivo acompanhamento (necessário). Não negligenciemos a ideia de que a contratualização da sub-rogação da gestação desenrolar-se-á também em entidades privadas167.
10.2.2. A obrigatoriedade de relatórios semestrais quanto à actividade:
A obrigação de entrega de relatórios anuais168 ao CNPMA parece-me insuficiente. Quer pela matéria em causa e pela novidade na implementação. Nos relatórios deverão constar o número de ciclos de PMA, sua discriminação quanto à técnica e à idade dos intervenientes, taxa de sucesso na fertilização, taxa de gravidez, taxa de gravidez gemelar; número de embriões criopreservados, número de embriões destinados à investigação e destino dos embriões excedentários.
CAPÍTULO 2
O CONTRATO DE COLABORAÇÃO REPRODUTIVO169
O facto de altruisticamente (ou não170, veremos infra) uma mulher decidir colaborar 171 num processo de procriação de outra mulher levanta celeumas como a definição do contrato, aliás o seu valor jurídico, os deveres emergentes da relação contratual, os direitos dos pais
científico e avaliando os resultados médico-sanitários e psicossociológicos da prática da PMA; m) definir o modelo dos relatórios anuais de atividade dos centros de PMA; n) receber e avaliar os relatórios; o) contribuir para a divulgação das técnicas disponíveis e para o debate acerca das suas aplicabilidades; p) centralizar toda a informação relevante acerca da aplicação das técnicas de PMA, nomeadamente registo de dadores, incluindo as gestantes de substituição, beneficiários e crianças nascidas; q) deliberar caso a caso sobre a utilização das técnicas de PMA para seleção de grupo HLA compatível para efeitos de tratamento de doença grave). Diga-se no entanto que a IGAS realiza auditorias, inspeções e fiscalizações aos centros públicos e privados que ministrem técnicas de PMA (art.13º Decreto-Regulamentar 6/2016).
167É de referir que existem apenas 10 centros públicos de PMA em Portugal, suplantados pelos 17 centros privados (informação disponível no sítio do CNPMA consultada a 5/6/2018, consultável em xxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxxxx_xxxxx.xxxx
168Art.12º do Decreto-Regulamentar 6/2016
169É apontado como caso pioneiro o bebé Cotton em Janeiro de 1985, em Inglaterra, pese embora a referência a inseminação da mãe gestante com sémen de homem casado cuja cônjuge é infértil advenha da passagem bíblica, entre Xxxxxx e Xxxxx, em Génesis XX, 1 “Aqui tens a minha escrava Xxxxx, vai ter com ela: que ela dê à luz sobre os meus joelhos; assim por ela, eu também terei filhos”.
170“torna-se muito difícil assegurar a inexistência de contrapartidas para a “gestação de substituição”. A “gestante de substituição” que celebre contratos onerosos é criminalmente punida (art.39º/2); naturalmente deixa de haver crime se ela abortar voluntariamente”, XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX, Tratado de Direito Civil, IV, cit., 363 171A designação adoptada cumpre o propósito de romper com o conceito pétreo de barriga de aluguer, mãe de substituição ou hospedeira, (precipitada pela importação da nomenclatura anglo-saxónica de surrogate mother) pois tais denominações coisificam a mulher. A mais, mãe de substituição continua a ser mãe, ou pelo menos conforme o art.1796º nº1 do CC, mãe é quem dá à luz. Acresce ainda o facto de saber se para além de gestante também é a dadora do óvulo, assim será ainda a mãe biológica, não no caso da lei da PMA em que o art.8º nº3 o proíbe expressamente (colhidas recomendações do CNECV no Relatório junto ao Parecer 87/CNECV/2016, já referido no ponto 5 do Parecer 63/CNECV/2012).
genéticos e da gestante, a natureza onerosa ou gratuita do contrato, o poder de decisão em caso de interrupção voluntária da gravidez, a assunção ou repartição da responsabilidade por mal formações, o estabelecimento de filiação e qual o efeito de facto em caso de arrependimento dos intervenientes.
SUBCAPÍTULO 3
O MODELO ACTUAL172
A gestação de substituição, instituída pela Lei nº25/2016, de 22 de Agosto, é definida pelo legislador como o contrato pelo qual uma “mulher se disponha a suportar uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto, renunciando aos poderes e deveres próprios da maternidade”(art.8º). A admissibilidade da celebração destes negócios jurídicos tem carácter excepcional (dependentes de diagnóstico)terão de ser reduzidos a escrito e serão sempre de natureza gratuita. A sua celebração terá o escrutínio do CNPMA (a par de parecer da Ordem dos Médicos). As novidades que sobressaem: a permissão da ingerência da liberdade contratual neste domínio173, o objecto do negócio jurídico, as obrigações e a disponibilidade do estado pessoal através de um contrato (contratualização do estabelecimento da maternidade).
172Como rápido excurso europeu. Na Alemanha o BGB comina com nulidade os contratos de gestação de substituição e jurisprudência segue o entendimento da invalidade do contrato, pese embora o Acórdão de 10 de Dezembro de 2014, Proc. XII ZB 463/13, seguindo a orientação do TEDH, tenha tido em conta o superior interessa da criança e a ausência de contradição com a ordem pública internacional alemã, decidiu reconhecer a paternidade jurídica dos beneficiários efectuado por um tribunal estrangeiro, assegurando-se da liberdade da gestante na decisão de suportar a gravidez e entregar a criança após o parto, comparando a situação a uma adopção. Em Espanha pela Ley 14/2006, de 26 de mayo, no seu art.10º proíbe expressamente a gestação por substituição, ditando que a maternidade é estabelecida a favor da mãe gestante (como o caso português anterior à LPMA), criminalizando ainda, pelo art.221º do CP, a entrega da criança pela gestante e a aceitação da criança pelos beneficiários bem a actuação dos intermediários, e mais, o Tribunal Supremo veio confirmar este entendimento em 2014, motivado pela comercialização da gestação e da filiação, coisificando a criança e a mulher. Em França, a gestação de substituição não é permitida, o Code Civil estabelece a nulidade dos contratos e o Code Penal criminalizou o incitamento ao abandono de crianças pelo facto de recorrerem à adopção como simulação de uma verdadeira gestação de substituição (a gestante aceita ser inseminada e exercer o direito, existente no sistema jurídco francês, de não ser declarada mãe da criança) e nos casos de “turismo de procriação” os tribunais franceses têm entendido que a proibição do contrato de gestação não pode contrariar o interesse de uma criança concebida nestes termos que resida no país. Na Itália a gestação de substituição é proibida e criminalizada, sendo omissa quanto ao estabelecimento de filiação, no caso da maternidade rege-se pelo regime geral do parto como critério. No Reino Unido, pelo Surrogacy Arrangements Act de 1985 e o Human Fertilization and Embriology Act de 2008, permite-se uma solução intermédia instituido um modelo de transferência judicial de paternidade (parental order) nos primeiros 6meses de vida da criança, gratuitidade e apenas casais (sejam cônjuges ou unidos de facto, sejam hetero ou homo) como possíveis beneficiários.
173“os negócios pessoais são negócios fora do comércio jurídico” XXXXXX XXXXXXX XX XXXX XXXXX, Teoria Geral do Direito Civil, cit., 398.
11. A permissão da ingerência da autonomia privada
A liberdade contratual, encontra-se inserida “dentro dos limites da lei” (art.405º do CC), assim delimitada pelas cláusulas gerais de ordem pública174 e bons costumes175 presente no art.280º do CC. A par, a limitação dos direitos de personalidade, por força da tutela geral da personalidade pelo art.70º e pelo específico art.81º nº1 do CC, influiu na cominação de nulidade de negócios jurídicos que tivesse como objecto a dádiva ou colheita de órgãos, tecidos e células de origem humana176 bem como a “maternidade de substituição” na versão da lei de 2006. Para tal, o juízo de contrariedade da ordem pública.177 Os conceitos indeterminados das cláusulas gerais, como a de ordem pública, estão sujeitas à evolução dos tempos, e porquanto só se poderá concluir que a ordem pública evoluiu no sentido de permitir a disponibilidade do corpo de tal forma que a gestação de substituição passou a ser negócio jurídico178. Retenha-se apenas a chamada de atenção, não se questiona a evolução do conceito de ordem pública, o que se questiona é a falta de discussão pública sobre o assunto que permitiria o esclarecimento da opinião pública e o “medir de pulso” às consciências individuais.
174A ordem pública tem uma “dimensão colectiva e organizatória da vida social”, estando em causa “requisitos ou elementos objectivos básicos da ordenação social na configuração concreta (…)” de “aspectos mais marcadamente técnico-organizacionais da vida em sociedade”. XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXX, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, cit., 844 (nota 939).
175Apresenta uma dimensão ética ou ético-jurídica, assumindo a feição de “cláusula de salvaguarda do mínimo ético-jurídico reclamado pelo Direito e exigível de todos os membros da comunidade”, desempenhando uma função “negativa, balizadora da autonomia dos sujeitos” XXXXXX XXXXXXXX DA FRADA, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, cit., 845 a 848.
176Lei nº 12/93, de 22 de Abril (com a quinta alteração pelo DL nº 168/2015, de 21 de Agosto) que no seu art.1º nº1 nos diz que “aplica-se aos actos que tenham por objecto a dádiva ou colheita de órgãos, tecidos e células de origem humana, para fins terapêuticos ou de transplante, bem como às próprias intervenções de transplante”, acrescentando o art.5º nº1 “não pode, em nenhuma circunstância, ser remunerada, sendo proibida a sua comercialização.”
177Reportando uma “impossibilidade legal” nos contratos de “mãe hospedeira” XXXXXXXX XXXXX XXXXXX, A parte geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, Reimpressão da edição de 1992, Almedina, Coimbra, 2000, 523 (nota 46). XXXXXXXXX XX XXXXXXXX, refere-se à contrariedade da dignidade da pessoa humana e porquanto viola o princípio da ordem pública, “Mães hospedeiras, Tópicos para um intervenção” in Colóquio interdisciplinar sobre Procriação Assistida, 12 de Dezembro de 1991, Coimbra, Centro de Direito Biomédico, 1993, 69. Esta autor assenta a sua crítica na coisificação da mulher gestante e da criança, já em 1991, estranho que os adventos legislativos actuais entrem em rota de colisão entre si. “Descoisifica-se” os animais, pela Lei nº8/2017 mas sufraga-se a putativa evolução da ordem pública como justificativa da consagração do contrato de gestação de substituição.
178Retenhamos a ideia de que a ordem pública, como dito supra, desempenha uma função mais técnico-regulativa e não tanto de pendor ético-jurídico.
12. A caracterização do contrato de “gestação de substituição”
12.1. Da tipicidade
Analisado o art.8 da LPMA questionamos se o mesmo é um contrato típico179. Sob a tese de ser um contrato nominado abonam o facto de socialmente este contrato ser conhecido, tratado amplamente pela doutrina180 e legalmente já ser reconhecido (pelo menos a sua possibilidade) pela LPMA de 2006 (pese embora com a cominação de nulidade). Na sequência do Decreto Regulamentar nº6/2017, de 31 de Julho, que regulamenta o acesso à gestação de substituição parecia terem-se dissipado as dúvidas. O corpo normativo dispõe que cabe ao CNPMA a aprovação do “contrato-tipo de gestação de substituição, que contém os elementos essenciais do contrato, disponibilizando-o no respectivo sítio da internet”181, estabelecendo ainda o que deve versar no clausulado.182 O busílis da questão reside no facto de estarmos, da análise do art.8º da LPMA, perante um contrato-tipo muito amplo em que as restrições impostas pelos números 4, 10 e 11 são insuficientes na medida em que não concretizam quais os limites
179Para ser considerado um contrato típico terá de, para além da existência de regulamentação do contrato, esta regulamentação terá de dispor sobre a disciplina básica do contrato. Trata-se dos “elementos essenciais” de cada negócio, ou seja das “cláusulas que contradistinguem um certo tipo negocial dos restantes tipos” XXXXXX XXXXXXX XX XXXX XXXXX, Teoria Geral do Direito Civil, cit.,384.
180Exemplarmente XXXXXXXXX XX XXXXXXXX, nos seus escritos desde 1991, que aborda a temática, assim “Mães hospedeiras, Tópicos para um intervenção” in Colóquio interdisciplinar sobre Procriação Assistida, 12 de Dezembro de 1991, e no célebre Mãe há só duas! O contrato de gestação de 1992. Também XXXXXXXX XXXXX XXXXXX aborda as “mães hospedeiras” em 1992 no seu A parte geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, ou ainda XXXX XXXXXX XXXX no seu Procriação assistida e responsabilidade médica, em 1996.
181Nº1 do art.3º, disponível no sitio do CNPMA, consultável xxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/Xxxxxxxx_xxxxxxxx.xxxx 182Nº3 do art.3º “3 - Do contrato-tipo devem constar, entre outras, cláusulas tendo por objeto: a) As obrigações da gestante de substituição no que respeita ao cumprimento das orientações médicas do obstetra que segue a gravidez e a realização dos exames e atos terapêuticos por este considerados indispensáveis ao correto acompanhamento clínico da gravidez, tendo em vista assegurar a evolução normal da gravidez e o bem-estar da criança; b) Os direitos da gestante de substituição na participação nas decisões referentes à escolha do obstetra que segue a gravidez, do tipo de parto e do local onde o mesmo terá lugar; c) O direito da gestante de substituição a um acompanhamento psicológico antes e após o parto; d) As obrigações e os direitos da gestante de substituição, tais como a possibilidade de recusa de se submeter a exames de diagnóstico, como a amniocentese, ou a possibilidade de realizar viagens em determinados meios de transporte ou fora do país no terceiro trimestre de gestação; e) A prestação de informação completa e adequada sobre as técnicas clínicas e os seus potenciais riscos para a saúde;
f) A prestação de informação ao casal beneficiário e à gestante de substituição sobre o significado e as consequências da influência do estilo de vida da gestante no desenvolvimento embrionário e fetal; g) As disposições a observar sobre quaisquer intercorrências de saúde ocorridas na gestação, quer a nível fetal, quer a nível da gestante de substituição; h) As disposições a observar em caso de eventual interrupção voluntária da gravidez em conformidade com a legislação em vigor; i) A possibilidade de denúncia do contrato por qualquer das partes, no caso de se vir a verificar um determinado número de tentativas de gravidez falhadas e em que termos tal denúncia pode ter lugar; j) Os termos de revogação do consentimento ou do contrato e a suas consequências;
k) A gratuitidade do negócio jurídico e a ausência de qualquer tipo de imposição, pagamento ou doação por parte do casal beneficiário a favor da gestante de substituição por causa da gestação da criança, para além do valor correspondente às despesas decorrentes do acompanhamento de saúde efetivamente prestado, incluindo em transportes; l) Os subsistemas ou seguros de saúde que podem estar associados ao objeto de contrato; m) A forma de resolução de conflitos a adotar pelas partes em caso de divergência que se suscite sobre a interpretação ou execução do negócio jurídico.”
positivos e negativos da autonomia das partes. A indeterminação da LPMA, na disciplina da gestação de substituição no seu art.8º, não densifica suficientemente quais os parâmetros de actuação dos intervenientes, nem ainda quais os critérios a ser adoptados pelo CNPMA no processo de autorização prévio do contrato.
12.2. Da unilateralidade à bilateralidade e tipo contratual183
Atente-se à definição legal “suportar uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto”.184 Estaremos perante um mandato185? Um contrato de prestação de serviços186 em que o mandatário (aqui gestante) pratica um ou mais actos por conta do mandante187? Se a resposta for positiva encontramo-nos sob o domínio de um contrato bilateral imperfeito uma vez que se trata inicialmente de obrigações apenas para uma das partes (gestante188), surgindo eventualmente mais tarde obrigações para a outra parte (neste caso vislumbra-se o facto de assumir as obrigações contraídas pelo mandatário - aceitar o bebé - e o pagamento das despesas médicas inerentes a todo o processo de gestação e parto). Saliente-se que nos encontramos sempre a perspectivar a gratuitidade do contrato. Porquanto não há lugar à condição resolutiva tácita nem à exceptio non adimpleti contractus189.
183A disciplina geral dos contratos não é suficiente uma vez que o contrato não depende exclusivamente da vontade das partes, terá sempre como filtro a autorização prévia do Conselho, art.8º nº3 e 4 da LPMA .
184Estabelecem-se as duas obrigações já referidas para a gestante, mas não se vislumbra no imediato da relação jurídica uma obrigação correspectiva (gratuitidade). Estaremos perante um contrato unilateral? A bilateralidade gera obrigações para ambas as partes e pressupõe o sinalagma, o cruzar de prestações. Como terceira hipótese temos o caso dos contratos bilaterais imperfeitos (não existem obrigações sinalagmáticas mas posteriormente, em virtude do cumprimento da primeira nascer obrigações para a contraparte, parece ser o caso do pagamento das despesas médicas decorrentes da gestação). cfr.XXXXXX XXXXXXX XX XXXX XXXXX, Teoria Geral do Direito Civil, cit., 388.
185JORGE XXXXXX XXXXXXXX afasta a possibilidade de estarmos perante um aluguer ou comodato de útero, nestes há apenas a obrigação de proporcionar o uso temporário de uma coisa - e mesmo que se entenda que o útero é uma coisa – mas a gestação de substituição não se resume a essa prestação. A gestante tem de entregar a criança e renunciar a maternidade, cfr. “Mãe portadora – a problemática da maternidade de substituição” in OLIVEIRA DE ASCENSÃO (coord.), Estudos de Direito da Bioética, Vol.II, Almedica, Coimbra, 2008, 330.
186Art.1154º do CC define o contrato de prestação de serviços.
187Assim p.ex. “contrato pelo qual uma das partes se obriga, gratuitamente ou mediante retribuição, a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra, que, por qualquer motivo, não quer ou não pode praticá-los pessoalmente (artº 1170 nº 1 do Código Civil)” Ac.TRC de 25.10.2011, consultável em xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxx.xxx/x0xx000000xx0x00000000x0000xx0xx/0xxx00xx0xx0000x00000000000xx00x
188 Suportar a gravidez, entregar a criaçna após o parto e renunciar à maternidade. Estaremos perante uma obrigação de meios ou de resultado? Não me parece que os pais contratentes possam exigir uma criança sã e perfeita à gestante, esta limitar-se-á a entregar a criança como e se ela nascer. Não concebo que os pais contraentes possam pedir uma indemnização fundada no incumprimento contratual no caso de a criança morrer após o parto (sem culpa da gestante, óbvio) ou por não ser tão bonita quanto eles expectavam. Como também me repugna que os pais contraentes rejeitem a criança com base num putativo resultado não almejado.
189Assim XXXXXX XXXXXXX XX XXXX XXXXX, Teoria Geral do Direito Civil, cit., 388 e XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX, “Subitamente no Verão passado” in XXXXX XXXX, XXXX XXXXXXXX XXXXX, (Investigadoras responsáveis), Debatendo a Procriação medicamente assistida , FDUP, CIJE, Porto, 2017, 115.
Segunda questão: trata-se de um mandato com190 ou sem representação191? A dúvida surge pois a norma fala em “por conta de outrem” - característica comum ao mandato - é sempre no interesse do mandante que o mandatário age. Convoquemos a expressão " renunciando aos poderes e deveres próprios da maternidade”, talvez (?) isto signifique que o mandatário age sem representação e ulteriormente transferirá para o mandante os direitos adquiridos na execução do mandato (art.1181º nº1 do CC). Mas novamente se questiona, e se não transferir? Respondemos peremptoriamente que aos mandantes (aqui os beneficiários) não podem lançar mão da execução específica (art.830º nº1 do CC) pela “natureza da obrigação assumida”.192 193 Por outro lado poderá defender-se o mandato com representação, como o real intuito
dos beneficiários. A mandatária estará a agir por conta e em nome dos beneficiários até pelo facto de “trazer consigo” o feto biologicamente hereditário de pelo menos um dos beneficiários. Os efeitos jurídicos produzir-se-iam directamente na esfera jurídica dos beneficiários. A criança nascida seria filha dos beneficiários.
12.3. O consentimento das partes
Estando em causa uma limitação de direitos de personalidade, que encontra o seu limite na ordem pública, afigura-se necessário descortinar o tipo de consentimento194 necessário à
190“No mandato representativo o negócio jurídico realizado pelo mandatário produz os seus efeitos na esfera jurídica do mandante (arts. 1178º, nº 1 e 258º, do C.Civil)”, in Ac.STJ de 27.06.2003, consultável em xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxx.xxx/000x0xx0xx0xx0x000000x0x000xx000/xx0000000000x00000000x0x000x0000?XxxxX ocument
191“No mandato sem representação o mandatário age «nomine proprio», ainda que por conta do mandante, produzindo-se os efeitos do negócio na esfera jurídica do mandatário que não na do mandante” in Ac.STJ de 15.05.2003, consultável em :xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxx.xxx/0/X0000000X0X00X0000000X0X000XX000
192“I- No mandato sem representação, o mandatário, embora agindo por conta, e no interesse do mandante, não assume a qualidade de seu representante, e, como que age em nome próprio, adquire todos os direitos e assume todos os deveres que decorrem dos actos que celebra. II- Todavia, uma vez celebrado o negócio, fica obrigado a transferir a titularidade de todos os direitos “adquiridos em execução do mandato III- Mas se o mandatário se recusar a transmitir a propriedade para o mandante, este não tem possibilidade de o forçar a tal, assistindo-lhe apenas o direito a uma indemnização de perdas e danos”, in Ac.TRG de 30.03.2017, consultável em: xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxx.xxx/00x00x000x0x0xx0000000xx000x0000/xx000x000xx0x0xx0000000x0000xx00?Xxxx Document
193Assim também, XXXXXXXXX XX XXXXXXXX, Mãe há só duas! O contrato de gestação, Coimbra Editora, Coimbra, 1992, 66 (nota 49).
194ORLANDO DE CARVALHO faz a distinção entre consentimento tolerante (o lesado não atribui nenhum poder jurídico de agressão, apenas consente na agressão que alguém lhe faça, art.340º do CC), autorizante (não atribui um direito subjectivo, é um compromisso jurídico, livremente revogável, em que a outra parte tem um poder fáctico de agressão, art.81º nº2 do CC) e vinculante (no âmbito de negócio jurídico, a contraparte tem o direito subjectivo de exigir o comportamento correspondente, é o tipo de consentimento excecpcional, por força do carácter indisponível dos direitos de personalidade, exemplificativamente “pode ocorrer todavia no contrato de aleitamento que, por recair sobre um elemento biológico regenerável (o leite) e atenta a altruísta finalidade que se prossegue, é um contrato juridicamente vinculante” XXXX XXXXXX XXXX, Procriação assistida e responsabilidade médica, cit.,135)
conclusão do contrato de “gestação de substituição”. Em bom rigor, parece existir dissonância entre o tipo de consentimento dos beneficiários e da gestante. Esta última, porque se autolimita no seu direito à integridade física e à liberdade e, no âmbito de um negócio jurídico (máxime contrato) atribui aos beneficiários um direito subjectivo de exigir o comportamento correspondente, e estará portanto a dar um consentimento vinculante. No entanto LPMA reforçou o consentimento da gestante uma vez que o mesmo terá de ser dado perante o médico (art.14º nº1 da LPMA), autonomizando assim o consentimento da gestante do contrato a celebrar com os beneficiários. Trata-se de um duplo consentimento, em duas, como processo contínuo.
Por outro lado, o dador de gâmetas masculino como terceiro, ou porventura o beneficiário que vê o seu material genético ser utilizado é um consentimento autorizante195.
Mas tal como dito inicialmente, a natureza limitativa dos direitos de personalidade permite à gestante, até ao início dos tratamentos, a revogabilidade do consentimento. Este é o entendimento legal, no entanto, tratando-se de o consentimento, neste caso, de um processo contínuo, que envolve uma gestação de normalmente nove meses, deverá o consentimento ser livremente revogável até ao cumprimento integral do contrato.
12.4. Cláusulas obrigatórias196
12.4.1. “disposições a observar em caso de ocorrência de malformações ou doenças fetais”
Estranhamente, parece estar na alçada da disposição das partes, o “destino” do feto em caso de malformação ou doença. Parece-me inaceitável que sejam os beneficiários a ditar os procedimentos nestes casos.197 É verdade que numa gravidez “normal” (no sentido de não ser sub-rogada) a grávida pode abortar livremente até às dez semanas. Mas os beneficiários não podem ter o “melhor de dois mundos”. Não pode a sua autonomia privada ser arrogada como direito a escolher como quer que o seu filho seja. A sub-rogação não pode ser um meio para a perfeição da prole198. Insiste-se, o direito a procriar fundamenta-se na faculdade de ser pai e
195Quanto aos cônjuges da beneficiária e gestante atente-se ao dito supra.
196Como cláusulas obrigatórias (art.8º nº10 da LPMA) as mesmas foram colhidas das recomendações do Parecer 87/CNECV/2016, ponto 2. Quanto às cláusulas que “devem constar” do contrato cfr.art.3º nº3 do Decreto- Regulamentar 6/2017 e supra, nota 189.
197Mas não colhe este entendimento para o legislador que no Decreto Regulamentar nº6/2017, de 31 de Julho, estabelece no art.3º nº3 al.g) “As disposições a observar sobre quaisquer intercorrências de saúde ocorridas na gestação, quer a nível fetal, quer a nível da gestante de substituição”
198Estaríamos aqui a chamar à colação o limite da autonomia privada pela boa fé e ordem pública.
mãe, não no direito a escolher o filho. No caso das malformações ou doenças deve ser a gestante, em estrita correlação com a equipa médica, a tomar a decisão.
12.4.2. “eventual interrupção voluntária da gravidez”
A interrupção voluntária da gravidez é permitida na nossa lei penal199 e encontra a sua ratio legis no direito à integridade física e no direito de disposição do corpo da mulher. Até aqui, apenas à mulher grávida cabia a decisão. No caso da colaboração reprodutiva a grávida não é mãe genética. Poder-se-ia dizer que o beneficiário, porque pai genético (no caso de doação de gâmetas), teria poder decisório, mas tal não encontra fundamento no nosso ordenamento jurídico. É a integridade física, a liberdade e a livre disposição do corpo que imperou na despenalização da interrupção voluntária da gravidez e o contrato de gestação não altera essa concepção200.
12.5. Os direitos e as obrigações
12.5.1. Da gestante
Parece a LPMA201 proibir qualquer cláusula contratual que restrinja o comportamento, as condutas da gestante. Seja a nível alimentação, medicação, estilo de vida, actividade sexual e desportiva202. O princípio do cumprimento integral do contrato e o princípio da boa fé pode pressupor que as condutas lesivas da gestante atentem contra deveres laterais na dimensão de protecção do nascituro203.
199Por opção da mulher, de forma livre, até às dez semanas (art.142º nº1 al. c) e e) do CP)
200Aliás, talvez reforce a liberdade de disposição do corpo. Acrescente-se que o nº11 do art.8º da LMPA proíbe restrições de comportamento da gestante. A conformação desta possibilidade vem reforçada no Decreto Regulamentar nº6/2017, de 31 de Julho, no seu art.3º nº3 al.h) “As disposições a observar em caso de eventual interrupção voluntária da gravidez em conformidade com a legislação em vigor” e ainda o art.4º (quanto à revogabilidade do contrato até ao início dos procedimentos de PMA, ressalvando o art.142º nº1, al.e) do CP) 201Art.8 nº11 da LPMA, consubstanciando-se no ponto 2 do Parecer 87/CNECV/2016.
202Pese embora o Decreto Regulamentar nº6/2017, de 31 de Julho nos refira no seu art.3º “a) As obrigações da gestante de substituição no que respeita ao cumprimento das orientações médicas do obstetra que segue a gravidez e a realização dos exames e atos terapêuticos por este considerados indispensáveis ao correto acompanhamento clínico da gravidez, tendo em vista assegurar a evolução normal da gravidez e o bem-estar da criança”...sugere- nos aqui a superior interesse da criança como temperador.
203Estaríamos no domínio dos contratos de protecção de terceiros? A integridade física e a liberdade da gestante derroga o interesse (juridicamente tutelado) do nascituro. No entanto o clausulado do contrato-tipo fornecido pelo CNPMA, na sua cláusula 1ª, nº4 “A gestante obriga-se a cumprir todas as disposições que sejam determinadas pelo médico responsável pelo acompanhamento da gravidez, bem como a realizar os exames
e atos terapêuticos por este considerados indispensáveis ao correto acompanhamento clinico da gravidez e do bem- estar do feto.” Posteriormente ao nascimento existem as responsabilidades parentais tais como a assistência, auxílio, respeito, de velar pela saúde e segurança, pelo provimento do sustento, direcção da educação, cfr.art.1874º e 1878º do CC, bem como art.36º nº5 da CRP.
Outra questão premente será a de saber se a gestante tem o direito, contrariamente à vontade dos beneficiários, de prosseguir com a gravidez e estabelecer filiação com a criança. A LPMA estabelece em favor dos beneficiários a filiação, pelo que seria no tribunal de família e relevando o superior interesse da criança que a decisão seria tomada.
À gestante é ainda dado o direito à participação na escolha do médico obstetra204, a um acompanhamento psicológico antes e após o parto e possibilidade de recusa de se submeter a exames de diagnóstico, como a amniocentese, ou a possibilidade de realizar viagens em determinados meios de transporte ou fora do país no terceiro trimestre de gestação
12.5.2 Dos beneficiários
Em análise comparativa, resumem-se a três os deveres dos beneficiários; prestar toda a informação médica necessária, observar as prescrições médicas e posteriormente informar o centro de PMA do desenvolvimento e estado de saúde da criança nascida sob recurso à gestação de substituição.205
12.5.3. Do centro de PMA: os especiais deveres de informação, esclarecimento e recomendações médicas
O consentimento “é um processo e não uma forma”, e tem de ser encardo como “interactivo, dinâmico e não estático”206. Introduzimos o famoso “consentimento livre e esclarecido”207. Recaindo sobre o médico deveres de informação e esclarecimento - em linguagem entendível ao comum dos cidadãos e adequadas ao paciente - sobre todas as intervenções a que se propõe, os motivos justificativos dessas intervenções, as probabilidades de êxito e os riscos associados, os danos colaterais a longo e médio prazo, bem como alternativas existentes.
204Assim, art.3º nº3 al.b) “Os direitos da gestante de substituição na participação nas decisões referentes à escolha do obstetra que segue a gravidez, do tipo de parto e do local onde o mesmo terá lugar”, e ainda a cláusula 1ª do contrato-tipo disponibilizado “5. O médico responsável pelo acompanhamento da gravidez será escolhido por acordo escrito entre todos os interessados.”
205 Cláusula 4ª als. a), b) e c) do contrato-tipo. É noss entendimento que terá o beneficiário dador de gâmetas a obrigação de “aceitar” a criança, seja pelo cumprimento do contrato seja pelo estabelecimento da paternidade (verdade genética).
206JOÃO XXXXXX XXXX, Procriação assistida e responsabilidade médica, cit., 281.
207O “informed consent” que viu consagração normativa na jurisprudência americana em 1960 consubstanciando- se no direito a recusar liminarmente uma intervenção médica, mesmo que sob orientação do médico, pois que o ser humano é dono do seu corpo. Quanto à relação médico-paciente, cfr.art.31º, 39º, 44º, 45º, e ainda, no âmbito da PMA os art.62º a 65º todos do CDOM (Regulamento n.º 707/2016, de 21 de Julho).
No caso da PMA, as intervenções médicas sui generis e a refratação no futuro fazem recair sobre os responsáveis deveres especiais208. Nos termos do art.8º nº4 da LPMA cabe ao CNPMA supervisionar todo o processo de gestação de substituição, inclusivé supervisionar e autorizar os contratos de gestação de substituição209, acompanhado de pedido de parecer da Ordem dos Médicos. Os beneficiários e a gestante devem receber toda a informação necessária atempadamente, de forma escrita, em documento aprovado pelo CNPMA 210. A ressalva face à especificidade da gestação de substituição perante as técnicas de PMA vislumbra-se pela necessidade de informação escrita “aos beneficiários e a gestante de substituição (...) do significado da influência da gestante de substituição no desenvolvimento embrionário e fetal”211.
208“mais do que um dever deontológico, a obtenção de um consentimento é perspectivada como um direito dos cidadãos, cujo âmago é a prestação de informações corretas sobre os respectivos estados clínicos, assim como sobre todos os benefícios e riscos conhecidos associados às tecnologias de reprodução assistida e as alternativas existentes”, XXXXXX XXXXXXX XXXXXXX XXXX XX XXXXX, “Consentir incertezas: o consentimento informado e a (des)regulação das tecnologias de reprodução assistida”, in Cadernos de Saúde Pública, 24, Fundação para a Ciência e Tecnologia, Lisboa, 2008, 525 ss. Quanto às recomendações médicas refira-se o art.11º nº1 da LPMA “Compete ao médico responsável propor aos beneficiários a técnica de PMA que, cientificamente, se afigure mais adequada quando outros tratamentos não tenham sido bem-sucedidos, não ofereçam perspetivas de êxito ou não se mostrem convenientes segundo os preceitos do conhecimento médico.”
209Art.8º nº10 da LPMA, A mais, o Decreto-Regulamentar 6/2017, de 31 de Julho, instituiu o pedido de autorização prévia para a celebração do contrato ao CNPMA, por formulário (criado pelo CNPMA) cedido na Internet e que deve ser subscrito pelos intervenientes em conjunto (art.2º nº2,3, e 6). O CNPMA tem 60 dias para deliberar o deferimento ou indeferimento do pedido de autorização prévia e, em caso de luz verde, solicita parecer à OM (não tem carácter vinculativo e o procedimento pode prosseguir sem o mesmo, nº7). Cabe ainda ao CNPMA, no âmbito do processo e tomada de decisão, proceder a uma reunião com os intervenientes para a “realização de uma avaliação completa e independente do casal beneficiário e da gestante de substituição, por uma equipa técnica e multidisciplinar designadamente na área da saúde materna e da saúde mental.” nº9 do art.2º do Decreto- Regulamentar.
210Art.14º nº2 da LPMA (abrangendo a gestante no seu nº5) “previamente informados, por escrito, de todos os benefícios e riscos conhecidos resultantes da utilização das técnicas de PMA, bem como das suas implicações éticas, sociais e jurídicas.” e nº3 “devem constar de documento, a ser aprovado pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, através do qual os beneficiários prestam o seu consentimento.” Quanto à exigência de um documento aprovado pelo CNPMA , um mero documento escrito “é inconcebível que um qualquer formulário de consentimento assinado pelo doente possa sobrepor-se ou sequer substituir-se à reciproca troca de informação”, XXXX XXXXXX XXXX, Procriação assistida e responsabilidade médica, cit., 281
211Art.14º nº6 da LPMA. Sem esquecer a remissão para o art.12º al.c) e e), por força do art.8º nº9, das informações referentes às implicações dos tratamentos propostos e às condições de recorrência à adopção e a relevância social desse instituto.
Sobre os centros de PMA recai o ónus de avaliação dos intervenientes212, sendo a recusa destes legitima a recusa na aplicação das técnicas de PMA.213 214
13. A nulidade do contrato de gestação de substituição
Prescreve o art.8º nº12 da LPMA a nulidade dos negócios de gestação de substituição onerosos, sendo igualmente nulos os que não respeitarem a indicação das razões médicas excepcionais, em que haja recurso a ovócito da gestante ou não haja recurso a gâmetas de um dos beneficiários, quando exista uma relação de subordinação entre as partes (inclusive laboral215), o contrato não tenha sido reduzido a escrito, o CNPMA não tenha acompanhado todo o processo e não tenha havido audição da OM, em que haja restrição aos comportamentos da gestante ou prescrição de condutas que atentem contra a liberdade da gestante, bem como a falta das (polémicas) cláusulas das disposições a observar em caso de malformações ou doenças fetais e eventual aborto. Mas a especificidade do contrato, o nascido como efeito de facto, traz perplexidade ao efeito ex nunc da nulidade (art.255º e 256º do CC). No art.8º, da anterior versão da LPMA, a nulidade da “maternidade de substituição” estabelecia filiação através do parto. A nulidade do contrato operava em termos absolutos e o efeito de facto do contrato – o nascituro
- não influenciava a filiação. Assim a nulidade do contrato tinha como consequência a maternidade da gestante. Com a actual redacção tudo muda. A filiação, mesmo em caso de nulidade do contrato, estabelece-se em favor dos beneficiários (art.8º nº7 da LPMA)? Ou a
212Decreto Regulamentar nº7/2017 que regula a gestação de substituição e que reforça o processo inicial de pedido de autorização prévia com o art.2º, nº2 al.c) “Da documentação médica, com origem no centro de Procriação Medicamente Assistida (PMA) no qual a técnica de PMA ou técnicas de PMA necessárias à concretização da gestação de substituição serão efetuadas, destinada a comprovar que a mulher elemento do casal beneficiário se encontra nas condições previstas nos n.os 2 e 3 do artigo 8.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho,”; d) De uma declaração de psiquiatra ou psicólogo favorável à celebração do contrato de gestação de substituição; e e) De uma declaração do Diretor do centro de PMA no qual a técnica ou técnicas de PMA necessárias à concretização da gestação de substituição serão efetuadas, aceitando a concretização nesse centro do ou dos tratamentos a realizar.” 213Cfr. art.5º nº4 do Decreto Regulamentar nº6/2016, de 29 de Dezembro, e ainda o Decreto Regulamentar nº 6/2017, de 31 de Julho, como supra mencionado. Justifica-se especial cuidado na avaliação psicológica dos intervenientes porquanto estamos perante procedimentos tocantes à dignidade da pessoa humana, já não numa dimensão individual mas como iter de responsabilidade perante os vindouros.
214Pensemos no caso da selecção da gestante em que a avaliação psicológica torna-se fulcral. O argumento de que as mulheres que se prestam a gerar para outrem, não estabelecem uma relação saudável com o feto e porquanto assumem comportamentos de risco. Atente-se ao facto de neste tipo contratual estar vedado (no nosso entendimento) o estabelecimento de obrigações comportamentais à gestante - emprega-se no entanto os deveres de diligência normais numa obrigação de meios. Diga-se ainda que o argumento é fraco uma vez que uma mulher saudável não o deixa de ser por engravidar. Situação diferente será aquela em que a selecção da candidata a gestante falhou (e a sua avaliação psicológica) e porquanto escapou aos responsáveis clínicos o passado (ou presente) menos saudável da candidata. Neste caso, a clínica poderá incorrer em responsabilidade civil contratual para com os pais contraentes uma vez que o seu serviço passa pela assunção do dever de escrutínio dos candidatos, por força do art.5º nº4 do Decreto Regulamentar nº6/2016, de 29 de Dezembro.
215Art.8º nº6 da LPMA, anulável por se tratar de declaração obtida mediante coação moral.
redacção da norma pressupõe a validade do contrato?216 Salvo melhor opinião, cremos que em caso de nulidade do contrato de gestação de substituição, pese embora as situações atrás descritas tenham gravidades diferentes, não devem os infractores ser presenteados com uma “filiação contratual”217 que afinal é nula218. Mas, sem que se antevisse, no sentido oposto a esta argumentação surge o Projecto do Decreto Regulamentar do acesso à gestação de substituição219. De imediato soaram os alarmes220, que só silenciaram quando o legislador, no Decreto Regulamentar nº6/2017, de 31 de Julho excluiu a norma que consagrava a nulidade a benefício dos infractores.
SUBCAPÍTULO 4
PROPOSTAS DE CONTRATO DE COLABORAÇÃO REPRODUTIVA
14. O contrato de colaboração reprodutiva como uma prestação de serviços221
14.1. A cedência da capacidade reprodutiva
O direito à capacidade reprodutiva consubstancia-se na faculdade de fazer uso do seu aparelho reprodutivo e tem como fundamento o direito à disposição do corpo222.
216“A nulidade do contrato implica a não produção dos efeitos jurídicos pretendidos pelas partes. E assim, a mulher que dá à luz a criança, não sendo considerada parte de contrato de gestação de substituição válido, deverá constar no registo de nascimento da criança como sua mãe. Conclui-se deste modo que a gestante é, no entendimento do legislador português, uma mãe virtual. Pois a gestante será a mãe da criança nos casos de celebração de contrato de gestação de substituição a título oneroso, sempre ilícitos e criminosos.” XXXXX XXXXXXXXX XXXXX XXXXXXX, “Uma gestação inconstitucional: o descaminho da Lei da Gestação de Substituição”, cit., 13 e ss.
217Outra questão prende-se com o facto de se determinar o momento do estabelecimento da filiação, se no momento de nascimento completo e com vida, se no início da gestação. Tratando-se de uma filiação contratual, estando a gestação no poder da gestante (pelo imperativo da integridade física e da livre disposição do corpo, pela revogabilidade da autolimitação de direitos de personalidade – no nosso entendimento ocorrer até ao parto -, pela liberdade na decisão da interrupção voluntária da gravidez, parece coerente que a filiação apenas se estabeleça no momento do nascimento completo e com vida.
218Para mais, a susceptibilidade de serem responsabilizados criminalmente por força do art.39ºda LPMA. Quanto à dimensão penal da PMA cfr. Xxxxx Xxxx Xxxxxxx, Procriação medicamente assistida : questões novas ou questões renovadas para o direito penal?, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Xxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxx, vol. 3, 2010
219Art.3º nº5 “em todos os casos, mesmo quando os contratos de gestação são nulos, as crianças que nascerem através do recursos à gestação de substituição são sempre tidas como filhas dos respectivos beneficiários”
220O CNECV emitiu o Parecer crítico “Não se compreende que o diploma regulamentador venha atribuir a um contrato nulo efeitos idênticos a um contrato válido. Não é aceitável, do ponto de vista ético, que alguém possa obter, através de um contrato de gestação em violação da lei, os mesmos efeitos que alcançaria com a celebração de um contrato que observasse as prescrições legais. Tal solução não dissuadia as prácticas ilegais e proporcionaria ocasiões de exploração das mulheres gestantes que se pretende limitar ao máximo” Parecer 92/CNECV/2017 de Janeiro de 2017, 10.
221“Porque eu sou o meu corpo (…) no puro acto de estar vivo ele é o absoluto que eu sou (…) na clarividência da evidência que somos o nosso corpo, é por isso que sabemos que o homem é mortal” XXXXXXXX XXXXXXXX, Invocação ao meu corpo, Ensaio com um Post Scriptum sobre a Revolução Estudantil, 3a ed., Xxxxxxxx, Xxxxx Nova, 1994, 255.
222Salutar provocação “A consideração do corpo humano como res permitiria mais facilmente a inclusão da renúncia a direitos sobre o mesmo corpo dentro dos quadros tradicionais do abandono ou renúncia, sendo o primeiro uma subespécie ou modalidade de renúncia. A renúncia pode ser definida como um negócio unilateral de
Consubstancia-se na gestação como empréstimo do útero para fazer nascer outro ser humano. Neste caso, a onerosidade do contrato223 poderá não repudiar uma vez que não se comercializa o bebé, não se o apreça, já que o pagamento será a título de um serviço prestado224, e permitirá uma maior racionalização da gestante, como um serviço a prestar. Mas, concluímos já que a onerosidade do contrato, independentemente da figura contratual, deve ser afastada.
Argumenta-se que os pais contraentes ou sociais não se interessam pela gestação mas sim pelo “produto final”, o bebé. O argumento não colhe por ser demasiado redutor, a gestação também interessa aos pais intencionais. Estes pretendem que a gestante cumpra todas as regras médicas para que a gestação decorra naturalmente e o seu filho (dos primeiros) nasça saudável.225 Não quero com isto dizer que haja uma obrigação de resultado da gestante. A sua única obrigação (de meios) é levar a gestação até ao fim e diligenciar para que a gestação decorra da forma mais saudável possível, não lhe sendo exigível que o recém-nascido nasça saudável, ou sequer que aos pais contraentes seja dado o direito de rejeição do bebé226
Acrescente-se que, no caso da Lei da PMA em Portugal227, não faz sentido afirmar-se que o serviço prestado pressupõe a renúncia da mulher gestante à qualidade de mãe uma vez que a mesma não pode ser a dadora dos ovócitos228. Ela é gestante, e ao que parece o vínculo da maternidade deixou de ser o parto. O objecto do contrato é a cedência do útero e não o bebé.
disposição, através do qual uma pessoa extingue um direito de que é titular XXXXX XXXX, O direito fundamental à disposição sobre o próprio corpo (a relevância da vontade na configuração do seu regime),cit., 426. Concluindo a autora que a concepção do corpo humano como res só pode colher “porque não se confunde com o ser humano: é a sua carapaça”, IBIDEM. Ainda, impressivamente “a referência ser, em cada momento, feita à pessoa que habita o corpo”, cit., 432 Se recuarmos no tempo, certamente nos lembrámos que o corpo já teve um valor eminentemente patrimonial, como instrumento de pagamento (como execução de obrigações) ou como instrumento de vingança e de verdade em direito penal (caso dos reféns)
223O contrato, como instrumento de realização pessoal e relacional, é o espaço de autodeterminações, de liberdade de conformação de conteúdos e, porquanto, do cumprimento dos direitos e deveres contratualizados “Entende-se, em geral, que a vontade das partes cria um espaço de reserva que o salvaguarda das vicissitudes que a socialização justifica.” XXXXXXXX XXXXX XXXXXXX, “A alteração das circunstâncias e os life time contracts”, in XXXX XXXXXX XXXXX XXXXXXXX - XXXXXXXX XXX XXXXXX(coord.), Pessoa, direito e direitos: Colóqios 2014/2015, Direitos Humanos – Centro de Investigação Interdisciplinar, Escola de Direito da Universidade do Minho, Braga, 2016, 128.
224Tal como se paga ao médico ou à clinica privada na fertilização in vitro, na criopreservação de embriões. Não se alega que se coisifica ou atribui um preço aos embriões.
225Quando recorremos a um médico pouco nos importa o tratamento, não lhe pagámos para “assistir” ao tratamento, pretendemos a cura! E nem por isso indagámos se estamos a atribuir um preço ao nosso corpo, ou ao seu “conserto”.
226Aliás o pagamento, a existir, há-de fazer-se independentemente da entrega do recém-nascido. Mais, o mesmo deve ser feito no terminus da gestação pois, com o evoluir da obstetrícia, raramente não se consegue programar o parto.
227Pese embora ferido de inconstitucionalidade, o art.8º é o mais próximo do real normativo que temos.
228A gestante não é mãe (biológica) mas influi na epigenética do feto. No campo juscivilista, a afirmação pode ser perigosamente interpretada se nos esquecermos que a presunção de maternidade ocorre do “facto do nascimento” (art.1796º nº1 do CC). Poderemos indagar pela necessidade de reforma da norma, ou simplesmente fazer uma interpretação actualista.
De facto a gestante “cede” a sua capacidade reprodutiva, mas, tal como pode ceder a sua capacidade intelectual (nos seus direitos de autor, ou em todas as profissões que envolvam a sua capacidade cognitiva, o seu conhecimento) ou a sua capacidade física (em todos os trabalhos que envolvam desgaste físico). Não é questionável que o direito à capacidade reprodutiva é um direito subjectivo (de personalidade). Os direitos de personalidade são limitáveis desde que não atentem contra a ordem pública. Mas estaremos perante uma verdadeira renúncia a um direito de personalidade? A capacidade reprodutiva é regenerável e porquanto não é afectada.
14.2. O contrato de colaboração reprodutiva como adopção
Perspectivar a colaboração reprodutiva como uma espécie de adopção tem como problema o facto de a obrigatoriedade contratual da entrega da criança não ocorrer na adopção229. A mãe não pode renunciar antecipadamente ao estatuto jurídico de mãe, sendo o seu consentimento posterior ao nascimento da criança.230 A aplicação do regime de adopção reúne simpatia. Por um lado tem um controlo judicial, e o estabelecimento de filiação opera, não pelo contratualismo, mas por sentença judicial. Façamos paralelismo, o controlo judicial no caso da colaboração reprodutiva permitiria apreciar validade do clausulado contratual, verificar possíveis vícios da vontade, verificar os termos do consentimento “livre e informado”, como processo contínuo e não como um momento de assinatura de “declaro que li e concordo”. Por outro lado, o regime da adopção desenrola-se à volta do valor nuclear do superior interesse da criança, permitindo-se que o tribunal, aprecie se a criança é o elemento mais favorecido esta teia de relações.
O entrave da aplicação analógica da adopção inscreve-se na diferença de facto: a gestante não é mãe biológica, e não parece razoável submeter os pais genéticos a um processo de adopção de um filho (já) seu. Por esta particularidade talvez a renuncia antecipada ao estatuto jurídico de mãe não seja afecto pelo art.1982º nº3 do CC uma vez que a ponderação da gestante ocorreu antes da gravidez e não após (como ocorre na adopção). O processo de decisão de entregar o filho para adopção inicia-se após a concepção da criança o que implica um estado
229Parece ser este o entendimento de XXXXX XXXX, O direito fundamental à disposição sobre o próprio corpo (a relevância da vontade na configuração do seu regime),cit., 600 (nota 611).
230Art.1982º nº3 que obriga a um período de reflexão de 6 semanas, para que o consentimento da mãe seja consciente e seguro. Se aplicarmos analogicamente o regime de adopção poderemos tender para a afirmar que a renuncia antecipada não seria válida e que a mãe intencional/contraente não teria direito a exigir o cumprimento do contrato (inválido).A perfilhar pela aplicação analógica da adopção XXXX XXXXXX XXXX, Procriação assistida e responsabilidade médica, cit., 95 e XXXXXXXXX XX XXXXXXXX, Mãe há só duas, cit.,
emocional mais instável e, xxxxxx, de incerteza. A mãe foi “apanhada de surpresa” e, por razões de diferentes ordens, não quer ou “não pode” ficar com a criança. O prazo de 6 semanas serve para isso mesmo, reflectir e assegurar-se da decisão tomada. Tecnicamente a renuncia antecipada do estatuto jurídico de mãe não poderia ocorrer nos casos de adopção, porque este instituto opera depois da criança concebida. Diferentemente a gestante terá tempo para ponderar, reflectir antes da concepção da criança. A considerar-se existir renuncia de maternidade ela opera antes do ser a nascer ser concebido.231 No entanto o estabelecimento do momento da renuncia pré parto poderá influir sobre o direito à livre revogabilidade do contrato até à entrega da criança.
15. A inconstitucionalidade do actual regime contratual de colaboração reprodutiva e o imperativo de futuro
A alvorada da inconstitucionalidade da gestação de substituição decretada pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº225/2018, trouxe a lucidez de apontar as incoerências da LPMA e despertou a necessidade da reforma legislativa. Como principais considerações, e quanto àquelas que se inserem no tema deste trabalho, destaco: a gratuitidade da gestação de substituição como “traço essencial” é a “garantia de que a actuação da gestante é verdadeiramente livre e, como tal, uma expressão de autonomia”; a instrumentalização da gestante: deixa “na sombra o papel activo da gestante, ignorando as suas motivações e sobrevalorizam os condicionamentos à sua vida decorrentes da gravidez”, em que “não é toda a sua vida instrumentalizada”, “daí a proibição da imposição contratual de restrições de comportamento à gestante”; não se podendo olvidar da “causa-função do contrato de gestação de substituição” - “impossibilidade de procriar”; a gestação de substituição com “relevância constitucional positiva” como forma de “realização de interesses jurídicos dos beneficiários, que por razões de saúde, ficaram prejudicados”; o consentimento da gestante como “consentimento autónomo dos interessados, destinado a garantir a sua voluntariedade”; a gestação de substituição como “actuação de uma solidariedade activa” no exercício da
231Poderíamos pensar ainda numa espécie de “promessa de adopção”, tal como a promessa de casamento, art.1591º e ss do CC. O casamento também estabelece um estado pessoal, o de casada/o. No caso da adopção na procriação seria o estado jurídico de maternidade. Poderia ter a vantagem do escrutínio judicial operar antes do nascimento, em que a promessa de adopção seria apreciada, todo o seu clausulado e o equilíbrio entre as partes e respectivas declarações de vontade eram firmadas em tribunal. Processo esse que teria de ocorrer antes de ser ministrado qualquer terapêutica procriativa. Até esse momento a gestante continuaria a ter o direito a revogar a sua declaração de vontade, e analogicamente aplicar-se-ia o art.1594º do CC quanto a possíveis gastos judiciais ou médicos dos pais intencionais. Mas se resolvíamos a admissibilidade da renuncia antecipada do estatuto jurídico de mãe, surge o problema de o regime de promessa de casamento referir que “não dá direito a exigir a celebração do casamento”...não há execução específica.
“liberdade de acção” e porquanto a dignidade humana da gestante “não é violada”; a dignidade da criança nascida através da gestação de substituição não é afectada pois que “a criança integra-se numa família, tal como as demais crianças”; a questão dos limites à livre revogabilidade: foi entendido como “excessivo” pelo sacrifico que impõe a um direito fundamental da gestante”, apelando à livre revogabilidade do consentimento e à afectação do art.8º nº7 da LPMA como inconstitucional pelo facto da criança ser “sempre tida como filha” dos beneficiários; a livre revogação do consentimento terá como consequência o estabelecimento da filiação nos termos do regime geral do CC (mãe é quem dá à luz); a disciplina legal do contrato de gestação, contemplada no art.8º nº4, 10 e 11 da LPMA não oferece “medida jurídica com densidade suficiente para estabelecer parâmetros de actuação” dos intervenientes no negócio jurídico, embora estabeleça “limites positivos e negativos à autonomia das partes” “em vez de procederem à sua concretização, apenas os descrevem de forma muito geral e abstrata”; daqui resulta que o processo de autorização prévio do Conselho também não se encontra devidamente regulamentado em relação aos critérios a utilizar.
Das ilações supra resumidas resultou a inconstitucionalidade das normas do nº8 do art.8º e nº5 do art.14º quanto à limitação da revogação do consentimento da gestante e consequentemente a norma do nº7 do art.8º que estabelece a filiação em benefício dos pais intencionais sem ter em conta a possibilidade de revogação do consentimento da gestante; dos nºs 4,10 e 11 do art.8º e, consequentemente, das normas dos nºs 2 e 3 pela insuficiência da regulamentação legal do contrato de gestação e, por contágio tal indeterminação repercute-se nos critérios a adoptar pelo CNPMA para a autorização prévia.
CONCLUSÃO
Este trabalho resulta numa intromissão no que é mais intrínseco ao ser humano, a vida. Cada um de nós, sozinho, não se encontra legitimado para afirmar que a reprodução medicamente assistida é, ou não, um futuro confortável. Na verdade, o Direito terá de ser paciente, de saber ouvir e olhar a diferença, sem preconceitos mas com consciência, terá de olhar o presente com a responsabilidade do futuro. Mas tudo nos leva à mesma questão: quem queremos ser? Quanto à colaboração reprodutiva, como projecto de solidariedade, enquanto resposta à incapacidade reprodutiva, nada o obsta. Uma rigidez do regime contratual, onde o interesse da futura criança e a liberdade da gestante imperem. Um altruísmo absoluto, com a gratuitidade. A garantia da salvaguarda da dignidade da gestante sem que lhe seja possível impor restrições comportamentais. Um efectivo consentimento, livre, informado e em contínuo movimento, a fazer lembrar que a gestante terá sempre de ter o direito à livre revogabilidade do consentimento até à entrega da criança. O estabelecimento da filiação para os beneficiários por sentença judicial, como colminar de um processo judicial de apreciação: da validade do clausulado, do contínuo livre consentimento da gestante, da salvaguarda da sua dignidade ao longo da gestação, da gratuitidade do contrato e, mais importante, da salvaguarda do suoerior interesse da criaçna como critério de parentalidade. Se o Estado cumprir a sua obrigação de legislar e regular de forma criteriosa e milimétrica os limites positivos e negativos das partes, a colaboração reprodutiva será um dos maiores gestos de solidariedade humana. Sublinhe-se, desde que estejamos perante um caso de infertilidade.
"E eis pois que o regresso ao nosso corpo é o termo da nossa viagem que nos coube. A maravilha que o transfigura pelo espírito que nele encarnou abre irresistivelmente para o “porquê” que a justifique. Que a humildade de nós torne humilde esse “porquê”.232
232VERGÍLIO FERREIRA, Invocação ao meu corpo : ensaio com um Post Scriptum sobre a Revolução Estudantil, cit
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