PARTE II – RESPONSABILIDADE CIVIL
PARTE II – RESPONSABILIDADE CIVIL
1 NOÇÕES GERAIS
1.1 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A responsabilidade civil parte do posicionamento que todo aquele que violar um dever jurídico, através de um ato lícito ou ilícito, tem o dever de reparar, pois todos temos um dever jurídico originário: o de não causar danos a outrem (princípio geral da “proibição de ofender”, ou seja, de a ninguém se deve lesar).
E, ao violar este dever jurídico originário, passamos a ter um dever jurídico sucessivo, o de reparar o dano que foi causado.
A palavra responsabilidade vem do latim respondere, que significa a obrigação de assumir as consequências jurídicas de uma atividade. É, portanto, uma obrigação derivada da ocorrência de um fato jurídico.
E o nosso ordenamento jurídico traz regras legais para a boa e harmoniosa convivência social, de modo que a sua violação implica em punição àqueles que causar lesão aos interesses jurídicos ali tutelados. Esta é exatamente a inteligência do art. 186 do CC (conceito de ato ilícito).
Idêntico raciocínio é feito quando a violação for a uma norma contratual.
A responsabilidade, portanto, pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica, legal ou contratual, assumindo a obrigação de reparar as consequências de seu ato.
Historicamente falando, as raízes da responsabilidade civil estão fincadas no Direito Romano, especificamente na Lei das XII Tábuas, que previa a possibilidade de composição entre a vítima e o ofensor mediante a paga de uma importância em dinheiro ou bens para compensar o mal causado, afastando a então ainda vigente Lei de Talião.
Mas foi com a Lex Aquilia que houve uma grande evolução na matéria, de tal forma que hoje chamamos a responsabilidade civil extracontratual de aquiliana. Sem revogar totalmente a legislação anterior, sua maior virtude foi substituir as multas fixas por uma pena proporcional ao dano causado.
A inserção da culpa e a substituição paulatina da concepção da pena pela ideia de reparação do dano sofrido foram incorporadas mesmo no famoso Código Civil de Xxxxxxxx, que muito influenciou o nosso CC de 1916.
Mas a teoria clássica da culpa, até então, não conseguia satisfazer todas as necessidades da vida comum, já que vários danos se perpetuavam sem reparação pela impossibilidade de
comprovação do elemento subjetivo. Com apoio da jurisprudência, o conceito de culpa foi ampliado e passou a contemplar a reparação de dano decorrente do risco criado. Tal concepção alcançou as legislações modernas, inclusive o CC vigente.
1.2 ESPÉCIES
1.2.1 Responsabilidade civil subjetiva e objetiva
A responsabilidade civil subjetiva é a decorrente de dano causado em função de ato doloso ou culposo. Tradicionalmente, desde o CC de 16 (art. 159) e hoje com o CC de 2002 (art. 186), já se tinha o entendimento de que a culpa, de natureza civil, se caracteriza quando o agente pratica o ato com negligência ou imprudência, e que a obrigação de indenizar é a consequência juridicamente lógica do ato ilícito, senão vejamos o texto legal:
“Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Dessa forma, a noção básica da responsabilidade civil, na perspectiva da doutrina subjetiva, é o princípio segundo o qual cada um responde pela própria culpa.
Todavia, há situações em que o ordenamento jurídico atribui responsabilidade civil a alguém por dano que não foi causado diretamente por ele, mas por um terceiro com quem mantém algum tipo de relação jurídica. Trata-se de uma responsabilidade civil indireta, onde o elemento culpa é presumido em função do dever geral de vigilância a que está obrigação o réu (Ex: responsabilidade pelo fato do animal).
Porém, com o desenvolvimento das indústrias, crescimento da população e o aumento cada vez maior das relações de consumo, seria difícil em muitas situações, para a vítima provar a culpa do agente causador do dano (meios suficientes; o agente causador é quem detêm as provas). Sendo assim, a vítima está numa situação de completa vulnerabilidade e hipossuficiência.
São, assim, hipóteses em que não é necessário comprovar a culpa. Trata-se da responsabilidade civil objetiva, onde o dolo ou a culpa do agente causador é irrelevante juridicamente, sendo necessária apenas a comprovação do nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente para que haja o dever de indenizar.
De acordo com as teorias objetivistas, a reparação de danos está fundada diretamente no risco da atividade exercida pelo agente.
O Código Civil de 2002 inovou ao conceber a responsabilidade civil objetiva no parágrafo único do art. 927, in verbis:
“Art. 927, p.u. - Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Portanto, o nosso sistema adota uma regra gral DUAL de responsabilidade civil, em que a responsabilidade subjetiva coexiste com a responsabilidade objetiva (art. 927, parágrafo único), especialmente em função da atividade de risco desenvolvida pelo autor do ano (conceito jurídico aberto).
1.2.2 Responsabilidade contratual e extracontratual (ou aquiliana)
A depender da natureza da norma jurídica violada pelo agente causador do dano, a responsabilidade civil pode ser: contratual ou extracontratual (também conhecida como aquiliana).
Será extracontratual se o prejuízo decorrer diretamente da violação de uma norma legal em razão da atuação ilícita do agente infrator (Ex: bater no carro de outro).
Por outro lado, será contratual se entre as partes envolvidas já existia uma norma jurídica contratual, que as vinculava, e o dano decorre justamente do descumprimento de obrigação fixada neste contrato.
O nosso sistema consagra regras específicas para as duas espécies (arts. 389 e ss. e art. 395 e ss, se contratual; e arts. 186 e 927, se extracontratual), as quais possuem 3 elementos diferenciadores:
- necessária preexistência de uma relação jurídica entre lesionado e lesionante => na responsabilidade contratual, é necessário que a vítima e o autor do dano já tenham se vinculado para o cumprimento de uma ou mais prestações, de modo que a culpa contratual decorre da violação de um dever de adimplir. Já na culpa aquiliana viola-se um dever negativo, ou seja, obrigação de não causar dano a ninguém.
- ônus da prova quanto à culpa => a culpa xxxxxxxxx dever ser sempre provada pela vítima, enquanto a contratual é, via de regra, presumida, invertendo-se o ônus da prova (cabe à vítima provar apenas que a obrigação não foi cumprida).
- quanto à capacidade => o menor só se vincula contratualmente quando assistido, se relativamente incapaz, ou se maliciosamente se auto declarar maior, o que denota a ideia de que dificilmente ocorrerá a culpa contratual nesses casos. Se tratar de culpa aquiliana, a responsabilidade é indireta dos pais (art. 933 c/c 932, I, CC) em razão do dever de vigilância.
1.3 NATUREZA JURÍDICA
Antes de qualquer coisa há que se esclarecer que sanção e pena não se confundem: o primeiro é gênero, do qual o segundo é espécie.
A sanção é a consequência lógico-jurídica da prática de um ato ilícito, pelo que a natureza jurídica da responsabilidade, seja civil ou criminal, somente poder ser sancionadora.
Até mesmo no caso da responsabilidade civil originada de imposição legal (e não pela prática de um ato ilícito), as indenizações devidas não deixam de ser sanções, que decorrem do reconhecimento do direito positivo de que os danos causados já eram potencialmente previsíveis em função dos riscos da atividade exercida.
Dessa forma, conclui-se que a natureza jurídica será sempre sancionadora, independentemente de se materializar como pena, indenização ou compensação pecuniária.
1.4 FUNÇÃO DA REPARAÇÃO CIVIL
Três são as funções do instituto da reparação civil, a saber:
a) Compensatória => trata-se do objetivo básico da reparação civil, o de retornar as coisas ao seu status quo ante. Deve-se repor o bem perdido diretamente ou, não sendo isso possível, indenizar em importância equivalente ao valor do bem material ou direito.
b) Punitiva => embora não seja a principal finalidade, admitindo-se inclusive a sua não incidência se for possível a restituição integral à situação anterior, a prestação imposta ao ofensor gera um efeito punitivo, dissuadindo à nova prática.
c) Socioeducativa => quando se pune o infrator, torna-se público que condutas semelhantes não serão toleradas, de modo que alcança, indiretamente, a própria sociedade, reestabelecendo o equilíbrio e a segurança social.
2 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
2.1 INTRODUÇÃO
Independentemente se trate da responsabilidade contratual ou da extracontratual (ou aquiliana), o art. 186 é base teórica para o tema como um todo, de modo que se sua leitura extrai-se os seguintes elementos da responsabilidade civil:
a) Conduta humana (positiva ou negativa)
b) Dano ou prejuízo
c) O nexo de causalidade
Nota-se que o elemento culpa, em seu sentido lato (o que abrange o dolo) não é pressuposto imprescindível vez que, no atual sistema, convivemos com a modalidade objetiva da responsabilidade civil desde o CC de 2002.
2.2 A CONDUTA HUMANA
A responsabilidade civil é manifestação evidente da atividade humana (ato jurídico). E isso decorre seja de uma ação ou omissão voluntária, pois a conduta humana, seja positiva ou negativa, pode desembocar em dano ou prejuízo a outrem.
Portanto, “o núcleo fundamental da noção de conduta humana é a voluntariedade, que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente imputável, com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 79).
Registra-se que a voluntariedade está inserida na noção da conduta humana ou ação voluntária, primeiro elemento da responsabilidade civil, e não na de dolo, pois não traduz na intenção de causar dano, mas tão somente a consciência daquilo que se está fazendo.
E tanto faz se trate de uma situação de responsabilidade subjetiva ou objetiva, porque em ambas o agente causador do dano dever agir voluntariamente, ou seja, de acordo com a sua consciência da prática de atos materiais.
2.2.1 Classificação da conduta humana
A conduta humana pode ser: positiva ou negativa. A conduta positiva traduz-se pela prática de um comportamento ativo, como, por exemplo, alguém que fura o sinal vermelho e colide seu carro no de outrem.
A conduta negativa é uma atuação omissiva ou negativa capaz de gerar o dano. Exemplo disso é a enfermeira que, violando as suas regras de profissão e o próprio contrato de prestação de serviços que celebrou, deixa de ministrar os medicamentos ao seu patrão, por dolo ou desídia (exemplo tirado do livro Responsabilidade Civil, de Gagliano e Pamplona Filho, 2012, p. 80).
Importante destacar que a voluntariedade deve estar presente na conduta omissiva, sob pena de não se configurar a responsabilidade civil. Exemplos: alguém que fica em estado de choque emocional em razão de um acidente e não pode prestar socorro às vítimas. São omissões que, por vezes, a pessoa não pratica ação devida por causa de uma incapacidade de conduta.
Além da responsabilidade por ato próprio, temos também a responsabilidade civil indireta
(por ato de terceiro - art. 932) ou por fato do animal (art. 936) e da coisa (arts. 937 e 938).
Até nestes casos há que se falar em conduta voluntária, pois haveria omissões ligadas a deveres jurídicos de custódia, vigilância ou má eleição de representantes, cuja responsabilização é imposta por normal legal.
2.2.2 A conduta humana e a ilicitude
Tradicionalmente, a doutrina indica a ilicitude como aspecto necessário da ação humana voluntária, ou seja, o ato ilícito traduz-se num comportamento voluntário que transgride um dever.
Como a responsabilidade denota a ideia de atribuição de consequências danosas ao agente infrator, é lógico que, para que haja o dever de indenizar, a referida atuação lesiva deva ser contrária ao direito.
Todavia, no artigo 186, base legal da responsabilidade civil e que trata do ato ilícito, o legislador, caprichosamente, fez questão de não qualificar a conduta humana com a palavra “ilícita”. Isso porque o dever de indenizar poderá existir mesmo quando o sujeito atua licitamente. Ou seja, poderá haver responsabilidade civil sem necessariamente haver antijuridicidade.
Em razão disso, ao contrário do que apregoou a doutrina clássica, não se pode dizer que a ilicitude acompanha necessariamente a ação humana danosa ensejadora da responsabilização. Pode haver dano reparável sem ilicitude. Exemplos: indenização por expropriação; ato praticado em estado de necessidade.
Entretanto, registra-se que a atuação lícita do infrator, que age amparado pelo direito, e, ainda assim, venha a gerar o dever de reparar o dano, depende sempre que de norma legal que a preveja.
2.3 O DANO
2.3.1 Introdução e conceito
O segundo elemento configurador da responsabilidade civil é a existência do dano ou do prejuízo. Até mesmo quando se trata de responsabilidade contratual, há que se considerar a existência do resultado danoso especialmente quando ocorre o inadimplemento da parte.
Dessa forma, o dano é, sem dúvida, o requisito indispensável para configuração da
responsabilidade civil, seja qual for a sua espécie. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode até haver responsabilidade sem culpa, mas jamais sem dano.
Partindo para a conceituação, o dano ou prejuízo é a lesão a um interesse jurídico tutelado, seja de cunho patrimonial ou não, provocada por uma ação ou omissão do agente infrator.
Trata-se da agressão a direitos ou interesses de outrem, sejam personalíssimos (extrapatrimoniais) ou não; a diminuição do patrimônio (no sentido amplo) de alguém em virtude da ação lesiva de terceiros.
O prejuízo indenizável, portanto, poderá decorrer tanto da violação do patrimônio economicamente aferível, quanto dos direitos de personalidade, sem expressão pecuniária.
2.3.2 Requisitos do dano indenizável
Em regra, todos os danos devem ser ressarcíveis, pois, ainda que impossível a determinação do retorno ao status quo ante, sempre se poderá fixar uma importância à título de compensação.
Para que o dano seja, de fato, indenizável é necessária a conjugação dos seguintes requisitos:
a) a violação de um interesse jurídico, patrimonial ou extrapatrimonial => inclusive a CF alinha-se ao CC, ao prever a reparabilidade do dano moral, independentemente do dano material.
b) certeza do dano => somente o dano certo, efetivo, é indenizável, não se podendo compensar a vítima por um dano abstrato ou hipotético. Mesmo nos casos de direitos personalíssimos, o fato de não haver um critério objetivo para a sua mensuração não significa que o dano não seja certo. Ex: calúnia gera um dano certo à honra da vítima. A certeza do dano refere-se à sua existência, e não à sua atualidade ou ao seu montante.
c) subsistência do dano => o dano não pode já ter sido reparado espontaneamente pelo lesante; ele deve subsistir no momento de sua exigibilidade em juízo.
2.3.3 Espécies de dano
O dano é tradicionalmente classificado em: material e moral.
O dano material, ou patrimonial, traduz na lesão aos bens ou direitos economicamente aferíveis. Todavia, o mesmo subdivide-se em: danos emergentes e lucros cessantes.
O dano emergente corresponde ao efetivo prejuízo experimentado pela vítima, ou seja, “o que ela perdeu”.
Já o lucro cessante compreende aqui a que vítima deixou razoavelmente de lucrar por força
do dano, ou seja, “o que ela não ganhou”.
Ambos devem ser devidamente comprovados na ação indenizatória, de modo a inibir a chamada “indústria da indenização”, onde a vítima formula pedidos surreais, sem qualquer fundamentado, não em busca de ressarcimento, mas de lucro abusivo, num verdadeiro enriquecimento sem causa.
Registra-se que são indenizáveis apenas os danos emergentes e os lucros cessantes diretos e imediatos, ou seja, os que decorram diretamente da conduta ilícita do devedor, excluídos os remotos (art. 403, CC).
Já o dano moral é aquele que poderá atingir direitos de cunho personalíssimo do titular, mormente ligados aos direitos de personalidade, tais como a vida, a integridade física, psíquica e moral, e, assim sendo, não tem conteúdo pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro.
Como já dito, o dano moral está hoje consagrado no art. 186 do CC, o qual reiterou a sua autonomia já reconhecida na Lei Maior de 1988 (art. 5º, V e X).
2.3.3.1 Dano reflexo ou em ricochete
Com características peculiares, temos outra espécie de dano: trata-se do dano reflexo ou em ricochete, de origem no direito francês.
Consiste no prejuízo que atinge reflexamente pessoas próxima, ligada à vítima direta da
atuação ilícita. Ex: filhos, que dependem do sustento paterno, passarem necessidade em razão da morte do pai, vítima de um acidente de trânsito; ex-esposa da vítima que dela recebida uma pensão.
Dessa forma, há dever de reparar o dano quando fique demonstrado que o prejuízo causado de seu de forma reflexa.
No entanto, não se pode confundir com dano indireto, pois este se refere ao interesse juridicamente tutelado que tenha sido violado (ex: uma difamação gera um dano moral e, indiretamente, danos patrimoniais pelo abalo de crédito). O dano reflexo ou por ricochete se refere aos sujeitos atingidos, por terem uma relação dependência com a vítima propriamente dita.
2.3.4 Formas de reparação de danos
Quando se tratar de danos materiais, a reparação pode ser feita através da reposição natural, o que não ocorre nos danos morais, pois que os direitos de personalidade, imateriais, não podem ser restituídos à sua situação anterior.
Nesses casos, a reparação dar-se-á por meio de pagamento de uma importância pecuniária, arbitrada judicialmente, com o fim de possibilitar à vítima uma compensação pela lesão sofrida, minimizando as suas consequências.
Como bem nos ensina Xxxxxxx Xxxxx (apud GAGLIANO; PAMPLONA, 2012, p. 103), em relação ao dano moral: “esse dano não é propriamente indenizável, visto como indenização significa eliminação do prejuízo e das consequências, o que não é possível quando se trata de dano extrapatrimonial. Prefere-se dizer que é compensável. Trata-se de compensação, e não de ressarcimento”.
2.3.5 O Dano Moral
Como já vimos, o dano moral consiste na lesão de DIREITOS cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro, como os direitos de personalidade (intimidade, vida privada, honra e imagem, etc).
Desta feita, é necessário afastar qualquer relação ao efeito patrimonial do dano moral. Se admitíssemos reflexos materiais no dano moral, o que se estaria indenizando é o dano material decorrente da lesão à esfera moral, e não o dano moral propriamente dito.
A ideia não é essa; mas sim a possibilidade de compensações pecuniárias em caso de violação aso direitos de personalidade.
A reparabilidade do dano moral somente se tornou pacífica com o advento da CF/88, que previu expressamente indenizações por dano moral em seu art. 5º, V e X, reiterado pelo CC de 2002 nos arts. 186 e 927.
A doutrina, fundada em estudo de Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxx (apud GAGLIANO; PAMPLONA, 2012, p. 124), aponta de forma sintética 8 tópicos considerados objeções à reparabilidade do dano extrapatrimonial:
a) falta de um efeito penoso durável => a ofensa ao patrimônio moral seria um fenômeno com efeito temporário, sendo mera ofensa. Todavia, se a ideia de dano dependesse da duração da sensação penosa para aferir se uma ofensa a um direito de personalidade é ou não um dano moral, é preciso indagar o tempo que dura essa sensação, o que é impraticável do ponto de vista médico psicológico. Se assim fosse, existem danos materiais que, por serem passageiros, não deveriam ser reparados.
A influência seria apenas na forma e intensidade de sua reparação, e não na reparabilidade do dano.
b) Incerteza de um verdadeiro direito violado => no entanto, a causa de um dano é a ação ou omissão do lesante, sendo indiferente se o bem ou direito lesado é de ordem material ou moral. O fato de os efeitos do direito violado serem imateriais não implica em inocorrência de violação, tampouco na inexistência de direito lesado.
c) dificuldade de descobrir a existência do dano => embora existam muitas situações em que seja muito difícil descobrir a existência de dano moral, reconheça-se que a dificuldade está mais ligada a questão probatória do que um impedimento à sua reparabilidade. Em tais casos, o magistrado, valendo-se de balizas de proporcionalidade e razoabilidade, deverá considerar o que seria compatível ou não com os sentimentos do homem mediano.
d) indeterminação do número de pessoas lesadas => pois cada pessoa lesada nos seus sentimentos é vítima da culpa. E, diante da falta de controle sobre algo que é extremamente subjetivo, criou-se uma presunção (relativa) de legitimidade para os parentes próximos (pais e filhos) pelo simples fato de terem ligação sanguínea. Todavia, não se deve exigir um critério rígido, mas deixar ao juiz a faculdade, em cada caso concreto, verificar quem são as pessoas cuja dor merece ser reparada.
e) impossibilidade de uma rigorosa avaliação em dinheiro => essa ideia toma por base uma visão equivocada que todos os danos devem ser fixados pecuniariamente, razão pela qual nunca se poderia indenizar o dano extrapatrimonial. Se tomássemos a rigor tal critério, então até certos danos materiais não poderiam ser ressarcidos (ex: como valorar objetivamente uma obra de arte?).
A verdade é que o dinheiro, na reparação do dano extrapatrimonial, não apresenta como a real correspondência monetária dos bens atingidos pela lesão. Então, como bem ensina Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxx (apud GAGLIANO, PAMPLONA, 2012, p. 131), deveríamos substituir “a expressão ‘dor’ por ‘conjunto de sensação dolorosas’ e a palavra ‘dinheiro’ por ‘conjunto de sensações agradáveis que ele pode proporcionar’. Sendo assim, “quando avaliamos um dano moral em dinheiro, fazemo-lo porque é o dinheiro o intermediário de todas as trocas”. Mas, no fundo, não há uma equivalência entre a dor do dano e o prazer que o dinheiro proporciona.
f) imoralidade de compensar uma dor com dinheiro => a grande crítica feita a esta objeção é a sua hipocrisia, pois mais imoral do que compensar uma lesão com dinheiro é deixar a vítima sem qualquer tutela jurídica e lesionador livre para cometer outros danos no futuro. “Não se trata de
equivalência em dinheiro, mas de se exigir algo, ainda que pecuniário, para se dar satisfação ao ofendido moralmente” (GAGLIANO, PAMPLONA, 2012, p. 131). Não há imoralidade alguma nisso pois não se está ‘vendendo’ um bem moral, mas buscando a atenuação do sofrimento.
g) ilimitado poder que tem de conferir-se ao juiz => ou seja, o velho temor da ‘ditatura do Judiciário’, marcado pelo positivismo jurídico e acentuado pela falsa ideia da impossibilidade de quantificar os danos extrapatrimoniais. Certo é que o juiz não pode agir irresponsavelmente, fixando a indenização ao seu bel-prazer. Ele deve agir de acordo com o seu prudente arbítrio, lembrando que suas decisões são sempre passíveis de reexame e reforma dos tribunais.
h) impossibilidade jurídica de admitir-se tal reparação => mas é sabido que, se os bens morais também são jurídicos, então qualquer violação praticada aos mesmos deve ser objeto de tutela do Estado.
2.3.5.1 Natureza jurídica da reparação do dano moral
De acordo com a doutrina minoritária, a natureza da reparação do dano moral seria uma ‘pena civil’, através do qual haveria a repressão e a prevenção do ato ilícito praticado pelo agente ofensor. O argumento utilizado é que a compensação do dano moral em dinheiro seria imoral, não obstante já sabemos que tal objeção resta superada.
Sabemos que a pena se presta a sancionar quem lesiona interesses tutelados pelo direito público, precisamente o direito penal. E a reparação do dano moral visa sancionar violações ocorridas na esfera privada.
Nesse sentido, o que se dá é o pagamento de uma “indenização” (expressão utilizada na jurisprudência, mas que, tecnicamente, não se revela adequada por denotar a ideia de eliminação dos prejuízos, o que é impossível nos danos extrapatrimoniais). A reparação ocorrerá mediante o pagamento de uma soma pecuniária, arbitrada pelo juiz, com o objetivo de compensar o lesado pelo dano sofrido, atenuando, mas não eliminando, as consequências da lesão.
O dinheiro, aqui, não desempenha a função de equivalência, como se dá no dano material.
DANO MORAL ⬄ COMPENSAÇÃO
DANO MATERIAL ⬄ INDENIZAÇÃO
Sendo assim, evidente a natureza jurídica sancionadora da reparação do dano moral, mas que se materializa por uma compensação material ao lesado, e não por uma pena civil.
2.3.5.2 Cumulatividade do dano moral com outras espécies de danos
É sabido que de um mesmo fato pode surgir consequências lesivas diversas, atingindo tanto o patrimônio material como o imaterial do indivíduo. Dessa forma, pode-se dizer que a reparação do dano material não exclui ou substitui pelos danos morais, e vice-versa; eles se somam.
Todavia, tradicionalmente, no âmbito da jurisprudência pátria, sempre houve grande controvérsia acerca da cumulatividade entre o dano material e o moral, de modo que apenas em 1992 com a edição da Súmula 37, o STJ reconheceu a autonomia e, por conseguinte, a cumulatividade entre tais danos, em consonância ao já disposto no art. 5º, V e X, da CF.
SÚMULA 37, STJ
“São cumuláveis as indenizações por dano material e moral oriundos do mesmo fato”
Também é possível a cumulação de tais reparações com indenizações por danos estéticos, ou seja, aqueles que violam a imagem retrato do indivíduo (Súmula 387, STJ).
2.3.5.3 Dano moral e pessoa jurídica
Em que pese a pessoa jurídica ser uma ficção do direito, e não um ser orgânico, dotado de emoções, é assente o entendimento segundo o qual ela possa ter os seus interesses extrapatrimoniais (inclusive os direitos da personalidade, como direitos ao nome e à imagem) tutelados pela lei.
Como bem afirmam Xxxxxxxx e Pamplona (2012, p. 139), “uma propaganda negativa de um determinado produto, por exemplo, pode destruir toda a reputação de uma empresa, da mesma forma que informações falsas sobre uma eventual instabilidade financeira da pessoa jurídica podem acabar levando-a a uma indesejável perda de credibilidade, com fortes reflexos patrimoniais.”
Há que se considerar que a CF, em seu art. 5º, V e X, não fez qualquer restrição às pessoas jurídicas, além de se tratar de um dispositivo inserto no título dedicado aos “direitos e garantias fundamentais”. Ademais, o próprio CC, em seu art. 52, coloca um ponto final nessa discussão ao estabelecer que: “aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”.
2.3.5.4 Quantificação do dano moral
Há dois sistemas de reparação pecuniária dos danos morais: sistema tarifário
(predeterminação, legal ou jurisprudencial, do valor da indenização – aplicável nos EUA) e o sistema
aberto (compete ao juiz fixar o quantum subjetivamente correspondente à reparação/ compensação da lesão – adotado no Brasil).
No Brasil, é inegável a existência de lacuna legal, de modo que não há critérios objetivos para a quantificação do dano moral.
Sob a égide do CC e CPC revogados, a exegese era de que o dano moral deveria ser objeto de arbitramento (art. 1.553 da lei civil c/c art. 475-C da lei processual), mas não na fase de liquidação de sentença mediante nomeação de perito, e sim pelo próprio juiz na ocasião da sentença.
Este deveria fixar a quantia que considerasse razoável para compensar o dano sofrido, mediante quaisquer parâmetros sugeridos pelas partes, ou pela sua consciência e equidade, podendo, portanto, o autor deixar de quantifica-los na petição inicial (era comum o seguinte pedido: “requer a condenação do réu em indenização por danos morais em valor a ser arbitrado ao talante deste douto juízo”).
Todavia, com o advento do NCPC, o art. 292, inciso V, da novel legislação exige do autor a indicação de um valor de causa, já na petição inicial, quando se tratar de ação indenizatória, inclusive fundada em dano moral. Isso significa que o pedido deverá ser certo e líquido, não se permitindo mais a transferência da responsabilidade de tal quantificação inteiramente às mãos do magistrado.
Ainda assim há ainda ampla liberdade do julgador para fixar a reparação do dano moral, porém ele sempre deve ter em mente a função compensatória da mesma, o que implica em uma estipulação a limites razoáveis e proporcionais, não podendo constituir-se numa “premiação” ao lesado, ou seja, em enriquecimento sem causa.
2.4 NEXO DE CAUSALIDADE
Trata-se do terceiro elemento da responsabilidade civil, consistente no elo ou liame que une a conduta do agente ao dano. Ou seja, só é possível responsabilizar alguém cujo comportamento tenho sido a causa ao prejuízo.
Há basicamente 3 teorias que explicam o nexo de causalidade:
a) teoria da equivalência de condições (conditio sine qua non) => esta teoria não diferencia os antecedentes do resultado danoso, de forma que tudo aquilo que concorra para o evento será considerado causa.
Todos os fatores causais se equivalem, caso tenham relação com o resultado, sem necessidade de determinar, no encadeamento dos fatos que antecederam o evento danoso, qual deles pode ser apontado como sendo o que provocou imediatamente o prejuízo.
Esta teoria é de espectro amplo e também adotada pelo CP brasileiro (art. 13). Assim, CAUSA é todo antecedente que, se eliminado, faria com que o resultado desaparecesse.
No entanto, a inconveniência desta teoria é que ela leva à investigação infinita da cadeia causal, razão pela qual não é adotada pelos civilistas.
b) teoria da causalidade adequada => para os seus adeptos, apenas o antecedente necessário e adequado à produção do resultado deve ser considerado como causa. Para se considerar uma causa “adequada” deverá esta ser, abstratamente e segundo uma apreciação probabilística, apta à efetivação do resultado.
Se a teoria anterior peca pelo excesso, admitindo uma ilimitada investigação da cadeia causal, esta, além de mais restrita, confere um grau de discricionariedade ao julgador, a quem incumbe avaliar, no plano abstrato, e segundo o curso normal das coisas, se o fato concreto pode ser a causa do resultado danoso.
c) teoria da causalidade direta ou imediata => causa é apenas o antecedente fático que, ligado por um vínculo de necessariedade ao resultado danoso, determina este último como uma consequência sua, direta e imediata. Cita-se o exemplo dado por Xxxxxxxx e Pamplona (2012, p. 156):
Caio é ferido por Xxxxx (lesão corporal), em uma discussão após a final do campeonato de futebol. Xxxx, então, é socorrido por seu amigo Xxxxx, que dirige, velozmente, para o hospital da cidade. No trajeto, o veículo capota e Caio falece. Ora, pela morte da vítima, apenas poderá responder Xxxxx, se não for reconhecida alguma excludente em seu favor. Xxxxx, por sua vez, não responderia pelo evento fatídico, uma vez que o seu comportamento determinou, como efeito direto e imediato, apenas a lesão corporal.
(...) a interrupção do nexo causal por uma causa superveniente, (...) impede que se estabeleça o elo entre o resultado morte e o primeiro agente, (...) que não poderá ser responsabilizado.
Insere-se, nesse contexto, a questão do dano reflexo ou em ricochete. O fato de o resultado atingir pessoas próximas à vítima direta não significa que não haverá responsabilidade civil. Este dano é efeito direto e imediato do ato ilícito.
Esta teoria é a mais adequada, uma vez que não apresenta nível de insegurança jurídica e subjetividade como as demais.
2.4.1 Teoria adotada pelo CC
Em que pese a doutrina nacional e estrangeira, e até a jurisprudência pátria, penderem para aplicação da teoria da causalidade adequada, certo é que o CC vigente adotou a teoria da causalidade direta e imediata, a teor do que dispõe o art. 403, in verbis:
Art. 403 - Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.
2.4.2 Causas concorrentes
Importante registrar que, havendo ‘concorrência de causas ou de culpas’, ou seja, quando a atuação da vítima também contribui para a ocorrência do dano, a indenização deverá ser reduzida proporcionalmente à conduta de cada um (vítima e agente). É o que dispõe o art. 945 do CC vigente.
2.4.3 Concausas
Trata-se do acontecimento que, anterior, concomitante ou superveniente ao antecedente que deflagrou a cadeia recursal, acrescenta-se a este, em direção ao evento danoso.
De forma mais simples, é “outra causa que, juntando-se à principal, concorre para o resultado. Ele não inicia nem interrompe o nexo causal, apenas o reforça (...)” (CAVALIERI apud GAGLIANO; PAMPLONA, 2012, p. 162).
A grande questão que se coloca é o fato de a concausa interromper ou não o processo já
iniciado, constituindo um novo nexo, ocasião em que o agente da primeira causa não poderia ser responsabilizado. Se esta segunda causa for absolutamente independente, o nexo originário estará rompido.
Imagine, por exemplo, a hipótese de um sujeito ser alvejado por um tiro, que o conduziria à morte, e, antes do seu passamento por esta causa, um violento terremoto matou-o. Por óbvio, esta causa superveniente, absolutamente independente em face do agente que deflagrou o tiro, rompeu o nexo causal. O mesmo raciocínio aplica-se às causas preexistentes (a ingestão de veneno antes do tiro) e concomitantes (um derrame cerebral fulminante por força de diabetes, ao tempo que é atingido pelo projétil) (IDEM)
De outra banda, se for uma causa relativamente independente (aquela que incide no curso do processo, somando-se à conduta do agente), necessário verificar se é preexistente, concomitante ou superveniente.
Isso porque, quando preexistentes ou concomitantes, não excluem o nexo causal. Ex: Caio, portador de deficiência congênita e diabetes, é atingido por Xxxxx. Em face da sua situação clínica debilitada (anterior) a lesão é agravada e a vítima vem a falecer. No caso, o resultado continuará imputável ao sujeito, eis que a concausa preexistente relativamente independente não interrompeu a cadeia causal.
Mas, se tratar de concausa superveniente, o nexo poderá ser rompido se esta causa, por si só, determinar a ocorrência do evento danoso. Ex: sujeito que, ferido por outrem, é levado de ambulância para o hospital, e falece no caminho, por força do tombamento do veículo.