Contrato de parceria na vinha e na cana sacarina numa Feitoria da Madeira (1820’s-1918)
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Contrato de parceria na vinha e na cana sacarina numa Feitoria da Madeira (1820’s-1918)
qualidade e asset specificity.
Xxxxxxxx Xxxxxx (Universidade da Madeira) (xxxxxxxxxxxxxx@xxxxxxxxxx.xxx)
Abstract: O debate sobre a eficiência do contrato de parceria na literatura económica e na história económica tem recentemente sido marcado pelo escrutínio à tese da eficiência e tem sido igualmente acompanhado da preocupação em conhecer a evolução do recurso à parceria no longo prazo. As culturas da vinha e da cana sacarina são usadas para analisar a evolução do recurso à parceria entre 1820 e 1918. As contas de exploração de uma feitoria (Ponta do Sol) inserida num grande património disperso são a fonte utilizada. Por a parceria pressupor a divisão da colheita entre as partes baseada num pré-acordo e por esta divisão ser susceptível de gerar custos de transacção para o senhor variáveis em função de determinadas características da produção, fica provado no caso vertente que entre 1820 e 1850 existia um elo entre vinha de qualidade e o recurso à parceria que se quebrou entre 1880’s a 1918 com a desqualificação. Permanece por esclarecer porque é que entre 1860 e 1880 a vinha foi sendo preterida pela cana-de-açúcar. A intervenção na gestão adequada da terra propiciada pelo contrato de parceria contém a explicação. A existência de custos de transacção em função das especificidades do bem terra, tais com a existência de infraestruturas de irrigação - que não só exigem manutenção como o retorno do capital investido na infraestrutura - é susceptível de captura por uma das partes, faz que aumente o custo da utilização deficiente da terra. A literatura tem associado a presença de asset-specificity a contratos de parceria tendencialmente de longo-prazo. A tese é a de que o asset-specificity inerente às infraestruturas de irrigação necessárias à cultura da cana facilitou o processo de expansão da parceria na cana sacarina. Esta análise privilegia os custos de transacção, mas beneficia em ser enquadrada na análise económica do ambiente institucional que atende à relação entre o grau de estabilidade do contrato e o nível de investimento do parceiro.
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1. Introdução
O debate sobre a eficiência do contrato de parceria na literatura económica e na história económica tem recentemente sido marcado pelo escrutínio à tese da eficiência e tem sido igualmente acompanhado da preocupação em conhecer a evolução do recurso a este contrato no longo prazo, a qual tem sido dificultada pela escassez de dados anteriores a meados do século XX1. As contas de exploração de uma feitoria inserida num grande património disperso fornecem dados que permitem essa análise, porque, reportando à zona da Ponta Sol, permitem-nos controlar informações sobre o clima, a qualidade do solo e a evolução da disponibilidade de água de irrigação. A zona possuía uma apetência para a cultura da cana sacarina historicamente demonstrada e foi beneficiada com obras de irrigação a partir de 1860’s.
A literatura tem usado as características das culturas comerciais para definir de forma significativa o teste a certas teorias sobre as escolhas dos contratos agrícolas2. O nosso estudo coloca o enfoque na cultura da vinha e da cana sacarina para explicar a lógica por detrás do recuo da primeira e por detrás da disseminação da segunda no período entre 1820 e 1918 na feitoria da Ponta do Sol pertencente à Família Xxxxxxx x Xxxxxxxxxxx. Esta análise tem presente quer a intensificação da produção agrícola associada ao crescimento da população agrícola ocorrida na Madeira com destaque para o período após 1860’s quer ainda a natureza complexa e híbrida dos contratos agrícolas existentes na sociedade rural estudada.
S. Xxxxxxx contesta o discurso da eficiência económica aplicado às instituições propondo uma aproximação multivariada consistente com o raciocínio económico. Defende que qualquer instituição não só exerce um papel multímodo e ambivalente como inexiste isoladamente o que requer a análise da moldura institucional alargada onde se insere3. Esta observação tem repercussões no caso abordado, porquanto o processo de implementação do sistema liberal4 se repercutiu nas escolhas feitas pelos agentes económicos inseridos numa sociedade rural sujeita a condicionantes que se modificaram5, nomeadamente ao nível da negociação e da validação dos contratos de parceria.
A análise económica do enquadramento institucional – com destaque para os regimes de propriedade – considera os “incentivos e desincentivos” presentes na escolha dos direitos de propriedade6, tem acuidade neste caso por interessar aferir a duração do contrato de parceria
1 Xxxxxxxx, X. (2006). The ‘real’puzzle of sharecropping: why is it disappearing?. Continuity and Change, 21(02), 261-2.
2 A vinha foi usada para testar a procura de supervisão (D.A. Xxxxxxxxx, & M. Botticini, (2002). Endogenous matching and the empirical determinants of contract form. Journal of Political Economy, 110(3), 564-591). Sobre as características das culturas comerciais poderem ser vistas como determinantes do tipo de contrato de longo prazo ver X.Xxxxxxxx, (2007). Contract duration and investment incentives: evidence from land tenancy agreements. Journal of the European Economic Association, 5(5), 955.
3 S. Ogilvie (2007). ‘Whatever is, is right’? Economic institutions in pre‐industrial Europe1. The Economic History Review, 60(4), 649-684.
4 Destacamos o impacto do Código Civil Português de 1867.
5 Sobre as condicionantes nas escolhas em sociedades tradicionais S Ogilvie (2012). Choices and constraints in the pre-industrial countryside, CWPESH (No. 1). xxxxx://xxxxx.xxxxx.xxx/x/xxx/xxxxxx/00.xxxx acedido em 10/09/2015.
6 Para uma abordagem dos desenhos dos contratos sobre a terra baseada na atenção quer aos efeitos das transacções identificadas com a economia dos custos de transacção quer aos aspectos do ambiente institucional abordado pela economia dos direitos de propriedade A. Hurrelmann (2005). Institutions and properties of the transaction: influences on land rental contract design in Poland. German Journal of Agricultural Economics, 54(6), 284-291.
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quer na vinha quer na cana sacarina. A literatura tem debatido a relação entre a estabilidade do contrato e o investimento do parceiro. Desde o século XVIII existia na Madeira um tipo de parceria (colonia) associada à vinha. Neste caso, os contratos de plantação conferiam direitos de propriedade sobre as plantas mas não sobre a terra. Este contrato tinha uma lógica de longo prazo explicável pelas características de cultura arvense própria da vinha. Não tendo a cana sacarina as mesmas características da vinha - sendo antes submetida a replantações periódicas – existiu em termos práticos uma continuidade na aposta no contrato de longo prazo que importa explicar.
Na literatura sobre contratos, a dimensão da colaboração entre os agentes numa perspectiva de longo prazo tem recebido pouca atenção. A literatura tem ao contrário considerado a escolha entre contratos como um “jogo de negociação anual entre dois agentes económicos que não competem entre si”, descurando que a agricultura exige duplamente cooperação e investimento de longo-prazo7. Eswaran e Kotwall, na linha de Xxxx, vêem a parceria como uma sociedade onde os agentes têm incentivos para a automonitorização servindo o contrato para mitigar o comportamento incerto de ambos os agentes8. S. Xxxxxxx identificou o conflito como uma área promissora de análise. Os investimentos efectuados nas infraestruturas de irrigação constituem um exemplo de ambivalência. Por um lado, são investimentos de longo prazo que precisam que a sua manutenção seja assegurada pelo colono – em alguns, havia mesmo compropriedade do senhorio e do colono sobre o bem9 – , mas, por outro, estão sujeitos a que o retorno do capital investido na infraestrutura seja susceptível de captura por uma das partes.
Apesar desta referência à envolvência institucional identificada com os direitos de propriedade, importa ter em atenção a transacção - as suas características e os custos envolvidos. Xxxx Xxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxx mostram que a literatura, ao analisar os baixos custos de transacção associados à monitorização do parceiro, subestimou os altos custos associados com a divisão da colheita quando a qualidade era um factor importante para estabelecer o preço. Entre 1860’s e 1918, por comparação com o período entre 1829 e 1850, na feitoria estudada, constata-se que na primeira fase os custos de supervisão da partilha eram elevados em sintonia com vinhas pouco produtivas e de qualidade, mas, na segunda fase, a cultura da vinha começou por perder peso entre os produtos objecto de partilha até os anos 1870’s, mas, a partir dos anos 1880’s, a perda de qualidade da vinha divorciou-a da parceria na feitoria da Ponta do Sol.
A economia de custos de transacção10, ao explicar o desenho dos contratos agrícolas, recorre à elevada especificidade do recurso terra para confirmar uma opção que minimize estes custos. Os investimentos em infraestruturas de irrigação, que exigem manutenção continuada, concretizam esta especificidade. Na medida em que a terra irrigada constitui um recurso valioso quaisquer más práticas agrícolas causam prejuízos elevados para o senhorio e tornam premente a gestão adequada da terra. No contexto económico da segunda metade do século XIX e início do século XX, os investimentos efectuados em irrigação aliados à percentagem do
7 J. Xxxxxxx and X. Xxxxxxx (2012) Explaining contract choice: vertical coordination, sharecropping, and wine in Europe, 1850–1950. The Economic History Review, 65(3), p.888.
8 M. Eswaran, & A. Kotwal (1985). A theory of contractual structure in agriculture. The American Economic Review, 352-367; Xxxx, J. D. (1973). Sharecropping as an understandable market response: The post-bellum south. The Journal of Economic History, 33(01), 106-130.
9 Sobre a análise da visão relativa aos direitos de propriedade assente em processos de negociação levarem sempre à alocação correcta de recursos see Segal, I., & Xxxxxxxx, M. D. (2014). The Efficiency of Bargaining under Divided Entitlements. The University of Chicago Law Review, 273-289.
10 O.E. Xxxxxxxxxx (1996), The Mechanisms of Governance. Oxford University Press, Oxford, 103-105; Xxxxx, D. W., & Xxxxx, D. (1992). The" Back Forty" on a handshake: Specific assets, reputation, and the structure of farmland contracts. Journal of Law, Economics, & Organization, 366-376; D. Xxxxx, X. X., & Xxxxx, (2003) The nature of the farm: Contracts, Risk and Organization in Agriculture., MIT Press, p.41.
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valor relativo à demídea da cana sacarina no rendimento da feitoria ter aumentado demonstram a importância do asset specificity para essa evolução.
Este estudo no ponto 2 caracteriza a evolução da produção e dos mercados para as culturas comerciais da vinha e da cana sacarina da Madeira; no ponto 3 analisa a evolução da feitoria da Ponta do Sol nas opções para a gestão adequada da terra, caracteriza as culturas da vinha e da cana sacarina e relaciona o aumento dos ocupantes com a duração do contrato e com o ambiente institucional; no ponto 4 analisa o recuo da parceria na vinha e analisa a importância do asset specificity na disseminação da parceria na cana sacarina. A conclusão assenta que a parceria se manteve presente na vinha apenas enquanto existiu uma produção de qualidade e que para a cana sacarina fica provado o que certa literatura tem defendido sobre a associação entre a presença do asset-specificity relativo a investimentos em infraestruturas de irrigação e contratos de parceria tendencialmente de longo-prazo.
2. Produção de vinha e cana de açúcar na Madeira e enquadramento comercial para as suas produções (1820’-1918)
Entre os anos de 1820’s e 1850, a Madeira apresentava uma economia agrícola onde a vinha preponderava entre as culturas comerciais. A expansão da cultura foi então travada pela alteração registada nas condições de competitividade externa, em especial, pela tendência para os vinhos licorosos portugueses deixarem de ter o tratamento preferencial que haviam recebido anteriormente.
Os custos de produção aumentaram na sequência do combate quer ao oidium (1846-1851) quer à filoxera (1870’s). Entre as duas datas o ritmo das replantações foi lento porque as castas tinham qualidade mas eram de baixa produtividade. A partir da filoxera a situação tendeu a agravar-se em resultado da depreciação e volatilidade dos preços internacionais. A redução da qualidade com recurso a castas produtivas foi a resposta a estas condicionantes.
A cana sacarina era praticada na Madeira apenas em zonas de baixa altitude e o seu custo de produção era muito elevado porque exigia irrigação. A cana registou uma expansão limitada entre o início dos anos 1850 e a deflagração da doença nos canaviais no início dos anos 1880. O sistema de compensação das condições naturais assemelhava-se à produção de cana de açúcar do Hawai e distinguia-se das práticas de cultivo existentes em Cuba onde os canaviais não eram irrigados e os solos eram não só abundantes como de apetência excepcional para esta cultura. Após a modernização industrial com recurso a métodos de produção contínua, na primeira existia uma relação entre irrigação a integração vertical dos canaviais pelas fábricas e na segunda prevaleciam os fornecedores externos de cana11. Na Madeira os fornecedores externos antes e depois desta modernização sempre venderam às fábricas de açúcar ou de aguardente.
Na fase inicial, as barreiras alfandegárias municipais sobre a aguardente e o açúcar importado pela Madeira contribuíram positivamente para o lançamento desta produção. As isenções tarifárias para as exportações para o continente receberam um tratamento errático e menos vantajoso do que no período subsequente. O regime sacarino, criado em 1895 e aprofundado em 1903, isentou a exportação de açúcar para o continente de direitos alfandegários e garantiu o escoamento da cana ao agricultor a um preço regulado. Estas medidas associadas aos investimentos em irrigação fizeram com que, em 1910-11, a produção de cana quase
11 Xxx, X. (2000). Factor endowments and contract choice. In K. D. Xxxxxxxx (Ed.), New Frontiers in Agricultural History (vol. I, pp. 137-142). Emerald Group Publishing Limited.
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tivesse quadruplicado relativamente aos níveis do início de 1860’s12. Na primeira fase, a aguardente e o açúcar eram as principais produções, a que se acrescentou, na segunda fase, o álcool que passou a ser usado para beneficiar o vinho licoroso da Madeira em substituição da aguardente vínica.
3. A feitoria da Ponta do Sol.
3.1. Evolução do número de colonos e caseiros e ambiente institucional
Desde o século XVIII existia na Madeira um tipo de parceria (colonia) associada à vinha. Neste caso, os contratos de plantação conferiam direitos de propriedade sobre as plantas mas não sobre a terra. Este contrato tinha uma lógica de longo prazo, explicável pelas características de cultura arvense própria da vinha. Não tendo a cana sacarina as mesmas características da vinha - sendo antes submetida a replantações periódicas – existiu em termos práticos uma continuidade na aposta no contrato de longo prazo que importa ter em consideração.
A expansão da cana sacarina na Madeira ocorreu num período caracterizado pela pressão sobre a terra agrícola e pela intensificação da produção13. A exiguidade da terra disponível por parte dos parceiros levava-os a produzir um cabaz agrícola diversificado para se precaverem das incertezas. Nesse cabaz, além das verduras, tubérculos e leguminosas, constava o cereal com destaque para o trigo.
Em face desta evolução importa analisar as alterações no número de caseiros - que eram residentes nas terras – e no de meeiros - que partiam culturas mas não residiam nas terras da feitoria. Os dados das rendas dos que pagavam em numerário ou das verduras convertidas em numerário abarcavam a maioria dos membros das duas categorias sendo seguidos de perto em abrangência pelos que partiam trigo. Os dados relativos aos que pagam demídea de vinho e cana tendem a ser só respeitantes a colonos. A partir de 1860’s o número dos que que pagavam demídea de vinho decresceu acentuadamente por comparação com o período entre 1829 e 1850. O número dos que partiam cana sacarina estabiliza a partir dos anos 1890’s até 1918.
Os dados dos róis de receita regra geral não distinguem as duas categorias. A excepção ocorreu em 1878 com a distinção entre 184 caseiros e 180 meeiros sobre um total de 36414. Para testar este dado usámos um levantamento efectuado em 1863, que fornecia de forma agregada o número de 254 caseiros e meeiros, e equiparámos as 129 habitações existentes ao número de caseiros15. Isto permitiu-nos concluir que em 1863 e em 1878 a relação entre caseiros e meeiros se manteve idêntica mas ocorreu um aumento no número dos ocupantes.
A explicação para este aumento carece de ser relacionada quer com a duração do contrato de parceria quer com o tipo de investimento propiciado pelo contrato. Xxxxxxx analisa a literatura que associa os contratos de longa duração a escasso investimento e vice-versa16. Na Europa
12 Xxxxxxxx Xxxxxx (2002), A Economia da Madeira (1850-1914), Lisboa, Instituto de Ciências Sociais p.149-153 .
13 Entre 1864 e 1911, na Madeira a fracção de terra disponível por cada homem adulto reduziu de 0.90 para 0.72 hectares [Xxxxxxxx Xxxxxx (2002), p.21, p. 31, p. 91-92, p.101, p.112 e p.116].
14 ARM; FOV CX 18 Ms 22.
15 ARM, FOV, Cx 12 Ms 2.
16 Xxxxxx Xxxxxxx contrapõe, quer à visão dicotómica de Xxxx Xxxxxxx sobre a situação na Europa e nos Estados Unidos [D.G. Xxxxxxx,(1950). Resource allocation under share contracts. The Journal of Political Economy, 111-123] relativamente à relação entre contratos curtos e investimentos ou entre contratos longos e investimento quer à visão de A. V. Xxxxxxxx, & X. Ghatak que aditou a esta visão a função de que a ameaça de expulsão pudesse estimular o investimento [(2004). Eviction threats and investment incentives. Journal of Development Economics, 74(2), 469-488)], a evolução do tratamento dado na
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registou-se uma elevada estabilidade verificada na prática porque formalmente os contratos eram curtos e renováveis. A plantação de vinhas constituía uma forma de investimento que por vezes aparecia associada à obtenção de direitos de propriedade transmissíveis sobre plantas ou terra. Um exemplo desta situação provem da Toscânia onde as famílias ocupavam as parcelas durante gerações (dados de 1801, 1837 e 1871), mas onde os terratenentes para terem plantações de vinha tinham de providenciar contratos de miglioria.
Na Madeira, a disseminação da vinha contribuíu inicialmente para propiciar direitos de propriedade sobre as plantas e construções (benfeitorias) aos parceiros/caseiros. Entre 1820’s e 1850’s, a vinha era a cultura predominante na feitoria da Ponta do Sol e nas restantes terras da família Xxxxxxx e Xxxxxxxxxxx. A partir do início dos anos 1850, com a deflagração do oidium, as terras de FOV na Ponta de Sol seguem o padrão de intensificação e mudança de culturas registado na ilha. A transmissão com fragmentação dos direitos de propriedade por herança das benfeitorias permite o aumento da fixação dos descendentes. Muitas das famílias que tinham adquirido direitos de propriedade sobre as benfeitorias vão continuar a ocupar as terras ao longo de gerações, como acontecia na Toscânia, aspecto que a evolução dos dados de parentesco espelha
Estas famílias de caseiros residiam nos terrenos, como ficou provado num levantamento efectuado em 1863. A exemplo do referido em relação à Toscânia, o senhor, se queria desenvolver uma dada cultura comercial como a cana sacarina ou a vinha, tinha de preferencialmente lhes oferecer contratos de plantação. Os oito contratos de plantação de cana celebrados entre 1867 e 1868 na feitoria, que chegaram até nós, mostram que as áreas envolvidas eram de forma geral diminutas. O de maior área tinha 2250 m2, três outros rondavam metade desta área, e os restantes situavam-se entre três e cinco vezes menos. O de maior área tinha mais do dobro da área dos que registavam áreas superiores no levantamento efectuado dois anos antes (quadro V). Em caso de incumprimento, os contratantes com menores áreas pagavam um montante de 30$000 réis, manifestamente desproporcionado face aos primeiros que era de 50$000 réis. Um dos menores assegurou terra para alimentos e o maior conseguiu reter a verdura para si e só partir trigo caso o plantasse. A ajuda do senhorio era de 5$000 réis por alqueire para todos. O maior recebia 15.000$000 réis e os dois menores perto de 3.000$00, correspondendo a totalidade da ajuda a 51.829$180 réis.
Não é possível comprovar que tivessem sido feitos mais contratos até porque as relações de confiança existentes nestas sociedades permitiam contratos verbais. Os róis atestam que quem procedia à plantação de cana sacarina conseguia o perdão parcial ou integral de dívidas de verduras, o adiamento do seu pagamento e ajuda em plantas e dinheiro. Os “abatimentos” ocorriam de forma quase constante, mas acentuavam-se nas fases em que o senhorio se empenhava em construir infraestruturas de irrigação ou distribuir plantas. A título de exemplo em 1865, são contemplados 28 caseiros num montante de 12$800 réis, em 1889 os caseiros são em número de 83 e o montante foi de 81$800 réis, passando em 1890 respectivamente para 91 e 146$900 réis.
Tudo indica que nos anos de 1860’s existiram contratos de plantação de vinha ensaiados em outras feitorias. Na feitoria do Caniço os róis não incluíam demídea do vinho mas usou-se um formulário impresso na celebração de um contrato de plantação de vinha de renda fixa. O arrendatário pagava renda durante cinco anos e era obrigado a plantar anualmente 10% da
legislação europeia à indemnização pelas benfeitorias (Xxxxxxx, S. Aparcería y Progresso Agrario. Las Aparcerías vitícolas. xxxx.xxxx.,p.13.)
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área que colonizava e, em caso de incumprimento, pagaria 20% da renda anual, incluindo o ano da assinatura do contrato17.
Entre os anos 1880’s e 1908 a vinha continuava a ser cultivada em parceria na feitoria do Funchal. Não existem certezas quanto a tratar-se de um vinho de qualidade mas a persistência da parceria na vinha nesta zona citadina pode eventualmente ter a ver com o preço da terra e com a proximidade com o mercado urbano sede das casas produtoras de vinho para exportação.
Apesar de entre 1860’s e 1918 a feitoria da Ponta do Sol ter visto decrescer o número de caseiros e meeiros que partiam vinho (quadro I), os róis de despesa registam-se em 1899 para plantar vinha 126 dias e em 1900-1901 para podar catorze dias, seis dias para limpar as vinhas e 31 dias para enxertar. O enigma relativo a esta utilização de mão-de-obra desfaz-se perante a última tarefa que ocupou 27 dias para juntar bacelo para vender. Este era um negócio feito em exploração directa e comum entre os senhorios deste período18.
3.2. Evolução das produções objecto de demídea
A quantidade de vinho objecto de demídea acusou variações anuais no período entre 1829 e 1850. Em 1839, apresentava um valor máximo de 17.089 litros e em 1831 um mínimo de 1.804 litros. Durante sete anos oscilou entre 8.400 e 9600 litros. Em 1852, foi de 880 litros, espelhando a situação a doença da vinha. A acrescentar ao coeficiente de variação da quantidade da colheita que era quádruplo das restantes culturas, somava-se a elevada instabilidade na relação entre a parte do vinho que era classificado de vinho bom e da parte do vinho verde ou de escolha que era transformado em aguardente.
Entre 1829 e 1850, os cereais também eram objecto de partilha sendo a média em alqueires entregue à casa entre 1830 e 1850 de 362 para o trigo, 117 para a cevada e 121 para o centeio. As quantidades máximas, objecto de demídea para o trigo, registaram-se em 1845 e as mínimas em 1830. A presença do cereal no cabaz de culturas podia-se considerar um contraponto da vinha no sentido em que primava por uma escassa variabilidade de rendimento19.
Entre estas datas existem muitas omissões de dados de quantidades das demídeas sendo a falta de informação maior nos cereais do que no vinho. Os róis de receita, ao não apresentarem receitas anuais, como aconteceu posteriormente20, levaram-nos a calcular o valor da soma das quantidades dos produtos objecto de partilha e das percentagens de cada um deles. Em alguns anos, a percentagem do cereal aproxima-se da do vinho, mas, no geral, esta é superior. As verduras ou receitas em dinheiro só na aparência eram elevadas. Isto porque existia uma relação constante entre o aumento do montante das rendas em dinheiro e/ou verduras e as dívidas, as quais coincidiam no tempo com o baixo rendimento das culturas
17 A.R.M,, FOV Cx 12, Ms. 102. O arrendatário estava impedido de plantar árvores ou fazer benfeitorias sem autorização
18 A.R.M. FOV, Cx 18-72. Esta informação foi prestada por Xxxxx Xxxxxxx a quem se agradece.
19 Sobre a baixa variabilidade do rendimento do cereal (Galassi, F. L. (2009). Los contratos agrarios en Italia en las primeras decadas del siglo XX: analisis economico del censo de 1911. Areas. Revista Internacional de Ciencias Sociales, (12), p. 71.).
20 Sobre os problemas das fontes relacionadas com casas aristocráticas ver X.Xxxxxxxx, X. Xxxxxx, X., & X. Xxxxxx, X. (2001). Sharecropping and the management of large rural estates in Catalonia, 1850–1950. The Journal of Peasant Studies, 28(3), 89-108. Ainda sobre as estratégias das casas aristocráticas ver Pidal, J. C. (1995). Las estrategias económicas de la vieja aristocracia española y el cambio agrario en el siglo XIX. Revista de Historia Económica/Journal of Iberian and Latin American Economic History (Second Series), 13(01), 63-88.
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comerciais. Finalmente, nos anos bons de vinho havia dívidas pagas em vinho, o que fazia aumentar esta receita e mostra que tinha a função de assegurar o cumprimento das obrigações do parceiro. Tudo indica que senhorio tinha interesse nas culturas comerciais porque a forma como efectuava a avaliação, a partilha da colheita e a sua comercialização lhe dava garantias de maior controlo que não encontrava na percepção das receitas em dinheiro e/ou verduras (leguminosas e tubérculos), cuja acumulação em determinados anos mostra que a tarefa de as cobrar era tudo menos fácil.
Entre 1865 e 1918, a partilha de cereais manteve um peso superior à do vinho. O cereal nunca havia constituído alternativa ao vinho – quanto muito pode ter sido um complemento, dada a relativa estabilidade da quantidade das suas colheitas – antes e depois da evolução dos preços internacionais dos anos 1880’s que suscitaram medidas protecionistas em diversos países. Outro elemento de continuidade foi a receita das rendas e das verduras recebida inicialmente em dinheiro ou que era convertida em dinheiro cujo pico registado entre 1876 e 1885 apresentou relação com a crise provocada pela filoxera e pela doença nos canaviais. As duas receitas perderam peso a partir do início do século XX, podendo ainda significar a redução das dívidas sobre as quais quase não existia menção.
Neste período, as grandes mudanças nos géneros objecto de partilha residem na perda do peso do vinho. Apesar da escassez de dados registada entre 1876 e 1885 a cana sacarina ultrapassou aquele mas só se tornou hegemónica entre 1905 e 1918. O seu crescimento compensou o quase desaparecimento do vinho e comandou a quintuplicação da receita face a 1863. A cana sacarina foi a cultura comercial que acabou por substituir a função do vinho garantindo que os parceiros cumprissem os seus compromissos para com o senhorio.
3.3 1860’s : opções para a gestão adequada da terra
A estratégia de intensificação e ordenamento da terra da feitoria foi delineada em 186521 e pressupunha entre outros aspectos: 1. plantar cana-de-açúcar em duas zonas, renovando as plantações quinquenalmente;2. plantar vinha noutra zona; 3. fornecer planta de cana e bacelo. Toda a terra inculta ou “empregada em searas de aforamento” era suposta passar a “cultura vegetal”. Entre os investimentos necessários destacam-se os relativos à irrigação – a reparação de poços e levadas22.
Para se conseguir levar a cabo a plantação de cana procurou-se aumentar a área irrigada para o que se previu inicialmente a construção de 18 poços e uma levada. A decuplicação do rendimento justificava o investimento. Na segunda marcação de poços, efectuada em 1867, previu-se 21 poços – cada poço medeava entre 10$000 e 15$000 - cabendo ao senhorio a despesa total de 465$000 réis, estando em treze casos o montante justificado por o senhorio “ter parte” no poço. Em três casos, os caseiros deviam adiantar dinheiro (235$000 no total) e em dezassete situações competia-lhes ajudar com “dias de trabalho”. A importância dos poços era justificada por a orografia de certas zonas impedir a rega nocturna. Nas outras zonas, por causa das exigências crescentes de água de rega pelas plantações de cana, era preciso disponibilizá-la aos caseiros e obrigá-los a regar de noite. De início, os róis de receita regista multas aos faltosos às regas.
21 Surge num contrato de arrendamento da feitoria a Xxxxxx xxx Xxxxx que escrevia numa língua próxima do holandês. O montante total do contrato era de oito contos e 400 mil réis. Todas as despesas e os impostos ficavam a cargo do arrendatário. O termo do contrato foi antecipado alegadamente porque o arrendatário não cobrava rendas nem mandava plantar (ARM, FOV cx 18 Ms 10).
22 A.R.M., FOV Cx 13-28. Cabia ao arrendatário ainda dirigir a arborização de outra zona fornecendo a semente e definir os intervalos destinados a pastagem. A reparação de infraestruturas de produção e controlo, como lagares e armazéns também constava. A reversão da propriedade das benfeitorias do arrendatário para o senhorio ficava estipulada.
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Esta estratégia prosseguiu até 1918. As despesas relativas a obras em poços, fontes e levadas, presentes nos relatórios anuais, mostram que, em 17 registos efectuados entre 1865 e 1918, sobressaem por ordem decrescente além dos valores de 1866 os de 1873, 1904 e 1900, respectivamente de 810$687 réis em 1866, 264$000 em 1877 e 526$355 réis nas últimas datas que correspondem a mais de 90% do montante total. Na última data, as obras alargaram a área irrigada da feitoria. Na feitoria da Ponta do Sol, a água era vendida aos caseiros, sendo, entre 1869 e 1918, a média anual desta receita de 36$123 réis23.
Os levantamentos, efectuados na segunda metade dos anos 1860’s, mostravam a prevalência da opção pela cultura da cana sobre a da vinha, porque envolviam mais área e maior número de caseiros/meeiros. Relativamente aos destinados à primeira cultura, em 1865 a área era de
27.405 m2 e implicava 94 caseiros e meeiros. Dois anos decorridos, a área diminuía para 24.867,5 m2 e o número de caseiros e meeiros implicados subia para 126 - que em muitos casos eram coincidentes com os do levantamento anterior. A área média por cultivador baixava de 292m2 para 197 m2. Sob uma base de elevada fragmentação da terra, a evolução da distribuição nos dois levantamentos mostra um ligeiro aumento das áreas maiores e maior densidade nas áreas menores:
Em 1867, fez-se outro levantamento para a plantação de vinha. O número de caseiros e meeiros no primeiro foi de 24 e visava distribuir 845 bacelos por 79 mantas que no conjunto tinham 805,2 metros de comprimento, o que perfazia uma média de 33 metros de comprimento por colono. Metade dispunha de mantas de apenas duas braças (8,8 metros lineares) para afectar a esta distribuição24. Em função do número de colonos e meeiros, da área e das despesas envolvidas, ficava patente que a atenção do senhorio dedicada à plantação de vinha foi menor do que à da cana sacarina. As despesas atribuídas foram no geral irrisórias25.
Embora os róis sejam muito incompletos nos anos entre 1850’s e 1870’s houve uma diferença para menos na adesão dos colonos e/ou na oferta de plantas por parte do senhorio na relação da vinha para a cana sacarina. Esta evolução confirma a lentidão nas replantações de vinha já referidas para a Madeira neste período. Após a filoxera não existiram diligências para estimular a plantação de vinha.
4.
4. 1.Recuo da parceria na vinha
Despesa com o partir da colheita
O vinho era partido à “bica do lagar”. A tarefa era executada por poucos homens confiáveis. Em 1829, são referenciados como os feitores da cidade. Os dados de 1840 acentuam o peso da supervisão na feitura do vinho se somarmos as tarefas de juntar o vinho pelos lagares com o partir o vinho. Para temos uma ordem de grandeza, nesta fase, o ordenado do feitor era fixo e era de 60 mil reis, e em 1844 as despesas com vinho ultrapassaram essa verba26.
23 Há sete anos omissos.
24 ARM, FOV cx 18 Ms 10.
25 No rol de despesa de 1867 constava a verba de 69$150 réis mas desde essa data só em 1900 volta a aparecer 26$750 réis a que acrescem outras quatro com o valor total 8$850. A partir de 1881 há despesas irrisórias com enxofre a entregar aos caseiros (ARM, FOV cx 18-6).
26 Os dados entre 1820 e 1850 são incompletos. Por exemplo, nem sempre se menciona quanto vinho foi destilado mas sabe-se que existem despesas com destilação. Os preços do vinho e da aguardente estão muitas vezes omissos, porque o morgado comercializava directamente estes produtos.
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As despesas eram ainda mais avultadas porque existiam desvios de vária natureza – vinho mau que podia ser misturado com vinho bom, ocorrência de desvios de uvas ou de vinho e muitas outras formas27. Em 1850, registaram-se as despesas judiciais com o furto de vinho por um caseiro. Dois anos antes, também houve intervenção judicial por causa do roubo de uvas28. Em razão da orografia da ilha e destas terras existiam diferentes lagares para servir minúsculas explorações dispersas espacialmente. As uvas eram transportadas para os lagares pelos colonos e a proximidade prevenia que as uvas se degradassem. Os custos com transporte eram elevados e respeitam ao encaminhamento dado ao mosto após sair dos lagares – para a cidade ou para o alambique.
Além da quantidade a qualidade do vinho também estava sujeita a grandes oscilações de ano para ano. Os dados são muito incompletos porque por vezes não há discriminação do vinho bom ou do vinho de escolha (verde) mas há referências à destilação. A título de exemplo, os dados de 1829 mostravam 3171 litros do primeiro e 9366 do segundo, enquanto em 1833 as quantidades estavam invertidas 9101 litros do primeiro e 4155 litros do segundo29.
Após meados de 1860’s, a quantidade de vinho objecto de partilha manteve-se baixa quando comparada com a primeira metade do século XIX. O ritmo de plantação após o oidium foi lento porque a produtividade das castas produzidas próprias de um vinho de qualidade, se mantiveram reduzidas num contexto em que os custos de produção aumentavam. Após a filoxera, os custos de produção foram agravados e a volatilidade seguida de baixa de preços instituiu-se. O vinho de produtores directos surgiu apenas nas contas de exploração a partir de 1888. A partir de então, verificou-se a derrapagem da qualidade do vinho que passou a incluir com castas mais produtivas.
Na Madeira não exista integração vertical das vinhas nas empresas produtoras de vinho para exportação. As empresas adquiram o vinho aos produtores ou aos negociantes. Na primeira metade do século XIX, o senhorio ou vendia o vinho do ano aos exportadores, ou transformava o vinho de baixa qualidade em aguardente ou ainda fazia vinho de canteiro – armazenava vinho de qualidade envelhecendo-o naturalmente para o vender por altos preços para servir de “perfume” ao tratamento e “blend” do vinho de exportação. Nessa fase, os custos de partilha da colheita e os de transporte para o Funchal eram compensadores para o senhorio porque existia escala. A partir de meados de sessenta, deixam de existir registos sobre despesas com o partir do vinho ou envio do vinho para a cidade. Após os anos 1880’s, a má qualidade prevaleceu pois, o registo do preço do vinho indicia que era vendido a tabernas locais ou mesmo aos caseiros como sucedeu em 1904. Os exportadores tenderam, a partir dos anos 1870’s, a substituir a aguardente vínica por álcool de cana na beneficiação do vinho. De um modo geral, a cultura da vinha perdeu qualidade no decurso do processo de adaptação quer ao aumento dos custos de produção suscitado pelas doenças e pragas quer às dificuldades de comercialização externa. A perda de qualidade explica a remissão da cultura da vinha em contrato de parceria para níveis residuais fazendo-a encaixar num padrão semelhante a outras zonas vinhateiras30.
27 J. Xxxxxxx and X. Xxxxxxx, (2012), p.891.
28 ARM, cx17 ms 60 e ms 58.
29 ARM, Cx 17 ms 32, ms 44 e ms 56. O impacto da despesa de partir o cereal ficava muito aquém do sucedido no vinho. Em 1850, foram necessários 11 dias para alvidrar os cereais com um custo de 6$400 réis e nesse ano esta verba correspondeu a 2,5 da receita que equivaleu 252$600 réis a qual resulta da soma de 181$000 réis para o trigo (362 alqueires vezes 500 reis por alqueire) com 29$250 para a cevada (117 alqueires vezes 350 réis que corresponde a um valor médio) e com 42$350 (121 alqueires vezes 250 reis.
30 Sobre a relação entre a produção de vinhos de qualidade no Haut Beaujolais e a parceria Xxxx Xxxxxxx and Xxxxx Xxxxxxx, Explaining …, 2012, p. 901.
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4.2. Expansão da parceria na cana sacarina : asset specificity
A cultura comercial não era dissociável do controlo sobre divisão da colheita. Este último ponto era tanto mais importante quanto o nível de dispersão presente entre 1820’ e 1850 na demídea do vinho com uma grande maioria de colonos a partir cerca de um barril (35 litros) se prolonga posteriormente no nível dispersão existente na recolha de cana. A título de exemplo, refira-se que, em 1908, num universo de 107 caseiros, que partiam cana 33% dividiam menos de 180 quilogramas de cana e 50% menos de 360 quilogramas de cana. As fábricas elaboravam facturas onde elencavam o nome e a quantidade da demídea de cada caseiro de um determinado proprietário.
As unidades familiares que produziam a cana sacarina em parceria eram essenciais na época das colheitas que ocorriam uma vez por ano. A sacarose da cana era menor no início da estação e ia aumentando com o tempo até começar a decrescer no seu termo. Além disso, a cana carece de ser moída até 24 horas depois de colhida para impedir a perda do grau de sacarose. Diversamente das uvas que eram colhidas pelo parceiro, transportadas e pisadas a suas expensas, a partilha só se fazia quando o mosto acaba de ser extraído no lagar, na cana sacarina o envolvimento do senhorio na colheita era necessário por causa das características da cultura. Só se a colheita decorresse atempada e celeremente é que ficava assegurado junto da fábrica ou do moinho o melhor preço para a cana pertencente em demídea ao senhorio. Relativamente às despesas do senhorio na colheita existem dados desde 1866 mas com detalhe varíavel. Em número de dias de trabalho masculino, em 1870 e 1871, são registados respectivamente 110 dias e 174 dias como números máximos e em 1886 apenas 1 dia como número mínimo em consonância com a doença da cana. Entre 1890 e 1906, o número médio de dias de trabalho relativo a dez observações foi de 154 dias e entre 1912 e 1918, foi de 221 dias/homem e 12 dias/mulher. Entre estes últimos anos, a média do valor em réis com o custo total do trabalho na colheita de cana sacarina foi de 137$77 escudos que corresponde a 7,4% da média da despesa total da feitoria (1.860$84 escudos) e era quase três vezes inferior à média do ordenado do feitor de 394$53 escudos que correspondia a 8% da receita da feitoria.
O cultivo da cana na Madeira exigia rega levando a que esta produção tivesse de ser desenvolvida por caseiros residentes no xxxxxxx00. Na Ponta do Sol, muitos caseiros tiveram de operar a mudança de culturas, substituíndo uma cultura arvense, como a da vinha que se caracterizava pela sua duração longa, por outra cultura com as características da cana sacarina. Esta ao ser plantada gerava plantas que eram colhidas anualmente. As socas que entretanto tinham surgido permaneciam nos terrenos e no ano seguinte davam novas plantas que eram colhidas e assim sucessivamente. Para que a produtividade desta cultura se mantivesse em níveis elevados era desejável que ocorresse uma replantação idealmente a cada cinco anos.
A cultura da cana sacarina na Madeira não podia fazer-se sem irrigação. Os investimentos que a partir de 1866 foram efectuados na feitoria visaram apetrechá-la com essas infraestruturas. Os poços referenciados na documentação são muitas vezes investimentos compartilhados entre o senhorio e os caseiros. O senhorio precisava que a sua manutenção fosse assegurada, necessidade essa extensível às levadas e terras irrigadas.
A lógica que preside a este investimento radica na explicação do desenho dos contratos agrícolas com recurso à economia de custos de transacção que tem identificado a elevada especificidade do recurso terra para confirmar uma opção que minimize estes custos. O afastamento das más práticas agrícolas num recurso valioso - uma terra irrigada – configura a justificação para a opção pela parceria agrícola. Ou seja, uma vez efectuados os investimentos, existia o risco de os parceiros se poderem apropriar deles afectando a terra exclusivamente a
31 A carta topográfica de uma determinada área indicando as medidas e as culturas das parcelas colonizadas pelos caseiros, embora efectuada de forma elementar, confirmava esta realidade.
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alimentos destinados ao auto-consumo. Como vimos, a substituição das demídeas de uma cultura comercial por rendas não era eficaz, estando a prova disso no nível de adiamentos no pagamento ou mesmo pelos incumprimentos que referimos. O asset specificity foi importante para explicar a liderança assumida pela parceria na cultura da cana sacarina na Ponta do sol. A cultura adoptada teria de dar o rendimento compatível com a terra irrigada.
Conclusão
O caso estudado mostra que existia um elo entre vinha de qualidade e parceria, o qual se quebrou entre 1880’s a 1918 com a desqualificação. Mas a explicação sobre porque é que entre 1860 e 1880 a vinha foi sendo preterida pela cana-de-açúcar no contrato de parceria recorre à existência de custos de transacção em função das especificidades do bem terra. A construção de infraestruturas de irrigação não só exige manutenção como o retorno do capital investido e ao ser susceptível de captura por uma das partes, faz que aumente o custo da utilização deficiente da terra. A literatura tem associado a presença de asset-specificity a contratos de parceria tendencialmente de longo-prazo.
A Madeira tinha criado um tipo de contrato de parceria sem termo reconduzível ao longo prazo. Essa modalidade fazia sentido para responder às necessidades de uma cultura arvense como a vinha. Os parceiros que já residiam previamente nas terras para voltarem a produzir culturas comerciais receberam contratos de plantação ou outros incentivos semelhantes. A cana sacarina era uma cultura que precisava de ser renovada periodicamente. Apesar disso, neste caso, a estabilidade e o longo prazo do contrato foram mantidos graças às exigências de manutenção dos bens especifícos constituídos pelas infraestruturas de irrigação que valorizavam a terra.