A REPARTIÇÃO DE RISCOS EM CONTRATOS REGIDOS PELA LEI Nº 8.666/93
A REPARTIÇÃO DE RISCOS EM CONTRATOS REGIDOS PELA LEI Nº 8.666/93
XXXX XXXXX XX XXXXXXXX XXXXXXX XX XXXXX
Rio de Janeiro, 2010
XXXX XXXXX XX XXXXXXXX XXXXXXX XX XXXXX
A REPARTIÇÃO DE RISCOS EM CONTRATOS REGIDOS PELA LEI Nº 8.666/93
Trabalho de Conclusão de Curso, sob orientação do professor Xxxxxx Xxxxxx apresentado à FGV DIREITO RIO como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.
Rio de Janeiro, 2010
A REPARTIÇÃO DE RISCOS EM CONTRATOS REGIDOS PELA LEI Nº 8.666/93
Elaborado por XXXX XXXXX XX XXXXXXXX XXXXXXX XX XXXXX
Trabalho de conclusão de Curso apresentado à FGV DIREITO RIO como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.
Comissão Examinadora:
Nome do orientador: _ Nome do Examinador 1: _ Nome do Examinador 2: _
Assinaturas:
Professor Orientador
Examinador 1
Examinador 2
Nota Final:
Rio de Janeiro, de de 2010
À Isabelle.
Gostaria de agradecer aos meus professores, especialmente os de Direito Administrativo, que me inspiraram a trilhar os caminhos dessa disciplina. Aos meus pais que sempre me apoiaram na escolha da carreira jurídica.
O estudo discute a repartição de riscos entre o setor público e o setor privado em contratos administrativos regidos pela Lei nº 8.666/93. Na primeira parte, ressaltam-se os novos paradigmas do Estado e as evoluções do direito administrativo no Brasil. Na segunda parte, descreve-se o modelo tradicional de contratação pública no Brasil. Na terceira parte, discute-se a constitucionalidade da repartição objetiva de riscos em contratos administrativos. Na quarta parte, delineiam-se as diretrizes a serem seguidas pelo administrador público na repartição de riscos, segundo ditames de eficiência.
PALAVRAS-CHAVE: O NOVO DIREITO ADMINISTRATIVO; CONTRATOS
ADMINISTRATIVOS; REPARTIÇÃO EFICIENTE DE RISCOS
This paper addresses the issue of risk allocation between the government and the private sector in public procurements governed by Law 8.666/93. The first part of the study highlights the new paradigms of state and the evolution of administrative law in Brazil. The second part describes the traditional model of public procurement in Brazil. The third part discusses the constitutionality of the objective allocation of risks in public procurements. The fourth part provides some guidelines for risk allocation in public procurements in accordance with efficiency considerations.
KEY WORDS: NEW ADMINISTRATIVE LAW; PUBLIC PROCUREMENTS; EFFICIENT ALLOCATION OF RISK
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS 9
Capítulo I- NOVOS PARADIGMAS PARA O ESTADO 14
1.1 O novo direito administrativo 14
1.2 O direito administrativo do clips x o direito administrativo dos negócios 16
Capítulo II- O MODELO TRADICIONAL E SUA OBSOLESCÊNCIA 18
2.1 Descrição 18
2.2 A insuficiência das definições de áleas ordinárias e extraordinárias 21
2.3 A confusão entre os conceitos de equilíbrio econômico-financeiro do contrato e da distribuição de riscos 22
Capítulo III- INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS SOBRE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS 24
3.1 A manutenção das condições efetivas da proposta 24
3.2 Eventos de natureza extracontratual? 26
3.3 Os riscos contratuais e a manutenção das condições da proposta 27
3.4 A repartição objetiva dos riscos e o princípio da eficiência 27
Capítulo IV- LINHAS GERAIS SOBRE ALOCAÇÃO EFICIENTE DE RISCOS 30
4.1 Diretrizes básicas na alocação de riscos em contratos administrativos 34
4.2 Os riscos de caso fortuito e força-maior 36
4.2.1 Perdas de eficiência ex post 38
4.2.2 O seguro e os preços – ganhos de eficiência ex ante 40
4.3 O risco cambial 43
4.4 O risco político 44
4.5 Algumas externalidades positivas decorrentes da repartição objetiva dos riscos 45
4.5.1 Combate a ineficiência - a repartição objetiva dos riscos dificulta as renegociações dos contratos administrativos 45
4.5.2 As possíveis condutas oportunistas do particular 47
4.5.3 Renegociações como instrumento para burlar licitações 48
4.5.4 As possíveis condutas oportunistas do Estado 49
4.6 Prevenção ao fenômeno da seleção adversa 50
4.7 A fundamental autonomia do particular para gerenciar os riscos assumidos 51
4.8 Casos em que não é eficiente a repartição objetiva dos riscos 52
CONCLUSÃO 55
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 57
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
Nos últimos anos o Direito Administrativo Brasileiro passa por profundas reformas com a busca da superação gradual de conceitos e institutos clássicos que se afiguram anacrônicos na atual conjuntura de busca da eficiência na gestão pública, tais como: formalismo excessivo, legalidade estrita e supremacia do interesse público.
Contudo, permanece praticamente inalterada e pouco debatida a disciplina jurídica dos contratos administrativos no Brasil, regidos pela Lei nº 8.666/93. Uma das principais questões a ser enfrentada se refere à repartição de riscos nos contratos administrativos comuns1. A disciplina contida na Lei nº 8.666/93 aloca, na prática, de acordo com o modelo tradicional2 sustentado pela doutrina clássica3, grande parte dos riscos para o Estado, o que suscita efeitos perversos para a sociedade como: ineficiência, morosidade no cumprimento dos contratos, extrapolação dos prazos previstos e aumento de custos.
Como se sabe, a Lei nº 8.666/93 versa tanto sobre o procedimento licitatório como disciplina os contratos administrativos. No que concerne às disposições referentes ao procedimento licitatório, já houve reformas importantes e existem, em tramitação, propostas de reforma; todavia, o mesmo não ocorre com o regramento atinente aos contratos administrativos que permanece praticamente inalterado e sem propostas efetivas de mudança.
Não é difícil entender os malefícios provocados pela Lei de Licitações no âmbito dos Contratos Administrativos, como esclarece GUSTAVO BINENBOJM:
1 Pedimos vênia, para designar aqueles contratos administrativos regidos pela Lei nº 8.666/93, como contratos administrativos comuns.
2 Modelo que defende a constitucionalização da repartição de riscos contida no art. 65, II, d, da Lei nº 8.666/93.
3 Exemplos: Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xx Xxxxxx; Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx; Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. Ressalte-se que essa corrente é majoritária.
“A Lei 8.666/93 é, reconhecidamente, uma das piores leis de Licitações do Mundo. Um exemplo de academicismo jurídico prosaico, destituído de qualquer preocupação pragmática com resultados. E tal receita é ainda regada a altas doses de corrupção e pouca transparência” 4.
Verificando a superação do modelo consagrado na Lei nº 8.666/93, XXXXXX XXXXXX FILHO5 prevê que, em breve, o procedimento licitatório nos moldes atuais será objeto de profunda reformulação:
“Verifica-se forte tendência à alteração do modelo da Lei nº 8.666/93. Há difusão da sistemática do pregão (disciplinada pela Lei 10.520), que vem sendo aplicado de modo amplo. A Lei n° 11.079 (de 2 004) introduziu sensíveis inovações nas concorrências para outorgas de parcerias publico- privadas. É previsível que, em um futuro não muito distante, o procedimento licitatório siga disciplina muito diversa daquela prevista na Lei n° 8.666 ”.
Como regra, presume-se que para a manutenção do equilíbrio econômico- financeiro dos contratos administrativos, necessariamente, serão alocados ao Estado os riscos referentes à ocorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, conforme dispõe o art. 65, II, d, da Lei nº 8.666/93.6
Daí se segue a afirmação de que por força de tal Xxx, obrigatoriamente, os riscos delineados no art. 65, II, d, estariam sempre alocados ao Estado.
Tal interpretação acarreta o seguinte cenário: os contratos administrativos apenas em casos excepcionais são cumpridos pelo preço originalmente contratado.7
4 XXXXXXXXX, Xxxxxxx. Reforma da Lei de Licitações: poderia ser melhor. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvador, nº. 8, dezembro 2006./ janeiro/fevereiro.
5 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos – 11. Ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 12.
6 Art. 65, II, d - “para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.”
7 “Em geral, nossos contratos tratam de repartição de riscos de forma sumária, muitas vezes relapsa. Resolve-se a questão, normalmente, mediante aplicação do abstrato princípio da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, cujas diretrizes conformadoras estão fixadas em lei, mas
Esta constatação ratifica-se com a análise de alguns casos concretos, onde verifica-se uma total subversão dos valores, pois a regra que deveria ser o cumprimento do contrato pelo preço contratado se afigura como exceção, e, a majoração, por meio de aditivos, se converte em regra.8
Esse fenômeno pode ser facilmente compreendido com a análise do mencionado art. 65, II, d. O referido dispositivo possui uma série de conceitos indeterminados que são largamente utilizados pelos contratantes como subterfúgios para paralisar o cumprimento dos contratos e pleitear revisões das cláusulas econômicas do contrato, em prejuízo da Administração.
A Lei nº 8.666/93, da forma como vem sendo aplicada, se afigura como obstáculo a eficiência administrativa e, por isso, é antagônica ao Novo Direito Administrativo que a cada dia se desenvolve e avança no Brasil.
Não seria exagero, portanto, considerar que uma das inovações imprescindíveis em matéria de contratos administrativos regidos pela Lei nº 8.666/93 consiste na possibilidade de repartição objetiva de riscos9 entre o particular e a administração pública com a alocação dos riscos para a parte que puder gerenciá- los com maior eficiência.10
Registre-se que existe repartição de riscos em qualquer contrato. O que se busca demonstrar é a possibilidade da repartição objetiva dos riscos mencionados no art. 65, inc. II, d, e mais genericamente a separação da ideia de distribuição de
cuja aplicação prática é feita pelo Judiciário a cada caso, com o auxílio da doutrina acadêmica.” XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Repartição de Riscos nas Parcerias Público-privadas in Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 13, n. 25, jun. 2006, p. 158.
8 Não se está aqui a condenar todos os aditivos contratuais, pois é um instrumento essencial no desenrolar dos contratos administrativos.
9 Pede-se vênia ao leitor para denominar como “repartição objetiva de riscos” a possibilidade de alocação dos riscos contidos no art.65, II, d, da Lei nº 8.666/93, para o particular.
10
Para os fins do presente estudo, considerarei como eficiente qualquer medida que traga benefícios para todas as partes envolvidas ou cujos benefícios sejam suficientes para compensar as perdas sofridas pelas partes perdedoras.
riscos do sistema de manutenção das condições da proposta, previsto no art 37, XXI, da Constituição Federal.
Nesse cenário, com base nos preceitos constitucionais e legais referentes à matéria, o objetivo será o de procurar evidenciar que mesmo com o marco jurídico atual, a repartição objetiva dos riscos não possui óbice ou impedimento algum para a sua aplicação prática nos contratos administrativos comuns.
Observe-se que a repartição de riscos aqui vislumbrada só é possível se houver previsão no ato convocatório da licitação11 e, ao menos de forma implícita, na proposta apresentada pelo particular. Caso contrário, o equilíbrio econômico do contrato estaria sendo inegavelmente abalado embasando eventual pedido do contrante para reequilibrar o contrato.
Ademais, anote-se que a repartição objetiva de riscos não é aplicável de maneira eficiente a todas as contratações públicas, pois em algumas situações os benefícios gerados são menores que os custos incorridos na alocação dos riscos entre as partes. Isto é, não se defende no presente estudo uma aplicação generalizada da repartição de riscos em todos os contratos administrativos. O que se afirma é a possibilidade de repartição objetiva de riscos em contratos regidos pela Lei nº 8.666/93, nos casos em que proporcionar ganhos de eficiência.12
O estudo proposto demanda análises de natureza distinta, que estão ordenadas da seguinte forma:
(i) análise referente aos novos paradigmas do Estado e as evoluções do direito administrativo no Brasil;
(ii) descrição e análise do modelo tradicional de contratação administrativa;
11 Vale mencionar que a distribuição de riscos deve ser aquela prevista na minuta de contrato que acompanha o edital. E não a prevista na proposta do participante da licitação.
12 Ver melhor no item 4.8
(iii) a juridicidade do tema proposto diante da disciplina constitucional e legal das licitações e contratos administrativos e;
(iv) questões referentes a repartição eficiente de riscos em contratos administrativos.
Por essa razão, a exposição está organizada em partes distintas e será desenvolvida de acordo com o roteiro apresentado.
Capítulo I - NOVOS PARADIGMAS PARA O ESTADO
1.1 O novo direito administrativo
Até meados da década de 1990, a concepção de direito administrativo no Brasil, seguindo os influxos do direito administrativo francês, caracterizou-se pela centralização, pela excessiva afeição aos meios (formalismo), pelo desapego dos resultados e pela estrutura estatal hierarquizada. A conjuntura delineada justificava- se no modelo de estado social, com forte intervenção estatal nas atividades econômicas.
Em síntese, a principiologia da atividade administrativa caracterizava-se pela grande ênfase à discricionariedade administrativa, pela exclusão do administrado na formação do processo decisório, pela supremacia do interesse público sobre o particular e pela vinculação da administração ao princípio da legalidade estrita.
Nesse sentido, o direito administrativo era considerado como um mero conjunto de regras norteadoras da estrutura burocrática do Governo. Isto é, pensava-se o direito administrativo como a disciplina voltada apenas à organização da máquina administrativa do Estado, e daí o porquê da principiologia descrita acima.
O Direito Administrativo que até então havia sido influenciado preponderantemente pelo direito administrativo francês sofreu profundas mudanças em virtude da promulgação da Constituição de 1988.
Ademais, registre-se que a partir do processo de Reforma do Estado que se iniciou de maneira consistente apenas em meados dos anos 90, o direito administrativo não permaneceu inerte a todo o processo de transformação pelo qual passava o Brasil, pelo contrário, passou a ser um dos principais focos das novas demandas do novo modelo político que então começava a se desenhar.
Anote-se, nesse sentido, o surgimento das Agências Reguladoras e a consagração do princípio da eficiência como imperativo à atividade administrativa, ambos de inspiração no direito norte-americano.
As mudanças foram impostas pela nova realidade da sociedade e por suas novas demandas, incompatíveis com o modelo anterior, que se caracteriza pelo total desapreço aos resultados em razão do excessivo apego à forma.
Na prática, a mudança de concepção, privilegiando os resultados, significa, por parte do Estado, o compromisso de trabalhar com objetivos precisos, programas exequíveis e rígido controle de metas em áreas diversas do serviço público, como equilíbrio fiscal, desoneração da produção e estímulo ao crescimento e qualidade dos gastos públicos.
Como decorrência do processo de mudança dos paradigmas de atuação do Estado, antigos e arraigados dogmas começam a ser objeto de reflexão e por via de consequência, de alguma contestação, como a supremacia do interesse público13, a discricionariedade administrativa14, as cláusulas exorbitantes15, a legalidade estrita, e o Estado hierarquizado16.
Retratanto esses novos paradigmas do Estado, XXXXXXX XXXXXXXXX assevera que:
“o postulado segundo o qual a gestão pública, colocada a serviço do interesse geral, não podia ser medida em termos de eficácia, deu lugar à ideia de que a administração é obrigada, como todas as empresas privadas, a aperfeiçoar sem cessar o seu desempenho e a reduzir os seus custos; ela é obrigada a realizar as suas missões nas melhores condições possíveis, velando pela qualidade de suas prestações e utilizando do melhor modo possível os meios à sua disposição. O antigo mecanismo de legitimação estatal baseado na
13 Xxx XXXXXXXX, Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de. Interesse público v. interesse privado: descontruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
14 Ver GUERRA, Xxxxxx. Discricionariedade e Reflexividade: uma nova teoria sobre as escolhas administrativas. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2008.
15 Xxx XXXXXXX XXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxx. O Futuro das Cláusulas Exorbitantes nos Contratos Administrativos: Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, vol. XVII. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. p. 3-22.
16 Ver BINENBOJM, Xxxxxxx. Capítulo VI - Do Executivo Unitário à Administração Pública Policêntrica in Uma Teoria de Direito Administrativo”, Editora Xxxxxxx, 0000, p. 239
busca pelo interesse geral entrou em crise: a mera invocação do interesse geral não é mais suficiente; ainda é necessário que gestão pública comprove sua eficácia. (...) Certamente, como as empresas privadas, a administração deve gerir do melhor modo os meios que lhe são afetados; mas a eficácia se aprecia fundamentalmente por relação ao grau de realização dos objetivos fixados pelos eleitos e não em função apenas da rentabilidade financeira”17.
1.2 O direito administrativo do clips x o direito administrativo dos negócios
Com grande maestria o professor XXXXXX XXX XXXXXXXX sintetizou a dicotomia presente no direito administrativo brasileiro entre os institutos clássicos e os novos institutos decorrentes da concepção de direito administrativo que ora se desenvolve no Brasil.
Analisando os paradoxos e contradições do direito administrativo pátrio o autor verifica a existência de duas categorias de direito administrativo: a do direito administrativo do clips e a do direito administrativo dos negócios.
“Direito administrativo do clips (DAC) é o da Administração de papelaria, que age por autos e atos, trata direitos e deveres em papel, é estatista, desconfia dos privados, despreza a relação tempo, custos e resultados, não assume prioridades. Têm sido campos tradicionais desse modelo as atividades estatais de regulação (processos administrativos de licenciamento, registros, fiscalizações, aplicação de sanções e etc.) além da gestão financeira, de pessoal e de patrimônio da Administração Direta e autarquias. (.....) Ao DAC se opõe o direito administrativo do negócios (DAN), o dos que se focam em resultados e, para obtê-los, fixam prioridades, e com base nela gerenciam a escassez de tempo e de recursos. Para esse âmbito, valem práticas opostas às do DAC: aumenta a informalidade nos procedimentos; a inação é o pior comportamento possível do agente; soluções devem ser encontradas o mais rápido; acordos são desejáveis; evitar e eliminar custos é fundamental.”18
A definição de Direito Administrativo dos Negócios se aproxima muito do conceito de New Public Management19 que tem como fins reduzir o peso do Estado e transformar o modelo de gestão pública. Os princípios norteadores do New Public
17 XXXXXXXXXX, Xxxxxxx, O Estado Pós-moderno. Tradução Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx. Editora Forum. Belo Horizonte. 2009, p. 84 e 85.
18 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxx. O Direito Administrativo entre os clips e os negócios. In: Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxx; Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx. (Org.). Direito Administrativo e seus novos paradigmas. São Paulo: Fórum, 2008, p. 87-93.
19 Modelo inspirado no conceito de gestão concebido no Reino Unido no governo Xxxxxxxxx Xxxxxxxx.
Management são o desengajamento do Estado da esfera produtiva (privatizações); ampliação da autonomia de gestão (managerization); a submissão à competição (marketization) dos serviços mantidos na seara estatal; o acompanhamento rigoroso dos recursos públicos alocados (value for money) e uma gestão orientada pela a mudança de paradigmas (management for change).20
Talvez nenhuma outra Lei reflita melhor o denominado direito administrativo do clips do que a Lei nº 8.666/93. Enquanto a repartição objetiva dos riscos entre o particular e a administração consiste em instrumento inerente a concepção do direito administrativo dos negócios, ou até mesmo ao New Public Management, pois garante a redução de custos, a celeridade e a eficiência.
Com essa perspectiva que será estudada a possibilidade de repartição objetiva de riscos em contratos administrativos regidos pela Lei nº 8.666/93.
20 Op. Cit. XXXXXXXXXX, p. 86.
Capítulo II - O MODELO TRADICIONAL E SUA OBSOLESCÊNCIA
2.1 Descrição
O equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos possui matriz constitucional, no art. 37, XXI,21 que determina a manutenção das condições efetivas da proposta.
Por força do art. 65, II, d, da Lei nº 8.666/93, a doutrina tradicional apregoa que o conceito de equilibrio economico-financeiro do contrato vai além da manutenção das condições efetivas da proposta. Sustenta que, para o contrato estar equilibrado, haverá necessidade de reequilíbrio sempre que o particular sofrer prejuizos em decorrência de fatos imprevisíveis, previsíveis de consequências incalculáveis, caso fortuito ou força maior.22
Nesse sentido, XXXXX XXXXXXX XXXXXXXX XX XXXXX, destaca que o equilíbrio econômico-financeiro é uma equação intangível, uma “relação de igualdade formada, de um lado, pelas obrigações assumidas pelo contratante no momento do ajuste e, de outro lado, pela compensação econômica que lhe corresponderá”23.
Complementa o destacado autor:
“a proteção ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato é ampla e se manifesta com respeito às seguintes situações: (...) Agravos econômicos sofridos em razão de fatos imprevisíveis produzidos por forças alheias às pessoas contratantes e que convulsionam gravemente a economia do
21 Art. 37, XXI – “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.
22 Pede-se vênia para denominar o modelo explicitado acima como “modelo ou doutrina tradicional”.
23 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Curso de direito administrativo, 19ª edição Malheiros, 2005: São Paulo, p. 580.
contrato. Seria o caso, por exemplo, de acentuada elevação do preço de matérias-primas, causadas por desequilíbrios econômicos.”
Assim, os que defendem que foi constitucionalizado o modelo clássico de divisão de riscos para manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, sustentam que as disposições do art. 65, da Lei nº 8.666/93, integrariam o núcleo do art. 37, XXI, da Constituição Federal.
Este sistema atribui inevitavelmente à Administração, os ricos de caso fortuito, força maior, fato do príncipe, álea econômica extraordinária e ordinária de efeitos imprevisíveis.
Tal suposição leva a crer que a não repetição no contrato da repartição de riscos contida na Lei nº 8.666/93, configuraria negação da eficácia do princípio constitucional da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Após a compreensão das premissas básicas do modelo tradicional, é fundamental aplicá-las ao caso prático para verificar a sua falibilidade e entender o contexto em que se inserem as proposições contidas no presente estudo.
Em sintese, é possível sistematizar o funcionamento do modelo tradicional da seguinte forma:
(i) baseia-se na divisão dos riscos ou áleas em ordinários e extraordinários.24
(ii) o particular assume as áleas ordinárias e a Administração as áleas extraordinárias.
Por álea ordinária depreende-se aquela que está presente em qualquer tipo de negócio, é um risco que todo empresário corre, como resultado da própria flutuação do mercado. Sendo o risco previsível, por ele responde o particular.
24 Riscos e áleas possuem um significado semelhante nesse contexto.
Enquanto, a álea extraordinária consiste na ocorrência de fato imprevisível, inevitável e não imputável ao contratado, subdivide-se em álea administrativa e álea econômica.
Assim, a álea econômica consiste nos eventos econômicos imprevisíveis ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis (conforme expressamente previsto na Lei), independentes da vontade das partes, que alteram a situação econômica em que se insere o contrato.
Ou seja, na álea administrativa estão abrangidas as modificações unilateralmente impostas pela Administração Pública; as medidas governamentais gerais que repercutem indiretamente sobre o contrato (fato do príncipe) e as medidas administrativas diretamente dirigidas ao contrato, que venham a retardar, impedir ou agravar sua execução (fato da Administração).
Como regra, adotou-se a concepção de que eventos imprevisíveis ou de consequências imprevisíveis (álea extraordinária), posteriores ao oferecimento da proposta pelo particular, configuram motivo bastante a atrair a responsabilidade administrativa quanto ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
De forma geral, para verificar o equilíbrio econômico-financeiro o modelo tradicional adota o critério do fato ocorrido ter sido ordinário e extraordinário.
Contudo, como afirma XXXXXX XXXXXX XXXXX:
“inexiste critério objetivo capaz de diferenciar com proficiência álea ordinária e extraordinária. As tentativas em conceituar tendem a ser circulares ou repetitivas (tautológicas). Afirma-se que álea ordinária é a normal e inerente a um empreendimento, diversamente da extraordinária. Essa formula não é apta a fornecer um critério exato para solucionar problemas práticos.” 25
25 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética, 2003, p. 400
2.2 A insuficiência das definições de áleas ordinárias e extraordinárias
Em regra, como já foi explicitado acima, afirma-se que álea ordinária consiste nos riscos corriqueiros e inerentes a um empreendimento. Por outro lado, no que concerne aos riscos alocados ao Estado, a definição é extensa e pródiga, ao alocar especificamente alguns riscos como caso fortuito e força maior, ao invés de atribuir genericamente como fez com o particular, apenas a álea extraordinária — mesmo assim tal definição não deixa de ser imprecisa.
Em suma, o modelo descrito acima não fornece um critério eficiente para solucionar problemas práticos, pelo contrário, confunde ao invés de esclarecer.
A doutrina das áleas ordinárias e extraordinárias é vaga e indeterminada no que tange aos riscos suportados pelo particular. É justamente aí que reside o problema, pois cláusulas contratuais imprecisas se afiguram como uma receita infálivel para suscitar problemas no decorrer dos contratos.
Esclareça-se que existe uma grande variedade de situações concretas em que é impossível saber se o desequilíbrio econômico e financeiro do contrato se origina em fato relacionado a risco ordinário ou extraordinário, tomando-se por base as balizas do modelo tradicional.
Veja-se, como exemplo da imprecisão da doutrina das áleas, passagem do saudoso Professor XXXX XXXXXX, na qual é elaborada tentativa de diferenciação entre eventos ordinários e extraordinários:
“os fenômenos de instabilidade econômica ou social (guerras, crises econômicas, desvalorização da moeda) são as causas principais do estado de imprevisão, tanto pela importância do impacto de seus efeitos, como pela imprevisibilidade de suas conseqüências. (...) A imprevisibilidade não se refere, necessariamente, ao elemento perturbador em si mesmo, mas aos seus efeitos que ultrapassam à razoável previsão humana"26
26 XXXXXX, Xxxx. O equilíbrio financeiro na concessão de serviço público. Temas de Direito Público. Vol. I, Xxxxxxx, 1997, p. 209.
Nesse passo, algumas indagações se impõem: os fenômenos de instabilidade econômica e social sempre ensejam indenização ao contratado por parte do Estado? Tais acontecimentos são sempre imprevisíveis? O que seriam efeitos que ultrapassam à razoável previsão humana?
O que é importante inferir da passagem transcrita acima é a imprecisão que permeia as definições do modelo tradicional. Com definições abertas e indeterminadas não é possível solucionar as questões práticas que a realidade impõe, inerentes a qualquer contrato, seja público ou privado.
Como se vê, sem uma repartição objetiva dos riscos a serem alocados para cada parte, possível conflito tende a não ser resolvido ou sê-lo em prejuizo do Estado e por decorrência da sociedade.
Toda a insegurança e imprevisibilidade provocada pela alocação de riscos contida na Lei nº 8.666/93 suscita efeitos percebidos por toda a sociedade: não cumprimento dos prazos determinados com grandes atrasos nos cronogramas estabelecidos; aditivos contratuais de grande monta onerando sobejamente o erário e disputas judiciais intermináveis.
2.3 A confusão entre os conceitos de equilíbrio econômico-financeiro do contrato e da distribuição de riscos
Possivelmente, parte considerável das distorções referentes à alocação de riscos em contratos administrativos se refere a definições imprecisas e confusas de equilíbrio econômico-financeiro e de distribuição de riscos.27
27 Como exemplo da falta de distinção entre os dois institutos cite-se: “Além disso, é mais difícil fazer, no momento do contrato, uma previsão adequada do equilíbrio, uma vez que os acordos administrativos em geral envolvem muitos riscos decorrentes de várias circunstâncias, como a longa duração, o volume grande de gastos públicos, a natureza da atividade, que exige muitas vezes mão- de-obra especializada, a complexidade da execução e etc.” (XX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Administrativo, 21ª ed., Atlas, 2008, p. 261).
A distinção entre ambos é feita de maneira muito clara por XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX e XXXXX XXXXXXX XXXXX00.
Segundo tais autores, por equilíbrio econômico-financeiro do contrato depreende-se aquele instrumento comum em contratos de longo prazo, para lidar com as consequencias da passagem do tempo sobre o relacionamento das partes.
Já a distribuição de riscos é a principal função de qualquer contrato consistindo em antecipar e alocar a cada uma das partes a obrigação de assumir as consequências de ocorrências futuras.
Sendo assim, pode-se depreender que o equilíbrio econômico-financeiro do contrato concerne à fixação de critérios e procedimentos a serem observados para preservar a repartição de riscos pactuada no contrato.
Como se vê, no modelo tradicional a lógica é distinta, não havendo separação entre distribuição de riscos e equilibrio econômico-financeiro do contrato. Para a manutenção do equilíbrio do contrato, necessariamente os fatos imprevisíveis, de caso fortuito e força maior devem ser alocados ao Estado.
É sempre bom deixar claro que tal confusão não ocorreu por parte do constituinte, uma vez que próprio o art. 37, XXI, determina que apenas as condições efetivas da proposta deverão ser mantidas, não atribuindo riscos, em momento algum, a nenhuma das partes.
28 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx e PRADO, Xxxxx Xxxxxxx. Comentários à Lei de PPP - Parceria Público-Privada: Fundamentos Econômico-Jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 116 e 117.
Capítulo III - INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS SOBRE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
Os quatro argumentos:
3.1 A manutenção das condições efetivas da proposta
Nada obstante, a matriz constitucional do equilíbrio econômico-financeiro dos Contratos Administrativos está contida no art. 37, XXI, da Carta de 1988:
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Ressalte-se, que é considerável a diferença entre a disciplina constitucional e aquela prevista no art. 65. A Lei nº 8.666/93 vai muito além ao confundir os conceitos de risco e manutenção do equilíbrio econômico e financeiro do contrato.
Ora, por equilíbrio entende-se a preservação das condições contratadas originalmente como reza a Constituição. Contudo, a Lei nº 8.666/93 inova ao determinar a revisão dos contratos na ocorrência de fatos abrangidos pela álea extraordinária.
O conceito constitucional de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato apenas assegura a intangibilidade das condições previstas na proposta, resguardando o particular de intervenções administrativas autoritárias no âmbito das cláusulas econômicas do contrato. Nada obstante, não é possível extrair do texto constitucional qualquer restrição à livre disposição pelas partes quanto a partilha de
responsabilidades sobre os riscos decorrentes da execução de determinado contrato.
Nesse sentido, XXXXXXXXX XXXXXX XX XXXXXX defende a constitucionalidade da repartição de riscos em contratos de concessão, ou seja, aqueles regidos pela Lei nº 8.987/95. Segundo o autor
“… a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro referido constitucionalmente é inferida apenas da exigência de manutenção das ‘condições efetivas da proposta’ (art. 37, XXI, CF), tornando admissível a repartição de riscos diversa dos parâmetros da doutrina clássica, seja para atribuir à concessionária riscos que normalmente eram considerados como sendo do poder concedente ou vice-versa, desde que prevista no ato convocatório da licitação e, conseqüentemente, ao menos de forma implícita, da proposta apresentada pelo concessionário.”29
Embora o autor defenda a repartição de riscos na seara das concessões comuns, a mesma argumentação se aplica sem restrições aos contratos administrativos comuns, pois a lógica interpretativa é a mesma. Vale lembrar que a Lei nº 8.666/93 se aplica às concessões — mesmo que de maneira subsidiária — o que reforça o entendimento de que grande parte da argumentação favorável à aplicação da repartição de riscos às concessões comuns se aplica também aos contratos administrativos comuns.30
O que ocorre, tal como demonstrado acima, é a confusão entre os conceitos de distribuição de riscos e manutenção das condições efetivas da proposta.
Mesmo considerando esta argumentação suficiente para demonstrar a constitucionalidade da repartição riscos em contratos administrativos, os argumentos favoráveis não se esgotam aqui, pelo contrário.
29 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de. Direito dos Serviços Públicos. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 1. pp. 649 e 650.
30 No mesmo sentido XXXXXX XXXXX, XXXXXX XXXXX, XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX, XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX e XXXXX XXXXXXX XXXXX..
3.2 Eventos de natureza extracontratual?
O segundo argumento que fundamenta a aplicação da repartição de riscos em contratos administrativos regidos pela Lei nº 8.666/93 é extraído da própria redação do art. 65, II, d. Tal dispositivo prevê que:
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
(…)
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
Todavia, o modelo tradicional parece ignorar aspecto fundamental do dispositivo transcrito — imprescindível para a sua correta interpretação —, o termo extracontratual, consagrado na parte final do dispositivo.
Como apontam XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX e XXXXX XXXXXXX, a
doutrina tradicional passa ao largo do fato de que o dispositivo exige, como fundamento para o reequilíbrio, que o evento seja extracontratual. Com efeito, por exemplo, se eventos considerados de força-maior tiverem sido tratados no contrato como hipóteses que não ensejam a recomposição do equilíbrio econômico- financeiro do contrato, então por certo, não se poderá recorrer ao art. 65, II, d.31
XXXXX XXXXXX XXXXXXX DI XXXXXX assevera que:
“a álea econômica consiste em circunstancias externas ao contrato, estranhas à vontade das partes, imprevisíveis, excepcionais, inevitáveis, que causam desequilíbrio muito grande, tornando a execução do contrato excessivamente onerosa para o contratado”.32 (Grifos nossos)
31 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx e XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Comentários à Lei de PPP - Parceria Público-Privada: Fundamentos Econômico-Jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2007 p.122.
32 DI XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Administrativo, 21ª ed., Atlas, 2008, p. 262.
Importante registrar que é por força do termo extracontratual que as disposições contidas no dispositivo em exame afiguram-se constitucionais. Caso contrário, de acordo com a doutrina tradicional poder-se-ia imaginar situação em que as “condições efetivas da proposta” — consagradas constitucionalmente — fossem alteradas por força do art. 65, II, d. É nesse ponto que o termo extracontratual compatibiliza o art. 65 com o art. 37, XXI, da Constituição Federal, e ai que reside sua fundamental importância.
Portanto, se por um lado haverá incidência do art. 65 apenas em relação aos eventos extracontratuais, por outro lado prevalecerão as condições efetivas da proposta em relação aos riscos previstos no contrato, de forma a preservar as condições efetivas da proposta consagradas pela Constituição de 1988.
3.3 Os riscos contratuais e a manutenção das condições da proposta
O terceiro argumento se relaciona com o segundo e é bastante singelo. Em uma situação em que o contrato administrativo comum, contemple uma repartição de riscos entre o Estado e o particular atribuindo a este último os riscos de caso fortuito e força maior, caso ocorra a aplicação do art. 65, II, d, esta é inconstitucional porque não se pode alterar as condições efetivas da proposta.
3.4 A repartição objetiva dos riscos e o princípio da eficiência
Por fim, o quarto argumento: considerando os ganhos que a repartição de riscos pode trazer, sua aplicação se legitima sob o prisma do princípio da eficiência, norteador da Administração Pública, nos termos art. 37, caput, da Constituição Federal.
Com a mesma inspiração foi elaborada a Lei nº 11.079/04, a Lei de PPPs, que instituiu normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada
no âmbito da administração pública.33 Nos termos do seu art. 4°, VI, na contratação de parceria público-privada uma das diretrizes a serem observadas é a repartição objetiva de riscos entre as partes. Prevê ainda o art. 5°:
Art. 5o As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever:
(…)
III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária
Percebe-se, assim, que é consagrada expressamente a possibilidade de alocação de riscos referentes álea extraordinária para o particular.
A Lei de PPP é sem dúvida alguma, um dos melhores exemplos da incidência do novo direito administrativo, em que o fim almejado é a eficiência. O formalismo e a burocracia são pormenorizados em prol dos resultados, com uma série de inovações no que tange aos contratos administrativos; contrapõe-se, assim, ao anacronismo representado pela Lei nº 8.666/93.
Estudo empírico realizado no Reino Unido34 — a propósito das PFI35 — aponta que esta modalidade contratual propicia economia média de 17% frente aos contratos administrativos comuns; e que 60% desses ganhos econômicos, resultam de uma repartição de riscos eficiente.36
A repartição de riscos mantendo as condições previstas na proposta é plenamente factível e em algumas situações é recomendável a sua aplicação, por
33 Xxx XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx e XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Comentários à Lei de PPP - Parceria Público-Privada: Fundamentos Econômico-Jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 120 e ss.
34 “The average percentage estimated saving against the PSC for our sample of projects was 17%. On the basis of the public sector’s own figures, the PFI therefore appears to offer excellent value for money. Projected savings are, however, sensitive to risk transfer valuations that accounted for 60% of forecast cost savings.” XXXXXX XXXXXXXX AND ENTERPRISE LSE. Value for money drivers in the private finance initiative. Londres: The Treasury Taskforce, 2000, p. 3.
35 As Project Finance Iniciative (PFI), do Reino Unido, inspiraram a criação das PPPs brasileiras e por isso os institutos são muito semelhantes.
36No mesmo sentido: “A recent survey commissioned by the UK Treasury Taskforce on PPP identified that the average percentage saving in net present cost terms of using PPPs was estimated at 17% over the contract duration”. (EUROPEAN COMMISSION. Guidelines for Successful Public – Private Partnerships, 2003, p. 55.)
força do princípio da eficiência, norteador da atividade administrativa (art. 37, caput,
da C.F.).
Parte dos ganhos de eficiência que as PPPs proporcionam podem ser incorporados aos contratos administrativos comuns, por meio de uma eficiente repartição objetiva dos riscos.
Capítulo IV- LINHAS GERAIS SOBRE ALOCAÇÃO EFICIENTE DE RISCOS
Como visto, a possibilidade de repartição objetiva de riscos relacionados a eventos considerados imprevisíveis, em contratos administrativos, foi prevista expressamente no Brasil pela Lei nº 11.079/04.37
A Lei é inovadora na medida em que consagra o conceito de que os riscos devem ser distribuídos para a parte que pode gerenciá-los a um custo mais baixo. Registre-se que essa é a noção que inspira e orienta o presente estudo.
Por exemplo, a Lei nº 8.987/95 — que disciplina as denominadas concessões comuns — assevera que o contrato corre por conta e risco do particular. Todavia, por não haver uma repartição objetiva de riscos, na esmagadora maioria dos contratos já celebrados, persiste a incidência do art. 65 da Lei nº 8.666/93. Dessa forma o art 2º38, da Lei nº 8.987/95 fica esvaziado e na prática os riscos do contrato correm — pelo menos em parte — por conta do Estado, de maneira similar ao que ocorre com os administrativos comuns estruturados de acordo o modelo tradicional.
A doutrina tradicional entende que nas concessões comuns todos os riscos correm por conta e risco do particular, mesmo com incidência do art. 65, II, d 39.
A propósito das concessões comuns, XXXXXX XXXXXXX XXXXX discorda do modelo tradicional e aponta:
37 Note-se, que mesmo antes da edição da Lei das PPPs, já era possível a alocação dos riscos contidos no art.65, II, d, para a parte que pode gerenciá-los a um custo mais baixo, o que a Lei fez foi prever expressamente tal possibilidade.
38 Art 2º, da Lei nº 8.987/95: Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.
39 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. O Risco no Contrato de Concessão de Serviços Públicos, Belo Horizonte: Fórum, 2006, pp. 102. “Mais a maior das contradições da doutrina tradicional do risco na concessão de serviço publico está no fato de admitir teoricamente a transferência total dos riscos ao concessionário, porém, ao mesmo tempo, reconhecer que há garantia do concessionário em relação a alguns riscos relacionados ao empreendimento, geralmente chamados de riscos extraordinários ou de álea extraordinária”.
“… não importa em transferência ao concessionário de todos os riscos inerentes ao empreendimento. Importa, sim, transferência ao concessionário dos riscos que o contrato indicar. Melhor dizendo, são ‘por conta e risco’ da concessionária aqueles riscos que o contrato, expressa ou implicitamente, lhe transferir”.40
Fora isso, é fundamental compreender que a lógica de atribuir todos os riscos para o particular pode revelar grande ineficiência. Em alguns casos, determinados riscos são mais bem absorvidos pelo Estado.
“The principle governing risk transfer is that the risk should be allocated to whoever from the public or private sector is able to manage it at least cost.” 41
Apenas para exemplificar a origem dos ganhos decorrentes da repartição de riscos, vamos recorrer a um exemplo singelo para explicar como isso ocorre. Imaginemos que um contrato administrativo deixe de transferir para o parceiro privado os riscos atinentes aos custos de execução de uma obra. Nesse caso, é óbvio que o parceiro privado não terá nenhum incentivo para reduzir custos, pois é o Estado quem os custeará em última instância. Desse modo, a tendência é que os custos corram livremente, gerando um desperdício de recursos públicos com o aumento dos valores globais da obra.42
A primeira questão que se coloca é que a distribuição de riscos deve ser feita caso a caso43. Por mais que existam regras e guidelines a respeito da forma mais eficiente de alocar riscos entre o Estado e o particular, é fundamental que haja
40 O art. 10, da Lei nº 8.987/95, parece confirmar essa tese: “Sempre que forem atendidas as condições do contrato, considera-se mantido seu equilíbrio econômico-financeiro”.
41 “An optimal sharing of risk between the private and public sector should recognise that there are certain risks that are best managed by the government and to seek to transfer these risks would either not be available or not offer value for money for the public sector. The government pays for inappropriately transferred risks through higher service charges.” (XXXXXX, Xxxxx. The United Kingdom Private Finance Initiative: The Challenge Of Allocating Risk in OECD Journal on Budgeting – volume 5 – no. 3, p. 46).
42 Teoricamente esses seriam riscos ordinários e, portanto, a cargo exclusivamente do particular, mas em decorrência da não repartição objetiva de riscos, em conduta oportunista o particular, em muitos casos, pleiteia a revisão.
43 “Note-se que o exercício de busca do desenho contratual mais eficiente é algo que se deve fazer caso a caso.” (XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx e XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Comentários à Lei de PPP - Parceria Público-Privada: Fundamentos Econômico-Jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 117).
flexibilidade na alocação de riscos e daí porque a incoveniência da distribuição de riscos ser feita por Lei44.
Demonstrando como cada situação é única e não há regras rígidas ou modelos de alocação de riscos estáticos, a Espanha quebrou paradigmas em relação ao modelo de suas estradas pedagiadas.45
De acordo com o Guide Book das Nações Unidas, há cerca de 30 anos, o governo espanhol, em um esforço para melhorar suas estradas na região costeira — com o intuito de impulsionar o turismo —, tomou uma decisão corajosa. Assumiu o risco cambial sobre o projeto, algo que, de acordo com a prática comum, pode ser considerado impróprio. Esse modelo persiste até os dias atuais. No entanto, com base em um cálculo dos custos decorrentes do risco cambial — mesmo sem considerar os benefícios ao setor de turismo decorrentes da melhoria das estradas
— parece que neste período o governo nada perdeu ao assumir esse risco. 46
Neste ponto, é fundamental consignar uma nota: a possibilidade de distribuição de riscos em contratos administrativos e a flexibilidade desses modelos, não conferem um “cheque em branco” para o administrador. A alocação de riscos apenas se justificará se for eficiente, e para isso deverá observar uma série de regras prudenciais na sua elaboração, que serão desenvolvidas adiante.
Com efeito, seria fundamental que o Governo Brasileiro elaborasse Guia concernente a alocação de riscos em contratos administrativos.47
44 “Mais do que isso, como as PPPs podem ser aplicadas a diversos setores da economia, a alocação de riscos mais eficiente pode variar a cada caso. Portanto, uma combinação de análise técnica e bom senso por parte dos administradores é indispensável para que se atinjam resultados satisfatórios.” (XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Repartição de Riscos nas Parcerias Público-privadas in Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 13, n. 25, jun. 2006, p. 167 e 168)
45 O exemplo se refere a uma concessão, mas serve para demonstrar como o quadro da distribuição de riscos não é estático e nem pode existir modelo pré-definido aplicável rigidamente a todos os casos.
46 UNITED NATIONS. Guidebook on Promoting Good Governance in Public-Private Partnerships, 2008, p. 39.
47 A elaboração de Guidelines não é uma pratica inédita no Brasil, como exemplo, é possível citar a Portaria 50, do CADE, que versa sobre Concentrações Horizontais.
A segunda questão que se coloca é que a Administração deve identificar os riscos no início dos projetos, antes de ser elaborado o edital. Um bom ponto de partida pode ser usar uma lista de verificação dos riscos, que normalmente aplicam- se com pequenas variações aos projetos de infra-estrutura.48
É fundamental que a alocação de riscos ocorra antes da celebração dos contratos, visto que, normalmente, as partes, chegam com mais facilidade a um acordo sobre a alocação de um risco do que de um prejuízo.49
A terceira questão segue a segunda. Depois da Identificação dos riscos do projeto, em específico, é fundamental que a repartição seja objetiva, sendo cada risco atribuído ao Estado ou ao Particular.50
Ressalte-se que uma alocação eficiente de riscos pode gerar bons resultados para todas as partes.
“Porém, para que isso ocorra, é essencial que o contrato seja claro e objetivo. A vagueza do contrato deve ser evitada a qualquer custo, pois coloca o Estado à mercê de comportamentos oportunistas do parceiro privado.”51
A quarta questão que se coloca consiste na importância de um processo licitatório bem elaborado. Um processo licitatório bem conduzido é fundamental dada uma particularidade fundamental das contratações públicas: a formação de uma parceria com parceiros desconhecidos.
48 Uma ferramenta útil tanto para o governo como para setor privado é a matriz de risco. Durante a elaboração do edital, pode servir como uma lista de verificação para garantir que todos os riscos sejam abordados. (UNITED NATIONS. Guidebook on promoting Good Governance in Public-Private Partnerships, p. 36)
49 XXXXXX, Xxxxxx e XXXX, Xxxxxx. Direito e Economia - tradução Xxxx Xxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx. 5ª Edição – Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 223.
50 “Good risk management requires a thorough appraisal of all possible risks attached to a deal and the development of contingencies should the risks crystallize.” (XXXXXX, Xxxxx. The United Kingdom Private Finance Initiative: The Challenge Of Allocating Risk in OECD Journal on Budgeting – volume 5 – no. 3, p. 50)
51 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Repartição de Riscos nas Parcerias Público-privadas in Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 13, n. 25, jun. 2006, p. 160.
Tal risco é acentuado por uma característica do processo licitatório: não há negociação prévia por períodos estendidos permitindo um grau de conhecimento e confiança a ser estabelecido entre as partes como acontece no setor privado.
Como a Administração não pode escolher com base em critérios subjetivos, o processo licitatório precisa afastar concorrentes inescrupulosos e que não reúnem condições para executar o projeto da forma pactuada.52
4.1 Diretrizes básicas na alocação de riscos em contratos administrativos
Apesar da já mencionada flexibilidade do administrador para a realização da distribuição de riscos, existem diretrizes básicas que se aplicam a imensa maioria das contratações públicas e que precisam ser observadas.
Vale lembrar que a identificação da alocação de riscos mais eficiente não é uma tarefa singela, visto que está condicionada a uma série de informações técnicas, que nem sempre estão disponíveis ou a estudos extremamente sofisticados. 53
Isso não nos impede, contudo, de reconhecer na teoria econômica e na experiência internacional, diretrizes básicas que podem nortear as decisões do administrador público na alocação de riscos.
Nesse sentido, sublinhe-se que subscrevemos todas as diretrizes apontadas por XXXXXX XXXXXXX XXXXX, em estudo pioneiro a propósito da Repartição de Riscos em Parcerias Publico-Privadas. Apesar do foco do referido estudo ser a Repartição de Riscos em PPPs, entedemos que as diretrizes são inteiramente aplicáveis e compatíveis com contratos administrativos regidos pela Lei nº 8.666/93.
52 “Inherent risk is associated with forming a partnership with unknown partners. This is accentuated through a public procurement process which does not facilitate extended negotiation periods allowing a degree of knowledge and confidence to be established.” (EUROPEAN COMMISSION. Guidelines for Successful Public – Private Partnerships, 2003, p. 52).
53 Registre-se, que a repartição de riscos de contratos administrativos comuns é mais simples do que nas concessões comuns e PPPs patrocinadas, porque não há o risco de demanda.
A primeira diretriz aponta que os riscos devem ser alocados para a parte que puder, a um custo mais baixo, reduzir as chances de que o prejuízo venha a se materializar ou, não sendo isso possível, mitigar os prejuízos resultantes. Normalmente, essa parte é aquela que tem maior controle sobre os riscos em questão ou sobre suas consequências.54 55
Alocando riscos para quem tem maior controle sobre eles, cria-se um incentivo econômico — a possibilidade de perdas caso o risco se materialize — para que sejam tomadas as medidas necessárias para minimizar o risco e os prejuízos resultantes de sua materialização.56
A segunda diretriz indica que não é recomendável a alocação de riscos para agentes econômicos que possuem capacidade de externalizar suas perdas. Isto porque a criação de um incentivo para prevenir ou mitigar a materialização de um risco perde o seu significado quando uma das partes pode transferir os prejuízos para terceiros.
Por decorrência, na maior parte dos casos, a lógica dos incentivos da alocação de riscos a uma das partes não funciona adequadamente no que se refere ao Estado. O motivo é simples, o Estado pode transferir todos os seus custos para os contribuintes. Com efeito, possíveis perdas sofridas não estimulam uma administração mais eficiente de custos.57
54 Ademais, condutas oportunistas geradas pelo desalinhamento de interesses são coíbidas. Tal desalinhamento poderia fazer com que a parte que tem maior controle sobre os custos deixasse de evitá-los ou até mesmo provocá-los intencionalmente, já que não paga por eles.
55 Um bom exemplo dessa diretriz é a atribuição para o particular dos riscos de contrução: “The private sector is clearly in a stronger position to anticipate many Project risks, and in particular the construction and operating risks.” (INTERNATIONAL MONETARY FUND. Government guarantees and fiscal risk, 2005, p. 7)
56 “A key principle of PPPs is that risk should be allocated to the party best able to manage it. The effective allocation of risk has a direct financial impact on the project as it will result in lower overall project costs and will therefore provide enhanced value for money if compared to traditional procurement methods.” (EUROPEAN COMMISSION. Guidelines for Successful Public – Private Partnerships, 2003, p. 50).
57 “O custo esperado de uma alocação de risco para o Estado tende a ser maior por sua capacidade de externalizar perdas, já que essa capacidade retira-lhe os incentivos econômicos para minimizar custos.” (XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Repartição de Riscos nas Parcerias Público-privadas in Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 13, n. 25, jun. 2006, p. 169).
A terceira diretriz é mais controversa. Em tese, se uma das partes pode obter seguro contra determinados riscos a um custo mais baixo, deveríamos atribuir a ela esses riscos.58
A quarta diretriz é bastante simples e lógica. Em todas as hipóteses em que não estiver claro qual é a alocação de riscos mais eficiente, devem ser alocados para a parte sobre a qual eles recaem normalmente, pois é menos oneroso deixar as coisas como estão do que alterá-las.59
Após breve exposição dessas diretrizes básicas que devem nortear as repartições de riscos em contratos administrativos, é fundamental traçar algumas considerações a respeito de alguns dos riscos mais relevantes que podem surgir durante a execução do contrato:
(i) riscos de caso fortuito e força-maior;
(ii) riscos cambiais; e
(iii) riscos políticos.
A análise que será feita adiante é resultado das diretrizes explicitadas acima.60
4.2 Os riscos de caso fortuito e força-maior
58 Essa diretriz será melhor analisada no item 4.2.2.
59 “Desta forma, evitam-se os custos indiretos relacionados a compensações econômicas, tais como o custo de fiscalizar se o prejuízo é mesmo compensável, o custo de determinar o montante da perda e o custo de eventuais compensações indevidas resultantes de comportamento oportunista.” (XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Repartição de Riscos nas Parcerias Público-privadas in Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 13, n. 25, jun. 2006, p. 170)
60 Esses são alguns exemplos de aplicação de diretrizes microeconômicas, baseadas no princípio da eficiência, que podem auxiliar o administrador público em sua tarefa. Não se deve esquecer, contudo, que as diretrizes acima não são absolutas, muito menos universais. Sua aplicação — ou descarte — exige informação, ponderação e razoabilidade. Cabe ao administrador público executar essa tarefa com bom senso, buscando determinar a alocação mais adequada a cada caso. (Idem, p. 174).
Um dos principais argumentos utilizados contra a alocação dos riscos de caso fortuito e força maior para o particular consiste na tese de que nesse caso, os valores globais dos contratos administrativos sofreriam grande aumento, pois os particulares precificariam tais riscos o que suscitaria um considerável aumento nos preços contidos na proposta. Ressalte-se que essas considerações são subscritas por juristas de xxxxx xxxxxx.
Nesse sentido, podemos citar XXXXXX XXXXXX FILHO:
"Se os particulares tivessem de arcar com as consequências de todos os eventos danosos possíveis, teriam de formular propostas mais onerosas. É muito mais vantajoso convidar os interessados a formular a menor proposta possível: aquela que poderá ser executada se não se verificar qualquer evento prejudicial ou oneroso posterior. Concomitantemente, assegura-se ao particular que, se vier a ocorrer o infortúnio, o acréscimo de encargos será arcado pela Administração. Em vez de arcar sempre com o custo de eventos meramente potenciais, a Administração apenas responderá por eles se e quando efetivamente ocorrerem. Trata-se, então, de reduzir os custos de transação atinentes à contratação com a Administração Pública."61
Da mesma forma sustenta XXXXXXXXX XXXXXX NESTER:
“Não fosse assim, o risco assumido pelos particulares que contratam com o Poder Público seria de tal ordem que inviabilizaria a formulação de propostas condizentes com os preços correntes de mercado. Toda contratação administrativa abrangeria a álea extraordinária. A busca da Administração pelo preço mais vantajoso restaria frustrada pela provável postura defensiva (e legítima) dos particulares, que formulariam propostas com preços tão elevados quanto necessário para evitar, além dos riscos normais às atividades empresariais e ao mercado (álea ordinária), os riscos extraordinários e imprevisíveis. Haveria um acréscimo automático e indesejado nos custos de transação.”62
Tal situação é prevista também por XXXXX XXXXXX:
61 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos – 11. Ed. São Paulo: Dialética, 2005, p.542.
62 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx. A Variação Cambial e o Equilíbrio Econômico-Financeiro dos Contratos Administrativos in Revista de Direito Público da Economia n. 2. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 127
“If the public sector seek to transfer risks which the private sector cannot manage, value for money will reduce as the private sector seeks to charge a premium for accepting such risks.” 63
De fato, a alocação para o Estado dos riscos atinentes a álea extraordinária na execução de contratos administrativos, pode apresentar ganhos ex ante64. Isto ocorre em razão da desconsideração — pelos particulares — dos riscos atinentes a eventos imprevisíveis ao tempo da formulação da proposta no curso do processo licitatório, pois evita a precificação desta insegurança, favorecendo preços mais vantajosos à Administração.
Com a devida vênia, tal entendimento não é absoluto e merece maior reflexão, por dois motivos:
(i) a não alocação de riscos ao particular suscita perdas de eficiência ex post65;
(ii) as hipóteses de seguro mitigam as perdas ex ante66 decorrentes da alocação de riscos para o particular.
4.2.1 Perdas de eficiência ex post
A alocação dos riscos de força maior e caso fortuito ao Estado pode revelar uma ineficiência ex post, na medida em que se subtrai o incentivo ao contratado à economia e eficiência na administração dos custos de produção do contrato.
É fundamental consignar que determinados riscos mesmo sendo imprevisíveis podem ser mitigados e gerenciados pelo particular, pois estão
63 The United Kingdom Private Finance Initiative: The Challenge Of Allocating Risk in OECD Journal on Budgeting – volume 5 – no. 3, p. 46.
64 Ganhos que se referem a eventos futuros e ocorrem em momento anterior a formação do contrato.
65 Por perdas ex post depreende-se aqueles prejuízos que ocorrem depois da formação do contrato.
66 Por perdas ex ante designam-se os prejuizos futuros com que as partes se defrontam durante a negociação de determinado contrato.
diretamentamente relacionados à sua esfera de atuação que é a execução do contrato. Vale lembrar ainda que em muitos casos o particular reune melhores condições de buscar a prevenção de certos riscos.67
Quando é assegurada ao contratado a garantia à recomposição integral da equação econômico-financeira do contrato por eventos imprevisíveis, mesmo em hipóteses em que há capacidade de mitigação ou minimização de perdas decorrentes da materialização de riscos inerentes a conduta do particular, não há incentivos a uma gestão mais eficiente dos custos desses riscos, gerando-se uma ineficiência contratual.
Em excelente sintese, XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX00, alude a um exemplo em que “uma camada rochosa não identificada ao tempo da firmatura do ajuste (no projeto básico) de um contrato de execução de obra exija, com vistas à sua remoção, intervenções tecnológicas sofisticadas, disponíveis em diversas configurações e tipos no mercado”.
Conclui o autor que
“… a certeza quanto ao ressacimento pleno e integral do custeio dessas contigências gerará um desincentivo ao contratado quanto à sua gestão eficiente. A administração destes custos de produção gerados à conta da situação imprevista — a escolha pela opção tecnológica adequada, o alcance do barateamento dos custos, a negociação com terceiros e etc. — não será movida pela busca à racionalização, desestimulada que está pela certeza da recomposição integral dos prejuízos pela Administração. A ausência de incentivo a uma execução racionalizada destas contigências pelo contratado gera uma ineficiência contratual — que acarreta a elevação dos custos globais necessários à produção contrato”.
67 XXXXXX XXXXXXX XXXXX concorda com a essa tese: “transferir o risco para o setor público geraria custos indiretos, já que as perdas relacionadas a caso fortuito e força maior normalmente recaem sobre o parceiro privado”. (Repartição de Riscos nas Parcerias Público-privadas in Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 13, n. 25, jun. 2006, p. 173).
68 XXXXXXXX XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. “A Repartição de riscos em contratos de Parceria Público- Privada”, In Revista de Direito Público da Economia n. 24. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 167.
Nesse sentido, importante citar o modelo adotado no Reino Unido, por ocasião das obras de expansão do Metrô de Londres. Em obras dessa natureza, durante a perfuração dos túneis, descobrem-se cabos e dutos subterrâneos (interferências imprevistas) que não se sabia anteriormente estarem na rota dos túneis. O Governo Britânico, de maneira pioneira, entendeu que o particular reunia melhores condições de lidar com as interferências, por ser ele quem pode tomar as precauções para evitar a ocorrência de danos ou caso estes ocorram, pode repará- los a um custo menor. 69
Enfim, são inúmeras as situações em que o particular — mesmo lidando com riscos imprevisíveis — possui melhores condições para preveni-los e nos caso de materialização dos mesmos, agrega maior capacidade de gerenciá-los e minimizá- los a um custo menor.
4.2.2. O seguro e os preços – ganhos de eficiência ex ante
Em relação aos possíveis aumentos de preços em decorrência da precificação pelos particulares dos riscos de fatos imprevisíveis, existe um remédio contra tal fenômeno, a contratação de seguro.70 O seguro mitiga as perdas ex ante.
Nesse sentido, sempre que houver a possibilidade de contratação de seguros, os riscos de caso fortuito e força maior devem ser atribuídos ao particular já que estas perdas, na maioria dos casos, normalmente recaem sobre particular. 71
Registre-se que a contratação de seguro é fundamental, pois, caso contrário, o particular cobrará um valor extra pela assunção dos ricos que não pode gerenciar.72
69 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx e XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Comentários à Lei de PPP - Parceria Público-Privada: Fundamentos Econômico-Jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 119.
70 Nesse contexto, as “guarantees” oferecidas pelo Estado, possuem o mesmo significado dos seguros.
71 XXXXXX XXXXX concorda: “Com relação ao risco de caso fortuito ou força maior, a solução mais indicada é a alocação para o setor privado sempre que houver cobertura securitária”. (Repartição de Riscos nas Parcerias Público-privadas in Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 13, n. 25, jun. 2006, p. 173)
Havendo a contratação de seguro, os riscos estarão garantidos e isso evitará que os participantes da licitação precifiquem tais riscos em suas propostas o que ensejaria, de fato, um aumento abrupto nos preços dos contratos administrativos.
Nada obstante, pode-se argumentar que a solução exposta acima encontra dois grandes óbices à sua aplicação:
(i) o setor privado pode não oferecer seguro para determinados contratos administrativos; ou
(ii) as seguradoras privadas podem oferecer cobertura securitária a preços impraticáveis o que também ensejaria um aumento global dos preços nos contratos administrativos.
Contudo, existe solução para ambos os problemas já aplicada com sucesso em alguns países.
Um bom exemplo é uma estrutura alternativa, já utilizada com sucesso no Chile73. Nesse caso, o Estado, de fato, vende a sua proteção.
Alguns contratos chilenos de concessão estabelecem que o setor privado pode optar por absorver determinados riscos ou pagar uma remuneração ao Estado para que ele o faça.
Esse modelo garante a eficiência da alocação de riscos, desde que a proteção seja precificada adequadamente. Dessa forma, caso o particular adquira a garantia, estará confirmada a hipótese de que o governo é mais eficiente que o setor
72 “Natural disaster risk is a case in point, where the commercial availability of catastrophe insurance is likely to determine whether the private sector bears this risk.” (INTERNATIONAL MONETARY FUND. Government guarantees and fiscal risk, 2005, p. 8).
73 XXXXXX XXXXX também cita o modelo chileno como referência (Repartição de Riscos nas Parcerias Público-privadas in Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 13, n. 25, jun. 2006, p. 170).
privado na absorção desses riscos. Todavia, caso o particular possa absorver o risco a um custo mais baixo que o fixado pelo governo, a garantia não será adquirida.
Entretanto, as garantias oferecidas pelo Estado devem ser utilizadas apenas em casos restritos, pois a sua aplicação generalizada pode retirar do particular incentivos para que seja eficiente na execução do contrato.74 Se as garantias se converterem em regra, o particular terá sempre a expectativa de que eventuais prejuízos estarão garantidos pelo Estado e com isso não terá incentivos para prevenir ou minimizar os riscos atribuídos a ele.75
Por isso, é imprescindível nos casos em que o Estado atue como segurador, uma parcela do risco permaneça com o setor privado:
“Whatever the type of guarantee, the private sector should be left bearing some risk at the margin. Partial guarantees limit moral hazard and adverse selection problems. Deductibles, ceilings on government exposure (e.g. loan guarantees covering only a proportion of loan principal or interest), collateral requirements, delays before compensation is paid, and asserting the seniority of government claims to assets in the event of default are all approaches that help to retain an incentive for the private sector to manage risk efficiently..” (INTERNATIONAL MONETARY FUND. Government guarantees and fiscal risk, 2005, p. 9)
Atribuir parcialmente o risco garantido ao particular possui a mesma função que a franquia ou o rateio exercem nos seguros privados:76 estimular a cooperação do segurado para impedir a materialização do sinistro ou reduzir seus efeitos.
Portanto, para os casos em que o mercado não ofereça seguro ou o faço a preços muito elevados, o Estado pode atuar da mesma forma como atuaria uma seguradora privada.
74 As garantias são instrumentos importantes para gerar eficiências, mas sua aplicação incorreta pode gerar muitos malefícios.
75 “A ‘guarantee culture’ is created where the private sector (and in some cases international financial institutions and bilateral lenders) seek guarantees as an alternative to properly managing risk themselves.” INTERNATIONAL MONETARY FUND. Government guarantees and fiscal risk, 2005, p. 10).
76 Na franquia, o segurado assume um valor fixo em dinheiro do prejuízo. No rateio, o segurado assume um percentual fixo de seu prejuízo.
4.3 O risco cambial
Em muitas situações os contratos administrativos envolvendo projetos de infraestrutura de grande porte são, pelo menos em parte, financiados pelo particular com recursos de terceiros.
Todavia, quando o dinheiro é emprestado no exterior, a moeda estrangeira está sujeita a flutuações que podem ameaçar a viabilidade do projeto. Evidentemente tal risco não existirá se o particular obtiver financiamento integral em moeda local.
Em condições normais, esse risco deveria ser absorvido pelo setor privado, tendo em vista seu controle sobre a estrutura de capital do projeto, de acordo com a primeira diretriz.
Entretanto, XXXXXX XXXXXXX XXXXX aponta que duas imperfeições do mercado podem alterar essa conclusão. A primeira é o fato de que as taxas de juros e prazos de financiamento sejam mais vantajosos em moeda estrangeira do que em moeda local. A segunda imperfeição é a inexistência de contratos de hedge77 de câmbio de longo prazo no Brasil, o que faz com que o particular tenha de absorver integralmente o risco da variação cambial caso opte por contrair empréstimos em moeda estrangeira.
A falta de um “seguro” quanto ao risco de variação cambial pode fazer com que o particular precifique essa insegurança na proposta ou opte por contrair financiamento no mercado interno mesmo que em condições menos favoráveis. Em ambos os casos, o risco cambial suscitará um acrescimo nos custos do contrato.
Com efeito, pode ser eficiente, em alguns projetos, que o Estado assuma o risco de variação cambial.78 O Estado forneceria então o hedge inexistente no
77 Contratos de hedge possibilitam que os riscos cambiais sejam repassados para o mercado.
78 A Comissão Européia também concorda que em determinados casos o Estado pode assumir os riscos referentes ao câmbio: “In certain cases, foreign currency risk can be assumed by sovereign
mercado, permitindo que o parceiro privado obtivesse financiamentos no mercado internacional a um custo mais baixo.79 80
Para garantir que a economia financeira obtida com a proteção seja maior que o custo da absorção desse risco pelo Estado, o Estado deve precificar a proteção cambial oferecida, deixando ao parceiro privado a opção de adquiri-la ou não. Caso a proteção cambial custe menos do que o ganho financeiro a ser obtido com empréstimos em moeda estrangeira, ele optará pela proteção cambial. Caso contrário, tomará financiamentos em moeda local.81
4.4 O risco político
Os riscos políticos devem ser assumidos pelo Estado, pois o particular não possui nenhuma ingerência quanto a sua materialização.
Dessa forma, o Estado deve assumir os custos referentes a modificação unilateral do contrato que aumente os encargos do particular, das alterações na legislação que repercutam nos preços do contratado e dos danos referentes a supressão de obras por determinação da Administração, assim como os denominados fatos do princípe e fatos da Administração.82
Por via de consequência, o Estado teria um incentivo econômico para restringir as alterações ao mínimo necessário, já que ele próprio arcaria com o seu custo. Já o setor privado teria mais conforto para contratar e não seria obrigado a
governments, export credit agencies, or international financial institutions in order to make concession projects more attractive to private investors.” (EUROPEAN COMMISSION, p. 52).
79 Solução desenhada por XXXXXX XXXXX in Repartição de Riscos nas Parcerias Público-privadas
in Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 13, n. 25, jun. 2006, p. 173.
80 Importante citar o exemplo das estradas espanholas em que o governo assumiu os riscos cambiais. Ver p. 32 no presente estudo.
81 O raciocínio é similar ao desenvolvido em relação ao seguro para os riscos de caso fortuito e força maior.
82 No mesmo sentido, o risco de inflação, pois foge totalmente ao controle do particular, razão pela qual nenhuma redução de custos seria obtida fazendo com que o parceiro privado suportasse esse risco. Nesse sentido, o art. 55 ,III, da Lei nº 8.666/93: o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento.
cobrar preços exorbitantes para se proteger contra modificações promovidas pelo Estado.83
4.5 Algumas externalidades positivas decorrentes da repartição objetiva dos riscos
Como vimos, são inúmeros os ganhos oriundos de uma repartição de riscos eficiente:
• redução das chances dos riscos se materializarem; e
• redução de custos ao atribuir o risco a parte que pode absorvê-lo a um custo menor, com ganhos de eficiência ex ante e ex post.
Vejamos agora, outras externalidades positivas decorrentes da repartição objetiva de riscos:
• desestímulo a processos de renegociação; e
• ganhos na elaboração das propostas com riscos bem definidos o que desestimula a ocorrência do fenômeno da seleção adversa.
4.5.1. Combate a ineficiência - a repartição objetiva dos riscos dificulta as renegociações dos contratos administrativos
As renegociações são instrumentos importantes para que a execução de contratos ocorra a bom termo para ambas as partes. Sua razão de ser é a noção
83 “Suponhamos que o Estado decida transferir para o parceiro privado o risco de alteração, pela administração pública, das especificações de serviço estabelecidas no contrato. Nesse caso, o mais provável é que as empresas privadas desistam da parceria, já que não têm controle sobre a atuação do Estado e não podem prever qual será o impacto das alterações de serviço sobre seus custos.” (XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Repartição de Riscos nas Parcerias Público-privadas in Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 13, n. 25, jun. 2006, P. 160).
intransponível de que os contratos, por natureza, não conseguem prever todas as situações que serão enfrentadas durante a sua execução.
Contudo, na maioria das situações, por si só, as renegociações tendem a gerar ineficiência em decorrência dos custos de transação que suscita. Por isso deveriam acontecer apenas em situações excepcionais afigurando-se como exceções.84 85 Com efeito, é recomendável que as renegociações sejam restringidas e desestimuladas.
Via de regra, os processos de renegociação, suscitam a paralisação da execução do contrato e provocam um desnecessário aumento de custos. Em todos os casos que um contrato exija a transferência de recursos de uma parte à outra como forma de compensar prejuízos, através de indenizações em dinheiro, ajustes contratuais, prorrogação do prazo do contrato, é necessário incorrer em custos para verificar se a compensação é realmente devida, determinar o seu montante e executar o contrato em juízo, caso uma das partes se recuse a cumpri-lo.86 87
Com o escopo de evitar a materialização deste cenário, a repartição objetiva de riscos se afigura como o mais poderoso mecanismo para reduzir as hipóteses de renegociações futuras.
Isto se dá por dois fatores principais:
84 Xxxx Xxxx Xxxxxx constatou que mais de 41% das concessões de infra-estrutura na América Latina e no Caribe foram objeto de renegociações. Os setores mais atingidos foram o o dos transportes e de saneamento com a incidência de renegociação de 55 a 75%, respectivamente. Outro motivo de preocupação foi o curto prazo que se deu o pedido de renegociação. O tempo entre o início das operações e a renegociação dos contratos foi em média de dois anos, apesar dos contratos possuirem prazo original de 20-30 anos.
85 Registre-se que embora o estudo de Guasch verse sobre concessões de infraestrutura os dados citados são importantes para demonstrar como existe nos países da América Latina, inclusive no Brasil, a cultura da renegociação em contratos administrativos.
86 Nesse sentido, XXXXXX XXXXX in Repartição de Riscos nas Parcerias Público-privadas in Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 13, n. 25, jun. 2006, p. 167.
87 The process of renegotiations can be fairly long and costly on both sides, that of the operator and that of the regulator or government. (…) For renegotiations in which a clear welfare benefit is evident, the tradeoffs might be warranted, but for opportunistic ones—aiming at best, at redistribution of resources—the impact of those costs and locking those resources can be quite damaging. (GUASCH,
J. L. Granting and renegotiating infrastructure concessions: doing it right. World Bank Institute Development Studies, 2004, p. 35)
(i) em alguns casos os pedidos de renegociação se fundam em dúvidas na interpretação da Lei e dos contratos — pela ausência de uma repartição objetiva de riscos — situações em que ambas as partes atuam com boa-fé, mas mesmo assim pleiteiam a renegociação; e
(ii) um contrato com os riscos que cada parte assume bem definidos restringe a margem de manobra — tanto do Estado como do particular
— para implementar condutas oportunistas.
4.5.2 As possíveis condutas oportunistas do particular
O poder público tende a sair em desvantagem nos processos de renegociação, como demonstrou Xxxxxx — em estudo sobre as concessões.88
O motivo para tanto não é difícil de entender: o particular sabe que o custo do rompimento do contrato administrativo é muito alto para o Estado (os cofres públicos), para os governantes (custos políticos) e também para a população (não poder usufruir das melhorias que a execução do contrato proporcionaria).
Ademais, ao contrário do que ocorre no processo licitatório, o particular não está sujeito a pressões concorrenciais possuindo melhores condições para impor sua vontade.89
Toda essa situação cria um cenário extremamente favorável para o particular que tende a se beneficiar da conjuntura descrita para buscar vantagens que acabam custando muito caro para toda a sociedade.
88 Embora o estudo verse sobre concessões, muitas observações são aplicáveis aos contratos administrativos comuns.
89 Such behavior undermines the efficiency of the process and the overall welfare, because renegotiation takes place between the government and the operator only, so it is not subject to competitive pressures and their associated discipline. (XXXXXX, X. X. Granting and renegotiating infrastructure concessions: doing it right. World Bank Institute Development Studies, 2004, p 19).
Sem uma repartição objetiva dos riscos, possui o particular todos os incentivos para buscar lacunas do contrato com o propósito de se livrar de custos que deveria suportar.
4.5.3 Renegociações como instrumento para burlar licitações
Talvez o mais perverso efeito suscitado pela ampla possibilidade de renegociação dos contratos é a brecha que se abre para desvirtuar o resultado das licitações.
Isso ocorre da seguinte forma: o particular sabendo da possibilidade de renegociação posterior formula propostas extremamente agressivas e em alguns casos inexequíveis, com o intuito de sagrar-se vencedor do certame licitatório.
Ressalte-se que jamais o particular considerou a possibilidade de executar o Contrato nos termos da proposta formulada. Ainda durante o curso do processo licitatório, já vislumbrava a possibilidade de renegociações futuras.90
O efeito dessas condutas é extremamente danoso para a sociedade, pois retira os ganhos que o processo licitatório deveria proporcionar — decorrentes da competição entre os proponentes — suscitando elevados aumentos de preços e eliminação de concorrentes de boa-fé. Veja-se, nesse sentido, passagem elucidativa do estudo de Xxxx Xxxx Xxxxxx:
“If bidders believe that renegotiation is feasible and likely, however, their incentives and bidding will be effected, and the auction will likely select, not the most efficient provider, but the one most skilled at renegotiations.” (p. 19)91
90 “As noted, firms may consider aggressive bidding a rational strategy if governments are unable to commit to a policy of no renegotiation. Firms are then likely to submit unsustainable bids with the intention of renegotiating better terms after the concession has been awarded.” XXXXXX, X. X. Granting and renegotiating infrastructure concessions: doing it right. World Bank Institute Development Studies, 2004, p. 44
91 “Thus firms seeking concession rights might logically submit their most optimistic bids, with the expectation that if things do not turn out well they can renegotiate the terms of the contract, drawing on the financial equilibrium clause” (Idem p. 37)
Quando as renegociações se tornam prováveis, o processo licitatório tende a selecionar o proponente que reúne as melhores condições para renegociar os contratos e não o mais eficiente que formula a proposta mais vantajosa para a Administração.
Em relação ao Brasil, como a pratica demonstra, as renegociações acontecem em grande escala. A redação do art. 65, II, d, da Lei nº 8.666/93, sem dúvida alguma, é um facilitador para pedidos de renegociação por parte do particular.
4.5.4 As possíveis condutas oportunistas do Estado
Em alguns casos, é o próprio Estado que se utiliza de condutas oportunistas em relação ao particular. Xxxx Xxxx Xxxxxx — a propósito das concessões — aponta que 26% das renegociações são pleiteadas pelo Estado.92
Isso de dá muitas vezes por razões eleitoreiras ou após mudanças de governos. Nesses dois casos o Estado almeja repassar ônus pelos quais o particular não era responsável.93
Destaque-se, que esse tipo de comportamento — por parte do Estado — é muito mais comum nas concessões do que nos contratos administrativos comuns. O motivo é simples, a remuneração dos contratos de concessão advém da cobrança de tarifas sendo, portanto, o tema muito mais sensível a questões políticas.
O único remédio contra condutas oportunista do particular e também do Estado — e ainda assim, apenas parcial — é um contrato que reparta objetivamente os riscos entre as partes.
92 XXXXXX, X. X. Granting and renegotiating infrastructure concessions: doing it right. World Bank Institute Development Studies, 2004, p. 84.
93 Importante destacar que nem todas as renegociações pleiteadas pelo Estado são oportunistas.
Portanto, uma das melhores externalidades geradas por uma repartição objetiva dos riscos consiste na criação de uma dificuldade para que revisões contratuais sejam pleiteadas.
4.6 Prevenção ao fenômeno da seleção adversa
É possível destacar ainda, outro efeito, talvez não tão nítido como os elencados acima, mas de grande relevância, o fenômeno que os economistas conceituam como seleção adversa, muito bem observado por XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX E XXXXX XXXXXXX00, no contexto das contratações públicas.
A teoria da seleção adversa95 surgiu para descrever o comportamento de empresas seguradoras.96 Consiste no método utilizado pelas seguradoras para precificar o prêmio dos seguros. A seguradora faz este cálculo de acordo com probabilidades médias.
Ou seja, de acordo com amostras, as empresas estipulam que jovens, do sexo masculino, solteiros apresentam uma probabilidade muito maior de se envolverem em acidentes automobilísticos. Em razão disso, o prêmio cobrado desse grupo é muito maior do que dos demais. As empresas desconsideram que muitos desses jovens possuem perfil distinto e com menos probabilidades de se envolverem em acidentes.
A teoria da seleção adversa passou, então, a ser aplicada em contratos, para descrever a conduta de determinados contratantes.
94 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx e XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Comentários à Lei de PPP - Parceria Público-Privada: Fundamentos Econômico-Jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 104.
95 XXXXXXX, Xxxxxx. The Market for "Lemons": Quality Uncertainty and the Market Mechanism in The Quarterly Journal of Economics, Vol. 84, No. 3. (Aug., 1970), pp. 488-500.
96 “The principle of ‘adverse selection’ is potentially present in all lines of insurance.” Idem, p. 493.
Entretanto, a seleção adversa ocorre de maneira mais perversa nas contratações públicas do que nos contratos de seguro, via de regra, o particular trabalha o pior cenário, presume que terá de suportar todos os riscos que não foram claramente repartidos no contrato, aumento o preço de suas propostas.97
4.7 A fundamental autonomia do particular para gerenciar os riscos assumidos
Se por um lado é fundamental uma repartição eficiente dos riscos, por outro lado, é igualmente relevante assegurar ao particular as condições necessárias para gerenciar os riscos que lhe foram atribuídos.
Para tanto, o particular precisa ter assegurada uma maior autonomia na execução do contrato, com vistas a tomar decisões fundamentais no gerenciamento dos riscos alocados a ele.
O controle ocorrerá em relação aos resultados apresentados e não em relação aos procedimentos utilizados, em consonância com a lógica de Direito Administrativo dos Negócios.
Desse modo, é importante superar a lógica do Direito Administrativo do Clips, consubstanciada no formalismo e na burocracia, incompatíveis com uma gestão eficiente dos riscos e que poucos resultados apresentaram no decorrer da história.
Não é possível que as decisões essenciais atinentes a execução do contrato fiquem submetidas à Administração, o que na prática eliminaria a alocação de riscos feita anteriormente, pois quem — em última análise — estaria gerenciando-os seria o Estado.
97 XXXXXX XXXXX concorda com esse entendimento: “Da mesma forma, as empresas privadas não podem formular propostas atrativas nas licitações se não sabem os riscos que estão aceitando correr: via de regra, elas presumem que terão de suportar todos os riscos que não foram claramente repartidos no contrato, elevando consideravelmente suas propostas financeiras.9 A incerteza na alocação de riscos tem, portanto, um custo, e ele é pago por todos nós.” (Repartição de Riscos nas Parcerias Público-privadas in Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 13, n. 25, jun. 2006, p. 161).
Por decorrência, é necessário que o edital de licitação seja modelado com vistas a conceder autonomia para o particular na gestão dos riscos que lhe foram alocados.
Nesse sentido, XXXXXX XXXXX XXXXX e XXXXX XXXXX XX XXXXXX
afirmam que a tutela ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato é diretamente relacionada à falta de autonomia do particular.98
Conclui-se que caso o particular não tenha autonomia para gerenciar os riscos assumidos, deverá ser indenizado caso os mesmo se materializem.
4.8 Casos em que não é eficiente a repartição objetiva dos riscos
É fundamental registrar que a repartição objetiva de riscos, caso a caso, engloba questões de alta complexidade e, por conseguinte, afigura-se como uma atividade custosa99.
Como se sabe, a Lei nº 8.666/93 disciplina contratos extremamente complexos, de longa duração e de grande vulto até contratos extremamente singelos, de curto prazo e de baixo custo.
Assim, não parece ser eficiente a repartição objetiva de riscos em todos os contratos regidos pela Lei nº 8.666/93, pois, em alguns casos, o custo da repartição objetiva de riscos poderá ser maior do que os benefícios gerados por ela.
A Teoria da Análise Econômica em contratos estuda as hipóteses em que deve ocorrer ou não a repartição objetiva dos riscos entre as partes.
98 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx x XXXXXX, Xxxxx Xxxxx xx. El Sistema Eléctrico Españhol – Regulación e Competencia, Madrid: Montecorvo, 1998, p. 238.
99 Nesse conceito de custos estão englobados recursos humanos e materiais e questões de tempo.
Nesse sentido, analisaremos o quadro descrito de acordo com a lição de XXXXXX XXXXXX E XXXXXX XXXX.100
A não alocação de um risco no contrato exigirá que as partes aloquem um prejuízo se ele se materializar.
O termo risco ex ante denomina os riscos de prejuízos futuros com que as partes se defrontam na negociação de determinado contrato. Por prejuízos ex post depreende-se aqueles prejuízos que ocorrem depois da formação do contrato.
Via de regra, as partes precisam escolher entre alocar riscos ex ante ou prejuízos ex post.
Quando as partes negociam condições explícitas para alocar os riscos, certamente arcarão com custos de transação.
Caso as partes optem por deixar uma lacuna, arcarão com custos de transação com uma probabilidade positiva.
Ou seja, o custo de transação esperado de uma lacuna no contrato é igual à probabilidade de que o prejuízo se efetive multiplicada pelo custo de sua alocação.
As partes esperam economizar em custos de transação deixando lacunas em contratos sempre que o custo efetivo da negociação de condições explícitas exceda os custo esperado do preenchimento de uma lacuna101.
XXXXXX XXXXXX E XXXXXX XXXX, elaboraram regra que resume as hipóteses analisadas:
100 XXXXXX, Xxxxxx e XXXX, Xxxxxx. Direito e Economia - tradução Xxxx Xxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx. 5ª Edição – Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 223.
101 Nesse caso, lacuna possui o mesmo significado de deixar de repartir objetivamente os riscos.
• Custo de alocação de um risco > custo de alocação de um prejuízo X probabilidade de um prejuízo deixar lacuna.
• Custo de alocação de um risco < custo de alocação de um prejuízo X probabilidade de um prejuízo preencher lacuna.102
À vista das considerações desenvolvidas, incorporamos a regra descrita acima para averiguar, em tese, se um contrato administrativo deve ou não alocar objetivamente os riscos para cada uma das partes103.
102 Não dispomos de dados empíricos para sustentar critérios objetivos em que não se deve aplicar a repartição objetiva de riscos, por exemplo, contratos abaixo de XX milhões. Contudo, nos parece um bom início que a repartição objetiva de riscos seja aplicada nas licitações na modalidade concorrência cujo objeto possua complexidade e perdure por um algum período de tempo. Um bom exemplo seriam as grandes obras de infraestrutura.
103 Manifesto gratidão ao Professor Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxx, pela percepção de que era fundamental analisar as hipóteses em que a Repartição Objetiva de Riscos não seria eficiente de acordo a Teoria da Análise Econômica dos Contratos.
CONCLUSÃO
Como foi visto, a possibilidade da repartição objetiva dos riscos em contratos regidos pela Lei 8.666/93, possui uma vasta gama de consequências positivas para a sociedade.
Um tema que até poucos anos atrás não merecia maior reflexão passou a ser objeto de debate no Brasil devido a experiências internacionais bem sucedidas e diretrizes de instuições bilaterais. O debate no contexto brasileiro iniciou-se por ocasião das dicussões em torno da elaboração da Lei das PPPs.
Isto posto, as conclusões do trabalho são bastante claras:
A repartição de riscos se insere em um contexto de mudança vivenciado pelo Direito Administrativo Brasileiro, cenário em que antigos e arraigados dogmas se confrontam com novos conceitos de Administração Pública – situação retratada pelos conceitos de Direito Administrativo do Clips e de Direito Administrativo dos Negócios.
Verificamos que o modelo tradicional de repartição de riscos é insuficiente para lidar com questões práticas, e a sua aplicação generalizada provoca grande ineficiência na execução dos contratos administrativos, cujos efeitos são percebidos por toda a sociedade. Como resultado disso, as licitações e contratos administrativos são associados às piores práticas pela opinião pública.
Ao analisar o marco jurídico atual, concluímos que a repartição objetiva dos riscos não encontra óbice ou impedimento algum para a sua aplicação prática nos contratos administrativos comuns. O constituinte optou por consagrar como manutenção do equilíbrio econômico–financeiro do contrato à intangibilidade das condições efetivas da proposta. Ademais a repartição de riscos contida na Lei 8.666/93 só incide em relação a eventos extracontratuais o que não ocorre quando há uma repartição objetiva de riscos pactuada em contrato.
Constatamos que a Repartição Objetiva de Riscos não é uma atividade intuitiva, mas uma ciência. Cuida-se de atividade complexa que demanda tecnicismo
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e a observância a determinadas regras para que os resultados almejados aconteçam.
Verificamos que os ganhos de eficiência proporcionados por uma repartição objetiva dos riscos são muito relevantes e podem propiciar uma grande economia de recursos públicos.
Ao analisar as diretrizes e as questões inerentes a uma repartição eficiente de riscos entendemos como os ganhos de eficiência ocorrem, notadamente pela concepção de que os riscos devem ser alocados para a parte que puder, a um custo mais baixo, reduzir as chances de que o prejuízo venha a se materializar ou, não sendo isso possível, mitigar os prejuízos resultantes. Normalmente, essa parte é aquela que tem maior controle sobre os riscos em questão ou sobre suas consequências.
Vimos que a repartição objetiva de riscos não é aplicável de maneira eficiente a todas as contratações públicas, pois em algumas situações os benefícios gerados são menores que os custos incorridos na alocação dos riscos entre as partes.
Anote-se, por fim, que o objetivo almejado no presente estudo foi o de oferecer subsidios à boa gestão pública, contribuir para o desenvolvimento de um modelo de Estado voltado para a busca da eficiência.
Sem dúvida, isto é desafiador especialmente em um país desigual como o Brasil, onde tradicionalmente se associa quantidade de recursos com o êxito da ação. E onde se confunde intenção com resultados e discurso com realidade.
Ressalte-se que um país com as carências do Brasil não pode se dar ao luxo de limitar o debate em torno dos investimentos públicos à quantidade – sempre escassa – de recursos. É imprescindível que a eficiência da aplicação seja levada em conta. Do contrário, continuaremos perpetuando histórias de desperdício e pagando indefinidamente um alto preço decorrente da ausência de apreço pelos recursos públicos. Mudar é preciso. Esse é o nosso desafio!
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TERMO DE COMPROMISSO DE ORIGINALIDADE
A presente declaração é termo integrante de todo trabalho de conclusão de curso (TCC) a ser submetido à avaliação da FGV DIREITO RIO como requisito necessário e obrigatório à obtenção do grau de bacharel em direito.
Eu, XXXX XXXXX XX XXXXXXXX XXXXXXX XX XXXXX, brasileiro, solteiro, estudante, portador da Carteira de Identidade nº 223768169, expedida pelo Detran/RJ, inscrito no CPF/MF sob o nº 000.000.000-00, residente e domiciliado na cidade do Rio de Janeiro, na Avenida Xxxxxx xx Xxxxxxxx, nº 3.371, apto. 302, Lagoa, na qualidade de aluno da Graduação em Direito da Escola de Direito FGV DIREITO RIO, declaro, para os devidos fins, que o Trabalho de Conclusão de Curso apresentado em anexo, requisito necessário à obtenção do grau de bacharel em Direito da FGV DIREITO RIO, encontra-se plenamente em conformidade com os critérios técnicos, acadêmicos e científicos de originalidade.
Nesse sentido, declaro, para os devidos fins, que:
O referido TCC foi elaborado com minhas próprias palavras, ideias, opiniões e juízos de valor, não consistindo, portanto PLÁGIO, por não reproduzir, como se meus fossem, pensamentos, ideias e palavras de outra pessoa;
As citações diretas de trabalhos de outras pessoas, publicados ou não, apresentadas em meu TCC, estão sempre claramente identificadas entre aspas e com a completa referência bibliográfica de sua fonte, de acordo com as normas estabelecidas pela FGV DIREITO RIO.
Todas as séries de pequenas citações de diversas fontes diferentes foram identificadas como tais, bem como às longas citações de uma única fonte foram incorporadas suas respectivas referências bibliográficas, pois fui devidamente informado e orientado a respeito do fato de que, caso contrário, as mesmas constituiriam plágio.
Todos os resumos e/ou sumários de ideias e julgamentos de outras pessoas estão acompanhados da indicação de suas fontes em seu texto e as mesmas constam das referências bibliográficas do TCC, pois fui devidamente informado e orientado a respeito do fato de que a inobservância destas regras poderia acarretar alegação de fraude.
O Professor responsável pela orientação de meu trabalho de conclusão de curso (TCC) apresentou-me a presente declaração, requerendo o meu compromisso de não praticar quaisquer atos que pudessem ser entendidos como plágio na elaboração de meu TCC, razão pela qual declaro ter lido e entendido todo o seu conteúdo e submeto o documento em anexo para apreciação da Fundação Xxxxxxx Xxxxxx como fruto de meu exclusivo trabalho.
Data:
Assinatura do Aluno