EMENTA: SEGURO – PROPOSTA – ACEITAÇÃO TÁCITA – VALIDADE – RECIBO DE QUITAÇÃO – COBRANÇA DE DIFERENÇA DO VALOR SEGURADO – POSSIBILIDADE.
EMENTA: SEGURO – PROPOSTA – ACEITAÇÃO TÁCITA – VALIDADE – RECIBO DE QUITAÇÃO – COBRANÇA DE DIFERENÇA DO VALOR SEGURADO – POSSIBILIDADE.
- É válido o contrato de seguro quando não comprova a seguradora que levou ao conhecimento do segurado a sua recusa em aceitar a proposta, e, ao contrário, passa a receber os valores do prêmio, sem nada questionar.
- A companhia de seguro que recebe parcelas do prêmio relativas a uma proposta de seguro, na qual está consignado que a data da vigência da cobertura corresponde à da assinatura da proposta, não pode deixar de pagar a indenização pelo sinistro ocorrido depois, alegando que o contrato somente se perfectibilizaria com a emissão da apólice, pois todo o seu comportamento foi no sentido de que o negócio já era obrigatório desde então.
- A quitação do valor do seguro, estampada no recibo de pagamento assinado pelo beneficiário, tem valor relativo, devendo compreender tão-somente o valor constante no recibo, não afastando o direito do credor de exigir que se complemente ou aperfeiçoe o pagamento, caso este tenha sido incompleto ou inexato.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 423.659-9, da Comarca de SETE LAGOAS, sendo Apelante(s): SUL AMÉRICA AETNA SEGUROS E PREVIDÊNCIA S/A e Apelado(s)(a)(s): XXXXXXXX XXXXXXX XXXXXXX e OUTROS; Interessado: VERA CRUZ SEGURADORA S/A,
ACORDA, em Turma, a Primeira Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais NEGAR PROVIMENTO.
Presidiu o julgamento o Xxxx XXXXXXX XXXXXXX e dele participaram os Juízes XXXXX XXXXXXXXX (Relator), XXXXXXXX XXXXXXX XXXXX (Revisor) e XXXXXXX XX XXXXX (Vogal).
O voto proferido pelo Juiz Relator foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes da Turma Julgadora.
Belo Horizonte, 18 de maio de 2004.
XXXX XXXXX XXXXXXXXX
Relator
V O T O
O SR. XXXX XXXXX XXXXXXXXX:
Trata- se de apelação cível ( fls. 103 / 106 - TA) interposta por Sul América Aetna Seguros e Previdência S/ A, contra sentença proferida pelo MM. Juiz da 3 ª Vara Cível da Comarca de Sete Lagoas nos autos de Ação de Xxxxxxxx, ali ajuizada pelos apelados Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx e outros contra a apelante e Xxxx Xxxx Seguradora S. A., que julgou procedente o pedido inicial, condenando a apelante ao pagamento de R$ 23 . 400 , 00 ( vinte e três mil e quatrocentos reais), com juros legais desde a citação e correção monetária, desde a morte do segurado ( fls. 95 / 99 - TA).
Em suas razões recursais, a apelante alega, em síntese, que inexiste qualquer menção de que o seguro contratado seria gerido por ela; que não há qualquer assinatura de algum representante ou carimbo da Cia. e, nem mesmo, qualquer protocolo indicando que a proposta teria ingressado na seguradora para análise e aceitação; que trata- se de um documento totalmente unilateral; que o falecido pai dos apelados possuía um contrato de seguro de vida, porém, não nos termos alegados na inicial; que os certificados individuais não são de emissão obrigatória, ficando a cargo do segurado ou dos beneficiários requererem sua emissão; que os beneficiários requereram a expedição do certificado somente após a ocorrência do sinistro, sendo emitido em 31 . 03 . 99 ; que conforme consta no certificado individual de seguro, em caso de morte do segurado, estaria obrigada ao pagamento de R$ 36 . 000 , 00 ( trinta e seis mil reais) aos beneficiários, não podendo ser compelida a pagar valor maior, sob pena de ferir as estipulações contratadas e as disposições do Código Civil vigente à época da contratação; que conforme comprovado, já efetuou tal pagamento, tendo indenizado aos apelados R$ 9 . 000 , 00 ( nove mil reais) para cada um, tendo os mesmos assinado recibo dando plena e geral quitação do débito; que os apelados não fizeram prova de que o valor devido seria o alegado na inicial, sendo que tal ônus seria exclusivamente seu.
Os autores, ora apelados, apresentaram contra- razões às fls. 110 - 113 , alegando, em breve relato, que está provada a relação contratual existente entre seguradora e segurado; que o contrato jamais poderia ser verbal e o único documento existente é o de fls. 10 ; que o certificado individual no qual foi baseado para o pagamento da indenização é tão unilateral que até foi emitido após o falecimento do segurado, com valor menor do contratado; que a apelante feriu todos os dispositivos legais, incluindo o Código de Defesa do Consumidor; que estão pleiteando receber o que realmente lhes são de direito. Tece outras considerações, cita jurisprudência e, ao final, requerem que seja negado provimento ao apelo, mantendo na íntegra a r. decisão atacada.
Preparo devidamente efetuado às fls. 107 e 116 .
mérito.
Como não há preliminares suscitadas, vou ao
Analisando o conjunto proatório, bem como as
alegações das partes, tenho que não assiste razão à apelante, não merecendo reforma a r. sentença recorrida.
Conforme se vê do documento de fls. 10 , verifica- se não se tratar de um documento unilateral, mas de uma proposta de seguro, preenchida e assinada, possivelmente, por corretor de seguros, preposto da apelante.
Em análise da teoria geral dos contratos, Sílvio de Salvo Venosa, in “ Direito Civil,– Teoria Geral da Obrigações e Teoria Geral dos Contratos”, volume II, Editora Atlas, terceira edição, 2003 , página 517 , ao discorrer sobre oferta ou proposta, leciona:
A oferta ou proposta, também denominada policitação, é a primeira fase efetiva do contrato, disciplinada na lei. Na proposta, existe uma declaração de vontade pela qual uma pessoa ( o proponente) propõe a outra ( o oblato) os termos para a conclusão de um contrato. Para que este se aperfeiçoe, basta que o oblato a aceite. Xxxxx Xxxxx ( 1964 , v. 3 : 86 ) conclui que a oferta é uma declaração unilateral do proponente, receptícia, e que deve conter, em princípio, os elementos essenciais do negócio jurídico.
A proposta deve ser clara e objetiva, descrevendo os pontos principais do contrato. Nesse aspecto, apresenta- se, portanto, de forma diversa das negociações preliminares. A proposta vincula a vontade do proponente, que somente ficará liberada com a negativa do oblato ou o decurso do prazo estipulado na oferta ( ou pela caducidade, em razão da natureza da proposta).
Sobre contrato de seguro, Sílvio de Salvo Venosa, in “ Direito Civil – Contratos em Espécie”, volume III, Editora Atlas, terceira edição, 2003 , página 379 :
No ramo de seguros, mais do que em qualquer outro, imperam a confiança recíproca e a boa- fé. O segurador não fica vinculado à emissão da apólice, que, no entanto, deve ser remetida ao segurado. O mesmo sucede quando o seguro deflui do registro contábil da operação. Daí concluir- se, como homogeneamente entende a doutrina, que o simples consenso é suficiente para a conclusão do contrato, sendo o instrumento
apenas elemento ad probationem . É possível, portanto, afirmar que o contrato de seguro se traduz pela adesão resultante da oferta pelo segurado e da aceitação por parte do segurador.
No caso, a referida proposta foi preenchida com os dados de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, pai dos apelados. No campo referente ao Plano de Seguro, foi preenchido o valor de R$ 60 . 000 , 00 ( sessenta mil reais) referente a morte acidental.
Logo, está fora de dúvida que o segurado pretendia firmar contrato de seguro que garantisse aos beneficiários, no caso de morte acidental, a cobertura no valor de R$ 60 . 000 , 00 ( sessenta mil reais).
Não obstante constasse clara e expressamente na proposta que pretendia o segurado cobertura para a hipótese de morte acidental no valor de R$ 60 . 000 , 00 ( sessenta mil reais), a seguradora apelante emitiu apólice, após a morte do segurado, em descompasso com o que constou da proposta ( fls. 33 ), constando na mesma apenas cobertura no valor de R$ 36 . 000 , 00 ( trinta e seis mil reais).
Verifica- se, ainda, que na proposta de seguro ( fls. 10 - TA) previa- se o custo mensal do Plano de Seguro de R$ 36 , 60 ( trinta e seis reais e sessenta centavos). Nos comprovantes de rendimentos acostados aos autos ( fls. 11 / 29 - TA), referentes ao período de dezembro de 1995 a fevereiro de 1999 , consta desconto de seguro de vida, sendo que de dezembro de 1995 a outubro de 1998 o valor descontado foi de R$ 36 , 60 ( trinta e seis reais e sessenta centavos), o mesmo valor do custo mensal do Plano de Seguro da proposta de seguro de fls. 10 - TA.
Se não tinha a seguradora a intenção de firmar contrato de seguro com cobertura para a hipótese de morte acidental, mas apenas em caso de morte por qualquer causa, deveria ter recusado a proposta apresentada pelo segurado. Não há, nos autos, nenhuma prova nesse sentido.
Além disso, a seguradora não apresentou prova de que alertou o segurado que o Plano de Xxxxxx acertado não era aquele constante da proposta.
Portanto, tendo constado, expressamente, na proposta, cobertura para o caso de morte acidental e não tendo a seguradora alertado o segurado para o fato de que o Plano de Seguro firmado não previa cobertura para tal hipótese, e que o valor a ser pago, na eventualidade da sua morte, seria menor que aquele constante na proposta, tenho que não pode a seguradora se eximir da obrigação de indenizar pelo valor constante na proposta, principalmente pelo fato de o segurado ter pago de
dezembro de 1995 a fevereiro de 1999 o custo mensal do contrato.
Neste sentido, tem- se manifestado a jurisprudência:
SEGURO DE VIDA EM GRUPO. INDENIZAÇÃO. MORTE DO SEGURADO APÓS ASSINATURA DA PROPOSTA. PAGAMENTO DO PRÊMIO. OCORRÊNCIA. ADMISSIBILIDADE.
– Considera- se aperfeiçoado contrato de seguro de vida em grupo com a assinatura do cartão- proposta e o pagamento da taxa de inscrição e da primeira parcela do prêmio contratado. Daí, é devida a indenização securitária decorrente de óbito, por afogamento, do segurado, mesmo que esse evento tenha ocorrido antes do primeiro dia útil do mês subseqüente aos aludidos pagamentos, data fixada para o início de vigência da apólice.
( Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo
– Apelação Cível 563 . 915 - 00 / 6 – 14 / 12 / 1999 – Rel. Xxxx Xxxxx Xxxxxxx. – Cfr. Informa Jurídico, CD- ROM n. 31 – julho- agosto/ 2003 )
SEGURO DE VIDA E OU ACIDENTES PESSOAIS. INDENIZAÇÃO. MORTE DO SEGURADO APÓS ASSINATURA DA PROPOSTA. PAGAMENTO DO PRÊMIO. OCORRÊNCIA. CABIMENTO.
– É eficaz a proposta, para fins de indenização, que contém todos os elementos do contrato e acompanha pagamento, mesmo que o sinistro tenha ocorrido antes da emissão da apólice.
( Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo
– Apelação Cível 564 . 622 - 00 / 0 – 16 / 02 / 2000 – Rel. Xxxx Xxxxxx Xxxxxx. – Cfr. Informa Jurídico, CD- ROM n. 31 – julho- agosto/ 2003 )
Além disso, não havendo nos autos qualquer prova no sentido de que o segurado ou os apelados tenham agido de má- fé, devem prevalecer as condições constantes da proposta, restando evidente a obrigação da seguradora- apelante de indenizar conforme o pactuado.
Nesse sentido, este Tribunal tem se manifestado:
AÇÃO ORDINÁRIA. CONTRATO DE ADESÃO. PLANO DE SAÚDE COM SEGURO DE VIDA. FAVORECIMENTO DO SEGURADO.
– No caso de dúvida sobre a ocorrência ou não de contratação em modalidade diversa, deve- se resolver o ajuste em favor do segurado, e é exatamente por isso, levando- se em
consideração, inclusive, os fins sociais do seguro e a maneira notória que os contratos são elaborados, que a jurisprudência vem cada vez mais tomando posição no sentido do favorecimento dos beneficiários.
( TAMG – Apelação Cível 0358177 - 9 – 24 / 04 / 2002 – Rel. Juiz Alvimar de Ávila. – Cfr. Informa Jurídico, CD- ROM n. 31 – julho- agosto/ 2003 )
Quanto à alegação da apelante de que o prêmio já foi pago, tendo os apelados dado quitação da obrigação, razão não lhe assiste. Tal argumento viola inclusive princípio constitucional, estabelecido no artigo 5 º, XXXV:
Artigo 5 º - (...)
XXXV – A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Além disso, estabelece o artigo 6 º, VII, do Código de Defesa do Consumidor:
Artigo 6 º – São direito básicos do consumidor:
VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados.
deste | Tribunal | já | se |
DIREITO | CIVIL. | AÇÃO | DE |
Aliás, em julgados
decidiu:
PROCESSO CIVIL E
INDENIZAÇÃO PARA RECEBIMENTO DE SEGURO. VALOR CONTRATADO. QUITAÇÃO GERAL. VALOR CONSTANTE DO RECIBO.
– A plena e irrevogável quitação firmada no recibo de valores recebidos deve ser entendida como quitação da importância ali consignada e não como óbice a pleitear valores devidos e não pagos.
( Apelação Cível 0267421 - 9 , rel. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, julgado em 10 / 03 / 1999 ).
SEGURO FACULTATIVO DE AUTOMÓVEL. PERDA TOTAL DO BEM. INDENIZAÇÃO. VALOR AJUSTADO NO CONTRATO. QUITAÇÃO PASSADA PELO SEGURADO.
– Mesmo se o segurado firmar recibo dando quitação pelo valor recebido, de acordo com o arbitramento do bem feito pela seguradora, não se pode considerar exaurido o seu direito de
postular o recebimento da diferença entre aquele valor e o constante da respectiva apólice.
( Apelação Cível 0310043 - 4 , rel. Xxxx Xxxxx Xxxxx Xxxx, julgado em 31 / 06 / 2000 ).
AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO. VEÍCULO. RECIBO DE QUITAÇÃO. VALOR INFERIOR. COMPLEMENTAÇÃO. CONTRATO DE ADESÃO. UNILATERALIDADE. CLÁUSULA RESTRITIVA. INEFICÁCIA. PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
– A plena e irrevogável quitação firmada no recibo deve ser entendida como quitação da importância ali consignada e não como óbice ao contratante de pleitear valores devidos e não pagos.
( Apelação Cível 0331923 - 7 , rel. Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxx, julgado em 25 / 04 / 2001 , in RJTAMG 83 , abril/ junho 2001 ).
Assim, deve a seguradora- apelante pagar aos apelados o valor constante na proposta de seguro, conforme o documento de fls. 10 - TA.
Com estas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso e mantenho a sentença conforme prolatada.
Custas do recurso, pela apelante.