CÂMARA DE SOLUÇÃO DE DISPUTAS RELATIVAS A NOMES DE DOMÍNIO (CASD-ND)
CÂMARA DE SOLUÇÃO DE DISPUTAS RELATIVAS A NOMES DE DOMÍNIO (CASD-ND)
VALE S.A x CHERUBES DO BRASIL LTDA.
Procedimento ND202338 DECISÃO DE MÉRITO
I. RELATÓRIO
1. Das Partes
VALE S.A., sociedade anônima, inscrita no CNPJ sob o nº 33.592.510/0001-54, com sede na Xxxxx xx Xxxxxxxx xx 000, Xxx xx Xxxxxxx – XX, XXX 00.000-000, devidamente representada nos termos da procuração que acompanhou a Reclamação, é a Reclamante do presente Procedimento Especial (a “Reclamante”).
CHERUBES DO BRASIL LTDA, sociedade empresária limitada, inscrita no CNPJ sob o nº 37.837.514/0001-06, com sede na Av. Rio Branco, 768, Jardim Agari, Londrina – PR, CEP 86.025-595, devidamente representada nos termos da procuração apresentada, é a Reclamada do presente Procedimento Especial (a “Reclamada”).
2. Do Nome de Domínio
O nome de domínio em disputa é <xxxxxx.xxx.xx>, que foi registrado em 10 de junho de 2019 junto ao XXX.xx.
3. Das Ocorrências no Procedimento Especial
A Reclamação foi recebida pela Câmara de Solução de Disputas Relativas a Nomes de Domínio (CASD-ND) do Centro de Soluções de Disputas, Mediação e Arbitragem em Propriedade Intelectual da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (CSD-ABPI) em 14 de agosto de 2023.
Em 14 de agosto de 2023, iniciou-se o exame formal da Reclamação, consoante preconiza o artigo 6.1 e seguintes do Regulamento da CASD-ND, assim como a CASD-ND solicitou ao XXX.xx as informações cadastrais do domínio em disputa, nos termos do art. 7.2 do Regulamento da CASD-ND, incluindo anotações acerca de eventual divergência entre o
nome e número do documento do titular (CPF/CNPJ), constante do cadastro do nome de domínio objeto da presente Reclamação, ou ainda atualização cadastral promovida pelo titular.
Na mesma data, o XXX.xx respondeu por e-mail à solicitação, confirmando que a Xxxxxxxxx é titular do nome de domínio em contenda, bem como fornecendo os respectivos dados cadastrais e informando que dito nome de domínio já se encontra impedido de ser transferido a terceiros, mercê da abertura deste procedimento.
Em 21 de agosto de 2023, a CASD-ND intimou a Reclamante a sanar, no prazo de 5 (cinco) dias corridos, irregularidades formais verificadas na Reclamação, especialmente requerendo que fosse declarado se “expressam o seu consentimento e autorização para publicação de seus dados nos websites do XXX.xx e da CASD-ND da ABPI, através da(s) decisão(ões) deste procedimento SACI-Adm, inclusive, mas não exclusivamente, seus nomes, números de CPF/CNPJ, números de inscrição na OAB, e escritório ou empresa aos quais estão vinculados”.
A Reclamante cumpriu tempestivamente a exigência, enviando à CASD-ND dentro do prazo previsto no artigo 6.3 do respectivo Regulamento, notadamente em 22 de agosto de 2023, a declaração em questão.
Com o saneamento da Reclamação, em 29 de agosto de 2023, a CASD-ND formalizou e intimou a Reclamante e a Reclamada sobre o início do procedimento, intimando esta última para apresentar, em querendo, sua Resposta no prazo de 15 (quinze) dias corridos, nos termos do artigo 8.1 do Regulamento da CASD-ND e artigo 8º do Regulamento SACI-Adm.
Em 04 de setembro de 2023 a Reclamada, através de seu advogado Dr. W. de C.B., enviou singelo e-mail, acompanhado de procuração, contrato social e CNH do sócio-administrador Sr. V.A.R.P., para fins de “habilitação no processo”.
Posteriormente, em 12 de setembro de 2023 a Reclamada, através de seu advogado Dr. W. de C.B., apresentou Resposta.
Em 14 de setembro de 2023, a CASD-ND intimou a Reclamada quanto a irregularidades formais na Resposta, especialmente acerca da falta de informação, ainda que por declaração negativa, de inexistência de qualquer outro procedimento judicial ou extrajudicial que tenha iniciado ou terminado com relação ao nome de domínio objeto do conflito, além da ausência da juntada de declaração quanto ao seu consentimento e autorização para publicação de seus dados nos websites do XXX.xx e da CASD-ND da ABPI, e da declaração assinada isentando o XXX.xx de qualquer ônus decorrente do procedimento do SACI‐Adm instaurado, nos termos do Regulamento SACI‐Adm e isentando o Centro de Soluções de Disputas, Mediação e Arbitragem da ABPI, bem como a CASD-ND da ABPI de
participação e responsabilidade em qualquer disputa judicial que porventura venha a ser iniciada pela Reclamante ou pela Reclamada tendo por objeto esta Reclamação.
Em 19 de setembro de 2023, a Reclamada apresentou resposta com as declarações solicitadas, e, posteriormente, em 25 de setembro de 2023, a CASD-ND comunicou as partes quanto ao recebimento de manifestação extemporânea da Reclamada.
Na mesma data, a CASD-ND indicou como Especialistas os signatários, Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, na qualidade de Presidente do Painel, Xxxxxx Xxxxxxxxx X. Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, para compor o Painel de três Especialistas. Os três Especialistas nomeados tiveram a oportunidade de analisar o caso e submeteram à Secretaria as respectivas Declarações de Aceitação e Declaração de Imparcialidade e Independência ao Centro de Arbitragem e Mediação da ABPI, em atenção ao disposto no artigo 9.3 do Regulamento da CASD-ND.
Instalou-se o Painel de três Especialistas, e, em 03 de outubro de 2023, após o transcurso in albis do prazo previsto no artigo 9.4 do Regulamento CASD-ND, a Secretaria Executiva transmitiu aos Especialistas os autos deste Procedimento Especial, para análise e julgamento nos termos do item 10 do Regulamento desta Câmara.
Finalmente, cumpre mencionar que a Reclamante não apresentou manifestação à Resposta da Reclamada.
Devidamente instruída e regularizada, com a observância dos requisitos formais estabelecidos no Regulamento da CASD-ND, inclusive quanto ao pagamento das taxas, a Reclamação se encontra madura para decisão.
Os três Especialistas decidiram a questão de forma unânime, nos termos da presente decisão.
4. Das Alegações das Partes
a. Da Reclamante
Em síntese, alega a Reclamante, VALE S.A. (doravante referida simplesmente como Reclamante ou “VALE”), que a presente Reclamação se fundamenta na possibilidade de confusão entre o nome de domínio da Reclamada e a marca, nome empresarial e nome de domínio da Reclamante.
Alega que se trata de empresa fundada em 1º de junho de 1942 como a estatal Companhia Vale do Rio Doce, é hoje uma empresa privada brasileira que figura entre as maiores mineradoras globais, estando presente em cerca de 30 países sendo maior produtora de minério de ferro e de níquel do mundo e a maior produtora de manganês no Brasil desde 1974.
A Reclamante alegou que é titular de diversos registros para a marca “VALE” devidamente concedidos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, destacando os registros abaixo:
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Ademais, alegou a Reclamante que “possui igualmente direitos anteriores sobre o signo “VALE S.A.” como parcela distintiva do seu nome empresarial, VALE S.A., adotado desde 11/02/1969”, bem como que seria, ainda, titular do nome de domínio <xxxx.xxx.xx>, registrada em 16/09/2022 perante o Xxxxxxxx.xx.
Sustenta a Reclamante que o domínio objeto da demanda <xxxxxx.xxx.xx> possui evidente semelhança com seu nome de domínio <xxxx.xxx.xx>, além de que “reproduz integralmente a marca ‘VALE’ e nome empresarial da VALE S.A., tendo se limitado a acrescentar o elemento ‘SA' para formar o seu nome de domínio” e que “o elemento acrescido pela Reclamada em nada contribui para diferenciar o domínio das marcas da Reclamante, levando-se em conta que (i) o impacto visual entre esse domínio e as marcas, nome empresarial e nome de domínio da Reclamante é idêntico; (ii) o acréscimo do termo “SA” apenas faz com que concretize a absoluta reprodução o nome empresarial da própria Reclamante, VALE S.A.”.
A Reclamante assevera que “é evidente que a Reclamada utilizou o termo ‘VALE’ associado a ‘SA' propositalmente, justamente para induzir os consumidores a acreditarem que se trata de endereço eletrônico vinculado à VALE S.A, numa clara tentativa de aproveitamento parasitário e promoção de cybersquatting, havendo a óbvia intenção de atrair, com objetivo de lucro, usuários da Internet para o seu sítio da rede eletrônica criando uma situação de inegável confusão com o sinal distintivo da VALE S.A.”, bem como afirma que a gravidade da contrafação seria acentuada por se tratar de marca notoriamente conhecida.
Quanto à má-fé, a Reclamante aduz que a Reclamada não teria legítimo interesse sobre o nome de domínio em disputa e que houve tentativas de solução amigável, através do envio de notificações extrajudiciais, contatos via e-mail e telefone, as quais restaram infrutíferas.
A Reclamante alegou, ainda, que a Reclamada estaria se aproveitando da grande fama e reputação da Reclamante para atrair clientela, destacando que tentou solucionar o caso com a empresa “VALE ALUMÍNIOS” (CNPJ 30.436.233/0001-00), antiga titular do domínio, que, inclusive, firmou Termo de Compromisso com a Reclamante, em que se comprometeu a adotar diversas medidas a fim de cessar a evidente infração e a transferir o nome de domínio em contenda.
Sendo que, durante as tratativas, a antiga titular do nome de domínio o transferiu para a Reclamada, que “sabidamente tem ciência das tratativas negociais e inclusive as manteve, como pode ser constatado através dos e-mails acostados em DOC. 06 e trocados com a Reclamada através do contato: (...)”, o que, em seu entendimento, representaria um forte indício de má-fé.
Finaliza afirmando que, não obstante o site se encontrar fora do ar, “site XXX.XXXXXX.XXX.XX se encontra fora do ar, restando claro que a Reclamada ao registrar o nome de domínio ora em disputa, buscou impedir o registro do mesmo pela Reclamante, uma vez que esse nome de domínio é mantido passivamente, sem qualquer uso”, o que caracteriza o “uso passivo” (“passive holding”), o que também constitui um indício de má- fé.
A Reclamação está, portanto, fundamentada no artigo 2.1(a) e (c) do Regulamento da CASD- ND e do art. 7º (a) e (c) do Regulamento do SACI-Adm, bem como no artigo 2.2, incisos “c” e “d”, do Regulamento da CASD-ND e do art. 7º, caput e parágrafo único, incisos “c” e “d”, do Regulamento do SACI-Adm.
Com base em tais argumentos, a Reclamante requer a transferência do domínio
<xxxxxx.xxx.xx> para si.
b. Da Reclamada
A Reclamada apresentou Resposta, através de seu advogado devidamente constituído, alegando que “jamais teve a intenção de prejudicar a Reclamante, muito menos utiliza o nome VALESSA [sic] para confundir consumidores, pois utiliza o domínio XXXXXX.XXX.XX, tão somente para receber e-mail, não expondo mercadorias em site, conforme alegado”.
Alega, também, que “a Reclamação ao nosso entender é pelo domínio e não pelo tamanho da empresa, sendo o direito iguais” e que “tão somente utiliza-se do domínio xxxxxxx.xxx.xx [sic], não coloca nenhum produto com o nome VALE ALUMÍNIOS”.
Afirmou que tem conhecimento que houve contato entre a Reclamante e a antiga titular do nome de domínio, e que foi “dado baixa na empresa em 01/07/2022”, o que demonstra que “não houve nenhum intensão em prejudicar a Reclamante”.
Reitera, a Reclamada, que tem o nome de domínio em contenda apenas para “receber e- mail nada mais, pois não expõe nenhum produto com a marca vale no mercado” e que “jamais utilizou o nome VALE para prejudicar terceiros, ao contrário, comprou a carteira de clientes aos quais mantem-se em contato para efetuar pedidos”.
Ademais, argumenta que não houve em nenhum momento má-fé da Reclamada e que “foi devidamente registrado o domínio junto SACI administração de registro, obviamente se houvesse algum registro em nome da Reclamante não seria aceito”, pugnando para que seja rejeitada a Reclamação, para que “seja mantido o domínio (...)@xxxxxx.xxx.xx para a Reclamada, não sendo possível seja dado um prazo para alteração e até mesmo contato com clientes informando novo domínio”.
Finalmente, requerer que, na hipótese de não ser possível manter o nome de domínio sob a titularidade da Reclamada, que seja também “indeferido a transferência para a Reclamante”.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Primeiramente, em conformidade com o disposto no artigo 14º do Regulamento do SACI-Adm e ao artigo 10.1 do Regulamento da CASD-ND, este Painel de três Especialistas entende não haver necessidade de produção de novas provas e, portanto, passará a analisar as questões pertinentes ao caso.
a. Semelhança entre o nome de domínio objeto da disputa com as marcas, nome empresarial e nome de domínio anteriormente registrados pela Reclamante
Constata-se, das provas e alegações carreadas aos autos da presente Reclamação, que se trata a Reclamante de uma empresa tradicional e conceituada, sendo efetivamente uma das maiores mineradoras do mundo.
A Reclamante comprovou, e este Painel de Especialistas confirmou ao acessar a base de dados do INPI em 10 de outubro de 2023, que a Reclamante é, efetivamente, titular de mais de duzentos registros para marcas nominativa e mistas compostas pelo sinal “VALE”, em relação a identificação de metais, atividades inerentes à mineração, gestão de negócios, inclusive a importação, exportação e comercialização de seus produtos e matérias primas, dentre outros serviços.
Resta claro que existe uma família de marcas “VALE”, compostas pelas marcas “VALESUL”, “FERVALE”, “VALE VIVE”, “VALE INTERMODAL”, “VALE CONNECTION”, “VALE FÉRTIL”, “COMPANHIA VALE DO RIO DOCE”, “VALEGLO”, “VALEHOT”, “VALENUG”, “GEOVALE”, “VALE INCO”, “VALE ÓLEO
& GÁS”, “VALE FUND”, “FUNDO VALE” etc. Dentre os inúmeros processos de marca sob a titularidade da Reclamante, destacam-se os seguintes cujos certificados de registro instruíram a Reclamação:
PROCESSO | MARCA | DEPÓSITO | CONCESSÃO | CLASSE E ESPECIFICAÇÃO | SITUAÇÃO |
829354964 | VALE | 03/08/2007 | 19/01/2010 | 01: metais alcalinos, metais alcalinos terrosos, brutos ou semitrabalhados e suas ligas; alumina, alumínio, bauxita e carvões. análises químicas - laboratoriais. | Registro em vigor até 19/01/2030 |
829448420 | 05/10/2007 | 25/05/2010 | 01: metais alcalinos, metais alcalinos terrosos, brutos ou semitrabalhados e suas ligas; alumina, alumínio, bauxita e carvões. análises químicas - laboratoriais. | Registro em vigor até 25/05/2030 | |
829354905 | VALE | 03/08/2007 | 26/10/2010 | 37: atividades inerentes a mineração e a extração mineral. | Registro em vigor até 26/10/2030 |
829448500 | 05/10/2007 | 25/05/2010 | 37: atividades inerentes a mineração e a extração mineral. | Registro em vigor até 25/05/2030 | |
829354930 | VALE | 03/08/2007 | 19/01/2010 | 40: tratamento de metais comuns e suas ligas, de metais brancos e minerais, principal mas não exclusivamente, de alumina, alumínio, aço bruto ou semitrabalho, cobre, ferro, manganês. níquel, xxxxxx, ouro, titânio, zinco, dentre outro. | Registro em vigor até 19/01/2030 |
829448420 | VALE | 03/08/2007 | 19/01/2010 | 35: gestão de negócios, inclusive a importação, exportação e comercialização de seus produtos e matérias primas. | Registro em vigor até 19/01/2030 |
Desta forma, a Reclamante tem proteção assegurada à sua marca “VALE”, que lhe assegura, também, o direito de se insurgir contra o uso e registro de nome de domínio que as imite ou reproduza.
Por outro lado, constatou-se, igualmente em pesquisa na base de dados do INPI, que a Reclamada possui apenas um pedido de registro nº 928560740, para a marca nominativa VALESA, depositado em 04/11/2022, na classe 21, para identificação de canecas; formas [utensílios de cozinha]; frigideiras; panelas não elétricas de cozimento a vapor; assadeiras; panelas não elétricas. Este pedido de registro foi publicado em 29/11/2022 e, até a presenta data, aguarda exame pelo INPI.
Este Painel de Especialistas verificou que a Reclamante é, também, detentora do nome de domínio
<xxxx.xxx.xx>, registrado em 16/09/2002.
Ainda, está comprovado que a Reclamante se identifica no mercado com o nome empresarial VALE S.A., o qual, assim como as marcas, possui proteção própria e assegura à Reclamante direito de se insurgir contra nome de domínio que reproduza ou imite seu nome empresarial.
As provas apresentadas e informações colacionadas são aptas à demonstração de que os sinais distintivos “VALE” e “VALE S.A.” são usados há décadas pela Reclamante e protegidos através de
diversos registros de marca devidamente concedidos pelo INPI e pelas normas de proteção aos nomes empresariais.
Logo, considerando que o nome de domínio em disputa <xxxxxx.xxx.xx> é formado e tem como elemento nuclear e diferenciador o sinal “VALE” associado à sigla “SA”, que pode aludir ao nome empresarial da Reclamante, resta claro que reproduz e colide com a marca e nome empresarial da Reclamante, assim como se assemelha com o nome de domínio <xxxx.xxx.xx> anteriormente registrado pela Reclamante (antes de 16/09/2002).
b. Nome de Domínio similar e suscetível de criar confusão ou associação com as marcas e nome de domínio anterior da Reclamante
O nome de domínio em disputa <xxxxxx.xxx.xx> foi registrado em 10/06/2019 junto ao XXX.xx, ou seja, muito depois da adoção do nome empresarial VALE S.A. e da marca “VALE” pela Reclamante. Não há dúvida, portanto, de que os direitos da Reclamante sobre o sinal distintivo “VALE” precedem, em muito, o registro do nome de domínio em disputa.
Nos termos do artigo 7º do Regulamento do SACI-Adm e artigo 2.1 do Regulamento da CASD-ND, o Reclamante, na abertura de procedimento, deve expor as razões pelas quais o nome de domínio foi registrado ou está sendo usado de má-fé, de modo a causar-lhe prejuízos, cumulado com a comprovação de existência de pelo menos um dos requisitos abaixo descritos, em relação ao nome de domínio objeto do conflito:
(a) é idêntico ou similar o suficiente para criar confusão com uma marca de titularidade do Reclamante, depositada antes do registro do nome de domínio ou já registrada, junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI; ou
(b) é idêntico ou similar o suficiente para criar confusão com uma marca de titularidade do Reclamante, que ainda não tenha sido depositada ou registrada no Brasil, mas que se caracterize como marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade para os fins do art. 126 da Lei nº 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial); ou
(c) é idêntico ou similar o suficiente para criar confusão com um título de estabelecimento, nome empresarial, nome civil, nome de família ou patronímico, pseudônimo ou apelido notoriamente conhecido, nome artístico singular ou coletivo, ou mesmo outro nome de domínio sobre o qual o Reclamante tenha anterioridade.
É evidente que o nome de domínio em disputa reproduz integralmente marca “VALE” da Reclamante e, por conseguinte, passível de criar confusão ou associação indevida, porquanto composto pelo signo “VALE SA” que, na opinião destes Especialistas, consiste em uma reprodução com acréscimo da marca “VALE”, mas que também imita o elemento nuclear do nome empresarial da Reclamante.
Ademais, deve-se ressaltar que o uso da sigla “SA” associada à marca “VALE” da Reclamante, formando o conjunto <xxxxxx.xxx.xx>, poderá levar o consumidor a, não apenas associar tal nome de domínio à Reclamante, mas também pressupor ou assumir que se trata de uma página oficial da Reclamante, ou de uma página que conte com autorização ou licença da Reclamante.
Desta forma, este Painel de Especialistas entende que se trata de nome de domínio que poderá, efetivamente, causar confusão ou associação indevida no mercado.
Mister repisar que a marca “VALE” é dotada de alto grau de distintividade, podendo ser considerada notoriamente conhecida em seu segmento de mercado, merecendo tutela jurídica adequada contra a utilização, por terceiros, de sinais distintivos idênticos ou similares, como é o caso do nome de domínio objeto desta Reclamação.
A preexistência dos registros da Reclamante para a marca “VALE” e a titularidade do nome empresarial VALE S.A. e do nome de domínio <xxxx.xxx.xx>, por si já constituiriam obstáculo à manutenção, em nome da Reclamada, do nome de domínio <xxxxxx.xxx.xx> objeto desta contenda, em razão da clara reprodução da marca registrada “VALE” da Reclamante, estando atendido o disposto nas alíneas “a” e “c”, do artigo 7º do Regulamento do SACI-Adm e do artigo 2.1 do Regulamento da CASD-ND.
Por outro lado, o uso de sinal distintivo idêntico àquele usado de titularidade de terceiros e que é notoriamente conhecido, pode ainda ser entendido como prática de aproveitamento parasitário, gerando potencialmente enriquecimento ilícito, o que é vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Restam, portanto, atendidos os requisitos das alíneas “a” e “c”, do artigo 7º do Regulamento do SACI-Adm, uma vez que a Reclamante demonstrou a existência de registros de marcas idênticas ou similares ao nome de domínio em disputa.
c. Caracterização da má-fé da Reclamada
Por outro lado, faz-se necessário que o Reclamante demonstre que o registro ou o uso do nome de domínio em disputa tenha se dado de má-fé. Nesse sentido, o parágrafo único do referido artigo 7º, do Regulamento do SACI-Adm, traz um rol não exaustivo de circunstâncias que constituem indícios de má-fé na utilização do nome de domínio, abaixo reproduzido:
a) ter o Titular registrado o nome de domínio com o objetivo de vendê-lo, alugá-lo ou transferi-lo para o Reclamante ou para terceiros; ou
b) ter o Titular registrado o nome de domínio para impedir que o Reclamante o utilize como um nome do domínio correspondente; ou
c) ter o Titular registrado o nome de domínio com o objetivo de prejudicar a atividade comercial do Reclamante; ou
d) ao usar o nome de domínio, o Titular intencionalmente tente atrair usuários da Internet para o seu sítio da rede eletrônica ou para qualquer outro endereço eletrônico, criando uma situação de provável confusão com o sinal distintivo, símbolo e afins, do Reclamante.
Entende este Painel de Especialistas que se encontram preenchidos os requisitos “a” e “b” do referido parágrafo único, do artigo 7º, do Regulamento do SACI-Adm, e respectivas alíneas do artigo
2.2 do Regulamento CASD-ND, havendo indícios de que o registro foi efetuado com má-fé, visando vender ou transferir o nome de domínio para a Reclamante e/ou impedir que a Reclamante o utilize como um nome do domínio.
Vale frisar que, diferentemente do procedimento no âmbito da UDRP, o moderno Regulamento do SACI-Adm demanda a caracterização da má-fé apenas no registro, não se exigindo cumulativamente o uso do nome de domínio.
Segundo a Resolução XXX.xx/XXX/0000/000/X do Comitê Gestor da Internet no Brasil, predomina o sistema do first come, first served, ou seja, é assegurado o direito de registrar àquele que primeiro levou para registro o sinal pretendido perante o órgão competente. Entrementes, o parágrafo único do artigo 1º, da referida Resolução, veda a escolha de nome que, dentre outras circunstâncias, induza a erro ou que viole direitos de terceiros, a mesma vedação é encontrada na cláusula 4ª do Contrato para Registro de Nome de Domínio a qual a Reclamada se sujeitou.
É dizer: se o nome de domínio tiver como elemento característico expressão idêntica ou semelhante àquela que constitua marca (registrada ou depositada) ou qualquer outro sinal distintivo alheio, como o nome empresarial ou nome de domínio, poderá criar confusão ou associação indevida.
A propósito, oportuna a, ainda atual, lição do Desembargador Xxxx Xxxxxxxxxx Zuliani:
“as marcas são sinais distintivos, visualmente perceptíveis, protegidos pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXIX, e Lei n° 9279/96. Apesar de figuras jurídicas distintas, não se pode permitir que a concessão de um nome de domínio viole os direitos de marca de terceiro, o que se enquadra na proibição contida no §1°, artigo 1º, da Resolução 002/2005 do CGI Assim como, entre os registros dos nomes comerciais, das marcas, dos direitos autorais e de outros institutos jurídicos, há respeito recíproco para não trazer prejuízos aos titulares e a terceiros, a proteção do nome de domínio deve se harmonizar com esses institutos e obedecer ao mesmo princípio” (TJSP, Apelação Cível n. 405.557.4/9-00, 4ª Câmara de Direito Privado, j. 27.09.2007).
Com efeito, o registro do nome de domínio em disputa <xxxxxx.xxx.xx> composto pelo sinal “VALE”, que reproduz integralmente a marca “VALE” de titularidade da Reclamante e usada, há décadas, no mercado, constitui per si forte indício de má-fé, ainda mais considerando que a Reclamada tinha incontroverso conhecimento da existência da marca da Reclamante, por se tratar de marca notoriamente conhecida, mas também em razão das tratativas que houve visando a resolução do conflito amigavelmente e que tal nome de domínio estava sendo usado para identificação de produtos afins pela antiga proprietária do nome de domínio.
Nesse sentido, cita-se a decisão proferida em Hoffmann-La Roche Inc. v. Tamiflu Shop, Caso OMPI No. D2006-03081, que estabeleceu que a incorporação integral de uma marca sobre a qual a Reclamante possui direitos demonstra similaridade suficiente para criar confusão entre a marca e o nome de domínio.
Por outro lado, restou comprovado que a Reclamada não possui nenhum direito sobre o sinal distintivo “VALE SA”, seja como marca, nome empresarial, nome de domínio ou qualquer outra espécie de sinal distintivo, tampouco a existência de qualquer autorização ou licença de uso do referido sinal, em favor da Reclamada, eventualmente outorgada pela Reclamante.
O fato de a Reclamada possuir um pedido de registro para marca nominativa VALESA, recentemente depositado perante o INPI, não lhe assegura direito à manutenção do nome de domínio em questão, pelo contrário, a existência deste pedido de registro acaba por corroborar a má-fé na sua obtenção da titularidade do registro, já que, em sua defesa alega que “tão somente utiliza-se do domínio xxxxxx.xxx.xx para receber e-mail, não expondo mercadorias em site”, ao passo que busca a obtenção de marca para identificação de produtos.
A ausência de legitimidade da Reclamada sobre o nome de domínio <xxxx.xxx.xx> também caracteriza indício de má-fé, como já decidido em caso análogo, notadamente o procedimento ND20167:
“Conforme já relatado, ao compulsar o banco de dados do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI/BR), é possível verificar que o Reclamado não possui registro, ou ao menos pedido de registro para a marca em que registrou o nome de domínio, o que é um indicativo de ausência de legítimo interesse e, consequentemente, indício de sua má-fé”.
Por outro lado, importante ressaltar que este Painel de Especialistas acessou o website atrelado ao referido nome de domínio em 09/10/2023 não tendo localizado página ativa, ainda que tenha ocorrido o redirecionamento ao <xxxxxxxxxxxxx.xxx.xx>, conforme abaixo ilustrado:
A ausência de utilização do domínio caracteriza a posse passiva ou “passive holding”, que constitui um indício de má-fé. Nesse sentido, esta CASD-ND possui entendimento consolidado de que o passive holding é considerado como elemento capaz de demonstrar a má-fé do titular do domínio, conforme decisões nos casos ND-202067, ND-202076, ND-202113, ND-202081 e ND-202029, devendo, contudo, esta prática ser analisada em conjunto com outros elementos, ou até mesmo padrões de conduta, que corroborem a má-fé.
De acordo com a jurisprudência da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, consolidada no “WIPO Jurisprudential Overview 3.0”1, os principais fatores identificados para associar a ausência de uso de um domínio (passive holding) com a má-fé são os seguintes: (i) o grau de distintividade ou reputação da marca do Reclamante, (ii) a falha do Reclamado em apresentar uma resposta ou fornecer qualquer evidência de utilização efetiva ou de boa-fé, (iii) o Reclamado ter ocultado a sua identidade ou utilização de falsas informações de contato, e (iv) a implausibilidade de qualquer utilização de boa-fé a que o nome de domínio possa ser atribuído2.
1 Disponível em xxxxx://xxx.xxxx.xxx/xxx/xx/xxxxxxx/xxxxxx/xxxxxxxx0.0/
2 Fatores extraídos dos seguintes casos relevantes: Telstra Corporation Limited v. Nuclear Marshmallows, WIPO Case No. D2000-0003, <xxxxxxx.xxx>, Transfer; Jupiters Limited v. Aaron Hall, WIPO Case No. D2000-0574,
<xxxxxxxxxxxxxx.xxx>et al., Transfer; Ladbroke Group Plc v. Sonoma International LDC, WIPO Case No. D2002-0131,
<xxxxxxxxxxxxxx.xxx>et al., Transfer; Westdev Limited v. Private Data, WIPO Case No. D2007-1903, <xxxxxxxxx.xxx>, Transfer; Malayan Banking Berhad v. Beauty, Success & Truth International, WIPO Case No. D2008-1393, <xxxxxxx.xxx>, Transfer; 537397 Ontario Inc. operating as Tech Sales Co. v. EXAIR Corporation, WIPO Case No. D2009-0567,
<xxxxxxx.xxx> et al., Transfer; Stertil B.V. v. Nergis, WIPO Case No. D2013-2081, <xxxxxxx.xxx>, Transfer; Bruichladdich Distillery Company Limited v. Xxxxxxxx Xxx Xxxxxxxxxx, WIPO Case No. D2014-0168, <xxxxxxxx.xxx>, Transfer; Revevol SARL v. Whoisguard Inc. / Australian Online Solutions, Domain Support, WIPO Case No. D2015-0379, <xxxxxxx.xxx>, Transfer; Xxxxxxx S.p.A. v. 米索尼股份有限公司/ Missoni Limited, WIPO Case No. D2015-0843, <xxxxxxx.xx>, Transfer; Virgin Enterprises Limited v. Xxxxx Xxxxxxx, WIPO Case No. D2016-2140, <xxxxxxxxxxx.xxxx>, Transfer; “Dr. Martens” International Trading GmbH and “Dr. Maertens” Marketing GmbH v. Xxxxxxx.xxx, Inc., WIPO Case No. D2017-0246,
<xxxxxxxxxx.xxx>, Transfer.
No caso concreto, além do item (i) – distintividade e reputação da marca do Reclamante – aplica- se, em especial, o item (ii) acima referido, relativo à falha da Reclamada em apresentar uma resposta ou fornecer qualquer evidência de utilização efetiva ou de boa-fé, já que, em sua sucinta resposta, não logrou demonstrar qualquer evidência de boa-fé e, ao buscar o registro de marca para a expressão VALESA, descortinou sua conduta de se utilizar do sinal em questão para identificação de produtos no mercado.
Diante dos fatos e documentos apresentados na Reclamação, na opinião destes Especialistas, restou configurada a má-fé da Reclamada em proceder ao registro do nome de domínio objeto desta disputa.
Destarte, este Painel de Especialistas conclui que o nome de domínio em disputa viola as marcas registradas de titularidade da Reclamante, bem como seu nome empresarial e seu nome de domínio, e foi registrado de má-fé, sendo forçosa a procedência da Reclamação, com a determinação de transferência à Reclamante.
III. DISPOSITIVO
Pelas razões acima expostas e de acordo com o parágrafo 1º, do artigo 1º do Regulamento do SACI- Adm e 10.9 do Regulamento da CASD-ND, este Painel de três Especialistas acolhe a presente Reclamação e determina que o nome de domínio em disputa <xxxxxx.xxx.xx> seja transferido à Reclamante.
Os Especialistas solicitam à Secretaria Executiva da CASD-ND que comunique às Partes, seus respectivos Procuradores e ao XXX.xx o inteiro teor da presente Decisão de Mérito, nos termos do presente Regulamento da CASD-ND, encerrando-se, assim, este Procedimento Especial.
São Paulo, 18 de outubro de 2023.
Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx Especialista Presidente do Painel
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Xxxxxx Xxxxxxxxx X. Blasi Especialista
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Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx Especialista