CONTRATOS INDIRETOS NO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS
CONTRATOS INDIRETOS NO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS
INDIRECT CONTRACTS IN THE TAX PLANNING OF THE BUSINESS COMPANIES
Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx*
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo verificar a admissibilidade da utilização dos contratos indiretos no planejamento tributário das sociedades empresárias. Para se submeter a uma carga tributária menos onerosa por meios lícitos (elisão fiscal), o contribuinte precisa lançar mão de um planejamento tributário adequado. Nesse sentido, a grande discussão doutrinária está em saber se a busca pela economia dos tributos pode ser um fim em si mesmo. Um dos pontos centrais do problema está em conciliar os princípios da solidariedade social, capacidade contributiva e legalidade tributária. Tudo isso, como se verá, merece reflexão e ponderação. Para tanto, optou-se por começar este trabalho analisando os elementos do parágrafo único do art. 116 do CTN, seguido de uma exposição sobre a tipicidade tributária. Em um segundo momento, foi trabalhado o contrato indireto, com os desenvolvimentos necessários à compreensão de suas principais balizas. Depois disso, restou presente a discussão constitucional sobre o dever fundamental de pagar tributos da sociedade empresária, bem como as colisões entre normas constitucionais, finalizando com um juízo de mérito sobre a admissibilidade da utilização dos contratos indiretos no planejamento tributário.
PALAVRAS-CHAVE: Planejamento tributário; Contratos indiretos; Dever fundamental; Tipicidade tributária; Colisão de normas constitucionais.
ABSTRACT
This study aims to verify whether it is permissible to use indirect contracts in the tax planning of the business companies. For to undergo a less onerous tax burden by lawful means (tax avoidance), the taxpayer need to make use of a proper tax planning. In this sense, the great doctrinal discussion is whether the search by the tax savings can be an end in itself. One of the central points of the problem lies in reconciling the principles of the social solidarity, contributory capacity and tax legality. All this deserves consideration and reflexion. For this purpose it was decided to get this working with an analysis of the elements of the sole paragraph of the art. 116 of the CTN, followed by an exposition about the tipicity of taxes. In a second moment was worked the indirect contract with the developments needed to understand their main balises. Thereafter remained present the constitutional discussion about the fundamental duty of paying taxes of the business company as well as the discussion about the collisions between constitutional norms and a judgment of the merits relatively the admissibility of use of the atypical contracts in tax planning.
KEYWORDS: Tax planning; Indirect contracts; Fundamental duty; Tax typicity; Collision of the constitutional norms.
* Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Xxxx Xxxxxx – UNIPÊ. E-mail:
<xxxxxxx.xxxxx@xxxxxxx.xxx>.
1 INTRODUÇÃO
O planejamento tributário é prática da boa governança corporativa que tem por objetivo a elisão fiscal. Isso inclui a celebração, pelo contribuinte, de negócios jurídicos lícitos, inclusive aqueles que tenham a finalidade de obter uma economia tributária. Sendo assim, é pelo planejamento que as sociedades empresárias economizam grande quantidade de recursos monetários, gerando maiores margens de negociação para os preços de seus produtos, e tornando-se, dessa maneira, mais competitivas.
Ao optar por formas contratuais não tipificadas na lei, ou, ainda que tipificadas, as utilizem com finalidade diversa da que originalmente aquela forma teria, o contribuinte está exercendo seu direito constitucional de livre iniciativa. Essa complexidade inerente à teia dos contratos comerciais fez com que a autonomia contratual e a liberdade de contratar passassem a dialogar com maior constância com outras normas fundamentais. Passa-se a atuar em uma nebulosa zona limítrofe, que põe em choque diversos direitos, garantias e deveres constitucionais.
A escolha do objeto deste trabalho se justifica porque a compreensão adequada dos limites que definem a licitude da utilização das formas contratuais indiretas tem influência decisiva na extensão dos planejamentos tributários.
Nessa época de globalização e de supercompetitividade, já não basta vislumbrar as sociedades empresárias apenas como fontes de recursos através de pesada carga tributária, pois não cabe somente ao Estado a consecução dos objetivos da República. Tem de se perceber a “empresa” como grande geradora de benefícios à coletividade, o que inclui um decisivo apoio na busca constitucional pelo pleno emprego e também a manutenção regular das taxas de inflação, e ainda o gerenciamento do sistema de arrecadação tributária nacional. Ora, com tão essencial função dentro do Estado, a Lei Fundamental de 1988 somente poderia lhes garantir direitos que também são fundamentais, protegendo-as.
O problema central que norteou a construção desse texto foi descobrir se é admissível a utilização de contratos indiretos no planejamento tributário das sociedades empresárias, ou se isso irá ter o condão de macular os valores normativos constitucionais.
Tendo isso em conta, o objetivo geral deste trabalho é refletir sobre a admissibilidade da utilização dos contratos indiretos no planejamento tributário das sociedades empresariais. Já como objetivos específicos, podem-se enumerar: a) fazer uma análise dos elementos do parágrafo único do art. 116 do CTN; b) investigar os contratos indiretos, suas características e sua licitude; c) montar uma exposição das principais questões constitucionais que envolvem a
temática, identificando pontos importantes que precisam ser analisados, tais como dever fundamental de pagar tributos, colisão entre normas constitucionais e esvaziamento normativo.
2 ANÁLISE DOS ELEMENTOS DO ART. 116, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN
O parágrafo único do art. 116 do CTN foi acrescentado pela Lei Complementar 104, de 10 de janeiro de 2001. Estabelece que a autoridade administrativa poderá desconsiderar aqueles atos ou negócios jurídicos que forem praticados tendo por objetivo dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou as características inerentes aos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos dispostos em lei ordinária.
O surgimento deste dispositivo legislativo remonta ao Projeto de Lei Complementar
n. 77 de 1999, que em sua exposição de motivos1 (constante da Mensagem 1.459 de 1999) fazia crer que a inclusão do parágrafo único do art. 116 do CTN estava intimamente relacionada à criação de uma norma geral antielisão. Com isso, almejava-se a criação de um instrumento eficaz de combate ao planejamento tributário que tivesse sido realizado com abuso das formas ou do direito.
Com a entrada em vigor do texto do aludido parágrafo, os procedimentos administrativos ali mencionados não demoraram a ser alvo de normatização. No ano de 2002, editou-se2 a Medida Provisória 66, que tinha uma seção específica que discorria sobre os procedimentos relativos à norma geral antielisão. Na exposição de motivos dessa legislação, verificava-se desde logo que se tratava de uma tentativa de regulamentar as hipóteses em que a autoridade administrativa poderia desconsiderar atos ou negócios em seus efeitos tributários, e assim suprir a necessidade disposta no parágrafo único do art. 116, do CTN. Para sua aplicação, todavia, seria imprescindível verificar a ocorrência de falta de propósito negocial ou a de abuso de forma.
Por falta de propósito negocial, a referida MP 66/02 já aludia que ocorria quando a pessoa optava pela forma negocial mais complicada ou por uma pluralidade de formas para a prática de um determinado ato ou negócio. Já no caso do abuso de forma, prescrevia que seria justamente a prática de ato ou negócio indireto que produzisse o mesmo resultado econômico
1 BRASIL. Câmara Federal. Mensagem 1.459, de 1999. Disponível em:
<xxxx://xxxxxx.xxxxxx.xxx.xx/Xxxxxx/x/xxx/XXX00XXX0000.xxx#xxxxx00>. Acesso em 29 de outubro de 2013.
2 BRASIL. Medida Provisória nº 66, de 29 de agosto de 2002. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxx.xxxxxxx.xxx.xx/Xxxxxxxxxx/XXx/0000/xx00.xxx>. Acesso em: 27 de outubro de 2013.
que a utilização das vias diretas, ou aquelas consideradas normais.
Além disso, a MP 66/02 trazia todos os procedimentos a serem tomados pela administração tributária, a fim de tornar possível o ato de desconsideração. Entretanto, apesar dessa disposição normativa específica, quando da conversão desta medida provisória na Lei n. 10.637/02, a parte relativa à norma geral xxxxxxxxxx foi suprimida, não mais existindo no ordenamento jurídico pátrio. Dessa forma, deixaram de valer os tais procedimentos que tornariam possível a desconsideração dos atos ou negócios em seus efeitos tributários.
Houve uma nova tentativa de regulamentação com o Projeto de Lei n. 536 / 2007. Este projeto tinha um teor menos abrangente que seu antecessor, não possuindo pretensões de ser uma cláusula geral antielisão, mas delineando apenas o que seria a dissimulação. Com isso, os atos ou negócios iriam poder ser desconsiderados desde que tivessem por meta ocultar os reais elementos do fato gerador. Também não se converteu em lei.
Hoje não há a devida integração do parágrafo único do art. 116 do CTN, que, por ser norma de eficácia limitada, não tem, por si só, condições de aplicação na integralidade de seus efeitos. Isso faz com que não se revele legítimo à autoridade fazendária a aplicação da desconsideração com base unicamente neste dispositivo. É assim porque o próprio teor da lei dispõe acerca da inevitabilidade de serem “observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”. Não está se falando de uma lei prévia, mas sim de uma lei futura, de procedimentos que serão estabelecidos a partir desta norma.3
À vista disso, o que restou no ordenamento jurídico brasileiro foram as fundações de uma norma geral antidissimulação, isso porque o parágrafo único alude expressamente à “finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador [...]”4, remetendo, desta maneira, à figura da dissimulação, sendo esta entendida como a conduta da pessoa que tem por objetivo enganar a administração fiscal sobre a existência de uma situação real.5
Isso mostra que o que existe é uma norma de atribuição de competência administrativa para a prática de determinados atos.6 Não, como uma superficial análise poderia apontar, uma norma cujo objeto seria de cunho material, que versasse sobre
3 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Procedimentos de desconsideração de atos ou negócios jurídicos – o parágrafo único do artigo 116 do CTN. Revista Dialética de Direito Tributário, v.75, p. 127-143, Dezembro 2001, p. 129 e 130.
4 CAVALI, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Cláusulas gerais antielusivas: reflexões acerca de sua conformidade constitucional em Portugal e no Brasil. Coimbra: Almedina, 2006, p. 259 e 260.
5 A doutrina brasileira entende no mesmo sentido. Ver, por todos: XXXXXXXX, Xxxxx Xxxx. Evasão fiscal: o parágrafo único do artigo 116 do CTN e os limites de sua aplicação. Revista Dialética de Direito Tributário, v. 67, p. 117 – 124, Abril de 2001, p. 117.
6 QUINTELLA, Xxxx Xxxxx Xxxxx. Reflexos e efeitos do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional no sistema jurídico tributário brasileiro. Revista de Direito Tributário, Malheiros, Nº 118, p 166 – 179, Junho de 2013, p. 170.
simulação, dissimulação, fraude, etc
Após esta delimitação dos contornos basilares do parágrafo único do art. 116 do CTN, é preciso verificar a existência e os possíveis desdobramentos de alguns elementos importantes das normas gerais antielisão (como estava previsto na MP 66/02). São os elementos meio, resultado, intelectual, normativo e sancionatório.7 Trata-se de averiguar se subsistem no ordenamento jurídico ou se não há qualquer previsão legislativa.
O elemento meio diz respeito à forma que é utilizada pela pessoa no seu planejamento tributário, ou seja, o meio ou negócio jurídico praticado com o fim de obter um resultado fiscalmente mais favorável. Nesse sentido, o aludido parágrafo único trata de atos que possuem o intuito de enganar a administração tributária.8 Observe-se então que não está se falando sobre uma Cláusula Geral Antiabuso ou antielisiva, como chegou a ser ventilado. Para que esta se configurasse haveria a necessidade dos atos ou negócios praticados pelo sujeito serem ao mesmo tempo válidos e lícitos.9 A norma brasileira, ao contrário, tem como pressuposto a ilicitude da conduta do sujeito, que engana a administração tributária com o objetivo de economizar dinheiro com tributos.
O próximo elemento é o resultado. Por este se tem que o ato ou negócio supostamente dissimulado necessariamente deverá acarretar alguma vantagem tributária. Tal economia no custo dos tributos será aferida levando-se em conta a prática de operações ‘normais’ para chegar aos mesmos fins do ato ou negócio jurídico efetivamente praticado, ou seja, comparando-se o caminho negocial normal com o ato dissimulado, para descobrir se este gerou benefícios.
Quanto ao elemento intelectual, existem diversas discussões a nível doutrinário. Diz respeito à motivação da pessoa que realiza o planejamento tributário, à motivação em relação aos supramencionados elementos meio e resultado, quando do direcionamento de um para o outro, de modo a gerar uma conduta censurável e dissimulada. É a falta de um suposto propósito negocial diverso do de meramente reduzir a carga tributária.10
O elemento normativo do parágrafo único do art. 116 é o mesmo que deve estar presente em todas as normas desse tipo. Destina-se a permitir a coerência dessa norma com o sistema tributário nacional. É através deste elemento que é possível afirmar que o ato é
7 Para uma mais abrangente abordagem acerca dos elementos de uma cláusula geral anti-abuso, ver: XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. A cláusula geral anti-abuso no direito tributário. Contributos para a sua compreensão. Coimbra: Almedina, 2009, p. 165.
8 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Elisão e simulação fiscal. Revista Dialética de Direito Tributário, v. 66, p. 88 – 94, Abril de 2001, p. 88.
9 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Op. Cit., p. 169.
10 Ibidem, p. 180.
dissimulado também porque desconforme com o espírito da lei e com os princípios constitucionalmente postos.11 Assim, o resultado tributariamente mais favorável só pode ser desconsiderado ser for obtido de maneira antijurídica. Essa afirmação leva à constatação de que o elemento normativo atua no sentido de permitir a interpretação sistemática e teleológica dos atos ou negócios jurídicos.
O último elemento é o sancionatório. A ele corresponde justamente a desconsideração do ato ou negócio jurídico dissimulado, e assim a negação da economia tributária pretendida. No entanto, tal desconsideração somente passa pelos efeitos tributários do ato ou negócio jurídico, que, sendo lícito, permanece em todos os seus efeitos civis e comerciais. A sanção está em torná-lo não oponível à administração tributária.12 Além desse efeito sancionatório específico, existe a chance de ser aplicada uma multa, que inclusive pode ser agravada, a depender do caráter doloso da conduta do agente (hipóteses de fraude, simulação, etc).13
Após essa análise dos elementos que compõem o parágrafo único do art.116 do CTN, e do planejamento tributário como um todo, convém fazer uma exposição acerca da tipicidade tributária e sobre os problemas específicos dos contratos indiretos, de modo a descobrir qual a abrangência deles, as possibilidades de sua identificação, e a licitude de sua utilização frente à autonomia privada e liberdade econômica.
3 TIPICIDADE TRIBUTÁRIA
A legalidade tributária é base do sistema tributário nacional. E é assim porque o ponto central de ligação entre todos os princípios que versam sobre a tributação é a lei tributária. Atente-se que existem princípios que vinculam o legislador e há outros princípios que atuam após a previsão legal do tributo, mas o ponto neural do sistema é a própria lei. Todavia, ao tratar sobre legalidade não se está apenas discorrendo acerca da reserva de lei formal, mas sim de uma legislação completa, que se traduz no enfoque objetivo pelo qual o tipo trata os elementos do dever jurídico14.
Após as considerações sobre o parágrafo único do art. 116 do CTN, é preciso que se dê contorno à ideia do tipo tributário. Para embasar uma posterior análise da viabilidade da
11 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. A cláusula geral anti-abuso no direito tributário. Contributos para a sua compreensão. Coimbra: Almedina, 2009, p. 188 e 189.
12 Ibidem, p. 197.
13 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Planejamento tributário. 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2011, p. 265.
14 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxxx. Adequação social. Sua doutrina pelo cânone compreensivo do cuidado-de-perigo. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 372.
utilização dos contratos indiretos no planejamento tributário, há de se lançar um olhar para como a doutrina da tipicidade fechada influi na hermenêutica tributária. É preciso saber se o ordenamento jurídico constitucional brasileiro admite a utilização de uma cláusula geral antielisão ou até mesmo, na esteira de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, de um iluminar do tipo pelo princípio da capacidade contributiva15.
Inicialmente, o tipo é uma ideia básica do direito tributário que tem suas raízes nos princípios constitucionais da legalidade, segurança jurídica e capacidade contributiva, e que cumpre diversas funções essenciais.16 Entre essas atribuições, podem-se destacar duas: uma função sistemática e uma função dogmática. A função sistemática do tipo é justamente a junção de todos os elementos que permitem identificar de qual tributo se está tratando, ou seja, a hipótese de incidência, com o aspecto material ou nuclear, a base de cálculo e a alíquota, sujeito ativo e sujeito passivo, entre outros aspectos. É por isso que se pode dizer que há uma reserva de lei qualificada em direito tributário. A lei precisa trazer em seu bojo todas as qualificações e especificações do tributo, sem o qual não existe direito da Administração de cobrá-lo.17 O tipo, portanto, está no conteúdo material da lei tributária, e esta última, por sua vez, é o veículo formal.18
Já a função dogmática do tipo tributário, que é autônoma em relação à função sistemática, é a de ser um direito-garantia fundamental do contribuinte, ao mesmo tempo preservando a liberdade de iniciativa (o que inclui a liberdade contratual e a autonomia privada), a liberdade econômica e de empresa, para além da propriedade privada como um todo.19
O tipo representa mais do que o conceito de tributo, é a concretude desse conceito. Refere-se à estrutura particular de cada tributo. O legislador inseriu traços particulares, criou as regras particularizadas que regem cada um deles e deu-lhes vida jurídica.20 Atente-se que o tipo tributário traz uma hipótese de incidência a que os fatos têm que se subsumir para que haja a tributação, e também o dever jurídico de pagar o tributo que surge com a prática do fato
15 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Planejamento tributário. 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2011, p. 345 e 346.
16 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. O mercado financeiro e o imposto sobre a renda. 2ª ed. São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000, p. 237.
17 XXXXXX, Xxxxxxx. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p.17.
18 COÊLHO, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito tributário brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 179.
19 Por todos, ver: XXXXXX, Xxxxxxx. Op. Cit., p. 31; XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de direito constitucional tributário. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 110 e 111.
20 Nesse sentido, ver por todos: XXXXXX, Xxxx. Metodologia da Ciência do Direito. 5ª ed. Tradução de Xxxx Xxxxxx. Lisboa: Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx, 2009, p. 663.
gerador. No entanto, o tipo tributário não identifica valores nas condutas21, de modo que não praticar um fato, e se enquadrar ou não na hipótese de incidência, não tem um valor positivo ou negativo para o ordenamento jurídico.
A CF/88, em seu art. 150, inc. I dispõe que é vedado à União, Estados, Distrito Federal e Municípios “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. E, especificamente, no CTN é possível visualizar no art. 113, §2º que “a obrigação tributária decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”. E já no artigo seguinte, de número 114, pode-se ler que: “fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”.
Tais disposições normativas, juntamente com a repartição de competências tributárias entre os entes federados (disposto nos arts. 153 a 156 da CF/88), mostram que o legislador tributário está vinculado objetivamente pelo princípio da capacidade contributiva. Assim, não é possível considerar as riquezas de cada contribuinte em particular, a fim de aferir sua capacidade contributiva. Somente é dado ao legislador considerar de modo objetivo as manifestações de condição econômica (auferir renda, possuir um imóvel, possuir um automóvel, circular mercadorias ou prestar serviços etc.).22
O tipo tributário, portanto, é taxativo. Somente pode ser tributo se o fato corresponder exatamente à hipótese de incidência descrita na lei, em todos os seus elementos e particularidades. Observe-se, então, que a obrigação tributária somente surge quando posta sob o manto do tipo, quando mediatizada por este. É preciso que o fato gerador da obrigação principal esteja previsto expressamente na norma, de maneira que o contribuinte possa visualizar o aspecto material ou nuclear da tributação.23
O objetivo da taxatividade do tipo tributário é obter o máximo de segurança jurídica e certeza do direito para o contribuinte, que pode exercer suas atividades e planejar suas ações com uma expectativa legítima da atuação da administração tributária. Nesse contexto, o
21 Em sentido diverso, há valoração de condutas nos tipos penais. Isso mostra a diferença que existe no tipo para cada ramo do direito, isso mesmo considerando que tanto o Direito Penal quanto o Direito Tributário são disciplinas legalistas e amplamente dogmáticas. Nesse sentido, por todos: XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx de Negreiros. Adequação social. Sua doutrina pelo cânone compreensivo do cuidado-de-perigo. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 369.
22 Nesse sentido, ver: XXXXXX, Xxxxxxx. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 23; XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de direito constitucional tributário. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 99.
23 Na mesma linha de pensamento estão os professores alemães Xxxxx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxx. Ainda inclui o referido autor como dentro do conceito da tipicidade da imposição outras variáveis da tributação, quais sejam: sujeito passivo, objeto imponível, base imponível e alíquota. Ver: XXXXX, Xxxxx; XXXX, Xxxxxxx. Direito tributário. Tradução de 18ed alemã, totalmente refeita, de Xxxx Xxxxx Xxxxxxx. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008, p. 238 e 239.
princípio da capacidade contributiva tem aplicação prática, enriquecendo o significado do tipo com sua natureza normativa24. Como princípio, a capacidade contributiva deve ser realizada na maior medida possível, pois é mandamento de otimização do sistema tributário nacional. 25 Porém, isso não quer significar uma aplicação irrestrita e que atropele as regras, pois, como visto anteriormente, a lei tributária contém todos os elementos essenciais à identificação do fato gerador.26
A aplicação desordenada da capacidade contributiva, fora dos limites do tipo e com critérios imprecisos, pode trazer diversos perigos para a segurança jurídica dos contribuintes. Saliente-se que a capacidade contributiva é aplicada com maior força na formação legislativa do tipo, na escolha da hipótese de incidência e na variação da alíquota.27
A tipicidade funciona assim como um limite da atuação da administração tributária, retirando qualquer possibilidade de uma discricionariedade administrativa. Isso não inviabiliza a concessão de benefícios fiscais ou de agravamentos fiscais com base na função extrafiscal do tributo, até mesmo porque, para que isso seja possível, é preciso que seja feito através de lei. Também não fica inviabilizada a luta contra a evasão e a fraude fiscal, visto que já há no ordenamento brasileiro os meios legais adequados a combater a simulação (art. 166 e 167 do CC/02; art.149, VII, e art.150, §4º, ambos do CTN) e a fraude na seara tributária (art.171, II, do CC/02; art.149, VII, e art.150, §4º, ambos do CTN), sem que para que isso se dote a administração de qualquer discricionariedade.
A tipicidade, portanto, exige toda uma completa regulamentação (art. 97 do CTN) baseada na legislação, o que vai desde os critérios da regra-matriz até os itens que fazem parte do consequente tributário, sem deixar margem para indeterminismos28. Dessa forma, no contexto da CF/88, o direito tributário é o ramo da ciência jurídica que mais fortemente se apega à certeza jurídica, até mesmo pelos direitos individuais e interesses em jogo.29 Há uma necessidade, portanto, de que a atuação da administração tributária esteja em total consonância com o conteúdo expresso nas normas.
24 Acerca da natureza normativa dos princípios, ver: XXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003, p. 22; XXXXX, Xxxxxx. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 91.
25 Nesse sentido, Xxxxxx Xxxxx traz como alerta importante que os princípios devem ser efetivados dentro das possibilidades fáticas e jurídicas. Ver: XXXXX, Xxxxxx. Op. Cit., p. 90.
26 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de direito constitucional tributário. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 272.
27 XXXXX, Xxxxx; XXXX, Xxxxxxx. Direito tributário. Tradução de 18ed alemã, totalmente refeita, de Xxxx Xxxxx Xxxxxxx. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008, p. 208.
28 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Cláusulas gerais antielusivas: reflexões acerca de sua conformidade constitucional em Portugal e no Brasil. Coimbra: Almedina, 2006, p. 209.
29 XXXXXXX, Xxxxx. O estatuto do contribuinte. A pessoa do contribuinte no Estado Social de Direito. Coimbra, 2002, p. 896.
Após essa análise do tipo tributário, que é um dos mais importantes pontos para o estudo do planejamento tributário, passa-se a observar com mais atenção a disciplina dos contratos indiretos.
4 DOS CONTRATOS INDIRETOS
O professor Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx00 trata em seu livro “Planejamento tributário” sobre o negócio indireto e o negócio fiduciário como as duas “figuras mágicas” que são invocadas pelos advogados em processos contra o fisco. E as utilizam como argumento para afastar as impugnações da administração fiscal frente aos planejamentos tributários feitos pelas sociedades empresárias.
O negócio ou contrato indireto se dá com a utilização da forma de um contrato típico com uma finalidade extratípica ou atípica, ou melhor, com uma finalidade indireta, que não corresponde àquela do tipo formalmente escolhido, mas está relacionada com a função de outro tipo contratual.31 É um contrato de tipo modificado em suas finalidades. Dessa forma, o contrato indireto corresponde em todos os seus aspectos formais ao do tipo escolhido, à exceção de sua finalidade.32
A finalidade pode ser, em matéria tributária, enquadrar-se em uma tributação menos onerosa à empresa, conseguindo realizar, portanto, um planejamento tributário eficaz. Assim, pode o contribuinte realizar negócios com o propósito de auferir efeitos tributários favoráveis à sua atividade. O esquema negocial não precisa ser somente eficiente comercialmente, mas pode e deve ser eficiente também em matéria fiscal.33
O contrato indireto com finalidade de obter uma vantagem fiscal não constitui meio de evasão fiscal, seja esta por simulação ou fraude. Para que um contrato indireto seja simulado é preciso que haja a intenção de ludibriar terceiros. O art.167 do CC/02, em seu parágrafo 1º, traz três hipóteses em que haverá simulação: quando os negócios jurídicos: I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
No contrato indireto não há sequer a tentativa dos contratantes de realizar um negócio oculto, com itens que não correspondam à realidade ou com datas modificadas.
30 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Planejamento tributário. 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2011, p. 289.
31 Não concordando com essa posição, ver: Xxxxxx, p. 291.
32 Ibidem, p. 248.
33 MALERBI, Diva Prestes Marcondes. Elisão tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 19.
Assim, ao optarem pela utilização de um tipo de referência, as partes indicam que buscam a regulação legislativa daquele tipo específico.34
Um bom exemplo de contrato com fim indireto é o contrato de depósito bancário. Por meio deste, o interessado depositante entrega quantias de dinheiro à instituição bancária, que fica na qualidade de depositária, e, assim sendo, obriga-se a devolver o dinheiro a qualquer tempo, com ou sem o acréscimo de juros e correção monetária.35 O Banco adquire o direito de utilizar, a seu livre critério, o numerário depositado, realizando com ele os investimentos que julgar apropriados ou até o emprestando a outras pessoas.36 O contrato de depósito, portanto, permite, sem qualquer modificação de suas cláusulas, a ocorrência de uma capitalização ou financiamento da instituição financeira. O banco não realiza a mera custódia do dinheiro do depositante, mas se torna devedor do depositante. Mesma situação do depósito de fundos de uma instituição bancária em outro banco de outro país, o qual possui a finalidade indireta de obter financiamento através do depósito a prazo, com obtenção de dividendos através da taxa de juros desse depósito.37
Outro exemplo importante de contrato indireto, com larga aplicação e fácil visualização das questões tributárias, é o do contrato de arrendamento mercantil ou leasing. Na prática comercial, especialmente venda de automóveis, o arrendatário recebe o bem material (no caso, o carro ou moto), pagando pelo seu uso um valor em dinheiro. No leasing financeiro, ainda na prática, sempre existe o pagamento adicional do valor residual garantido
– VRG -, que é diluído nas prestações mensais.38
Em que pese a extrema similaridade com o contrato de compra e venda a prestação (os efeitos finais são os mesmos), já está sumulado no Superior Tribunal de Justiça39 que o ‘VRG’ não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil. Tal súmula leva em consideração o princípio da liberdade contratual das partes, que não cria restrições às cláusulas contratuais definidas pelos contratantes, salvo aquelas vedadas pela lei. Não é possível assim tratar fiscalmente a operação de leasing com a roupagem da compra e venda.
Observe que os contratos indiretos podem ser realizados sob as mais diversas formas.
34 VASCONCELOS, Xxxxx Xxxx de. Contratos atípicos. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2009, p. 249 e 250.
35 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 1400.
36 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 20ª ed. Atualização de Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 325.
37 VASCONCELOS, Xxxxx Xxxx de. Op. Cit., p. 249.
38 Para maiores explicações sobre o contrato de arrendamento mercantil ou leasing, ver: XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. Vol. 3. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 714 e ss.
39 STJ. “Súmula 293. A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil.”
Pode ser escolhido um tipo contratual que tenha potencialidade para atingir os objetivos perseguidos, mas não tem a função típica de realizá-lo. Também podem ser feitas cláusulas de adaptação, com o fim de adaptar o tipo escolhido ao fim pretendido, como elementos acidentais. 40 Lícito ainda é realizar uma união de contratos por dependência, em que o fim indireto é previsto em um contrato separado, porém dependente do contrato típico principal. Verossímil, então, tanto negócios indiretos simples, sem quaisquer estipulações adicionais, quanto negócios indiretos complexos, com cláusulas de adaptação.41
Dessa maneira, a interpretação dos contratos indiretos requer que seja valorada a vontade comum das partes, não se revelando irrelevante o fim pretendido pelos contratantes. Inclusive porque foi somente por causa desta finalidade que o contrato foi celebrado. À vista disso, o contrato indireto não é um contrato totalmente típico, podendo somente ser visto meramente como um contrato quase típico.
5 RELAÇÕES ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS: O ESVAZIAMENTO NORMATIVO
A utilização dos contratos indiretos no planejamento tributário das sociedades empresárias ainda suscita alguns questionamentos constitucionais. O primeiro deles é a redução de todos os problemas de economia de tributos a uma discussão principiológica, e se com isso há risco de esvaziamento normativo constitucional. O segundo questionamento deriva deste primeiro. Após o olhar para o relacionamento entre regras e princípios, é pertinente verificar como se dá a superação de conflitos entre normas constitucionais, porquanto há controvérsias quanto à redução do planejamento tributário a um debate acerca da solidariedade fiscal. O terceiro questionamento, por sua vez, diz respeito especificamente ao dever fundamental de pagar tributos das sociedades empresárias, a fim de examinar se existe diferença entre o contribuinte cidadão e o contribuinte sociedade empresária.
Para iniciar a discussão sobre o esvaziamento normativo é preciso compreender, desde logo, que este diz respeito às situações em que o intérprete busca encontrar a solução para todos os casos-problema dentro de normas como a dignidade da pessoa humana. É a redução de problemas complexos à defesa de posições mínimas. Com isso, corre-se o risco
40 Observe que as cláusulas adaptadoras não quebram a estrutura do negócio-meio. Nesse sentido, ver: XXXXXXX, Xxxxxx X. Domingues de. Teoria geral da relação jurídica. Facto jurídico, em especial Negócio jurídico. Vol. II. Coimbra, 1992, p. 180.
41 Entendendo pela impossibilidade da adição de cláusulas contratuais de adaptação em negócios indiretos, visto que teriam o condão de fazer com que o tipo escolhido seja descaracterizado a ponto de tornar o negócio direto, ver: GRECO, Xxxxx Xxxxxxx. Planejamento tributário. 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2011, p. 290.
reduzir todo o debate jurídico à manutenção de um ordenamento superprotetivo de direitos mínimos.
Nesse sentido, oportuna é a transcrição do pensamento de Xxxxxxx Xxxxxx00, quando afirma que “existe, atualmente, uma tendência para a constitucionalização dos ordenamentos jurídicos, contribuindo também para o alargamento do espectro de princípios albergados pela norma ápice”. Tal alargamento da base normativa pode transformar a CF/88 em uma Lei Fundamental tão inchada de todos os temas, que perderá um pouco da sua força normativa.
Isso deve significar que há necessidade de mudar a forma de aplicação das normas constitucionais principiológicas (tais como cidadania, dignidade da pessoa humana e solidariedade social), não as utilizando para resolver todo e qualquer problema jurídico.
Porém, para ver como o relacionamento entre princípios e regras está decididamente relacionado à utilização dos contratos indiretos no planejamento tributário das sociedades empresárias, é preciso começar por analisar o sistema jurídico do Estado brasileiro.
A CF/88 é um sistema normativo aberto e, por estar baseado na ideia de unidade textual, vive um forte diálogo interno. As normas dentro desse sistema, por sua vez, podem ser divididas entre princípios e regras.43
Para Xxxxxx Xxxxx00 as normas são expressas por disposições de direitos, e estas podem ser encontradas nos enunciados normativos presentes na Constituição. No entanto, cumpre ressaltar, na esteira do pensamento do professor Xxxxxxxx Xxxxx00, que por normas não se pode entender que sejam os textos ou conjunto dos textos dispostos na Constituição. Seu real significado está em ser o próprio resultado da interpretação constitucional frente aos casos práticos. Perceba que pode haver normas sem que haja dispositivo constitucional, como, por ex., o princípio da segurança jurídica.
A norma de direito fundamental somente tem relevância, e é vinculativa, porque a ela foi concedida tutela jurídica. Isso faz com que as normas sejam mais do que palavras soltas em uma folha de papel.46 Nessa linha de argumentação, para Xxxxxx Xxxxx00, os princípios e as regras são normas porque expressam juízos de dever-ser. Mas somente ter certeza sobre a
42 XXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. Entre a regra e a principiologia constitucionais: expressões da normatividade. Revista Direito e Desenvolvimento, ano 1, nº 1, p. 69 – 91, janeiro-junho 2010, p. 78.
43 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ed, 8 reimp. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000, p. 1.159.
44 XXXXX, Xxxxxx. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 65.
45 XXXXX, Xxxxxxxx. Teoria dos princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 30.
46 XXXXXXXXX, Xxx Xxxxx xx. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 38.
47 XXXXX, Xxxxxx. Op. Cit., p. 87.
juridicidade das normas não é o suficiente, é preciso descobrir a estrutura das normas, destrinchando-a para descobrir a distinção entre regras e princípios, esta que é um dos alicerces da teoria dos direitos fundamentais.48
Segundo Xxxxx Xxxxxxxxx00, a distinção entre essas duas figuras é algo complexo. Os critérios sugeridos por ele são: a) Grau de abstração: por este critério as regras são pouco abstratas e os princípios tem um grau de abstração elevado; b) Grau de determinabilidade: por este critério as regras podem ser diretamente aplicadas, porque são normas densas, e os princípios, por serem mais imprecisos e vagos, carecem de uma maior atuação concretizadora;
c) Grau de fundamentalidade: os princípios são normas com natureza estruturante; d) “Proximidade” da ideia de direito: os princípios são “standards” que se vinculam genericamente à ideia de justiça ou de direito, e as regras são normas vinculativas apenas na medida de sua funcionalidade; e) Natureza normogenética: os princípios são a base para a construção das regras, desempenhando assim uma função de criação.
Disso se depreende que não é uma tarefa tão simples diferenciar princípios e regras. Mas de todos estes, o constitucionalista alemão Xxxxxx Xxxxx aponta um critério que facilitaria a distinção entre as figuras, que é ver o princípio como expressão de uma ideia de otimização.50 Isso significa que os princípios ordenam a maior efetivação possível do seu conteúdo normativo, porém sempre dentro do que for jurídica e faticamente possível.
Nesse meio, vale destacar a concepção de Xxx Xxxxxx00, que ensina que os princípios refletem a própria estrutura ideológica do Estado, e, sendo assim, representam os valores consagrados na Constituição. Entretanto, o fato de estarem intimamente relacionados a estes valores não significa que os princípios sejam valores e estejam no plano axiológico. Não é dessa maneira porque eles possuem caráter deontológico, estabelecendo obrigações imprescindíveis à consecução do objetivo da norma.52
As regras são verdadeiras normas de sim ou não. Ou são satisfeitas ou são violadas. Com as regras não existe meio termo, a pessoa deve fazer exatamente da maneira que está ali determinado. Essa característica faz com que, em um conflito entre regras, se uma solução de inclusão de cláusula de exceção não for possível, uma das regras deva ser declarada inválida,
48 XXXXX, Xxxxxx. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 85.
49 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx. Op. Cit., p. 1.160 e 1.161.
50 XXXXX, Xxxxxx. On the Structure of Legal Principles. Ratio Juris, vol. 13, nº 3, p. 294 – 304, September 2000, p. 294; XXXXX, Xxxxxx. Op. Cit., p. 90 e 91.
51 XXXXXX, Xxx. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1995, p. 59.
52 XXXXX, Xxxxxxxx. Teoria dos princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 80.
e excluída do ordenamento jurídico. Isso é totalmente diferente do que acontece com os princípios, que em caso de colisão entre eles, ambos devem ser efetivados da maneira mais completa possível.
Do que foi dito já é possível constatar que as regras e os princípios possuem funções distintas dentro do sistema normativo. As primeiras objetivam resolver conflitos de interesses através de comandos que são, à primeira vista, fortes e de difícil superação. Os princípios têm outras pretensões, consubstancializadas na função de complementação e até de fonte para a criação de novas regras. Estes possuem uma superabilidade mais flexível, visto que sua não aplicação não acarreta em invalidade normativa.53
Dito isto, vai ficando claro que não é possível reduzir o combate ao planejamento tributário ao argumento da solidariedade social e do dever fundamental de pagar tributos. Na medida em que a sociedade empresária cumpre todas as regras tributárias, e a Administração tributária reduz sua argumentação unicamente a uma pretensa violação de princípios jurídicos, há uma inversão da ordem lógica do sistema. Ora, as regras já são uma espécie de fortificação normativa dos valores expressos nos princípios através de mandamentos rígidos. Uma vez estando dentro da esfera de legitimidade da regra, não há que se falar, a priori, em violação de princípios.
6 CONFLITO ENTRE NORMAS CONSTITUCIONAIS: AUTONOMIA PRIVADA VERSUS SOLIDARIEDADE SOCIAL
A discussão acerca da admissibilidade da utilização dos contratos indiretos no planejamento tributário leva a outra intrigante questão jurídica, que é o conflito entre duas normas com dignidade constitucional. O estudo dessa oposição normativa pede uma atividade interpretativa que as harmonize dentro do sistema, sempre levando em consideração o princípio da unidade constitucional.54
A ordenação política democrática e pluralista envolve a construção constitucional de direitos e deveres em equilíbrio, não necessariamente em uma mesma posição jurídica (em que pese terem a mesma dignidade constitucional), mas sim em respeito às posições do outro como cidadão, tanto em relação aos direitos desse outro, quanto aos direitos de toda a
53 XXXXX, Xxxxxxxx. Teoria dos princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 103.
54 Ver: XXXXXX, Xxxxxxx. Conflito entre normas constitucionais. Esboço de uma Teoria Geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 3; XXXXX, Xxxxxx. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução (da 20ª edição alemã) do Dr. Xxxx Xxxxxx Xxxx. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 65.
coletividade.55
No caso da autonomia privada e da solidariedade social, há um choque entre direitos fundamentais que pertencem a diferentes dimensões. Especificamente neste caso, tem-se que o direito fundamental à autonomia privada é um direito fundamental de primeira dimensão (direito de liberdade), e está limitado por um direito fundamental de terceira dimensão, consubstancializado no princípio da solidariedade social.56 Este por sua vez também vê sua plena aplicação depender da efetivação da função social da sociedade empresária, que é um direito fundamental de segunda dimensão. Como se vê, trata-se de uma intrincada relação entre as dimensões de direitos e deveres.
Dessa forma, para fazer uma boa interpretação das relações entre a autonomia privada das sociedades empresárias e a solidariedade social, é preciso levar em conta a particularidade do modo como aquela está inserida na comunidade constitucional. Além disso, deve ser levada em conta a continuidade do desenvolvimento socioeconômico e o respeito à posição jurídica fundamental de todos os membros do Estado.
Além disso, sendo a Constituição um texto dinâmico, é preciso que sua interpretação seja feita sempre em relação a um problema concreto e que se adeque aos fatos, pois são estes que conferem vida ao direito.57 Ora, uma vez que se constate que mais de uma norma constitucional pode ser aplicada a um mesmo caso, e todas elas projetam sobre ele sua força normativa58, torna-se imprescindível que o intérprete atue no sentido de estabelecer limites entre elas, favorecendo sua concordância prática.59
Os valores e bens jurídicos constitucionais devem, por meio do princípio da concordância prática, serem levados uns ao encontro dos outros, e interpretados de maneira que todos sejam efetivados na maior medida possível. O mandamento da solidariedade não pode ser concretizado na seara tributária à custa da autonomia privada, mas a ambos precisam ser postos limites que possibilitem sua aplicação eficaz e simultânea.60
55 Nesse sentido, Xxxxx-Xxxxx Xxxxxxxx explica que o exercício dos deveres fundamentais alcança uma dimensão social geral, que beneficia todas as pessoas e à representação jurídica destas, que é o próprio Estado. Ver: XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx-Xxxxx. Los deberes fundamentales. Doxa – Cuadernos de Filosofia del Derecho, v.4, p. 329-341, 1987, p. 336 e 337.
56 XXXXXXX, Xxxxx. Direitos fundamentais. Análise de sua concretização constitucional. Curitiba: Juruá, 2006, p. 58.
57 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. A ordem econômica na Constituição de 1988. Interpretação e crítica. 9ªed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 120; XXXXX, Xxxxxx. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução (da 20ª edição alemã) do Dr. Xxxx Xxxxxx Xxxx. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 62.
58 Ver: XXXXXX, Xxxxxxxxx. Métodos de trabalho no direito constitucional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 36.
59 XXXXXX, Xxxxxxx. Op. Cit., p. 79.
60 XXXXX, Xxxxxx. Op. Cit., p. 66 e 67.
Esta atividade do intérprete deve ser realizada com a utilização de postulados normativos, que nada mais são do que normas que versam sobre a aplicação de outras normas.61 São exemplos de tais metanormas a coerência, a unidade do ordenamento jurídico, ponderação, a concordância prática, a proibição de excesso, a igualdade, a razoabilidade e a proporcionalidade. Estes instrumentos são os mais utilizados para resolução de conflitos entre normas constitucionais, e, sempre que possível, devem demarcar os limites da atuação de cada um deles e seu âmbito de reconhecimento e aplicação62.
A ponderação é o maior dentre os postulados normativos, talvez por ser também o mais geral de todos eles. É por intermédio dele que há o sopesamento de bens, valores, finalidades e interesses que fazem parte do ordenamento jurídico nacional. Por ele é analisado a totalidade dos argumentos e elementos presentes no caso, para somente depois haver uma fundamentação das relações entre os objetos ponderados, estabelecendo-se as regras de relacionamento entre eles.63
O princípio da proibição do excesso, por sua vez, configura-se como um densificador do próprio Estado Democrático de Direito, e alude a qualquer momento em que um direito fundamental estiver sendo excessivamente restringido, e na verdade este é seu único critério de aplicação.64 Como consequente dele fica uma restrição ao legislador e ao intérprete, qual seja, a de que as limitações aos direitos fundamentais devem ser adequadas, necessárias e proporcionais.65
As limitações serão necessárias quando disserem respeito a um bem juridicamente protegido e cuja conjuntura exija a atuação interventiva. A adequação toma por referência o objetivo pretendido, de maneira a que o meio utilizado seja apropriado à finalidade desejada. Por fim, a proporcionalidade stricto sensu requer que a medida realizada seja quantitativamente correta, e assim nem mais nem menos que o necessário à consecução da norma.66
61 XXXXX, Xxxxxxxx. Teoria dos princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 134.
62 XXXXXX, Xxxxxxx. Conflito entre normas constitucionais. Esboço de uma Teoria Geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 291.
63 XXXXX, Xxxxxxxx. Op. Cit., p. 155.
64 Ibidem, p. 158.
65 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx. Direito constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed, 8ª Reimp. Coimbra: Almedina, 2003, p. 457.
66 XXXXXXX, Xxxxx. Manual de Direito Constitucional: direitos fundamentais. Tomo IV. 3ª ed. Coimbra, 2000, p. 207, que complementa ensinando que: “A falta de necessidade ou de adequação traduz-se em arbítrio. A falta de racionalidade em excesso. E, por isso, fala-se, correntemente, também em princípio da proibição do arbítrio e da proibição do excesso.”
Isso leva aos postulados normativos específicos, dentre os quais a razoabilidade é aquela pela qual as normas de caráter geral devem ser conciliadas com o caso concreto. Deve ser demonstrado o enquadramento da norma ao caso, ou os motivos pelos quais a norma não se enquadra aos fatos. A razoabilidade ainda exige que o ato jurídico seja adequado aos fins a que se propõe realizar.67
A proporcionalidade é um postulado específico e que não pode ser confundido com nenhum outro, esta exige adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu em relação às medidas tomadas para atingir uma finalidade controlada. É diferente da proibição do excesso68 porque não tem por objetivo controlar a eficácia mínima dos princípios constitucionais, mas tão somente requer a proporcionalidade dos meios com os fins.69
O aplicador da norma constitucional passa a ter as condições de buscar a maior efetividade dos mandamentos da CF/88, não podendo reduzir nenhum conflito normativo a uma decisão que reduza um direito fundamental à ineficácia. Assim, ainda que esteja em jogo o valor da solidariedade, não pode a autonomia privada ser inviabilizada sob este argumento, fazendo com que o contribuinte esteja obrigado a praticar atos e efetuar os negócios jurídicos tributariamente mais onerosos.
Explicados tanto o relacionamento de princípios e regras, quanto os conflitos entre normas constitucionais, falta fazer referência à peculiaridade do dever fundamental de pagar tributos da sociedade empresária, que não se confunde com o mesmo dever, sendo que relacionado aos cidadãos.
7 DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS: AS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS
O dever é antes de tudo uma obrigação, é a sujeição de alguém a fazer, não fazer ou dar algo a outrem ou, no caso aqui versado, à própria coletividade. 70 Posto isso, observe-se que na Constituição brasileira, consoante o disposto no parágrafo único do artigo 1º, todo o poder emana do povo, de modo que é preciso atentar para o sentido de legitimidade da consagração de deveres constitucionais, verificando-se a conformidade dos mesmos com os
67 XXXXX, Xxxxxxxx Teoria dos princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 134.
68 Nas situações abarcadas pelo postulado maior que é o princípio da proibição do excesso, pode até mesmo ser considerado como o consequente deste.
69 XXXXX, Xxxxxxxx. Op. Cit., p. 177.
70 Sobre a ideia de dever jurídico, ver XXXXXX, Xxxx. Metodologia da Ciência do Direito. 5ª ed. Tradução de Xxxx Xxxxxx. Lisboa: Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx, 2009, p. 51.
fundamentos e objetivos da República.71
Assim, a construção de um Estado Democrático de Direito que tem por fundamento a cidadania72, pede a discussão acerca das responsabilidades de cada um dos cidadãos para com todos os outros membros da sociedade, o que perpassa, por certo, aquele valor supremo de uma sociedade fraterna de que fala o preâmbulo da Lei Fundamental de 1988. Dever fundamental, portanto, tem sua própria legitimação constitucional, que não é igual à dos direitos fundamentais, mas pode ser considerada também convergente com o fundamento da dignidade da pessoa humana73, que é o grande pilar do direito constitucional brasileiro. Dessa forma, pode-se afirmar que somente pode ser considerado um dever fundamental se existir uma própria consagração expressa ou implícita no texto constitucional, manifestando-se como uma verdadeira posição fundamental do indivíduo.74
Os deveres fundamentais são autônomos em relação aos direitos fundamentais, mas, como com razão sublinha Xxxxxxx Xxxxxx00, definir dever fundamental é necessariamente fazer uma correlação com os direitos fundamentais, vez que se uma determinada pessoa possui um direito fundamental todos os outros têm um correlato dever de respeitar os limites do direito alheio. Todavia, há de se ter cuidado para não se transformar os deveres fundamentais na face oposta dos direitos fundamentais, porque, como já alerta Xxxxx Xxxxxxxxx00, apesar de existirem deveres que são necessariamente correlatos a direitos, os deveres fundamentais configuram-se como categoria autônoma, sendo isso exigido pela assimetria entre os direitos e deveres na ordem constitucional de um Estado de Liberdade. A
71 Nesse sentido, ver: XXXXXXXX, Xxxxxx. Filosofia do direito. Tradução de António Ulisses Cortês. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2004, p. 292.
72 Ver: XXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx de. Os deveres constitucionais: o cidadão responsável. XXXXXXXXX, Xxxxx (Org.); XXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx de (Org.); XXXX, Xxxxx Xxxxxxxx (Org.). Constituição e democracia. Estudos em homenagem ao Prof. J. J. Xxxxx Xxxxxxxxx. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 178.
73 Sobre o fundamento da República que é a dignidade da pessoa humana, considerar os dois alertas feitos pelo professor Xxxxxxxxxxx Xxxxx, especialmente aquele relacionado ao problema que é “a total redução do pessoal ao social, no postulado de que todos os problemas humanos são problemas que a sociedade (essa anónima irresponsabilização) deverá resolver [...] Também não vai nisto a negação ou o repúdio da dimensão humano carnal aqui implicada. É ela igualmente constitutiva do homem e a Gaudium et Xxxx não deixou de o sublinhar inequivocamente. Mas que o socius não faça esquecer o próximo – posto naquela problemática dialéctica tão impressivamente invocada por P. RICOEUR – e para que se veja no outro, que é pessoa, não apenas o sujeito de uma estrutural relação de interferência, mas o irmão absoluto que se reconhece no mesmo Pai”. Ver: XXXXX, X. Castanheira. Digesta. Escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros. Coimbra, 2010, Vol.2, p. 426 e 427.
74 NABAIS, Xxxx Xxxxxxx. O dever fundamental de pagar impostos. Contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina: 2009, p. 64.
75 XXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. O cidadão responsável e o dever fundamental de proteção ambiental. In: XXXXXXXX, Xxx Xxxxx Xxxxxx (Org.); BASSO, Xxx Xxxxx (Org.); XXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx (Org.); XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx (Org.). Direito, cidadania e desenvolvimento. Florianópolis: Conceito, 2012, p. 388.
76 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ed, 8 reimp. Coimbra: Almedina, 2003, p. 532 e 533.
tal conclusão chegou também o próprio Xxxxxxx Xxxxxx00, quando reconhece em seu artigo a também existência de deveres fundamentais expressos, não decorrentes dos direitos fundamentais. É essa a linha de pensamento do professor Xxxxxxx Nabais78, quando afirma ser uma perspectiva inadequada ver os deveres fundamentais como disciplina que se esgota na figura dos direitos fundamentais, ou, ainda, o excesso da doutrina de que tais deveres são simplesmente a expressão da soberania dos Estados.
Mas então o que caracterizaria os deveres fundamentais como uma categoria autônoma? É justamente o fato de eles representarem toda uma rede de valores da comunidade política que integra o Estado79. Observe que isso afasta totalmente a ideia de cláusula geral de deverosidade social, na medida em que, por estabelecer deveres precisos e específicos, representam uma garantia dos indivíduos contra o arbítrio do Estado.
No caso específico do dever fundamental de pagar tributos, por exemplo, há um objetivo próprio e ligado à cidadania como fundamento da República, qual seja, arrecadar recursos monetários para a manutenção de uma sociedade organizada, não desconsiderando que é justamente através desse dinheiro que o Estado efetivará e protegerá os direitos fundamentais de toda a coletividade. Na lição de Xxxxxxx Xxxxx e Xxx Xxxxx Xxxxx, “a realização dos direitos postos na Lei Fundamental e a consequente manutenção desta sociedade, é feita com despesas públicas pagas pela carga tributária”80. Na mesma linha de raciocínio, o professor Xxxxxxx Nabais81 ensina que todos os direitos possuem um custo, porque não são autorrealizáveis e tampouco podem ser protegidos e efetivados por um Estado que esteja falido. São liberdades privadas com custos públicos.
Essa ideia é defendida por Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx00, que diz que o dever de contribuir está, antes de qualquer coisa, ancorado no princípio da solidariedade social (que entre nós é posta já no preâmbulo da Constituição de 1988) e conectado firmemente com o Estado Social de Direito, conformando-se como um instrumento estadual de transformação
77 XXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. O cidadão responsável e o dever fundamental de proteção ambiental. In: XXXXXXXX, Xxx Xxxxx Xxxxxx (Org.); BASSO, Xxx Xxxxx (Org.); XXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx (Org.); XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx (Org.). Direito, cidadania e desenvolvimento. Florianópolis: Conceito, 2012, p. 390.
78 NABAIS, Xxxx Xxxxxxx. O dever fundamental de pagar impostos. Contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina: 2009, p. 28.
79 Ibidem, p. 38.
80 BASSO, Xxx Xxxxx; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx. Cidadania e sistema constitucional tributário na promoção dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. In: XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx xx; ROVER, Xxxxx Xxxx. (Org.). Direito Tributário. Florianópolis: FUNJAB, 2012, p. 209.
81 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Por um Estado fiscal suportável. Estudos de direito fiscal. Coimbra: Almedina, 2005, p. 21.
82 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx. El deber de contribuir como deber constitucional. Su significado jurídico.
Revista española de Derecho Financiero, vol.125, p. 5-40, Enero-Marzo 2005.
social através dos gastos públicos, manifestando-se indispensável a uma ordem livre, democrática e justa.
Isso não significa um poder de tributar absoluto. Longe disso. Xxxxxxx Xxxxx e Xxx Xxxxx Xxxxx00 advertem que “as normas constitucionais que versem sobre deveres fundamentais não são autorrealizáveis, precisando que o poder legislativo as regulamente infraconstitucionalmente”. Isso leva à inexorável conclusão de que para tributar é preciso haver lei própria, e a utilização da tipicidade fechada.
Ainda que se admitisse que a tributação sob a compreensão desse dever fundamental de pagar tributos baseado no princípio da solidariedade social, mesmo assim sua aplicação não seria total, haja vista que existem particularidades muito específicas no caso das sociedades empresárias.
Nesta situação, tal dever fundamental toma uma conotação diversa e deve ser visto sob outra perspectiva. As sociedades empresárias são contribuintes sui generis, diferentes dos contribuintes pessoa física, e é sobre os cidadãos que recai os custos do funcionamento do Estado, pois são eles possuem um vínculo político expresso na cidadania constitucional e no vínculo de nacionalidade. Já as sociedades empresárias cumprem um papel diferente, com responsabilidades diversas, mas não menos importantes. Seu vínculo com o Estado está muito mais ligado a questões de ordem econômica do que a qualquer outra coisa.84
Todavia, em que pese o vínculo ser diverso, ainda recai sobre elas as disposições constitucionais que versam sobre a função social da propriedade (dos meios econômicos e também das relações contratuais)85. Ainda devem manter a exploração de sua atividade dentro de uma ordem constitucional que se pauta nos ditames da justiça social. Nesse cenário, elas possuem dois papeis centrais dentro do sistema de arrecadação, quais sejam, o de propriamente serem contribuintes e de administradoras tributárias.
Como se vê, o dever fundamental das sociedades empresárias vai além do de meramente pagar os tributos devidos pela subsunção dos atos ou negócios jurídicos que praticarem à norma de incidência tributária. A Administração tributária entrega a elas a custosa tarefa de ser o sustentáculo da maior parte do sistema de arrecadação e liquidação dos impostos de seus empregados e mesmo outras sociedades com as quais possuam contratos.
83 BASSO, Xxx Xxxxx; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx. Cidadania fiscal e desenvolvimento: a erradicação da pobreza como objetivo da República. In: XXXXXXX XXXX, Xxxx Xxxxxxx (Org.); XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxx. Direito tributário II. Florianópolis: FUNJAB, 2013, p. 30.
84 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. A liberdade de gestão fiscal das empresas. Miscelâneas do Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho, nº 7, p. 8 – 68, Setembro de 2011, p. 10 e 11.
85 Ver: XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Direito constitucional da empresa. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense/Método, 2013, p. 105.
Cabe a elas, portanto, verificar a capacidade contributiva de terceiros, e ainda a obrigação de reter tais impostos na fonte.86
Ao Estado cabe, então, somente supervisionar uma função pública que foi de certa forma privatizada. Todavia, esta foi uma privatização diferente, visto que às empresas não restou nenhum tipo de remuneração por um serviço que elas têm de alocar numerosos meios humanos (advogados, contadores, economistas) e horas de trabalho.87 Esse é um dos mais importantes aspectos da função social das sociedades empresárias, visto que auxiliam gratuita e decididamente o Estado a manter a regularidade do fluxo financeiro que provêm da tributação.
Não há que se falar de um mesmo dever fundamental de pagar tributos para os cidadãos e para as sociedades empresárias. As situações são bastante distintas, inclusive porque cabe a estas últimas uma posição de destaque na busca pelo desenvolvimento econômico, no combate ao desemprego e na manutenção do sistema da seguridade social.88
Quando esses fatores são conjugados com a liberdade constitucionalmente garantida, isso faz com que dentro desta liberdade esteja incluída também a de praticar atos ou celebrar negócios jurídicos que tenham até mesmo o único objetivo de não pagar tributos, desde que esta elisão fiscal seja feita através de instrumentos que sejam adequados à finalidade pretendida, sem dissimulação.
A CF/88 não estabeleceu somente o dever de a sociedade empresária contribuir quando praticar o fato gerador, mas a envolveu em uma complexa teia de outras responsabilidades. Isso faz com que a sociedade seja peça central no tabuleiro de uma ordem econômica que tem por fim assegurar a todos uma existência digna.
8 JUÍZO DE MÉRITO SOBRE OS CONTRATOS INDIRETOS NO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
Estabelecer um juízo de mérito, da utilização dos contratos indiretos no planejamento tributário das sociedades empresárias está diretamente relacionado à teoria constitucional anteriormente discutida. As normas dali emanadas funcionam como limites tanto para o
86 NABAIS, Xxxx Xxxxxxx. A liberdade de gestão fiscal das empresas. Miscelâneas do Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho, nº 7, p. 8 – 68, Setembro de 2011, p. 20 e 21.
87 Ibidem, p. 30.
88 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. A fiscalidade e a competitividade empresarial no quadro do Mercado Único Europeu. Fisco, nº 74/75, ano VIII, p. 3-8, Janeiro/Fevereiro 1996, p. 7 e 8. Na doutrina brasileira, ver: XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx. A função social da empresa. Dissertação de Mestrado. PUC-MG. 2010. Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxxxxxxx.xx/xxxxx/Xxxxxxx_XxxxxxxXX_0.xxx>. Acesso em: 20/10/2013.
contribuinte quanto para o Fisco.
Sendo assim, não é possível utilizar o peso das normas constitucionais para obrigar uma sociedade empresária a praticar um ato ou celebrar um negócio sob uma forma que não deseje. Desde que o contribuinte não se utilize de fraude à lei ou de dissimulação/simulação, o contrato será válido em todos os seus efeitos. Partindo do pressuposto que a obrigação de pagar o tributo somente pode nascer da subsunção do fato tributável com a hipótese de incidência delimitada na lei, a vontade do contribuinte somente é relevante para a constituição da relação tributária quando ele decide previamente os caminhos que irá tomar.89
Dito isto, não pairam dúvidas sobre a legitimidade da utilização de contratos indiretos no planejamento tributário das sociedades empresárias. Na verdade, qualquer forma contratual pode ser utilizada para esse fim, desde que seja celebrado dentro dos limites da lei.
Não é possível afirmar que se o contribuinte celebrar um contrato indireto o fisco poderá imediatamente desconsiderá-lo. Como dito, não poderá haver desconsideração se o negócio for praticado dentro dos limites da lei. No caso de um contrato indireto em que é utilizada a forma de um tipo contratual (com todas as suas consequências civis e tributárias) para atingir a finalidade de outro tipo contratual, não se pode dizer que só porque a finalidade era a desse segundo tipo, este é que seria o negócio direto equivalente e adequado. As partes querem atingir o objetivo de um tipo contratual sob os efeitos jurídicos de outra forma contratual, o que é legítimo e permitido.90
Indo além, os contratos escritos têm uma presunção de veracidade nos termos ali postos. Diferentemente dos contratos verbais, os escritos tem maior credibilidade e transmitem maior segurança às partes.91 Essa característica faz com que seja para a Administração tributária que deva recair o ônus da prova da ilicitude do planejamento tributário, devendo demonstrar que o contrato pactuado pela sociedade empresária foi realizado com fraude à lei tributária ou simulação/dissimulação. Nesses casos, apesar das partes contratantes estabelecerem um tipo contratual de referência ou criarem cláusulas contratuais atípicas, sua qualificação não é absoluta, porque é falsa.
O elemento importante para esse juízo de mérito, acerca da admissibilidade dos contratos atípicos no planejamento tributário das sociedades empresárias, é a falsidade intrínseca ao negócio.
89 NABAIS, Xxxx Xxxxxxx. Contratos fiscais. Reflexões acerca da sua admissibilidade. Xxxxxxx, 0000, p. 91.
90 Defendendo posição oposta, ver: Xxxxxx, p. 91 e 92: “Por seu turno, no caso de as partes celebrarem um negócio indirecto fiscal também isso pode implicar que o facto tributário a ter em conta não seja o negócio indirecto, mas sim o negócio directo.”
91 VASCONCELOS, Xxxxx Xxxx de. Contratos atípicos. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2009, p. 468.
Ainda mais do que isso, não pode a Administração fiscal se valer do parágrafo único do art.116 do CTN, vez que não há no ordenamento jurídico pátrio a previsão dos procedimentos necessários à sua aplicação. Não há, portanto, qualquer vedação legal à elisão fiscal, e os negócios somente podem ser enquadrados em outras previsões legais. A previsão constitucional que embasa a requalificação será a do art.145, §1º, da CF/88, que faculta à administração tributária a possibilidade de identificar o patrimônio, rendimentos e atividades econômicas do contribuinte, desde que respeitados os seus direitos individuais. Já no CTN, tem-se a aplicação do disposto no art.149, inc. VII.
Quanto à elusão tributária, vista como fator que tem a possibilidade de gerar um juízo de mérito negativo à utilização dos contratos atípicos, esta não pode subsistir. A aplicação desse conceito esbarra em um conflito de interesses e valores constitucionais, que a tornam um caso de difícil resolução. Para uma resposta constitucionalmente adequada é necessário uma ponderação no caso concreto dos bens jurídicos envolvidos.
Ademais, caso o ato ou negócio praticado pelo contribuinte seja tido como ilícito, acabaria que a conduta seria enquadrada como evasão fiscal. Caso a conclusão fosse por sua licitude, seria uma forma de elisão. Como a elusão envolve a utilização de negócios indiretos, não há porque subsistir sua teoria. A priori a utilização desse tipo de contrato é permitida pelo ordenamento jurídico, salvo no caso de apresentar patologias que viciem o planejamento.
Outro ponto que pode gerar um juízo de mérito negativo seria o futuro advento de uma cláusula geral antielisiva, ou uma possível regulamentação do parágrafo único do art.116 do CTN neste sentido. Entretanto, ao que parece essa opção estaria eivada de inconstitucionalidade desde o começo, pois poria em xeque o direito de liberdade econômica do contribuinte, notadamente da sociedade empresária.
Corrobora essa linha argumentativa os dizeres do professor Xxxxx Xxxx Xxxxxx00, quando ensina que os direitos fundamentais funcionam como trunfos contra a arbitrariedade da maioria. No caso específico do planejamento tributário, os direitos fundamentais do contribuinte se comportam como armaduras contra as quais a administração tributária não pode investir. Dão resistência e poder à posição da sociedade empresária frente a quaisquer tentativas de cerceamento da livre iniciativa, ou mesmo tentativas de imposição de medidas políticas ou de concepções de mundo diferentes das propugnadas licitamente pelo contribuinte.
Os direitos fundamentais, ainda na lição de Xxxxx Xxxx Novais93, não existem para
92 XXXXXX, Xxxxx Xxxx. Direitos fundamentais. Trunfos contra a maioria. Xxxxxxx, 0000, p. 31.
93 Ibidem, p. 35.
satisfazer os interesses da maioria como comunidade, mas protege até mesmo os interesses mais impopulares. Não quer dizer que com isso se esteja prevalecendo o direito da minoria sobre o da maioria, mas, de outra forma, está se garantindo à sociedade empresária que ela possa conformar suas atividades da maneira que melhor lhe convier, sempre dentro dos ditames da lei.
Esses limites jurídico-constitucionais são elementos importantes ao juízo de mérito dos contratos indiretos, pois a jurisdição constitucional, em ultima ratio, deve proteger a área de liberdade de cada um, tornando-a instransponível aos interesses de quem quer que seja, mesmo que em prol de pretensos benefícios à coletividade.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É imperioso que se faça uma síntese dos principais resultados deste trabalho, tudo para auxiliar a melhor compreensão quanto às reflexões aqui traçadas:
a) O parágrafo único do art.116 do CTN não cria uma norma geral antielisão. Não interessa qual era a vontade do legislador. Quando a lei entra no ordenamento jurídico e passa a ter validade, somente conta a vontade e o espírito da própria lei. Nesse sentido, a previsão normativa acima identificada traz as fundações de uma norma geral antidissimulação;
b) O tipo tributário é mais do que o conceito de tributo, diz respeito à estrutura particular de cada tributo, dando vida jurídica a eles. Tem como principal característica ser taxativo. Somente pode ser tributado o fato que corresponder exatamente à hipótese de incidência descrita na lei. O contribuinte deve poder identificar o núcleo material da tributação;
c) A autonomia privada e a liberdade de contratar são direitos fundamentais da sociedade empresária, que podem estipular cláusulas contratuais da maneira que bem entenderem, fazendo inclusive mistura de tipos tipificados, ou modificações em sua estrutura. O art. 425 do CC/02 autoriza às partes estipularem contratos atípicos;
d) Os contratos indiretos são contratos de tipo modificado em sua finalidade, de maneira que sua forma corresponde inteiramente ao tipo escolhido, mas as suas finalidades são as de outro tipo contratual diverso. Nos contratos indiretos não há tentativa de realizar um negócio oculto, mas as partes indicam que procuram a regulação de um tipo específico;
e) Não é possível buscar todas as soluções para os casos-problema nas normas constitucionais, sob pena de acontecer um esvaziamento normativo da CF/88, ou a criação de um ordenamento jurídico superprotetivo de direitos mínimos ou apenas protetivo da
dignidade. O bom relacionamento entre as normas constitucionais (regras e princípios) é essencial à correta leitura do planejamento tributário;
f) Para a Constituição ser duradoura e tida como adequada e boa, é premente que seja voltada para ideias de solidariedade, cidadania, soberania, e os outros fundamentos que constituem o catálogo de princípios fundamentais. Assim os deveres fundamentais são a expressão maior do sentido comunitário do Estado. Entretanto, isso não significa atropelar os direitos das sociedades empresárias, que tem em seu favor a característica de trunfo que é inerente aos direitos fundamentais;
g) Quanto à elusão tributária, vista como fator que tem a possibilidade de gerar um juízo de mérito negativo à utilização dos contratos atípicos, esta não pode subsistir. A aplicação desse conceito esbarra em um conflito de interesses e valores constitucionais, que a tornam um caso de difícil resolução. Para uma resposta constitucionalmente adequada é necessário uma ponderação no caso concreto dos bens jurídicos envolvidos.
REFERÊNCIAS
XXXXX, Xxxxxx. On the Structure of Legal Principles. Ratio Juris, vol. 13, nº 3, p. 294 – 304, September 2000.
. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx. São Paulo: Malheiros, 2008.
XXXXXXX, Xxxxxx X. Domingues de. Teoria geral da relação jurídica. Facto jurídico, em especial Negócio jurídico. Vol. II. Coimbra, 1992.
XXXXX, Xxxxxxxx. Teoria dos princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. A fiscalidade e a competitividade empresarial no quadro do Mercado Único Europeu. Fisco, nº 74/75, ano VIII, p. 3-8, Janeiro/Fevereiro 1996.
XXXXXXXXX, Xxx Xxxxx de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000.
BASSO, Xxx Xxxxx; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx. Cidadania e sistema constitucional tributário na promoção dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. In: XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx xx; ROVER, Xxxxx Xxxx. (Org.). Direito Tributário. Florianópolis: FUNJAB, 2012.
; . Cidadania fiscal e desenvolvimento: a erradicação da pobreza como objetivo da República. In: XXXXXXX XXXX, Xxxx Xxxxxxx (Org.); XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxx. Direito tributário II. Florianópolis: FUNJAB, 2013.
XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx. El deber de contribuir como deber constitucional. Su significado jurídico. Revista española de Derecho Financiero, vol.125, p. 5-40, Enero- Marzo 2005.
XXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. O mercado financeiro e o imposto sobre a renda. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2011.
BRASIL. Medida Provisória nº 66, de 29 de agosto de 2002. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxx.xxxxxxx.xxx.xx/Xxxxxxxxxx/XXx/0000/xx00.xxx>. Acesso em: 27 de outubro de 2013.
BRASIL. Câmara Federal. Mensagem 1.459, de 1999. Disponível em:
<xxxx://xxxxxx.xxxxxx.xxx.xx/Xxxxxx/x/xxx/XXX00XXX0000.xxx#xxxxx00>. Acesso em 29 de outubro de 2013.
XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ed, 8 reimp. Coimbra: Almedina, 2003.
XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de direito constitucional tributário. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Cláusulas gerais antielusivas: reflexões acerca de sua conformidade constitucional em Portugal e no Brasil. Coimbra: Almedina, 2006,
COÊLHO, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito tributário brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. A cláusula geral anti-abuso no direito tributário. Contributos para a sua compreensão. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000.
XXXXXX, Xxx. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1995.
XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx de Negreiros. Adequação social. Sua doutrina pelo cânone compreensivo do cuidado-de-perigo. Belo Horizonte: Xxx Xxx, 2012.
XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. Vol. 3. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
XXXXXXX, Xxxxx. O estatuto do contribuinte. A pessoa do contribuinte no Estado Social de Direito. Coimbra, 2002.
XXXXXXXX, Xxxxx Xxxx. Evasão fiscal: o parágrafo único do artigo 116 do CTN e os limites de sua aplicação. Revista Dialética de Direito Tributário, v. 67, p. 117 – 124, Abril de 2001.
XXXXXXX, Xxxxx. Direitos fundamentais. Análise de sua concretização constitucional. Curitiba: Juruá, 2006.
XXXXXX, Xxxxxxx. Conflito entre normas constitucionais. Esboço de uma Teoria Geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 20ª ed. Atualização de Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
XXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. Entre a regra e a principiologia constitucionais: expressões da normatividade. Revista Direito e Desenvolvimento, ano 1, nº 1, p. 69 – 91, janeiro-junho 2010.
. O cidadão responsável e o dever fundamental de proteção ambiental. In: XXXXXXXX, Xxx Xxxxx Xxxxxx (Org.); BASSO, Xxx Xxxxx (Org.); XXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx (Org.); XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx (Org.). Direito, cidadania e desenvolvimento. Florianópolis: Conceito, 2012.
XXXX, Xxxx Xxxxxxx. A ordem econômica na Constituição de 1988. Interpretação e crítica. 9ªed. São Paulo: Malheiros, 2004.
XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Planejamento tributário. 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2011.
. Procedimentos de desconsideração de atos ou negócios jurídicos – o parágrafo único do artigo 116 do CTN. Revista Dialética de Direito Tributário, v.75, p. 127-143, Dezembro 2001.
XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Elisão e simulação fiscal. Revista Dialética de Direito Tributário, v. 66, p. 88 – 94, Abril de 2001.
XXXXX, Xxxxxx. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução (da 20ª edição alemã) do Dr. Xxxx Xxxxxx Xxxx. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998.
XXXXXXXX, Xxxxxx. Filosofia do direito. Tradução de António Ulisses Cortês. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2004.
XXXXXX, Xxxx. Metodologia da Ciência do Direito. 5ª ed. Tradução de Xxxx Xxxxxx. Lisboa: Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx, 2009.
XXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx de. Os deveres constitucionais: o cidadão responsável. XXXXXXXXX, Xxxxx (Org.); XXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx de (Org.); XXXX, Xxxxx Xxxxxxxx (Org.). Constituição e democracia. Estudos em homenagem ao Prof. J. J. Xxxxx Xxxxxxxxx. São Paulo: Malheiros, 2006.
MALERBI, Diva Prestes Marcondes. Elisão tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984.
XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx-Xxxxx. Los deberes fundamentales. Doxa – Cuadernos de Filosofia del Derecho, v.4, p. 329-341, 1987.
XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx de. A Teoria das Constituições Rígidas. São Paulo, 1948.
XXXXXXX, Xxxxx. Manual de Direito Constitucional: direitos fundamentais. Tomo IV. 3ª ed. Coimbra, 2000.
XXXXXX, Xxxxxxxxx. Métodos de trabalho no direito constitucional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000.
NABAIS, Xxxx Xxxxxxx. A liberdade de gestão fiscal das empresas. Miscelâneas do Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho, nº 7, p. 8 – 68, Setembro de 2011.
. Contratos fiscais. Reflexões acerca da sua admissibilidade. Coimbra, 1994.
. Por um Estado fiscal suportável. Estudos de direito fiscal. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000.
. O dever fundamental de pagar impostos. Contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina: 2009.
XXXXX, X. Castanheira. Digesta. Escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros. Coimbra, 2010, Vol.2.
XXXXXX, Xxxxx Xxxx. Direitos fundamentais. Trunfos contra a maioria. Coimbra, 2006.
XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx. A função social da empresa. Dissertação de Mestrado. PUC- MG. 2010. Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxxxxxxx.xx/xxxxx/Xxxxxxx_XxxxxxxXX_0.xxx>. Acesso em: 20/10/2013.
XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxx. Reflexos e efeitos do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional no sistema jurídico tributário brasileiro. Revista de Direito Tributário, Malheiros, Nº 118, p 166 – 179, Junho de 2013.
XXXXXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
XXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003.
XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Direito constitucional da empresa. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense/Método, 2013.
XXXXX, Xxxxx; XXXX, Xxxxxxx. Direito tributário. Tradução de 18ed alemã, totalmente refeita, de Xxxx Xxxxx Xxxxxxx. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008.
XXXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx de. Contratos atípicos. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2009.
XXXXXX, Xxxxxxx. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001.