Insper Instituto de Ensino e Pesquisa
Insper Instituto de Ensino e Pesquisa
LLM – Direito dos Contratos
LLM – Direito dos Mercados Financeiro e de Capitais
Xxxxxx Xxxxx Xxxxx
A autonomia da vontade no encerramento unilateral e imotivado de contrato de depósito bancário: aspectos jurídicos e regulatórios
São Paulo 2014
Xxxxxx Xxxxx Xxxxx
A autonomia da vontade no encerramento unilateral e imotivado de contrato de depósito bancário: aspectos jurídicos e regulatórios
Monografia apresentada ao Programa de LLM em Direto dos Contratos e Direito dos Mercados Financeiro e de Capitais do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Pós-graduação Lato Sensu.
Orientador: Prof. Dr. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx
Xxxxx, Xxxxxx Xxxxx
A autonomia da vontade no encerramento unilateral e imotivado de contrato de depósito bancário: aspectos jurídicos e regulatórios / Xxxxxx Xxxxx Xxxxx; orientador Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. – São Paulo: Insper, 2014.
121 f.
Monografia (LLM – Legal Law Master). Programa de pós- graduação em Direito). Área de concentração: Direito dos Contratos e Direito dos Mercados Financeiro e de Capitais. Insper Instituto de Ensino e Pesquisa.
1. Autonomia da vontade 2. Contrato bancário 3. Regulatório
FOLHA DE APROVAÇÃO
Xxxxxx Xxxxx Xxxxx
A autonomia da vontade no encerramento unilateral e imotivado de contrato de depósito bancário: aspectos jurídicos e regulatórios
Monografia apresentada ao Programa de LLM em Direito dos Contratos e Direito dos Mercados Financeiro e de Capitais do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, como requisito parcial para obtenção do título de pós-graduado em Direito.
Área de concentração: Direito dos Contratos e Direito dos Mercados Financeiro e de Capitais
Aprovado em: Dezembro/2013
Banca examinadora
Prof. Dr. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx
Instituição: Insper Assinatura:
Prof. Dr. Instituição:
Assinatura:
Prof. Dr. Instituição:
Assinatura:
Prof. Dr. Instituição:
Assinatura:
Prof. Dr. Instituição:
Assinatura:
À minha amada esposa, Xxxxxx, por estar ao meu lado nesta jornada, e pelo apoio e conforto nos momentos mais difíceis da vida;
Aos meus pais, Xxxxxx (in memoriam) e Xxxxx, pela vida e pelas oportunidades; e
Ao meu irmão Xxxxxx, pelo pensamento lógico e crítico.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer ao meu orientador, Professor Dr. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx, pelos ensinamentos transmitidos nas aulas de ambos os programas de Direito dos Contratos e Direito dos Mercados Financeiros e de Capitais, pela dedicação para comigo, pela preocupação em aperfeiçoar esta monografia e pela disponibilidade sempre instantânea, uma vez contatado, para esclarecer quaisquer pontos com relação às aulas ministradas ou à presente monografia.
Agradeço a todos os professores do Insper Direito, sem os quais a pós-graduação não seria proveitosa, em especial: ao Professor Dr. Xxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxxx, pelas aulas ministradas e por despertar em mim o interesse no tema desta monografia; ao Professor Dr. Jairo Saddi, Presidente do Conselho do Insper Direito, pelas reflexões iniciais quanto ao programa escolhido por mim para ingresso no programa; ao Professor Dr. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx, Coordenador Geral do Xxxxxx Xxxxxxx, pelas aulas ministradas e pelos conselhos dados, e a quem peço que continue dedicado ao curso; e a todos os colegas de turma, os quais contribuíram para a aquisição e troca de conhecimentos e experiências.
Também agradeço aos membros do Insper Direito, pela prestação de serviço e manutenção da riquíssima Biblioteca Telles.
Todos os colegas, chefes, pares e subordinados, merecem meu agradecimento, pelo convívio amistoso, pela confiança no meu trabalho e pela imensurável troca de experiência de vida profissional e pessoal.
Xxxxx família teve papel fundamental nesta monografia e é merecedora de agradecimentos especiais: meu pai, Xxxxxx (in memoriam), de quem sinto muita saudade, advogado, administrador de empresas e técnico em contabilidade, profissional dedicado à vida pública, pelo apoio e investimento no conhecimento próprio e de seus filhos; minha mãe, Xxxxx, pela minha formação e pelo exemplo à família; à minha esposa, Xxxxxx, pelo amor a mim e aos nossos animais, pelo incentivo deste trabalho, e a quem agradeço o apoio e conforto nos momentos difíceis da vida; meus irmãos, Xxxxxx, Xxxxx, Xxxxxxxx e Xxxxxx, pelo afeto e amizade, sempre unidos; ao meu sogro e à minha sogra, pelo acolhimento desde o primeiro dia; às crianças da família, sinônimas de alegria; aos demais membros da família e amigos.
RESUMO
XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. A autonomia da vontade no encerramento unilateral e imotivado de contrato de depósito bancário: aspectos jurídicos e regulatórios. 121p. Monografia (Pós- graduação Lato Sensu em Direito dos Contratos e Direito dos Mercados Financeiro e de Capitais
– LLM) – Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, São Paulo, 2014.
Nesta monografia, será analisada a legalidade da resilição unilateral de contrato bancário mediante notificação imotivada dada por instituição financeira. Recentemente, os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por votação unânime, restabeleceram a conta corrente de cliente encerrada, unilateralmente, sem motivo razoável. Até então, era pacífico o entendimento segundo o qual o encerramento era considerado ato ilícito e, por isso, ensejava indenização por danos morais. Demonstrar-se-á, nesta monografia, a licitude de a instituição financeira encerrar o contrato sem justo motivo, desde que observados os princípios que norteiam o Sistema Financeiro Nacional.
Palavras-chave: contratos bancários; autonomia da vontade; intervenção estatal; resilição unilateral; operações atípicas ou suspeitas.
ABSTRACT
XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. The manifestation of intent in the unilateral termination of a bank deposit agreement without reasonable ground: legal and regulatory aspects. 121 f. Monograph (LLM) – Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, São Paulo, 2014.
In this monograph, it will be analyzed the legality of the unilateral termination of a banking contract by written notice without reasonable ground given by a financial institution. Recently, the Ministers of the Third Chamber of the Superior Court of Justice decided, by unanimous vote, to reinstate the customer bank account which was unilaterally terminated without reasonable ground. Until then, the common understanding regarding this subject matter considered the termination an illicit practice and therefore gave rise to award damages. In this monograph, it will be demonstrated the lawfulness of the termination of the banking contract without reasonable ground, provided that such termination obeys the principles which guide the Brazilian Financial System.
Keywords: banking contracts; manifestation of intent; nation-state interventionism; unilateral termination; suspicious activities or transactions.
SUMÁRIO
1 Introdução 11
2 O SFN – Sistema Financeiro Nacional 13
2.1 Breves considerações 13
2.2 A lei nº 4.595/64 (reforma bancária) 15
2.3 Instituição Financeira Privada 17
2.3.1 Breves considerações 17
2.3.2 Dos deveres e das responsabilidades 19
2.3.3 Da transparência das informações 23
2.4 Órgãos reguladores 24
2.4.1 Breves considerações 24
2.4.2 CMN – Conselho Monetário Nacional 27
2.4.3 BACEN – Banco Central do Brasil 30
2.4.4 COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras 33
2.4.5 Outros órgãos reguladores 35
2.4.5.1 CVM – Comissão de Valores Mobiliários 35
2.4.5.2 CRSFN – Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional 37
2.4.5.3 SUSEP – Superintendência de Seguros Privados 38
2.4.5.4 IRB – Brasil Re 39
2.4.5.5 PREVIC – Superintendência Nacional de Previdência Complementar 39
2.5 A lei complementar nº 105/01 (sigilo bancário) 40
2.5.1 Breves considerações 40
2.5.2 Quem deve manter o sigilo bancário 42
2.5.3 Exceções ao sigilo bancário 43
2.5.4 Da responsabilidade civil e criminal 44
2.6 A lei nº 9.613/1998 (“lavagem de dinheiro”) 46
2.6.1 Breves considerações 46
2.6.2 O papel do COAF 50
2.6.3 Pessoas Expostas Politicamente (PEP) 51
2.6.4 Do registro e das “operações atípicas ou suspeitas” 53
2.6.5 Da responsabilidade administrativa e das penalidades aplicáveis 55
3 Contratos de depósito 56
3.1 Breves considerações 57
3.2 Conceito e natureza jurídica 58
3.3 Principais modalidades de depósito 59
3.3.1 Depósito voluntário 59
3.3.2 Depósito necessário (ou obrigatório) 60
3.3.3 Depósito regular (ou ordinário) 60
3.3.4 Depósito irregular 61
3.3.5 Depósito mercantil 61
3.3.6 Depósito judicial 62
3.3.7 Outros depósitos 62
3.4 O depósito bancário 63
3.4.1 Conceito 63
3.4.2 Natureza jurídica 65
3.4.3 Xxxxxxxx e conta corrente 69
3.4.4 Principais modalidades de depósito bancário 71
3.4.5 Demais contratos acessórios e vinculados 72
4 Autonomia da vontade 73
4.1 Breves considerações 73
4.2 Autonomia da vontade e princípios correlatos 76
4.3 Relação cliente–instituição financeira 79
4.4 A autonomia da vontade e o direito do consumidor 82
4.4.1 Breves considerações 82
4.4.2 Direito fundamental ou relativo? 83
4.5 A autonomia da vontade e o direito econômico 87
4.6 Dos limites da autonomia da vontade 90
4.7 Autonomia da vontade nos contratos financeiros 90
5 Do encerramento do contrato de depósito 92
5.1 Breves considerações 92
5.2 Da (i)licitude do ato jurídico 93
5.2.1 Aspectos jurídicos e regulatórios 93
5.2.2 Do direito econômico 98
5.2.3 Do encerramento com justo motivo 101
5.2.4 Do encerramento sem justo motivo 101
5.2.5 Exercício regular ou abuso de direito? 102
5.3 Das penalidades por descumprimento de normas reguladoras 103
5.4 Da análise de caso prático 103
6 Conclusões e Recomendações 111
Referências 115
1 Introdução
Os temas envolvendo as operações e os contratos de natureza bancária requerem especial atenção do jurista porque, além das regras elementares à formação e eficácia dos contratos em geral, outras tantas são igualmente relevantes e devem ser obedecidas pelas instituições financeiras no desempenhar de seu mister de intermediárias dos recursos financeiros.
Em especial nas operações bancárias, a autonomia da vontade está adstrita aos ditames das normas regulatórias emanadas dos órgãos competentes às quais as instituições financeiras estão sujeitas. Essas normas regulam o Sistema Financeiro Nacional (“SFN”) com duplo propósito: o primeiro, nortear as relações bancárias entre os poupadores e os bancos e entre estes e os agentes econômicos carecedores de recursos financeiros; o segundo, tornar eficiente – a custo e risco reduzidos – a transferência da poupança dos agentes econômicos superavitários (os poupadores) para os agentes econômicos deficitários (os tomadores).
Do ponto de vista econômico, a eficiência do mercado financeiro representa proveito econômico- financeiro para todas as partes envolvidas na operação e também para o mercado, acarretando desenvolvimento do País.
A atividade bancária é dotada do caráter sigiloso em função da confiança que o cliente deposita na instituição financeira. A Lei Complementar no 105, de 10 de janeiro de 2001 (“LC 105/01”), protege o sigilo bancário, autorizando a quebra somente em casos excepcionais.
Ocorre que, por vezes, o sigilo pode ser utilizado para camuflar as chamadas “operações atípicas ou suspeitas”. A Lei no 9.613, de 3 de março de 1998 (“Lei 9.613/98”), que criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (“COAF”), inseriu no ordenamento jurídico o crime conhecido como de “lavagem de dinheiro” e estabeleceu deveres às instituições financeiras no sentido de comunicar, ao então órgão criado, as referidas operações financeiras.
Diante dessas “operações atípicas ou suspeitas”, poderiam os bancos, a seu critério exclusivo, notificar previamente o cliente, informando-lhe de sua intenção de encerrar o contrato, como lhe
faculta o art. 12, I da Resolução do CMN no 2.025, de 24 de novembro de 1993 (“Res. CMN 2.025”)? Ou os bancos deveriam rescindir o contrato, motivadamente, informando ao cliente acerca da comunicação feita ao COAF, em afronta ao seu dever de confidencialidade esculpido no art. 11, II da Lei 9.613/98?
O Poder Judiciário não pacificou entendimento a respeito de situações que envolvam, de um lado, as normas de direito privado, principalmente quando aplicáveis as regras de consumo, e, de outro, as normas do SFN, as quais garantem a resilição unilateral e imotivada do contrato, pelos bancos.
Nesta monografia, pretende-se discorrer sobre estes aspectos jurídicos e regulatórios que envolvam a autonomia da vontade das partes e a resilição unilateral imotivada de contrato bancário sujeito às regras do SFN. Serão apresentados elementos suficientes para embasar o encerramento, unilateral e imotivado, do contrato bancário, sem que isso represente ato ilícito da instituição financeira.
2 O SFN – Sistema Financeiro Nacional
2.1 Breves considerações
Para se compreender o SFN, necessário primeiro conceituar mercado financeiro. Depois, relevante conhecer como as instituições financeiras foram inseridas nas relações comerciais e qual o papel delas, bem como qual o cenário econômico propício para que a atividade bancária alcance seu ponto de equilíbrio mais elevado, por onde os recursos são distribuídos de forma mais eficiente entre os poupadores e os demandantes do crédito bancário.
Em mãos dessas considerações, o leitor poderá compreender a real necessidade de se manter um sistema jurídico hígido. Os recursos financeiros serão aplicados de forma mais eficiente e as operações bancárias terão maior agilidade e segurança jurídica, impactando diretamente nos custos das transações.
O mercado caracteriza-se pela troca de riquezas realizada por duas ou mais pessoas, os chamados agentes econômicos. No passado distante, em razão da inexistência de ativo financeiro para a realização dos pagamentos, as transações de bens eram feitas diretamente (escambo). Esse método limitava a poupança, o investimento e o crescimento econômico.1 Com o surgimento dos ativos financeiros – mormente da moeda –, as transações e os pagamentos (ou remunerações) foram se aperfeiçoando e o mercado foi se estruturando de forma organizada.
No mundo contemporâneo, duas são as formas de organização econômica: economia de mercado e economia centralizada. Na economia de mercado, predomina a propriedade privada, ora sem a ingerência dos agentes econômicos (sistema denominado de laissez-faire), ora com alguma interferência do Estado (sistema misto). Em contraposição, a economia centralizada caracteriza- se pela transferência das propriedades ao Estado, observado nos regimes socialistas.2
1 Conforme: Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxxx; Lima, Iran Siqueira. Mercado financeiro: aspectos conceituais e históricos. São Paulo: Atlas, 2007. p. 5.
2 Conforme: Xxxxx Xxxx, Xxxxxxxxx. Mercado financeiro. São Paulo: Atlas, 2012. p. 4.
O Brasil está organizado como uma economia de mercado sob o sistema misto, ou seja, com a interferência estatal em alguns setores da economia, como se verifica no mercado financeiro.
O mercado financeiro surge dos problemas econômicos decorrentes da escassez de recursos para satisfazer as necessidades dos agentes da economia. Por meio desse mercado, os agentes podem oferecer e captar recursos financeiros. Os poupadores economizam a renda (a poupança ou os recursos em excesso) obtida em alguma fase do processo produtivo da economia, oferecendo-a aos tomadores que desejam captá-la.
As transações realizadas entre os agentes econômicos superavitários (poupadores) e os agentes econômicos deficitários (tomadores) são realizadas por intermédio das instituições financeiras no mercado financeiro.
As instituições financeiras exercem o relevante papel de “atender as expectativas e necessidades de ambos segmentos de agentes econômicos, oferecendo alternativas adequadas para guarda e aplicação de recursos, e acesso a fontes de financiamento para viabilizar investimentos e consumo”. O mercado financeiro será mais eficiente quanto mais as instituições financeiras promoverem a transferência “de poupanças a um custo mínimo e a um nível reduzido de risco”, ou seja, cabe a elas equilibrar “prazos, valor e risco”.3
Além disso, as instituições financeiras são responsáveis pela liquidez do mercado, na medida em que “os ativos financeiros podem ser prontamente convertidos em moeda, com uma perda mínima de valor”. Vale aqui mencionar duas maneiras distintas: a primeira delas está na capacidade das instituições financeiras de fornecer a moeda necessária para que os agentes econômicos honrem seus compromissos financeiros (por meio do saque de depósito à vista ou por meio do empréstimo); a segunda está no fato delas, as instituições financeiras, oferecerem aos poupadores instrumentos que lhes permitem a conversão imediata de instrumentos financeiros em moeda.4
3 Ibid., p. 8-9.
4 Conforme: Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxxxx de. Moeda, juros e instituições financeiras – regime jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 26.
Se atendida sua função, o mercado financeiro será responsável pelo aumento da produtividade, da eficiência e do bem-estar social.
Mercado financeiro não se confunde com mercado de capitais, porquanto este se destina a regular as atividades praticadas no mercado no qual se negocia valores mobiliários e cujo risco lhe é inerente. No mercado de capitais, o agente poupador – ou investidor, aquele mesmo que deposita ou investe seus recursos na instituição financeira – investe diretamente na empresa emissora de valores mobiliários.
“A função econômica essencial do mercado de capitais é a de permitir às empresas, mediante a emissão pública de seus valores mobiliários, a captação de recursos não exigíveis para o financiamento de seus projetos de investimento ou mesmo para alongar o prazo de suas dívidas; como não se tratam de empréstimos, a companhia não está obrigada a devolver os recursos aos investidores (exceto no caso de debêntures ou de commercial papers, que também integram o mercado de capitais), mas, isto sim, remunerá-los, sob a forma de dividendos, caso apresente lucros em suas demonstrações financeiras.”5
2.2 A lei nº 4.595/64 (reforma bancária)
A cada espécie de atividade mercantil, a intervenção do Estado na economia é realizada de uma maneira diferente. No mercado financeiro, o Estado atua por meio da política da moeda e do crédito, elevando ou reduzindo as taxas de juros, emitindo títulos públicos ao mercado, atuando por meio dos bancos oficiais.
Antes da edição da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964 (“Lei 4.595/64”), conhecida como “lei da reforma bancária”, a política da moeda e do crédito era exercida pelo Banco do Brasil6, que designava instalações e pessoal para administrar a Superintendência da Moeda e do Crédito
5 Xxxxxxx, Xxxxxx et al. Mercado de capitais – regime jurídico. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p. 8.
6 O Banco do Brasil não perdeu relevância com o advento da “lei da reforma bancária”. Embora tenha ele passado a ser supervisionado pelo CMN, foram-lhe conferidas inúmeras atribuições (art. 19).
(SUMOC)7, a Carteira de Redesconto e a Caixa de Mobilização Bancária.8 Após a “reforma”, o antigo Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito foi extinto (art. 2o), tendo sido substituído pelo Conselho Monetário Nacional (“CMN”), enquanto que a Superintendência da Moeda e do Crédito foi transformada em autarquia federal (art. 8o), sob a denominação de Banco Central da República do Brasil (“Banco Central” ou “BACEN”).
Compete ao Banco Central executar as políticas e normas expedidas pelo CMN (art. 9º), entre outras atribuições de sua competência, privativamente ou não.
Por meio da nova roupagem dada a essas instituições, o Estado modernizou seu aparelhamento de controle do sistema financeiro, objetivando o tão desejado “progresso econômico e social do País” (art. 2º).
O Estado estimulou a formação de grandes conglomerados financeiros que fossem capazes de alavancar o desenvolvimento econômico do Brasil. Segundo Xxxxx Xxxxxxxxx da Luz, quando desse estímulo, o Brasil ainda não havia alcançado a maturidade adequada – ele chama de “ciclo evolutivo natural do capitalismo” –, acarretando endividamento público interno. Viu-se uma especulação improdutiva por parte da elite brasileira, com a manutenção da renda nas mãos de poucos. Os grandes conglomerados financeiros acumularam fôlego suficiente para atuar em outras áreas, dando origem ao banco múltiplo, resultado da segregação dos negócios bancários em várias pessoas jurídicas distintas, embora a praxe indique que os serviços sejam prestados sob a orientação do banco comercial “mãe”.9
Em se tratando de atividade financeira, o princípio da livre iniciativa consagrado no incido IV do art. 1º da Constituição Federal pôde ser aplicado, todavia, com certas limitações impostas pelo próprio Estado. Esses limites estão nas regras ou autorizações sob a batuta do CMN e do Banco
7 A SUMOC foi criada pelo Decreto-lei nº 7.293, de 2 de fevereiro de 1945, para atender as obrigações assumidas pelo Governo em 1944 na Conferência de Bretton Woods de “exercer o controle do mercado monetário e preparar a organização do Banco Central, até então inexistente no Brasil”. Este mesmo decreto-lei fixou regras acerca do “depósito compulsório como instrumentos de controle do volume de crédito e dos meios de pagamento” (art. 4º). Cf.: Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxxx; Lima, Iran Xxxxxxxx, op. cit., p. 21.
8 Xxx, Xxxxx Xxxxxxxxx da. Negócios jurídicos bancários: curso de direito bancário: o banco e seus contratos. São Paulo: Editora Xxxxxx xx Xxxxxxxx, 1999. p. 10.
9 Ibid., p. 10-11.
Central. A título de exemplo, somente pode exercer atividade financeira privada as instituições sob a forma de sociedades anônimas10 autorizadas a funcionar pelo Banco Central (alínea a do inciso X do art. 10 e §1º do art. 4º, ambos da Lei 4.595/64).
Por meio desses mesmos órgãos, também há ação estatal na atividade bancária, mas excepcionalmente, quando da intervenção ou liquidação extrajudicial, consoante art. 45 da Lei 4.595/64, cumulado com a Lei no 6.024, de 13 de março de 1974 (“Lei 6.024/74”).
As instituições financeiras privadas têm participação inquestionável no processo de desenvolvimento econômico e social do País (art. 2º), exercendo verdadeira atividade privada com interesse público, motivo por que se sujeitam às regras do SFN, notadamente à Lei 4.595/64, que veio para regular as exigências e pressões no âmbito internacional, bem como dar segurança às sofisticadas operações bancárias contemporâneas.
Vale salientar, por fim, que as instituições financeiras não estão adstritas somente às regras que norteiam o SFN. Elas devem se ater a todo o ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que as relações cliente–instituição financeira11 são de natureza civil, aplicando-se a elas, quando o caso, as regras do direito do consumidor.
2.3 Instituição Financeira
2.3.1 Breves considerações
Não há registro da origem das instituições financeiras. Sabe-se que algumas práticas bancárias foram realizadas na Antiguidade, a partir do século VI a.C., na Babilônia, no Egito e na Fenícia. Todavia, foi no mundo greco-romano que se tomou conhecimento das operações mais usuais nos bancos contemporâneos, embora “‘tais operações não fossem praticadas em série, devido às
10 Exceção à regra são as cooperativas de crédito (art. 25 da Lei 4.595/64).
11 Cf.: “4.3 Relação cliente–instituição financeira”, abaixo.
condições econômicas de um mundo no qual a poupança decorria dos investimentos dos proprietários de terras e modesto era o porte industrial’”12.
O aumento crescente de roubos realizados durante as viagens de negócios, conquanto fossem realizadas em grandes caravanas, deu ensejo ao aparecimento dos “cambistas”1314, os quais se organizaram com o fim de trocar débitos e honrar os saques, evitando as perdas decorrentes dos roubos das viagens. Os “cambistas” praticavam um verdadeiro câmbio manual. Isso fez com que o dinheiro não mais fosse carregado nas viagens.15
A prática do comércio nas feiras das cidades italianas floresceu, propiciando o aperfeiçoamento da atividade dos “cambistas”, os quais passaram a conceder crédito a seus clientes, ficando conhecidos como “banqueiros”.16 Nasceu o que se denomina atualmente de “banco”, organização bancária oriunda da prática dos “cambistas”. A Idade Média foi um período de consolidação das atividades bancárias.
Na Idade Moderna, acrescentou-se à atividade bancária o recebimento de depósitos e a concessão de empréstimos, para o que se cobrava uma comissão sobre os valores repassados. Com o tempo, a demanda dos clientes por empréstimos estimulou os bancos a buscarem recursos de maneira diversa da captação de depósitos. Os bancos passaram a contrair empréstimos, por meio da emissão de títulos para colocação no mercado. O Estado percebeu, nesta prática, o poder ilimitado dos bancos de criar dinheiro, restando-lhe limitar esse poder, mediante políticas de ordem econômica. Surgem, então, os bancos que hoje são denominados de Bancos Centrais, cuja finalidade primordial é regular o mercado e disciplinar a atividade econômica.17
12 Xxxxxxx Xxxxx, I Contratti Bancari, Milão, 1973, p.4-5, apud Xxxxxx Xxxxx. Direito Bancário. São Paulo: Saraiva. 2002, p. 11.
13 Os cambistas eram denominados na Grécia de trapezistas e em Roma de argentarii, segundo Xxxxx Xxxxxxxxx da Luz. Negócios jurídicos bancários: curso de direito bancário: o banco e seus contratos, São Paulo, 1999, p. 7.
14 Os cambistas ganharam verdadeiras fortunas, tornando-se “árbitros na circulação do dinheiro, por suas funções de trocadores, depositários e emprestadores de moeda”, segundo Xxxxxx Xxxxx, Direito Bancário, cit., p. 11-12.
15 Conforme: Aramy Dornelles da Luz, Negócios jurídicos bancários: curso de direito bancário: o banco e seus contratos, São Paulo, 1999, p. 7-8.
16 Conforme: Xxxxx, Xxxxxx, Direito Bancário, cit., p. 12.
17 Conforme: Xxx, Xxxxx Xxxxxxxxx da, op. cit., p. 7-8.
O pleno desenvolvimento dos bancos foi atingido no século XIX, com o advento da Revolução Industrial, que consolidou o capitalismo liberal. Neste cenário, os bancos atuaram com a captação de depósito dos poupadores e empréstimo aos seus clientes. O século XX, marcado pela globalização, demandou inúmeras medidas em nível internacional de proteção ao sistema financeiro.18
No Brasil, o primeiro banco fundado foi o Banco do Brasil da fase colonial (no ano de 1808). Entretanto, foi no século passado que o Brasil se viu diante da criação e intensificação da atividade bancária. Conforme já se verificou19, a Lei 4.595/64, “lei da reforma bancária”, permitiu ao Estado brasileiro obter o controle da atividade financeira, visando o progresso econômico e social do País (art. 2º).
Essa mesma lei, que reformou o SFN, conceituou instituição financeira como sendo todas aquelas pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros (caput do art. 17). O parágrafo único do art. 17 equipara às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer uma das atividades descritas no referido caput, de forma permanente ou eventual.
Igualmente, são consideradas instituições financeiras as companhias seguradoras e as de capitalização, no tocante às operações realizadas no mercado financeiro, nos termos do art. 29 da Lei no 8.177, de 1 de março de 1991 (“Lei 8.177/91”).
As instituições financeiras privadas, com exceção das cooperativas de crédito, somente podem se constituir sob a forma de sociedades anônimas, devendo a totalidade de seu capital com direito a voto ser representada por ações nominativas (art. 25 da Lei 4.595/64).
A administração das instituições financeiras compete, conforme dispuser o estatuto, ao conselho de administração e à diretoria, ou somente à diretoria, sendo que as companhias abertas e as de
18 Conforme: Xxxxx, Xxxxxx, op. cit., p. 13.
19 Cf.: “2.2 A lei nº 4.595/64 (reforma bancária)”, acima.
capital autorizado terão, obrigatoriamente, conselho de administração, nos termos do art. 138 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“Lei 6.404/76”).
O conselho de administração, quando previsto no Estatuto da companhia, é composto por, no mínimo, três membros, eleitos pela assembleia-geral e por ela destituíveis a qualquer tempo, devendo o estatuto estabelecer: (i) o número de conselheiros, ou o máximo e mínimo permitidos, e o processo de escolha e substituição do presidente do conselho pela assembleia ou pelo próprio conselho, (ii) o modo de substituição dos conselheiros, (iii) o prazo de gestão, que não poderá ser superior a três anos, permitida a reeleição e (iv) as normas sobre convocação, instalação e funcionamento do conselho, que deliberará por maioria de votos, podendo o estatuto estabelecer quórum qualificado para certas deliberações, desde que especifique as matérias (art. 140 da Lei 6.404/76).
As atribuições e poderes conferidos por lei aos órgãos de administração não podem ser outorgados a outro órgão, criado por lei ou pelo estatuto (art. 139 da Lei 6.404/76). Respeitadas as peculiaridades de cada órgão, os administradores, para a investidura no cargo, devem ser pessoas idôneas, ou seja, sem condenação pelos crimes ou infrações do § 1º do artigo 14720 da mesma lei, nem declaradas inabilitadas por ato da CVM (§ 2º do art. 147).
As instituições financeiras privadas deverão comunicar ao Banco Central a eleição de diretores e membros de órgãos consultivos, fiscais e semelhantes, no prazo de quinze dias da sua ocorrência (art. 33 da Lei 4.595/64). Além das condições exigidas pela legislação em vigor, também devem ser atendidas as condições disciplinadas no Regulamento Anexo II à Resolução do CMN nº 4.122, de 2 de agosto de 2012.
20 Segundo o § 1º do artigo 147 da Lei 6.404/76, são inelegíveis para os cargos de administração da companhia as pessoas impedidas por lei especial, ou condenadas por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato, contra a economia popular, a fé pública ou a propriedade, ou a pena criminal que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos. O § 2º desse mesmo artigo complementa o parágrafo anterior, dispondo que são ainda inelegíveis para os cargos de administração de companhia aberta as pessoas declaradas inabilitadas por ato da Comissão de Valores Mobiliários.
As normas comuns relativas aos deveres e responsabilidades dos administradores aplicam-se tanto aos conselheiros, como aos diretores (art. 145 da Lei 6.404/76), consoante se analisará a seguir.
2.3.2 Dos deveres e das responsabilidades
Os administradores das instituições financeiras devem empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios (art. 153 da Lei 6.404/76), bem como exercer atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da instituição financeira, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa (caput do art. 154 da Lei 6.404/76).
Para a defesa dos acionistas que elegeram os administradores, estes têm inúmeros deveres e responsabilidades a serem obedecidos, quais sejam, dever de diligência, de lealdade, de informar e de sigilo, devendo ainda abster-se do desvio de poder, do conflito de interesses e de qualquer outra prática prejudicial à empresa.
Nos termos do caput do art. 158 da Lei 6.404/76, os administradores respondem na esfera civil pelos prejuízos causados ao patrimônio da instituição financeira, quando causados sem a observância de seus deveres ou nos limites de seus poderes, ou ainda quando proceder dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou xxxx, ou com violação da lei ou do estatuto. Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles (§ 2º), sendo que tal responsabilidade, nas companhias abertas, ficará restrita aos administradores que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimento aos referidos deveres (§ 3º). O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente, deixar de comunicar o fato a assembleia-geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável (§ 4º). Também responde solidariamente com o administrador
quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto (§ 5º).
Os deveres e responsabilidades dos administradores são gerais e aplicáveis a todas as sociedades anônimas. As instituições financeiras, porquanto regidas por leis específicas, sujeitam-se não somente a referidas normas gerais, como também devem atender aos requisitos e procedimentos previstos nas leis e normas regulatórias do SFN.
No contexto da responsabilidade, referidas regras específicas têm por fim evitar o abuso de poder dos administradores de instituições financeiras, na medida em que os atos decorrentes de tal abuso podem produzir consequências econômicas irreparáveis. A Lei 6.024/74, que dispõe sobre a intervenção e liquidação extrajudicial de instituições financeiras, trata da responsabilidade dos administradores da seguinte forma: (i) prevê a indisponibilidade dos bens dos administradores de instituições em intervenção, em liquidação extrajudicial ou em falência (art. 36), (ii) prevê a responsabilidade dos administradores e dos membros do Conselho Fiscal pelos prejuízos causados (art. 39), (iii) fixa a responsabilidade solidária dos administradores, (iv) autoriza o sequestro dos bens dos administradores não atingidos pela indisponibilidade (art. 45) e dos ex- administradores (art. 43).
No caso do Decreto-lei nº 2.321, de 25 de fevereiro de 1987 (“Decreto-lei 2.321/87”), que dispõe sobre o “Regime de Administração Especial Temporário” (“RAET”), uma vez decretado o Decretado o RAET, respondem solidariamente com os ex-administradores da instituição pelas obrigações por esta assumidas, as pessoas naturais ou jurídicas que com ela mantenham vínculo de controle, independentemente da apuração de dolo ou culpa (art. 15).
Outra hipótese de responsabilidade dos administradores é a vedação para conceder empréstimos ou adiantamentos a pessoas ligadas constante do art. 34 da Lei 4.595/64, cuja conduta está positivada no art. 17 da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, como sendo crime do “colarinho branco”.
Oportuno mencionar a exigência feita pelo CMN para que as instituições financeiras implementem política de remuneração de administradores, a qual deve ser compatível com a política de gestão de riscos e ser formulada de modo a não incentivar comportamentos que elevem a exposição ao risco acima dos níveis considerados prudentes nas estratégias de curto, médio ou longo prazos adotadas pela instituição (art. 2º da Resolução do CMN nº 3.921, de 25 de novembro de 2010). Para o pagamento de remuneração variável, a instituição deve considerar os riscos correntes e potenciais, o seu resultado geral, em particular o lucro recorrente realizado, a sua capacidade de geração de fluxos de caixa, o ambiente econômico em que está inserida e suas tendências, e as bases financeiras sustentáveis de longo prazo e ajustes nos pagamentos futuros em função dos riscos assumidos, das oscilações do custo do capital e das projeções de liquidez (caput do art. 4º). Além disso, a remuneração variável deve ser diferida no período de, pelo menos, três anos, e estabelecido em função dos riscos e da atividade do administrador, bem como em parcelas escalonadas (§§ 1º e 2º do art. 7º), sendo que, em caso de redução significativa do lucro ou de resultado negativo, as parcelas diferidas deverão ser revertidas proporcionalmente à redução no resultado (§ 3º do art. 7º).
São inúmeras as responsabilidades atribuídas aos administradores de instituições financeiras ou as medidas que os atingem, direta ou indiretamente, cada qual prevista em legislação especial distinta, mas todas com foco no SFN. O propósito das exigências relacionadas à gestão adequada das instituições financeiras é garantir a eficiência e a solidez da economia.
2.3.3 Da transparência das informações
A transparência das informações obtidas e operações realizadas pelas instituições financeiras também merece destaque, principalmente quando o assunto é a defesa do poupador, daquele cliente que se utiliza do mercado financeiro para manter suas reservas, as quais são utilizadas pelos agentes econômicos que necessitam de recursos financeiros.
Neste particular, as instituições financeiras, como intermediárias dos agentes econômicos, estão sujeitas a normas regulamentadoras que delimitam sua atuação, com o propósito de reduzir “as
assimetrias entre os bancos e seus clientes”21, protegendo o cliente detentor do recurso financeiro, e de garantir a solidez das instituições e das operações bancárias. Em última análise, o mercado financeiro será beneficiado.
Atualmente, as regras de transparência nas operações realizadas entre as instituições financeiras e seus clientes bancários são disciplinadas pela Resolução do CMN no 3.694, de 26 de março de 2009 (“Res. CMN 3.694”), que revogou a Resolução do CMN no 2.878, de 26 de julho de 2001 (“Res. CMN 2.878”), conhecida como Código de Defesa do Cliente Bancário.
Muito outros são também os deveres de transparência das informações das instituições financeiras. No âmbito da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), por exemplo, as companhias emissoras devem assegurar o acesso público a informações sobre valores mobiliários negociados e sobre elas mesmas22.
2.4 Órgãos reguladores
2.4.1 Breves considerações
A necessidade de intervenção estatal na atividade privada foi observada a partir do século XX, principalmente depois dos problemas sociais decorrentes da Revolução Industrial e da crise econômica mundial de 1929.
No Brasil, os órgãos reguladores surgiram antes da promulgação da atual Constituição Federal, em razão do interesse público em nortear as relações e comportamentos entre os particulares. O Estado começou a regular a atividade econômica com mais intensidade, por intermédio das autarquias especiais, dotadas de autoridade administrativa independente, e exercida mediante um
21 Xxxxx, Xxxxx. O desenvolvimento do sistema financeiro. Sistema bancário e sistema de crédito. In: Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, Ano 0, x. 00, x. 000, 0000.
22 Cf.: Lei no 6.385, de 07 de dezembro de 1976.
rol de competências normativas, executivas e judicantes, com o objetivo de atenuar os efeitos decorrentes das decisões soberanas do mercado.23
No mercado financeiro, os órgãos reguladores entraram em cena bem antes, no momento em que o Estado percebeu que a criação de moeda pelas instituições financeiras poderia desestabilizar a economia. Enquanto os “cambistas” do mundo greco-romano se limitavam a trocar débitos e honrar os saques, sua atividade não apresentava risco para a economia, portanto, o Estado não se viu obrigado a apresentar ação alguma. No entanto, a demanda crescente dos clientes por crédito já na Idade Média obrigou as instituições financeiras a captarem recursos por meios diversos do mero depósito bancário. Essa prática chamou a atenção do Estado, que passou a limitar o poder das instituições financeiras de criar moeda, mediante políticas destinadas a regular o mercado financeiro e disciplinar a atividade econômica.
Ocorre que, somente na década dos anos de 1970, com a crise do padrão monetário internacional e com os dois choques do petróleo, se “essa nova realidade econômica, de um lado, elevou a concorrência empresarial a uma escala internacional”, de outro, a solidariedade nas relações sociais sofre com esse processo, com tendência a deterioração das condições de vida e de trabalho”. Esse fenômeno exige do Estado, “no âmbito do mercado financeiro, uma intensificação da disciplina da atividade financeira, como forma de controlar riscos sociais relacionados aos fluxos de riquezas, nos quais as instituições financeiras aparecem como importantes intermediárias.”24
Não à toa que a atividade das instituições financeiras é uma das poucas com proximidade estatal na regulamentação e na supervisão do mercado. No ordenamento jurídico brasileiro, o CMN exerce a função de poder normativo. A função executiva está sob a responsabilidade das chamadas entidades supervisoras, as quais exercem esta função de supervisão, como também são especializadas na auditoria e fiscalização das atividades exercidas pelos agentes do mercado
23 Conforme: Xxxxxxx, Xxxxxx et al., op. cit., p. 266-268.
24 Xxxxxxx Xxxx, Xxxxxxx. Direito bancário. São Paulo: Atlas, 2011, p. 80-81.
financeiro, sem embargo de sua função normativa de editar normas complementares ou regulamentares.25
Relevante notar que os agentes reguladores não exercem papel de protetores do interesse público; defendem seus interesses de regulador. Exercem verdadeiro papel de stakeholders, segundo doutrina de mesmo nome, primeiramente exposta por Xxxxxx Xxxxxxx, em Strategic Management: a stakeholder’s approach. Os órgãos reguladores do mercado financeiro são classificados como stakeholders definitivos, porque detentores de todos os atributos (poder, legitimidade e urgência) e porque podem sofrer as consequências decorrentes de seus próprios atos. No mercado financeiro, o regulador, com o propósito de alcançar os objetivos estabelecidos em lei, se utiliza de variadas estratégias de regulação bancária, as quais são direcionadas aos regulados para cumprimento obrigatório, repita-se, em atenção ao próprio interesse do regulador.26
As instituições financeiras, no exercício de sua atividade, devem cumprir inúmeras exigências de seus órgãos reguladores. Seus administradores têm deveres relacionados a uma gestão adequada e eficiente, de modo a afastar operações que ofereçam riscos à liquidez e solidez das instituições financeiras e, por conseguinte, da economia. Conforme será analisado oportunamente, os administradores têm também deveres relacionados ao combate da “lavagem de dinheiro”, devendo comunicar o órgão regulador imediatamente com relação às operações que apresentem, ainda que potencialmente, algum foco de risco, tal como ocorre nas “operações atípicas ou suspeitas”27.
Na medida em que as instituições financeiras funcionam bem e alcançam a máxima eficiência, o Estado é o primeiro a se beneficiar. Afinal, as políticas econômicas emanadas dos entes públicos dependem, em boa parte, das instituições financeiras para que sejam implementadas. Mais do que isso, o êxito dessas políticas está atrelado ao bom desempenho das instituições financeiras,
25 O COAF também é uma entidade supervisora, porém, em razão da delimitação desta monografia, preferiu-se destacá-lo das demais entidades, deixando-o em item separado, juntamente com aqueles destinados ao CMN e ao BACEN. Cf.: “2.4.4 COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras”, abaixo.
26 Conforme: Xxxxx, Xxxxx. Por uma nova visão do regulador bancário, In: Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo, Ano 4, n. 13, p. 93-103, 2001.
27 Cf.: “2.6.4 Do registro e das ‘operações atípicas ou suspeitas’”, abaixo.
motivo por que a atividade financeira, embora de natureza privada, é dotada de relevante interesse público, sendo indispensável ao bom desempenho da economia.
Passa-se, finalmente, às entidades supervisoras. São elas: o CMN – Conselho Monetário Nacional, o BACEN – Banco Central do Brasil, o COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras, a CVM – Comissão de Valores Mobiliários, o CRSFN – Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, a SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, o IRB – Brasil Re e a PREVIC – Superintendência Nacional de Previdência Complementar.
Todos esses órgãos e entidades serão abordados, ainda que de forma sucinta, imediatamente a seguir.
2.4.2 CMN – Conselho Monetário Nacional
O Conselho Monetário Nacional é a autoridade normativa do SFN, não desempenhando qualquer atividade executiva. O CMN foi criado pela “lei da reforma bancária” (art. 2º da Lei 4.595/64), substituindo o antigo Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito.28
O CMN integra a administração pública direta, sendo atualmente composto pelo Ministro da Fazenda, na qualidade de Presidente, pelo Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão e pelo Presidente do Banco Central, consoante caput do art. 8º da Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995 (“Lei 9.069/95”)29.
O CMN tem por finalidade formular a política da moeda e do crédito, com o objetivo de alcançar o progresso econômico e social do País, consoante art. 3º da Lei 4.595/64.30
28 Cf.: “2.2 A lei nº 4.595/64 (reforma bancária)”, acima.
29 A composição do CMN foi modificada desde a edição da “lei da reforma bancário” (Lei 4.595/64). Inicialmente, o CMN era composto, além do Ministro da Fazenda, já na qualidade de Presidente, pelo Presidente do Banco do Brasil S.A. e pelo Presidente do BNDES.
30 Segundo referido artigo, a política do CMN “objetivará: (i) adaptar o volume dos meios de pagamento ás reais necessidades da economia nacional e seu processo de desenvolvimento; (ii) regular o valor interno da moeda, para tanto prevenindo ou corrigindo os surtos inflacionários ou deflacionários de origem interna ou externa, as depressões econômicas e outros desequilíbrios oriundos de fenômenos conjunturais; (iii) regular o valor externo da
Compete-lhe, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República, as atribuições do art. 4º da Lei 4.595/64 em matéria de política monetária, creditícia, orçamentária, fiscal, cambial e da dívida pública.31 O CMN pode, em função de conveniências de ordem geral, determinar que
moeda e o equilíbrio no balanço de pagamento do País, tendo em vista a melhor utilização dos recursos em moeda estrangeira; (iv) orientar a aplicação dos recursos das instituições financeiras, quer públicas, quer privadas; tendo em vista propiciar, nas diferentes regiões do País, condições favoráveis ao desenvolvimento harmônico da economia nacional; (v) propiciar o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos financeiros, com vistas à maior eficiência do sistema de pagamentos e de mobilização de recursos; (vi) zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras; (vii) coordenar as políticas monetária, creditícia, orçamentária, fiscal e da dívida pública, interna e externa.”
31 Segundo referido artigo, compete ao CMN, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República: (i)
autorizar as emissões de papel-moeda;(ii) estabelecer condições para que o Banco Central da República do Brasil emita moeda-papel de curso forçado; (iii) aprovar os orçamentos monetários, preparados pelo Banco Central do Brasil, por meio dos quais se estimarão as necessidades globais de moeda e crédito; (iv) determinar as características gerais das cédulas e das moedas; (v) fixar as diretrizes e normas da política cambial, inclusive quanto a compra e venda de ouro e quaisquer operações em Direitos Especiais de Saque e em moeda estrangeira;
(vi) disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas, inclusive aceites, avais e prestações de quaisquer garantias por parte das instituições financeiras; (vii) coordenar a política de que trata o art. 3º desta Lei com a de investimentos do Governo Federal (Cf.: nota 34, anterior); (viii) regular a constituição, funcionamento e fiscalização dos que exercerem atividades subordinadas a esta lei, bem como a aplicação das penalidades previstas; (ix) limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros; (x) determinar a percentagem máxima dos recursos que as instituições financeiras poderão emprestar a um mesmo cliente ou grupo de empresas; (xi) estipular índices e outras condições técnicas sobre encaixes, mobilizações e outras relações patrimoniais; (xii) expedir normas gerais de contabilidade e estatística; (xiii) delimitar, com periodicidade não inferior a dois anos, o capital mínimo das instituições financeiras privadas; (xiv) determinar recolhimento de até 60% (sessenta por cento) do total dos depósitos e/ou outros títulos contábeis das instituições financeiras;(xv) estabelecer para as instituições financeiras públicas, a dedução dos depósitos de pessoas jurídicas de direito público que lhes detenham o controle acionário, bem como dos das respectivas autarquias e sociedades de economia mista, no cálculo a que se refere o inciso anterior; (xvi) enviar obrigatoriamente ao Congresso Nacional, até o último dia do mês subsequente, relatório e mapas demonstrativos da aplicação dos recolhimentos compulsórios, (xvii) regulamentar, fixando limites, prazos e outras condições, as operações de redesconto e de empréstimo, efetuadas com quaisquer instituições financeiras públicas e privadas de natureza bancária; (xviii) outorgar ao Banco Central do Brasil o monopólio das operações de câmbio quando ocorrer grave desequilíbrio no balanço de pagamentos ou houver sérias razões para prever a iminência de tal situação; (xix) estabelecer normas a serem observadas pelo Banco Central do Brasil em suas transações com títulos públicos e de entidades de que participe o Estado; (xx) autoriza o Banco Central do Brasil e as instituições financeiras públicas federais a efetuar a subscrição, compra e venda de ações e outros papéis emitidos ou de responsabilidade das sociedades de economia mista e empresas do Estado; (xxi) disciplinar as atividades das Bolsas de Valores e dos corretores de fundos públicos; (xxii) estatuir normas para as operações das instituições financeiras públicas, para preservar sua solidez e adequar seu funcionamento aos objetivos desta lei; (xxiii) fixar, até quinze (15) vezes a soma do capital realizado e reservas livres, o limite além do qual os excedentes dos depósitos das instituições financeiras serão recolhidos ao Banco Central do Brasil ou aplicados de acordo com as normas que o Conselho estabelecer; (xxiv) decidir de sua própria organização; (xxv) decidir da estrutura técnica e administrativa do Banco Central do Brasil e fixar seu quadro de pessoal, bem como estabelecer os vencimentos e vantagens de seus funcionários, servidores e diretores; (xxvi) conhecer dos recursos de decisões do Banco Central do Brasil; (xxvii) aprovar o regimento interno e as contas do Banco Central do Brasil e decidir sobre seu orçamento e sobre seus sistemas de contabilidade, bem como sobre a forma e prazo de transferência de seus resultados para o Tesouro Nacional, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União. (xxviii) aplicar aos bancos estrangeiros que funcionem no País as mesmas vedações ou restrições equivalentes, que vigorem nas praças de suas matrizes, em relação a bancos brasileiros ali instalados ou que nelas desejem estabelecer-se; (xxix) colaborar com o Senado Federal, na
o Banco Central recuse autorização para o funcionamento de novas instituições financeiras (§ 1º do referido art. 4º), entre outras coisas.
Salienta-se que as normas expedidas pelo CMN também se aplicam às bolsas de valores, às companhias de segurados e de capitalização, às sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e às pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras (§ 1º do art. 18 da Lei 4.595/64).
De modo a ratificar a autorização dada ao CMN pela chamada “lei da reforma bancária”, com relação às negociações realizadas no mercado de capitais, a Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976 (“Lei 6.385/76”), que criou a CVM, confere ao CMN (art. 3º) a competência para definir a política a ser observada na organização e no funcionamento do mercado de valores mobiliários (inciso I), regular a utilização do crédito nesse mercado (inciso II), fixar, a orientação geral a ser observada pela CVM no exercício de suas atribuições (inciso III), definir as atividades da CVM que devem ser exercidas em coordenação com o Banco Central (inciso IV), aprovar o quadro e o regulamento de pessoal da CVM, bem como fixar a retribuição do presidente, diretores, ocupantes de funções de confiança e demais servidores (inciso V), estabelecer, para fins da política monetária e cambial, condições específicas para negociação de contratos derivativos, independentemente da natureza do investidor (inciso VI).
Nos termos da Lei 6.385/76, as atribuições conferidas aos dois órgãos, CMN e CVM, têm o objetivo comum de assegurar a transparência das informações e eficiência do mercado, proteger os investidores, evitar ou coibir fraudes ou manipulações, promover incentivos de modo a aproximar a poupança do mercado de capitais (caput do art. 4º).
instrução dos processos de empréstimos externos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, para cumprimento do disposto no art. 63, nº II, da Constituição Federal; (xxx) expedir normas e regulamentação para as designações e demais efeitos do art. 7º, desta lei. (xxxi) baixar normas que regulem as operações de câmbio, inclusive swaps, fixando limites, taxas, prazos e outras condições; (xxxii) regular os depósitos a prazo de instituições financeiras e demais sociedades autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, inclusive entre aquelas sujeitas ao mesmo controle acionário ou coligadas.
Além disso, compete ao CMN regular a atividade de arrendamento mercantil, consoante a Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974 (“Lei 6.099/74”)32, bem como regular o mercado de capitais (Lei 6.385/7633), embora ambas não digam “respeito propriamente à disciplina da atividade bancária”34.
Pela descrição dos poderes conferidos ao CMN, este tem verdadeiro poder legislativo que ultrapassa o poder regulamentar do qual a administração pública normalmente está dotada. Trata- se, porém, de poder delegado, o qual deve ser exercido dentro dos limites que lhe foi outorgado.35
2.4.3 BACEN – Banco Central do Brasil
32 Referida lei somente trata das operações realizadas ou por empresas arrendadoras que fizerem dessa operação o objeto principal de sua atividade ou que centralizarem tais operações em um departamento especializado com escrituração própria (art. 2º). Segundo referida lei, caberá ao CMN especificar em regulamento os casos de coligação e interdependência (art. 2º), podendo baixar resolução disciplinando as condições segundo as quais as instituições financeiras poderão financiar suas controladas, coligadas ou interdependentes que se especializarem em operações de arrendamento mercantil (caput do art. 8º). Além disso, o CMN poderá, nas operações que venha a definir, estabelecer que as contraprestações sejam estipuladas por períodos superiores a um semestre (parágrafo único do art. 5º), bem como poderá estabelecer índices máximos para a soma das contraprestações, acrescida do preço para exercício da opção da compra nas operações de arrendamento mercantil (art. 6º).
33 Segundo o art. 3º da referida lei, compete ao CMN: (i) definir a política a ser observada na organização e no
funcionamento do mercado de valores mobiliários; (ii) regular a utilização do crédito nesse mercado; (iii) fixar, a orientação geral a ser observada pela CVM no exercício de suas atribuições; (iv) definir as atividades da CVM que devem ser exercidas em coordenação com o Banco Central do Brasil; (v) aprovar o quadro e o regulamento de pessoal da CVM, bem como fixar a retribuição do presidente, diretores, ocupantes de funções de confiança e demais servidores; (vi) estabelecer, para fins da política monetária e cambial, condições específicas para negociação de contratos derivativos, independentemente da natureza do investidor. Salienta-se a ressalva feita na referida lei, segundo a qual a fiscalização do mercado financeiro e de capitais continuará a ser exercida, nos termos da legislação em vigor, pelo Banco Central do Brasil. O art. 4º da mesma lei dispõe que as atribuições exercidas pelo CMN e pela CVM terão o fim de: (i) estimular a formação de poupanças e a sua aplicação em valores mobiliários; (ii) promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do mercado de ações, e estimular as aplicações permanentes em ações do capital social de companhias abertas sob controle de capitais privados nacionais; (iii) assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados da bolsa e de balcão; (iv) proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado contra emissões irregulares de valores mobiliários, atos ilegais de administradores e acionistas controladores das companhias abertas, ou de administradores de carteira de valores mobiliários, e o uso de informação relevante não divulgada no mercado de valores mobiliários;
(v) evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinadas a criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço dos valores mobiliários negociados no mercado; (vi) assegurar o acesso do público a informações sobre os valores mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido; (vii) assegurar a observância de práticas comerciais equitativas no mercado de valores mobiliários; (viii) assegurar a observância no mercado, das condições de utilização de crédito fixadas pelo CMN.
34 Xxxxxxx Xxxx, Xxxxxxx, op. cit., p. 90.
35 Conforme: Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxxxx de, op. cit., p. 66-67.
O BACEN adveio da transformação da Superintendência da Moeda e do Crédito em autarquia federal, sob a denominação que lhe é própria36, com personalidade jurídica e patrimônio37 próprios (caput do art. 8º da Lei 4.595/64).38 Por ser uma autarquia, integra a administração pública indireta, diferentemente do CMN.
A administração do BACEN é composta por uma diretoria de nove membros, um dos quais será seu Presidente, todos nomeados pelo Presidente da República, entre brasileiros de ilibada reputação e notória capacidade em assuntos econômico-financeiros, sendo demissíveis ad nutum, consoante art. 1º do Decreto nº 91.961, de 19 de novembro de 1985 (“Decreto 91.961/85”), e aprovados pelo Senado Federal, por votação secreta, após arguição pública (arts. 52, III, d, e 84, XIV, da Constituição Federal).
Compete ao Presidente do BACEN definir a competência e as atribuições dos membros de sua diretoria (art. 2º do Decreto 91.961/85). Interessante notar o status de Ministro de Estado conferido ao Presidente do BACEN desde o ano de 2004 (inciso III do § 1º do art. 8º da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, com redação dada pela Lei nº 11.036, de 22 de dezembro de 2004, e posteriormente alterada pela Lei nº 11.958, de 26 de junho de 2009).
O BACEN é o principal órgão de execução das políticas traçadas pelo CMN, competindo-lhe cumprir e fazer cumprir as disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor e as normas expedidas pelo CMN (art. 9º da Lei 4.595/64). Além disso, o BACEN é também órgão fiscalizador do SFN (inciso IX do art. 10 da referida lei). Atribui-se a ele a tarefa de execução da política monetária, de emissão de moeda39, de política cambial, entre muitas outras previstas na referida lei.40
36 Na realidade, a denominação completa do BACEN é Banco Central da República do Brasil.
37 O patrimônio do BACEN foi constituído dos bens, direitos e valores que lhe foram transferidos na forma da Lei 4.595/64 e ainda da apropriação dos juros e rendas resultantes, na data da vigência da referida lei, do disposto no art. 9º do Decreto-Lei no 8.495, de 28 de dezembro de 1945, o qual na mesma ocasião fora expressamente revogado.
38 Cf.: “2.2 A lei nº 4.595/64 (reforma bancária)”, acima.
39 Segundo o art. 164 da Constituição Federal, a competência da União para emitir moeda será exercida exclusivamente pelo BACEN (caput), sendo-lhe vedado conceder, direta ou indiretamente, empréstimos ao Tesouro Nacional e a qualquer órgão ou entidade que não seja instituição financeira (§ 1º). No entanto, o BACEN pode comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, com o objetivo de regular a oferta de moeda ou a
Do ponto de vista da economia, o BACEN tem poderes para atuar como agente econômico, interferindo diretamente no mercado nas condições de oferta e demanda, sendo-lhe permitidas operações realizadas exclusivamente com instituições financeiras públicas e privadas, e vedadas operações bancárias de qualquer natureza realizadas com outras pessoas de direito público ou privado, salvo as expressamente autorizadas por lei (art. 12).41
O BACEN exerce a fiscalização das operações realizadas por instituições financeiras, entretanto, a normatização e fiscalização do mercado de capitais foram conferidas à CVM. Assim, o segmento de valores mobiliários do SFN é de responsabilidade da CVM, mas permanecem com
taxa de juros (§ 2º). O BACEN exerce a função de depositário das disponibilidades de caixa da União, porquanto os demais entes da federação e os órgãos e entidades do Poder Público e das empresas por ele controladas, serão depositadas em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei (§ 3º).
40 Segundo o art. 10 da referida lei, compete privativamente ao BACEN: (i) a emissão de papel-moeda e moeda metálica, nas condições e limites autorizados pelo CMN; (ii) executar os serviços do meio-circulante; (iii) determinar o recolhimento de até cem por cento do total dos depósitos à vista e de até sessenta por cento de outros títulos contábeis das instituições financeiras; (iv) receber os recolhimentos compulsórios de que trata o inciso anterior e, ainda, os depósitos voluntários à vista das instituições financeiras, nos termos do inciso III e § 2° do art. 19; (v) realizar operações de redesconto e empréstimos a instituições financeiras bancárias e as referidas no art. 4º, inciso XIV, letra b, e no § 4º do art. 49; (vi) exercer o controle do crédito sob todas as suas formas; (vii) efetuar o controle dos capitais estrangeiros, nos termos da lei; (viii) ser depositário das reservas oficiais de ouro e moeda estrangeira e de Direitos Especiais de Saque e fazer com estas últimas todas e quaisquer operações previstas no Convênio Constitutivo do Fundo Monetário Internacional; (ix) exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas; (x) conceder autorização às instituições financeiras, a fim de que possam: (a) funcionar no País, (b) instalar ou transferir suas sedes, ou dependências, inclusive no exterior, (c) ser transformadas, fundidas, incorporadas ou encampadas, (d) praticar operações de câmbio, crédito real e venda habitual de títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal, ações Debêntures, letras hipotecárias e outros títulos de crédito ou mobiliários, (e) ter prorrogados os prazos concedidos para funcionamento, (f) alterar seus estatutos, (g) alienar ou, por qualquer outra forma, transferir o seu controle acionário; (xi) estabelecer condições para a posse e para o exercício de quaisquer cargos de administração de instituições financeiras privadas, assim como para o exercício de quaisquer funções em órgãos consultivos, fiscais e semelhantes, segundo normas que forem expedidas pelo CMN; (xii) efetuar, como instrumento de política monetária, operações de compra e venda de títulos públicos federais; (xiii) determinar que as matrizes das instituições financeiras registrem os cadastros das firmas que operam com suas agências há mais de um ano.
Segundo o art. 11 da mesma lei, compete ao BACEN, ainda: (i) entender-se, em nome do Governo Brasileiro, com as instituições financeiras estrangeiras e internacionais; (ii) promover, como agente do Governo Federal, a colocação de empréstimos internos ou externos, podendo, também, encarregar-se dos respectivos serviços; (iii) atuar no sentido do funcionamento regular do mercado cambial, da estabilidade relativa das taxas de câmbio e do equilíbrio no balanço de pagamentos, podendo para esse fim comprar e vender ouro e moeda estrangeira, bem como realizar operações de crédito no exterior, inclusive as referentes aos Direitos Especiais de Saque, e separar os mercados de câmbio financeiro e comercial;(iv) efetuar compra e venda de títulos de sociedades de economia mista e empresas do Estado; (v) emitir títulos de responsabilidade própria, de acordo com as condições estabelecidas pelo CMN; (vi) regular a execução dos serviços de compensação de cheques e outros papéis; (vii) exercer permanente vigilância nos mercados financeiros e de capitais sobre empresas que, direta ou indiretamente, interfiram nesses mercados e em relação às modalidades ou processos operacionais que utilizem; (viii) prover, sob controle do CMN, os serviços de sua Secretaria.
41 Conforme: Xxxxxxx Xxxx, Xxxxxxx, op. cit., p. 95.
o BACEN os demais segmentos, quais sejam, de crédito, monetário e de câmbio, tanto para regulamentar, como para fiscalizar.42
Outrossim, ao BACEN foi atribuído o controle e fiscalização das operações de arrendamento mercantil ou leasing (Lei 6.099/7443, alterada pela Lei nº 7.132, de 26 de outubro de 1983) e competência para normatizar, fiscalizar e autorizar o funcionamento de consórcios (Lei 8.177/9144, conversão da Medida Provisória nº 294, de 31 de janeiro de 1991).45
Como órgão regulador do SFN, o BACEN tem competência para intervir ou liquidar extrajudicialmente instituições financeiras (art. 45 da Lei 4.595/64, cumulado com a Lei 6.024/74), bem como decretar o RAET (Decreto-lei 2.321/87). Todas essas modalidades de atuação, denominados de “Regimes Especiais”, nada mais são do que a ação do Estado diretamente na atividade bancária, exercida, em caráter excepcional, pelo BACEN.
2.4.4 COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras
O COAF foi criado pela Lei 9.613/9846, no âmbito do Ministério da Fazenda, como órgão de deliberação colegiada com jurisdição em todo território nacional (caput do art. 14 da Lei 9.613/98 e art. 1º do Estatuto do COAF).
42 Conforme: Xxxxxxx, Xxxxxx et al., op. cit., p. 263.
43 Segundo referida lei, todas as operações de arrendamento mercantil subordinam-se ao controle e fiscalização do BACEN, segundo normas estabelecidas pelo CMN, a elas se aplicando, no que couber, as disposições da Lei 4.595/64, e legislação posterior relativa ao SFN (art. 7º). Salienta-se que, embora referido artigo inclua todas as operações de arrendamento mercantil, a Lei 6.099/1974 somente trata daquelas operações realizadas ou por empresas arrendadoras que fizerem dessa operação o objeto principal de sua atividade ou que centralizarem tais operações em um departamento especializado com escrituração própria (art. 2º). Além disso, os contratos de arrendamento mercantil celebrados com entidades domiciliadas no exterior serão submetidos a registro no BACEN (art. 16). Por fim, a cessão do contrato de arrendamento mercantil a entidade domiciliada no exterior reger-se-á pelo disposto na referida Lei 6.099/1974 e dependerá de prévia autorização do BACEN, conforme normas expedidas pelo CMN (art. 24).
44 Segundo o parágrafo único do art. 33 da referida lei, a fiscalização das operações mencionadas neste artigo,
inclusive a aplicação de penalidades, será exercida pelo Banco Central do Brasil. O caput do art. 33 foi revogado pelo art. 48 da Lei nº 11.795/2008, lei esta que dispõe sobre o sistema de consorcio e nomeia o BACEN como órgão regulador e fiscalizador (art. 6º).
45 Conforme: Xxxxxxx Xxxx, Xxxxxxx, op. cit., p. 96.
46 Também chamada de “lavagem de dinheiro”, a Lei 9.613/98 positivou no ordenamento jurídico brasileiro os crimes de “lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores” ou simplesmente “lavagem de dinheiro” (art. 1º).
O COAF é composto por servidores públicos de reputação ilibada e reconhecida competência, designados em ato do Ministro de Estado da Fazenda, dentre os integrantes do quadro de pessoal efetivo do BACEN, da CVM, da SUSEP, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Secretaria da Receita Federal do Brasil, da Agência Brasileira de Inteligência, do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério da Justiça, do Departamento de Polícia Federal, do Ministério da Previdência Social e da Controladoria-Geral da União, atendendo à indicação dos respectivos Ministros de Estado (art. 16º da Lei 9.613/98).
O Presidente do COAF é nomeado pelo Presidente da República, por indicação do Ministro de Estado da Fazenda (§ 1º do art. 16 da referida lei). O cargo de Presidente é de dedicação exclusiva, não se admitindo qualquer acumulação de função, salvo as constitucionalmente permitidas (caput do art. 4º do Estatuto do COAF, aprovado na forma do Anexo ao Decreto nº 2.799, de 8 de outubro de 1998, com as alterações posteriores).
O COAF tem por finalidade disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas na lei da “lavagem de dinheiro”, sem prejuízo da competência de outros órgãos e entidades (caput do art. 14 da Lei 9.613/98).
Compete-lhe, ainda, coordenar e propor mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à ocultação ou dissimulação de bens, direitos e valores, podendo requerer aos órgãos da Administração Pública as informações cadastrais bancárias e financeiras de pessoas envolvidas em atividades suspeitas (§§ 2º e 3º do referido art. 14).
Sujeitam-se ao COAF as instituições financeiras e as pessoas físicas e jurídicas com atividades correlatas às praticadas pelas primeiras, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não.47 Ao estatuir sobre práticas ilícitas de “lavagem
47 O parágrafo único do art. 9º da lei de “lavagem de dinheiro” inseriu nas mesmas obrigações das instituições financeiras as seguintes: (i) as bolsas de valores, as bolsas de mercadorias ou futuros e os sistemas de negociação do mercado de balcão organizado; (ii) as seguradoras, as corretoras de seguros e as entidades de previdência
de dinheiro”, o legislador não restringiu os deveres aos mecanismos de controle às instituições financeiras. Pelo contrário, buscou, com êxito, abranger qualquer pessoa que desempenhe atividades correlatas às das instituições financeiras.
2.4.5 Outros órgãos reguladores
2.4.5.1 CVM – Comissão de Valores Mobiliários
A CVM foi instituída pela Lei 6.385/76. Trata-se de uma autarquia em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônios próprios, dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária (art. 5º).
complementar ou de capitalização; (iii) as administradoras de cartões de credenciamento ou cartões de crédito, bem como as administradoras de consórcios para aquisição de bens ou serviços; (iv) as administradoras ou empresas que se utilizem de cartão ou qualquer outro meio eletrônico, magnético ou equivalente, que permita a transferência de fundos; (v) as empresas de arrendamento mercantil (leasing) e as de fomento comercial (factoring); (vi) as sociedades que efetuem distribuição de dinheiro ou quaisquer bens móveis, imóveis, mercadorias, serviços, ou, ainda, concedam descontos na sua aquisição, mediante sorteio ou método assemelhado;
(vii) as filiais ou representações de entes estrangeiros que exerçam no Brasil qualquer das atividades listadas neste artigo, ainda que de forma eventual; (viii) as demais entidades cujo funcionamento dependa de autorização de órgão regulador dos mercados financeiro, de câmbio, de capitais e de seguros; (ix) as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que operem no Brasil como agentes, dirigentes, procuradoras, comissionarias ou por qualquer forma representem interesses de ente estrangeiro que exerça qualquer das atividades referidas neste artigo; (x) as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis; (xi) as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem jóias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antiguidades; (xii) as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de luxo ou de alto valor, intermedeiem a sua comercialização ou exerçam atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie; (xiii) as juntas comerciais e os registros públicos; (xiv) as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações: (a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza; (b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; (c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; (d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; (e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e (f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais; (xv) pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares; (xvi) as empresas de transporte e guarda de valores; (xvii) as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de alto valor de origem rural ou animal ou intermedeiem a sua comercialização; e (xviii) as dependências no exterior das entidades mencionadas neste artigo, por meio de sua matriz no Brasil, relativamente a residentes no País.
A administração da CVM é composta, atualmente, por um Presidente e quatro diretores, todos os quais nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovados pelo Senado Federal, dentre pessoas de ilibada reputação e reconhecida competência em matéria de mercado de capitais (art. 3º da Estrutura Regimental da CVM, disciplinada pelo Decreto nº 6.382, de 27 de fevereiro de 2008, com alteração dada pelo Decreto nº 7.406, de 27 de dezembro de 2010).
As atribuições da CVM têm objetivos comuns aos do CMN, notadamente de assegurar a transparência das informações e eficiência do mercado, proteger os investidores, evitar ou coibir fraudes ou manipulações, promover incentivos de modo a aproximar a poupança do mercado de capitais (caput do art. 4º da Lei 6.385/76).48
Compete à CVM, nos termos do art. 8º da Lei 6.385/76, regulamentar, com observância da política definida pelo CMN, as matérias expressamente previstas nesta lei e na lei de sociedades por ações (inciso I), administrar os registros instituídos por esta Lei (inciso II), fiscalizar permanentemente as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários, de que trata o art. 1º, bem como a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem, e aos valores nele negociados (inciso III), propor ao CMN a eventual fixação de limites máximos de preço, comissões, emolumentos e quaisquer outras vantagens cobradas pelos intermediários do mercado (inciso IV), fiscalizar e inspecionar as companhias abertas dada prioridade às que não apresentem lucro em balanço ou às que deixem de pagar o dividendo mínimo obrigatório (inciso V).
A competência da CVM não exclui a da Bolsa de Valores, das Bolsas de Mercadorias e Futuros, e das entidades de compensação e liquidação com relação aos seus membros e aos valores mobiliários nelas negociados (§ 1o do referido art. 8º). Esses são órgãos auxiliares da CVM,
48 Segundo o caput do art. 4º, o CMN e a CVM exercerão as atribuições previstas na lei para o fim de:(i) assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados de bolsa e de balcão; (ii) proteger os titulares de valores mobiliários contra emissões irregulares e atos ilegais de administradores e acionistas controladores de companhias ou de administradores de carteira de valores mobiliários; (iii) evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinadas a criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários negociados no mercado; (iv) assegurar o acesso do público a informações sobre valores mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido; (v) assegurar a observância de práticas comerciais equitativas no mercado de valores mobiliários; (vi) estimular a formação de poupança e sua aplicação em valores mobiliários; (vi) promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do mercado de ações e estimular as aplicações permanentes em ações do capital social das companhias abertas.
dotados de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, com a incumbência de fiscalizar os respectivos membros e operações com valores mobiliários neles realizados, e operam sob a supervisão da CVM (art. 17 da mesma lei).
Relevante notar que, embora as instituições financeiras sejam reguladas pelas normas ditadas pelo CMN e publicadas pelo BACEN, a normatização e fiscalização do mercado de capitais foram conferidas à CVM, notadamente com relação aos títulos e valores mobiliários negociados em bolsa de valores, mercadorias e futuros, às operações realizadas por sociedades corretoras e distribuidoras, aos fundos de investimentos etc. (arts. 8º e 15 da Lei 6.385/76). Ou seja, o conceito de valores mobiliários é que define e separa a competência dos dois órgãos, o BACEN e a CVM. Assim, com exceção dos valores mobiliários, os demais segmentos do SFN, tais como de crédito, monetário e de câmbio, são de responsabilidade do BACEN, tanto para regulamentar, como para fiscalizar.49
Outra diferença dos poderes exercidos pela CVM está no fato de que as normas desta autarquia não se limitam somente às instituições financeiras, abrangendo também as companhias abertas. O BACEN tem seu poder restrito às instituições financeiras.50
Por fim, não obstante a necessidade de prévia autorização do BACEN para que as instituições financeiras exerçam suas atividades no mercado financeiro, as atividades exercidas por estas ou por qualquer pessoa no mercado de capitais, dependem de autorização da CVM (caput do art. 16 da Lei 6.385/76). Tais atividades são: (i) distribuição de emissão no mercado; (ii) compra de valores mobiliários para revendê-los por conta própria; (iii) mediação ou corretagem de operações com valores mobiliários; e (iv) compensação e liquidação de operações com valores mobiliários.
2.4.5.2 CRSFN – Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional
49 Conforme: Xxxxxxx, Xxxxxx et al., op. cit., p. 263.
50 Conforme: Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxxxx de, op. cit., p. 88.
O Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (“CRSFN”) foi criado pelo Decreto nº 91.152, de 15 de março de 1985, com a finalidade de julgar, em segunda e última instância, os recursos interpostos das decisões relativas à aplicação de penalidades administrativas do Banco Central, da CVM e da Secretaria de Comércio Exterior (art. 1º). Trata-se de órgão colegiado integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, conforme disposto no art. 81 da Lei 9.069/95.
O CRSFN é integrado por oito Conselheiros, de reconhecida competência e possuidores de conhecimentos especializados em assuntos relativos aos mercados financeiro e de capitais, observada a seguinte composição: um representante do Ministério da Fazenda, um representante do Banco Central, um representante da CVM, um representante da Secretaria de Comércio Exterior e quatro representantes das entidades de classe dos mercados financeiro e de capitais, por estas indicados em lista tríplice, por solicitação do Ministro da Fazenda. O mandato desses Conselheiros e seus respectivos suplentes será de dois anos, podendo ser reconduzidos uma única vez.
Junto ao CRSFN, funcionará um Procurador da Fazenda Nacional, designado pelo Procurador- Geral da Fazenda Nacional, com a atribuição de zelar pela fiel observância das leis, decretos, regulamentos e demais atos normativos.
2.4.5.3 SUSEP – Superintendência de Seguros Privados
A Superintendência de Seguros Privados (“SUSEP”) foi criada pelo Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966 (“Decreto-lei 73/66”). A SUSEP faz parte do Sistema Nacional de Seguros Privados, o qual foi instituído pelo mesmo decreto-lei. Trata-se de uma entidade autárquica, dotada de personalidade jurídica pública, com autonomia administrativa e financeira.
A SUSEP, na qualidade de executora da política traçada pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (“CNSP”) – também integrante do Sistema Nacional de Seguros Privados –, é órgão fiscalizador da constituição, organização, funcionamento e operações das Sociedades Seguradoras (art. 36 do Decreto-lei 73/66).
A administração da SUSEP é exercida por um Superintendente, nomeado pelo Presidente da República.
2.4.5.4 IRB – Brasil Re
O instituto de Resseguros do Brasil – IRB – foi criado pelo Decreto-lei nº 1.186, de 3 de abril de 1986, sendo que, atualmente, está regido pelo Decreto-lei 73/66. O IRB tem por finalidade regular o cosseguro, o resseguro e a retrocessão, bem como promover o desenvolvimento das operações de seguro, segundo as diretrizes do CNSP. As funções do IRB foram transferidas para a SUSEP por meio da edição da Lei nº 9.932, de 20 de dezembro de 1999. Atualmente, vige a Lei Complementar nº 126, de 15 de janeiro de 2007, que alterou o Decreto-lei 73/66, entre outras coisas.
2.4.5.5 PREVIC – Superintendência Nacional de Previdência Complementar
Criada pela Lei nº 12.154, de 23 de dezembro de 2009, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (“PREVIC”) substituiu a antiga Secretaria Nacional de Previdência Complementar – SPC. Trata-se de uma autarquia de natureza especial, dotada de autonomia administrativa e financeira e patrimônio próprio, vinculada ao Ministério da Previdência Social, com sede e foro no Distrito Federal e atuação em todo o território nacional.
A PREVIC atua como entidade de fiscalização e de supervisão das atividades das entidades fechadas de previdência complementar e de execução das políticas para o regime de previdência complementar operado pelas entidades fechadas de previdência complementar.
A PREVIC é administrada por uma Diretoria Colegiada composta por um Diretor- Superintendente e quatro Diretores, escolhidos dentre pessoas de ilibada reputação e de notória
competência, a serem indicados pelo Ministro de Estado da Previdência Social e nomeados pelo Presidente da República.
2.5 A lei complementar 105/01 (sigilo bancário)
2.5.1 Breves considerações
O sigilo bancário tem origem desconhecida, pois é intrínseca à atividade bancária a discrição de quem custodia o dinheiro do depositante. O sigilo vem sendo praticado por costume há muitos anos. A mais antiga referência ao sigilo bancário se encontra no Código de Xxxxxxxx, rei da Babilônia, que previa a possibilidade do “banqueiro” de “desvendar seus arquivos em caso de conflito com o cliente”, interpretando-se, a contrario sensu, “que, fora daí, o banco estava adstrito à obrigação do segredo”.51
A atividade bancária foi se aperfeiçoando ao longo dos tempos. O sigilo bancário ganhou relevância no início do século passado na Suíça pouco antes da Segunda Grande Guerra Mundial com a aprovação, no ano de 1934, da lei bancária suíça, a qual, posteriormente, foi emendada para incluir o dever de sigilo dos bancos para com as informações de seus clientes, sob pena de prisão ou multa (art. 47, b).
No Brasil, o sigilo bancário já foi tratado pela Lei 4.595/64 (art. 38), entretanto, este dispositivo foi revogado pela LC 105/01, que dispõe especificamente sobre o dever de sigilo de instituições financeiras nas operações ativas e passivas e nos serviços prestados (caput do art. 1º) e prevê sanções severas52 em caso de descumprimento (arts. 10 e 11).
Não obstante o advento da LC 105/01, o sigilo bancário se enquadra dentro do sigilo profissional, o qual já está presente no ordenamento jurídico brasileiro de há muito, a exemplo do art. 229, I do Código Civil, do art. 406, II do Código de Processo Civil, do art. 154 do Código
51 Xxxxx, Xxxxxx, op. cit., p. 55-56.
52 Cf.: “2.5.4 Responsabilidade civil e criminal”, abaixo.
Penal, do art. 207 do Código de Processo Penal, dos arts. 116, VIII, e 132, IX da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (“Lei 8.112/90”), que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e fundações públicas federais, do art. 7o, XIX, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, etc.
No plano constitucional, o sigilo bancário tem fundamento no inciso X do art. 5º da Constituição Federal, dentro do conceito de direito à intimidade e à vida privada, que, para Xxxxxx Xxxxxxx Ferraz Junior53, este é correlato do direito à inviolabilidade do sigilo de dados (art. 5º, XII). O titular desse direito constitucional é o próprio cliente da instituição financeira, seja pessoa física, seja pessoa jurídica, esta última na pessoa da empresa com quem a instituição financeira mantém relação contratual ou qualquer pessoa ligada ao mesmo conglomerado econômico, independentemente de contrato, na medida em que informações sigilosas foram obtidas durante a negociação.
No âmbito do direito do consumidor, o sigilo está amparado no art. 51 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (“Lei 8.078/90”), o Código de Defesa do Consumidor (“CDC”), segundo o qual são nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade (IV) e presume-se exagerada a vantagem que ofende os princípios fundamentais dos sistema jurídico a que pertence (§ 1º, I). Não há duvida de que, além de direito fundamental, garantido pela Constituição Federal, o direito ao sigilo é um direito indisponível, com previsão legal na LC 105/01, que rege o SFN, embora o cliente consumidor possa autorizar a divulgação de informações, descaracterizando a quebra do sigilo bancário54.
2.5.2 Quem deve manter o sigilo bancário
53 Conforme: Xxxxxxx, Xxxxxxxx; Xxxxxxxx Xx., Xxxx Xxxxxx (coord.). Sigilo fiscal e bancário. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 17.
54 Cf.: “2.5.3 Exceções ao sigilo bancário”, abaixo.
Sujeitam-se ao dever de sigilo as instituições financeiras ou a elas equiparadas descritas no § 1º do art. 1º da LC 105/01, inclusive as empresas de fomento comercial ou factoring (§ 2º).55 Também estão sujeitas ao dever de sigilo as instituições financeiras estrangeiras, as quais dependem de decreto do Poder Executivo para funcionar (caput do art. 18 da lei nº 4.594/1964).
As pessoas que exerçam as atividades descritas no art. 17 da Lei 4.595/64 mas que não constem do rol do § 1º do art. 1 da LC 105/01 estão excluídas do dever de sigilo, porquanto o inciso XIV do referido § 1º do art. 1º, “após listar as empresas que se podem entender como instituições financeiras, admite também a inclusão de outras sociedades que, em razão da natureza de suas operações, assim venham a ser consideradas pelo Conselho Monetário Nacional”.56 Esta interpretação leva à ideia de que o mesmo ocorre com as companhias seguradoras e as de capitalização (art. 29 da Lei 8.177/91), as quais não estão listadas dentre as empresas sujeitas ao dever de sigilo, embora possam ser incluídas na referida enumeração, a critério do CMN e a qualquer tempo.
Relevante notar a aplicabilidade da regra do sigilo somente às instituições financeiras, nacionais ou estrangeiras, ou a elas equiparadas, enquanto integrantes e atuantes no SFN, ou seja, o sigilo diz respeito a informações sobre operações realizadas no Brasil.
Adicionalmente, por força do caput do art. 2º da LC 105/01, o dever de sigilo é extensivo ao BACEN, em relação às operações que realizar e às informações que obtiver no exercício de suas atribuições de órgão fiscalizador. O sigilo, inclusive quanto a contas de depósitos, aplicações e investimentos mantidos em instituições financeiras, não pode ser oposto ao BACEN: (i) no desempenho de suas funções de fiscalização, compreendendo a apuração, a qualquer tempo, de ilícitos praticados por controladores, administradores, membros de conselhos estatutários, gerentes, mandatários e prepostos de instituições financeiras, e (ii) ao proceder a inquérito em instituição financeira submetida a regime especial (§ 1º). Todas estas disposições também são aplicáveis à CVM, quando se tratar de fiscalização de operações e serviços no mercado de valores mobiliários, inclusive nas instituições financeiras que sejam companhias abertas (§ 3º),
55 Cf.: “2.3 Instituição Financeira Privada”, acima.
56 Conforme: Xxxxxxx Xxxx, Xxxxxxx, op. cit., p. 503.
bem como extensíveis aos órgãos fiscalizadores e agentes do BACEN e da CVM (§ 4º). Com relação às operações de empréstimos de recursos para socorrer instituições financeiras sem liquidez (art. 16, I da Lei 4.595/64 cumulado com o art. 29 da Lei 6.024/74), a expressão “bancos de qualquer espécie” prevista no inciso I do § 1º do art. 1º da LC 105/01 já seria suficiente para abarcar o BACEN.
2.5.3 Exceções ao sigilo bancário
As exceções ao dever de sigilo bancário estão previstas no § 3º do art. 1º da LC 000/00, xxxxx xxxxx, (x) a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco, (ii) o fornecimento de informações constantes de cadastro de emitentes de cheques sem provisão de fundos e de devedores inadimplentes, a entidades de proteção ao crédito, (iii) o fornecimento das informações de que trata o § 2o do art. 11 da Lei no 9.311, de 24 de outubro de 1996, (iv) a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa, (v) a revelação de informações sigilosas com o consentimento expresso dos interessados, (vi) a prestação de informações nos termos e condições estabelecidos nos artigos 2o, 3o, 4o, 5o, 6o, 7o e 9 da LC 105/01.
Esta enumeração é exemplificativa, visto que a LC 105/01 não excepcionou expressamente inúmeras outras hipóteses que autorizam de forma legítima a divulgação de informações inicialmente abarcadas pelo sigilo bancário, a exemplo da abertura de informações àqueles cotitulares de conta corrente ou aos procuradores legalmente constituídos. Também não afronta o dever de sigilo quando a instituição financeira ingressa com ação judicial pleiteando a cobrança de valores decorrentes de compromissos não honrados pelo cliente, ou pleiteando a decretação da falência deste cliente. Por outro lado, configura-se a quebra se houver divulgação de informações ao cônjuge, independentemente do regime de bens do casamento57.
57 Conforme: Xxxxxxx Xxxx, Xxxxxxx, op. cit., p. 500.
O BACEN e a CVM, quando no exercício de suas atribuições, estão obrigados a informar ao Ministério Público, juntamente com documentos comprobatórios ou necessários à apuração dos fatos, a ocorrência de crime definido em lei como de ação pública, ou indícios da prática de tais crimes (art. 9º da LC 105/01). Nesta hipótese, não há exercício de poder de polícia, tratando-se de dever a ser observado e cumprido pelos órgãos reguladores.
O Fisco – na pessoa das autoridades e dos agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios – somente poderá examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente (caput do art. 6º da LC 105/01). E mesmo assim, o Fisco deve conservar em sigilo o resultado dos exames, as informações e os documentos, observada a legislação tributária (parágrafo único desse artigo).
Em se tratando de operações financeiras que devam ser comunicadas ao COAF, as pessoas obrigadas a prestar tais informações devem fazê-lo, sem que isso implique quebra do sigilo bancário; pelo contrário, o descumprimento dessa norma importa responsabilidade administrativa dessas pessoas e dos administradores das pessoas jurídicas. Interessante notar que, no caso de informações sigilosas comunicadas ao COAF, este órgão não depende de autorização judicial prévia, obtendo tais informações diretamente e de maneira legítima. 58
Nas relações de consumo, o sigilo tem amparo no CDC, sendo que a previsão contratual que exclua a instituição financeira do seu dever de manter o sigilo bancário é considerada violação aos direitos do consumidor (art. 51, IV, e § 1º, I). Entretanto, não se pode ter esta regra como absoluta, na medida em que há situações em que o cliente consumidor pode autorizar a divulgação das informações confidenciais a terceiros. Imagine, por exemplo, cliente que decida fazer um curso no exterior por determinado período mas que precise manter a movimentação de sua conta corrente aqui no país para realizar os pagamentos de suas contas pessoais locais e de seu cartão de crédito utilizado no exterior enquanto viaja. Para a tranquilidade deste cliente, é natural que ele outorgue poderes a um de seus parentes ou a alguém de sua extrema confiança,
58 Cf.: “2.6 A lei nº 9.613/1998 (‘lavagem de dinheiro’)”, abaixo.
por meio de uma procuração, permitindo a esta pessoa movimentar sua conta corrente e realizar outras operações bancárias que julgue necessárias. Neste caso, a instituição financeira, por cautela, pode como deve exigir do cliente poderes específicos expressos para a prática, pelo procurador, de determinados atos extraordinários.
Verifica-se, pois, que as exceções ao dever de sigilo das instituições financeiras devem ser analisadas na casuística.
2.5.4 Da Responsabilidade civil e criminal
Do ponto de vista do direito civil, haverá responsabilidade das pessoas que estão obrigadas a manter o sigilo bancário, na medida em que haja dano, independentemente de culpa, pois a atividade desenvolvida pelas instituições financeiras implica, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, no caso, o cliente (parágrafo único do art. 927 do Código Civil).
A responsabilidade criminal das instituições financeiras por quebra do sigilo está prevista no art. 10 da LC 105/01, de acordo com o qual a quebra de sigilo fora das hipóteses autorizadas nesta lei complementar constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis. Tendo em vista a inexistência no art. 10 de tipo penal da modalidade culposa, somente se responsabiliza criminalmente quem pratica o crime doloso. Salienta-se que essa penalidade se estende a quem omitir, retardar injustificadamente ou prestar falsamente as informações requeridas nos termos da referida lei complementar.
O servidor público que utilizar ou viabilizar a utilização de qualquer informação obtida em decorrência da quebra de sigilo responde pessoal e diretamente pelos danos decorrentes, sem prejuízo da responsabilidade objetiva da entidade pública, quando comprovado que o servidor agiu de acordo com orientação oficial (art. 11 da LC 105/01). Neste caso, a pessoa jurídica de direito público interno tem direito de regresso contra o servidor que causou o dano (art. 37, § 6º
da Constituição Federal, cumulado com o art. 43 do Código Civil), sem prejuízo de outras responsabilidades, inclusive administrativas (arts. 121 a 126 da Lei 8.112/90).
2.6 A lei nº 9.613/1998 (“lavagem de dinheiro”)
2.6.1 Breves considerações
O combate ao crime organizado, principalmente ao narcotráfico, começa a ser tratado com prioridade no mundo contemporâneo após a segunda metade do século passado. O fenômeno da globalização e o inevitável e crescente desenvolvimento tecnológico trouxeram consigo consequências sem precedentes na história. Os frutos são observados na transmissão de informações quase que simultaneamente e da integração dos mercados, permitindo o desenvolvimento econômico da sociedade moderna. Por outro lado, têm-se os efeitos colaterais, dentre os quais a sofisticação da criminalidade que se alastra mais facilmente nos diversos pontos do globo terrestre.
Neste contexto da abrangência e interligação global da criminalidade é que surge a necessidade do Estado moderno de criar mecanismos de combate e controle aos capitais oriundos de atividades criminosas. Ou seja, os ordenamentos jurídicos modernos foram obrigados a se adequar às práticas criminosas modernas, tipificando o que se conhece atualmente como “lavagem de dinheiro”.
Os Estados Unidos da América do Norte foram os pioneiros na introdução de instrumentos jurídicos e regulatórios acerca da “lavagem de dinheiro”, a exemplo da “ley que regula lãs transferencias bancarias por médios electrónicos de 1988, la Ley Integral para El Control del Crimen de 1984 y la Ley para luchar contra El Crimen Organizado (Organized Crime Control Act – OCCA Act de 1970)”.59
59 Xxxxxxx, Xxxx; Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx de; Xxxxx, Xxxx Xxxxxx. Lei de lavagem de dinheiro: comentários à lei 9.613/98... São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 217.
No direito internacional, a Recomendação do Comitê de Ministros do Conselho da Europa (nº R80), de 27 de junho de 1980, é apontada como um dos primeiros instrumentos a adotar medidas contra a transferência e encobrimento de capitais de origem criminosa.60
Há, também, entre “las iniciativas planteadas a nivel mundial: la Convención de Viena sobre represión del narcotráfico y el lavado de dinero de 1988; Declaración Conjunta de los Jefes de Estado de los 7 Países Industriales Libres y del Presidente de la Comisión de las Comunidades Europeas de París de julio de 1989; Recomendaciones del Grupo de Trabajo de 1a 15a. Cumbre Anual de Economía de febrero de 1990; la Declaración de Ministros de Estado a nivel mundial celebrada em Londres del 9 a 11 de abril de 1990 sobre reducción de xx xxxxxxx xx xxxxxx x xx xxxxxxx x xx xxxxxxx xx xx xxxxxxx; Informe del Grupo de Expertos Intergubernamental para el estudio de lãs Consecuencias Económicas y Sociales del Tráfico Ilícito de Drogas celebrado em Viena del 00 xx 00 de mayo (1a ronda) y del 9 el 20 de julio de 1990 (2a ronda); el Programa de Acción Global de Naciones Unidas de 1993.”61
Relevante destacar a Convenção de Viena, aprovada pelas Nações Unidas em 20 de dezembro de 1988 na cidade de mesmo nome, contra o tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias psicotrópicas, com o propósito de enfrentar a magnitude e a expansão do tráfico ilícito e suas graves consequências.62 Por meio dela, os países membros das Nações Unidas iniciaram as discussões sobre práticas e operações suspeitas, relacionadas, todavia, a entorpecentes e substâncias psicotrópicas. Os países que introduziram essa convenção em seu ordenamento jurídico comprometeram-se a adotar as medidas necessárias para caracterizar como delitos penais em seu direito interno, quando cometidos internacionalmente, as condutas descritas no seu art. 3º da Convenção. O Brasil ratificou a Convenção de Viena por meio do Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991 (“Decreto 154/91”), dando seu primeiro passo para prevenir e reprimir a “lavagem de dinheiro”.
60 Conforme: Xx Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx. Combate à lavagem de dinheiro: teoria e prática. Campinas: Millennium Editora, 2008, p. 2.
61 Xxxxxxx, Xxxx, Xxxxxxxx; Xxxxxxx Xxxxx de; Xxxxx, Luiz Flávio. op. cit., p. 109.
62 A Convenção de Viena de 1988 veio fortalecer e complementar as medidas previstas na Convenção Única de 1961 sobre Entorpecentes, emendada pelo Protocolo de 1972 de Modificação da Convenção Única sobre Entorpecentes, de 1961, e na Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971.
O Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia (“Comitê de Basiléia” ou do inglês Basel Committee on Banking Supervision – BCBS) emitiu declaração de princípios em 12 de dezembro de 1988 (“Declaração de Princípios de Basiléia”) relativos a práticas contrárias à “lavagem de dinheiro”, com o propósito de prevenir e reprimir quem utiliza operações financeiras para fins de “lavagem de dinheiro”. Esses princípios não têm caráter vinculativo, mas de mera recomendação; são diretrizes a serem seguidas pelos Estados-membros e demais sistemas financeiros mundiais.
Além dessas, a Convenção de Estrasburgo de 1990 apresenta-se como essencial no combate aos crimes relacionados à “lavagem de dinheiro”, pois exigiu das partes signatárias a criminalização dessa prática e o estabelecimento de “medidas legais de embargo e confisco, com o objetivo de privar os delinquentes do proveito econômico do crime”, assim como inovou ao ampliar “o catálogo de delitos prévios (chamados inadequadamente de ‘delito principal’) a outros crimes que geram proveito econômico, afastando a exclusividade do narcotráfico disposta na Convenção de Viena”.63
Os instrumentos oriundos das Convenções, Recomendações ou Comitês que tratam de assuntos relacionados à “lavagem de dinheiro” são diversos, tendo havido outros igualmente relevantes. Há também outras organizações que visam a cooperação e o desenvolvimento sustentável das economias mundiais, tal como o GAFI64.
No Brasil, este tema foi introduzido no ordenamento jurídico por meio do Decreto 154/91, que ratificou a Convenção de Viena de 1988. Atualmente, este tema é disciplinado pela Lei 9.613/98 (lei da “lavagem de dinheiro”), que dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, a prevenção da utilização do SFN para os ilícitos previstos na referida lei, bem como cria o COAF65, apontando as pessoas sujeitas a ele, e estabelece os mecanismos de controle e as responsabilidades administrativas aplicáveis, entre outras coisas.
63 Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx; Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Lavagem de dinheiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 21.
64 Grupo de Ação Financeira Sobre Lavagem de Dinheiro ou da sigla em inglês FATF, The Financial Action Task Force on Money Laundering. O GAFI foi estabelecido em 1989, na cidade de Paris, por meio da Reunião dos países integrantes do G-7.
65 Cf.: “2.4.4 COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras”, acima.
As condutas típicas estão descritas no art. 1º, caput e §§ da lei da “lavagem de dinheiro”. Relevante mencionar que os chamados crimes antecedentes66 previstos no § 1º do art. 2º da mesma lei são fundamentais para a caracterização da “lavagem de dinheiro”.67 Essa mesma lei contém disposições especiais de processo e julgamento desses crimes (arts. 2º ao 6º), garante medidas judiciais constritivas de bens, direitos ou valores oriundos de crimes praticados no exterior (art. 8º), e produz efeitos jurídicos além daqueles previstos no Código Penal (art. 7º).
A lei da “lavagem de dinheiro” tem destaque mais acentuado com relação às operações financeiras, pois as atividades das instituições financeiras impactam diretamente na poupança popular e na economia. Os deveres dos administradores das instituições financeiras foram ampliados, os quais passaram a ser responsáveis pelo controle de seus clientes e comunicação das chamadas “operações atípicas ou suspeitas”68. Referida lei pretende afastar operações com algum foco de risco, ainda que em potencial. Em se mitigando os riscos, ambas poupança e economia estarão mais protegidas.
A Res. CMN 2.025 estabelece inúmeras providências às instituições financeiras relativas à adoção de políticas e procedimentos de controles voltados à prevenção do uso das instituições para fins de práticas ilícitas ou fraudulentas (art. 3o, § 2o).
A responsabilidade dos administradores é tamanha que essa mesma norma autorizou expressamente o encerramento da conta de depósitos (art. 2o, VII), a seu exclusivo critério. Trata-se de situação em absoluta harmonia com uma gestão adequada e eficiente da instituição,
66 Nos termos da exposição de motivos da Lei nº 9.613/1998 (EM nº 692/MJ): “30. Quanto ao rol de crimes antecedentes, o narcotráfico (Lei nº 6.368, de 21de outubro de 1976), os crimes praticados por organização criminosa, independentemente do bem jurídico ofendido (Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995), o terrorismo (art. 20 da Lei no 7.170, de 14 de dezembro de 1983) e o contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção (art. 334 do Código Penal e art. 12 da Lei no 7.170, de 1983), compõem as categorias de infrações perseguidas pelos mais diversos países. Trata-se de implementar o clássico princípio da justiça penal universal, mediante tratados e convenções, como estratégia de uma Política Criminal transnacional.”
67 Cf.: Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx, Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas: com comentários, artigo por artigo, à Lei 9.613/98, São Paulo, 2007; Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Bonfim e Xxxxxxx Xxxxxxxx Bonfim, Lavagem de dinheiro, São Paulo, 2008; Xxxx Xxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx e Xxxx Xxxxxx Xxxxx, Lei de lavagem de capitais: comentários à lei 9.613/98..., São Paulo, 1998; Xxxxxx Xxxxxx de Sanctis, Combate à lavagem de dinheiro: teoria e prática, Campinas, 2008; Xxxxxxx Xxxxx Xxxx, Lavagem de dinheiro (Lavagem de ativos provenientes de crime) Anotações às disposições criminais da Lei n. 9.613/98, São Paulo, 2009.
68 Cf.: “2.6.4 Do registro e das ‘operações atípicas ou suspeitas’”, abaixo.
visando afastar operações que possam apresentar qualquer foco de risco. Ademais, esta previsão normativa respeita a autonomia da vontade das partes de somente contratarem com quem pretendam e preserva o caráter natural de confiança das relações cliente-instituição financeira. Conforme será analisado oportunamente69, ao intervir na relação dos contratantes, o Poder Judiciário prejudica o exercício das funções de fiscalização, incentivo e planejamento exercido pelo Estado, na condição de agente normativo e regulador da atividade econômica.
2.6.2 O papel do COAF
O COAF executa papel fundamental de prevenção e repressão aos crimes de “lavagem de dinheiro”. Para tanto, foram-lhe “conferidas múltiplas atribuições de caráter fiscalizatório, investigativo e da própria coordenação de mecanismos de cooperação entre instituições nacionais e estrangeiras”70.
Nos termos da lei que o criou (Lei 9.613/98), o COAF tem a tarefa (árdua) de coordenar e propor mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à ocultação ou dissimulação de bens, direitos e valores (§ 2º do art. 14), podendo requerer aos órgãos da Administração Pública as informações cadastrais bancárias e financeiras de pessoas envolvidas em atividades “suspeitas” (§ 3º do art. 14). Compete-lhe disponibilizar as comunicações recebidas com base no inciso II do caput do art. 10 aos respectivos órgãos responsáveis pela regulação ou fiscalização das pessoas a que se refere o art. 9o (§ 3o do art. 11). Cabe a ele, ainda, comunicar às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes de “lavagem de dinheiro”, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito (art. 15).
Para exercer este relevante mister, imprescindível que o COAF esteja dotado de “uma estrutura administrativa especializada, familiarizada com os instrumentos do mercado financeiro e
69 Cf.: “5.4 Da análise de caso prático”, abaixo.
70 Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx xx. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas : com comentários, artigo por artigo, à Lei 9.613/98, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 457.
comercial do País e internacional, para que, de posse dessas informações possa extrair evidências e provas da prática dos crimes de lavagem de dinheiro”71.
Ao COAF, “caberá analisar operações financeiras e comerciais dos mais diversos tipos e estruturas, sendo que o evidenciamento de uma operação de lavagem de dinheiro na maior parte das vezes exigirá o exame de complexas estruturas negociais, requerendo conhecimentos teóricos e práticos não só sobre procedimentos de investigação, como também sobre operações financeiras e comerciais”. Por esta razão que “o corpo funcional desse órgão é composto por servidores de reputação ilibada e reconhecida competência, de órgãos e entidades governamentais que sejam responsáveis pela fiscalização dessas operações e que, de uma forma ou de outra, estejam ligados aos setores envolvidos no combate à prática de lavagem de dinheiro. Disto, resultará o caráter multidisciplinar desse órgão e que, certamente, será um fator de celeridade na condução de suas funções”.72
As infrações administrativas previstas na Lei 9.613/98 serão apuradas e punidas mediante processo administrativo, assegurados o contraditório e a ampla defesa (art. 13 dessa lei, cumulado com o art. 14, caput do Estatuto do COAF). O BACEN, a CVM, a SUSEP e demais órgãos ou entidades responsáveis pela aplicação de penas administrativas previstas no art. 12 da referida lei observarão seus procedimentos e, no que couber, o disposto no Estatuto do COAF (art. 14, parágrafo único do referido Estatuto).
O COAF exerce, pois, o papel de verdadeiro órgão de inteligência das atividades financeiras que possam ter relação com o crime de “lavagem de dinheiro”, e que, pelas razões expostas acima, merecem ser combatidas. Com tais medidas, o COAF identifica operações com algum foco de risco e evita a utilização do mercado financeiro para fins de práticas ilícitas ou fraudulentas, em proteção à poupança popular e à economia.
2.6.3 Pessoas Expostas Politicamente (PEP)
71 Exposição de motivos da Lei nº 9.613/1998 (EM nº 692/MJ).
72 Exposição de motivos da Lei nº 9.613/1998 (EM nº 692/MJ).
Consideram-se Pessoas Expostas Politicamente (PEP) os agentes públicos que desempenham ou que tenham desempenhado, nos últimos cinco anos, no Brasil ou em países, territórios e dependências estrangeiros, cargos, empregos ou funções públicas relevantes, assim como seus representantes, familiares e estreitos colaboradores, consoante § 1º do art. 10 da Resolução do COAF nº 16/2007 (“Res. COAF 16”), com base no § 1º do art. 14 da Lei 9.613/98.
As PEP são divididas pelo GAFI em três: “PEP estrangeiras”, “PEP domésticas” e as “Pessoas que ocupam ou já ocuparam funções proeminentes em organização internacional”: (i) “PEP estrangeiras” são indivíduos que ocupam ou já ocuparam funções públicas proeminentes em país estrangeiro, por exemplo, Chefes de Estado ou de Governo, políticos de escalão superior, cargos governamentais de escalão superior, oficiais militares e membros do escalão superior do Poder Judiciário, executivos de escalão superior de empresas públicas e dirigentes de partidos políticos;
(ii) “PEP domésticas” são indivíduos que ocupam ou já ocuparam funções públicas proeminentes domesticamente, por exemplo, Chefes de Estado ou de Governo, políticos de escalão superior, cargos governamentais de escalão superior, oficiais militares e membros do escalão superior do Poder Judiciário, executivos de escalão superior de empresas públicas e dirigentes de partidos políticos; (iii) “Pessoas que ocupam ou já ocuparam funções proeminentes em organização internacional” referem-se a membros da alta gerência, por exemplo, diretores, subdiretores e membros do conselho ou funções equivalentes. A definição das PEP não pretende incluir pessoas em posições médias ou inferiores nas categorias mencionadas anteriormente.73
As exigências para com as PEP se justificam uma vez que essas pessoas representam um risco maior de corrupção somente em razão das posições que ocupam. A exigência de aplicar diligência devida melhorada às PEP estrangeiras foi expandida com as exigências aplicadas às pessoas politicamente expostas nacionais e organizações internacionais, além da família e associados próximos de todas as PEP. Tudo isso refletiu os estratagemas utilizados pelos oficiais corruptos e cleptocratas para lavar os frutos da corrupção.
73 Cf.: “As Recomendações do GAFI” de fevereiro de 2012, Padrões Internacionais de Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo e da Proliferação.
No âmbito de fiscalização do BACEN, este órgão regulou, por meio da Circular nº 3.461, de 24 de julho de 2009 (“Circular BACEN 3.461”), as providências a serem obedecidas pelas pessoas que estão sujeitas às suas normas, com relação às operações realizadas entre estas e as PEP.74
2.6.4 Do registro e das “operações atípicas ou suspeitas”
Sujeitam-se ao mecanismo de controle descrito nos arts. 10 e 11 da lei da “lavagem de dinheiro” as pessoas jurídicas que exerçam, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, uma das atividades descritas no art. 9º da referida lei.
Em Suma, dentre as obrigações, estão a identificação de clientes e a atualização dos cadastros desses clientes, o limite de transação para efeito de registro e cadastro, a adoção de políticas, procedimentos e controles internos, e o cumprimento às requisições formuladas pelo COAF na periodicidade, forma e condições por ele estabelecidas (art. 10, caput da Lei 9.613/98).
A comunicação de operações financeiras deve ser realizada pelas pessoas sujeitas à lei da “lavagem de dinheiro”, as quais deverão dispensar especial atenção às operações que possam constituir-se sérios indícios75 dos crimes de “lavagem”, ou com eles relacionar-se, nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes (art. 11, I e § 1º). Além disso, referidas pessoas obrigadas a comunicar tais operações devem manter o sigilo das informações prestadas (art. 11, II dessa lei). As autoridades competentes já editaram instrumentos normativos com a descrição das chamadas “operações atípicas ou suspeitas”, bem como com os procedimentos para a comunicação de tais operações.
O COAF editou instrumentos normativos a respeito dos procedimentos e das supostas “operações atípicas ou suspeitas”, vigendo, atualmente, os seguintes: Resolução nº 6, de 2 de julho de 1999, para as administradoras de cartões de credenciamento ou de cartões de crédito; Resolução nº 7, de 15 de setembro de 1999, para Bolsas de Mercadorias e corretores que nelas
74 Cf.: “2.6.4 Do registro e das ‘operações atípicas ou suspeitas’”, abaixo.
75 Esta a exigência do § 1º do art. 2º da Lei nº 9.613/1998, cumulada com o art. 239 do Código de Processo Penal.
atuam; Resolução nº 8, de 15 de setembro de 1999, para pessoas físicas ou jurídicas que comercializem objetos de arte e antiguidades; Resolução nº 10, de 19 de novembro de 2001, para pessoas jurídicas não financeiras prestadoras de serviços de transferência de numerário; Instrução Normativa nº 2, de 18 de julho de 2005, cadastro de empresas de fomento comercial ou mercantil (factoring) e envio de comunicações de operações atípicas ou suspeitas e declarações negativas ao COAF; Resolução nº 15, de 28 de março de 2007, para pessoas físicas e jurídicas reguladas pelo COAF, relativamente a operações ou propostas de operações ligadas ao terrorismo ou seu financiamento; Res. COAF 16, para pessoas reguladas pelo COAF, relativamente a operações ou propostas de operações realizadas por pessoas politicamente expostas76; Resolução nº 21, de 20 de dezembro de 2012, para empresas de fomento comercial; Resolução nº 23, de 20 de dezembro de 2012, para pessoas físicas ou jurídicas que comercializam joias, pedras e metais preciosos; Resolução nº 24, de 16 de janeiro de 2013, para pessoas físicas ou jurídicas não submetidas à regulação de órgão próprio, as quais prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência; Resolução nº 25, de 16 de janeiro de 2013, para pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de luxo ou de alto valor ou intermedeiem a sua comercialização; Resolução nº 26, de 6 de agosto de 2013, para pessoas jurídicas que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis. Note-se que as disposições do COAF não excluem a competência do BACEN, da CVM ou de qualquer outro órgão regulador na regulamentação e fiscalização, quando o caso (§ 1º do art. 14 da Lei 9.613/98).
No âmbito de competência do BACEN, as medidas relativas à “lavagem de dinheiro” foram reguladas por meio da Circular BACEN 3.461. Esta circular revogou a Circular nº 2.852, de 3 de dezembro de 1998 e a Circular nº 3.339, de 22 de dezembro de 2006. Por meio da Circular BACEN 3.461, o BACEN regulou as providências adicionais a serem obedecidas pelas pessoas que estão sujeitas às suas normas, com relação às operações realizadas entre estas e as PEP. Por meio da Carta Circular nº 3.542, de 12 de março de 2012, a qual revogou a Carta Circular nº 2.826, de 4 de dezembro de 1998, o BACEN listou as “operações atípicas ou suspeitas” que podem configurar indícios de crime de “lavagem de dinheiro”, sem prejuízo de outras normas também emanadas do BACEN.
76 Cf.: “2.6.3 Pessoas Expostas Politicamente (PEP)”, acima.
No âmbito de competência da CVM, as medidas relativas à “lavagem de dinheiro” foram reguladas por meio das Instruções Normativas nos 301, de 16 de abril de 1999, e 325, de 27 de janeiro de 2000, sem prejuízo das alterações posteriores e de outras normas correlatas.
Com relação aos demais órgãos reguladores, as normas emanadas de cada um deles devem ser obedecidas pelas pessoas que estão sujeitas ao seu respectivo controle, respeitado o disposto na Lei 9.613/98 e em outras normas complementares ou relacionadas aos crimes de “lavagem de dinheiro”.
As comunicações das “operações atípicas ou suspeitas” devem ser feitas dentro do prazo legal e sob o manto da confidencialidade, ou seja, a instituição financeira não deve dar ciência de tal ato a qualquer pessoa, inclusive àquela à qual se refira a informação (art. 1º, II da Lei 9.613/98). A confidencialidade se justifica, porquanto, em se tratando de práticas potencialmente criminosas, a última pessoa que poderia ter ciência do ato comunicado ao órgão regulador é aquela que realizou a “operação atípica ou suspeita”, sob pena de frustrar o intuito da lei de acabar com o crime de “lavagem”.
2.6.5 Da responsabilidade administrativa e das penalidades aplicáveis
As pessoas obrigadas ao mecanismo de controle previsto na Lei 9.613/98 estão sujeitas às responsabilidades administrativas descritas no art. 12 desta mesma lei. São elas: advertência (inciso I); multa pecuniária variável (inciso II); inabilitação temporária (inciso III); cassação da autorização para operação ou funcionamento (inciso IV).
As infrações serão apuradas e punidas mediante processo administrativo, respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 13 da Lei 9.613/98, cumulado com o art. 14, caput do Estatuto do COAF e com o art. 5º, LV da Constituição Federal). Além desses princípios, todos os outros que norteiam a administração pública devem ser obedecidos, sob pena de violação da Constituição Federal, em especial do art. 37. É assim que a administração pública
direta e indireta de qualquer dos Poderes da união, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, razoabilidade etc.
O BACEN, a CVM e demais órgãos ou entidades responsáveis pela aplicação de penas administrativas previstas no art. 12 da referida lei observarão seus procedimentos e, no que couber, o disposto no Estatuto do COAF (art. 14, parágrafo único do referido Estatuto), bem como aos aludidos princípios da administração pública. No âmbito do BACEN, atualmente, o procedimento administrativo para aplicação de penas administrativas é disciplinado pela Resolução do CMN nº 1.065, de 5 de dezembro de 1985 (com as alterações introduzidas pela Resolução do CMN nº 2.228, de 20 de dezembro de 1995). No âmbito da CVM, pela Instrução Normativa nº 545, de 29 de janeiro de 201477, observadas as regras dispostas nos arts. 11 e 12 da Lei 6.385/76. Os demais órgãos reguladores devem nortear o regime sancionador para aplicação das penalidades das pessoas sujeitas ao seu respectivo controle, sendo-lhes também aplicáveis as penalidades previstas na lei da “lavagem de dinheiro”.
Há a possibilidade de impugnar a decisão administrativa por intermédio de recurso ao respectivo órgão competente, em obediência ao princípio constitucional do duplo grau de jurisdição também na esfera administrativa (inciso LV do art. 5º).
Oportuno mencionar que as comunicações de boa-fé não acarretam responsabilidade civil ou administrativa (§ 2º do mesmo artigo)78, bem como que a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco, é autorizada, sem que isso implique violação do dever de sigilo (art. 1º, § 3º, I da LC 105/01).
3 Contratos de depósito
77 Esta Instrução Normativa da CVM (“IN CVM”) revogou a IN CVM nº 251/1996, alterada pela IN CVM nº 335/2000.
78 No campo da responsabilidade, embora a norma preveja isenção das instituições financeiras que comuniquem de boa-fé as tais “operações atípicas ou suspeitas”, o Poder Judiciário, se acionado, poderá intervir para indenizar cliente que tenha seu direito violado. Cf.: Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx, op. cit., p. 321-322.
3.1 Breves considerações
Conforme se verificará adiante, o contrato de depósito possui uma gama de modalidades, as quais surgiram ao longo dos anos para atender e formalizar as relações estabelecidas pelas partes contratantes, depositante e depositário.
O Código Civil79 prevê uma das espécies típicas do contrato de deposito, cujas modalidades serão analisadas neste capítulo. A dinâmica com que as tratativas contratuais avançam, todas em exíguo período de tempo, exigiu do jurista a elaboração de instrumentos que utilizassem e unificassem a figura contratual típica do depósito. Estes instrumentos denominados contratos compuseram novas espécies de contratos, ora atípicos (sem previsão legal), ora mistos (sendo o conjunto de duas ou mais espécies de contratos típicos e/ou atípicos).
No mercado financeiro, os contratos bancários estão adstritos a legislações específicas. Além da Lei 4.595/64, que trata da “reforma bancária”, “existem outras leis que, pelo entrosamento do seu assunto com os Bancos, são atinentes também à matéria bancária, como as leis que regulam os títulos de crédito e a que disciplina o mercado de capitais. As circulares e resoluções do Banco Central do Brasil incluem-se, também, no rol das leis bancárias, embora sejam leis apenas em sentido impróprio, visto que não emanam do Poder Legislativo. Todavia, essas normas não oferecem uma regulamentação” para os contratos bancários em si mesmos considerados, motivo por que se recorre ao direito civil e do consumidor.80
O contrato de depósito tradicional foi adaptado para refletir as complexas e dinâmicas operações bancárias, porquanto suas relações são, pela sua própria característica, mais ágeis e velozes em comparação com aquelas observadas em outros segmentos da economia. Além disso, as instituições financeiras viram-se forçadas a vincular o depósito realizado pelo seu cliente, o depositante, a outros tipos de contratos financeiros, a fim de garantir e satisfazer eventual crédito
79 Arts. 627 e seguintes. Não obstante a espécie típica do contrato de depósito, outras espécies podem ser encontradas na legislação extravagante, a exemplo dos contratos de depósito bancário regidos pela Res. CMN
2.025. Cf.: “3.4 O depósito bancário”, abaixo.
80 Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx, op. cit., p. 59.
em seu favor. Essas operações tornaram-se cada vez mais sofisticadas, exigindo do jurista a elaboração de instrumentos precisos, capazes de refletir os interesses econômicos dessas relações e de observar as normas regulatórias vigentes no SFN.
Com o intuito único de introduzir a matéria relativa aos contratos de depósito, passa-se a seguir a analisar algumas de suas modalidades, mormente o depósito bancário.
3.2 Conceito e natureza jurídica
O depósito “em sentido lato quer significar todo ato pelo qual se entrega a uma pessoa qualquer espécie de bem ou valor, ou se lhe confia a guarda de determinada pessoa, para que consigo a conserve, até que lhe seja pedida a restituição ou entrega. Neste conceito, o depósito entende-se ato, porque se refere a toda e qualquer entrega, voluntária ou necessária, em virtude da qual ficará a coisa ou a pessoa sob guarda ou custódia de outrem”81.
Do ponto de vista contratual, o depósito regula interesse das partes contratantes de guarda temporária de determinada coisa móvel entregue pelo depositante ao depositário. Trata-se de “negócio jurídico real, bilateral e formal (somente admitido por escrito, a menos que se trate de depósito legal...)”82. O Sílvio de Xxxxx Xxxxxx considera o depósito como contrato unilateral, na medida em que somente o depositário assume obrigações, embora possa ele, o depósito, ser “bilateral imperfeito quando se atribuem obrigações ao depositante sob determinadas circunstancias na hipótese de o depositário tornar-se credor do depositante, como na situação do art. 643 [do Código Civil].”83
Ao contrário do comodato, que se caracteriza pelo empréstimo de coisas não fungíveis84, no depósito o depositário não pode usar a coisa, sob pena de furto de uso e pagamento de
81 Xxxxx, Xx Xxxxxxx e. Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 253.
82 Lisboa, Xxxxxxx Xxxxxx. Manual de Direito Civil, volume 3: contratos e declarações unilaterais: teoria geral e espécies, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 477.
83 Sílvio de Salvo Venosa. Direito Civil: contratos em espécie. São Paulo: Atlas, 2010, p. 245.
84 Art. 579 e seguintes do Código Civil brasileiro.
indenização por perdas e danos85. Entretanto, em se tratando de coisa fungível, esta poderá ser utilizada ou alienada mediante estipulação expressa no contrato, hipótese em que caberá ao depositário restituí-la igual quantidade e qualidade. Esta modalidade de depósito se denomina irregular86.
Passa-se, agora, a analisar as principais modalidades de depósito e, na sequência, ao depósito bancário.
3.3 Principais modalidades de depósito
3.3.1 Depósito voluntário
Como se depreende do nome, o depósito voluntário é aquele estabelecido de vontade própria pelas partes contratantes. O contrato deve ser firmado por escrito87, seja por instrumento público, seja particular.
Não é permitido o uso da coisa entregue ao depositário. Este deve guardar e conservar a coisa depositada com o cuidado e diligência de praxe, até a devida restituição, com todos os frutos e acrescidos, ao depositante, quando exigida88. Salvo disposição em contrário, o local de restituição da coisa é o mesmo de onde ela estava guardada, correndo os custos da restituição pelo depositante, obrigatoriamente89.
O depositário poderá exercer normalmente o direito de retenção até o resgate total de seu crédito, se tiver incorrido em despesas e/ou prejuízos provenientes do depósito, bem como em havendo embargo judicial da coisa, execução pendente ou existência de motivo razoável de que a coisa tenha sido dolosamente obtida pelo depositante.90
85 Art. 640 do Código Civil brasileiro.
86 Cf.: “3.3.4 Depósito Irregular”, abaixo.
87 Art. 646 do Código Civil brasileiro. 88 Art. 629 do Código Civil brasileiro. 89 Art. 631 do Código Civil brasileiro.
90 Art. 633, combinado com os arts. 643 e 644, todos do Código Civil brasileiro.
Ao depositante, cabe-lhe pagar ou ressarcir referidas despesas e/ou prejuízos decorrentes do depósito, sob pena da coisa ser recolhida ao depósito público, a pedido do depositário91. Pode o depositante exigir a restituição da coisa, conquanto o contrato fixe um prazo, ressalvado as hipóteses de retenção do depositário, acima mencionadas.
O depositário não responde por casos de força maior, mas deverá comprová-la, para isentar-se da responsabilidade92.
3.3.2 Depósito necessário (ou obrigatório)
O depósito necessário, também chamado de obrigatório, divide-se em dois tipos: um deles é aquele decorrente de um dever legal, ou seja, imposto pela legislação, tal qual o das bagagens dos hóspedes nos hotéis ou em ambientes correspondentes; o outro é o que se efetua por ocasião de alguma calamidade, como o incêndio, a inundação, o naufrágio, ou o saque93. Enquanto no silêncio deste tipo, suas disposições serão regidas por qualquer meio de prova e decorrem das circunstâncias fáticas, no silêncio daquele tipo, serão aplicadas as disposições do depósito voluntário.
O depósito necessário não se presume gratuito, sendo que o depósito legal de bagagens é remunerado através da estadia, hospedagem paga pelo hóspede ao hoteleiro-depositário.
3.3.3 Depósito regular (ou ordinário)
Trata-se do depósito comum de coisas infungíveis, aquele “depósito puro e simples, em distinção ao depósito dito irregular”94 de coisas fungíveis, o qual segue regras supletivas95.
91 Art. 634 do Código Civil brasileiro. 92 Art. 642 do Código Civil brasileiro. 93 Art. 647 do Código Civil brasileiro. 94 Xxxxx, Xx Xxxxxxx e, op. cit., p. 254.
3.3.4 Depósito irregular
O contrato de depósito irregular está inserido na modalidade de depósito voluntário e é regulado pelas regras do mútuo96. De acordo com este contrato, permite-se ao depositário o uso ou alienação da coisa fungível ou substituível, cabendo-lhe restituí-la ao depositante, uma vez solicitada, de mesmo gênero, qualidade e quantidade.
Um de seus elementos essenciais é a guarda da coisa fungível. Sua diferença marcante com relação ao depósito bancário, segundo parte da doutrina, encontra-se na ausência, no depósito irregular, do fator relação creditícia entre o banco e o cliente-depositante97.
3.3.5 Depósito mercantil
O depósito mercantil ou comercial é aquele de natureza comercial realizado a título oneroso em estabelecimento comercial para a guarda e conservação de mercadorias. Trata-se de contrato segundo o qual o depositante se obriga a pagar ao depositário uma remuneração.
“Mercantil será o depósito se feito por causa proveniente da atividade empresarial, em poder do empresário ou por conta do empresário. Há a profissão de depositário, enquanto no civil falta o elemento determinante de uma profissão.”98
Ao se permitir a comercialização da mercadoria, está a se falar de depositário na acepção figurada da palavra, e não na sua significação técnica e jurídica99. Não há, pois, que se confundir este depósito com aquele destinado a profissionais que atuam com habitualidade como comissários ou agente-representantes.
95 Cf.: “3.3.4 Depósito irregular”, abaixo.
96 Art. 645 do Código Civil brasileiro.
97 O depósito bancário será tratado no item “3.4 O depósito Bancário”, abaixo.
98 Xxxxxxxx, Xxxxxxx. Contratos de crédito bancário, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 29.
99 Conforme: Xxxxx, Xx Xxxxxxx e, op. cit., p. 253-4.
3.3.6 Depósito judicial
O depósito judicial é aquele realizado no curso de um processo judicial. O depositário pode se valer deste depósito para restituir a coisa entregue aos seus cuidados para guarda e conservação cujo recebimento, pelo depositante, tenha sido recusado.
O depósito judicial também poderá ser utilizado por intermédio da consignação em pagamento pelo devedor que pretenda exonerar-se da mora e ver a dívida extinta.100 Além dessa, a ação de depósito poder ser intentada pelo depositante interessado na restituição da coisa depositada101, em face daquele “que se recusa a devolver o bem, bem como seus herdeiros e sucessores”, mas que tenham relação negocial com o depositante102.
Outrossim, há outras formas de depósito nesta modalidade, as quais podem surgir em decorrência de decisão judicial103 ou como medida necessária ao cumprimento das obrigações das partes litigantes em processo judicial. A título de exemplo, vale mencionar o arresto, o sequestro, a penhora, entre outras medidas.
3.3.7 Outros depósitos
Outras modalidades de depósitos são o preparatório, o público, o caucionado, o civil, entre outros que podem estar inseridos em uma das modalidades descritas nos itens anteriores.
O depósito preparatório tem a finalidade de ressalvar um direito, razão pela qual está elencado juntamente com o depósito judicial. Este depósito pode ser, pois, preparatório de uma ação judicial.
100 Art. 304, cumulado com os arts. 334 e seguintes, todos do Código Civil brasileiro.
101 Arts. 901 e seguintes do Código de Processo Civil brasileiro.
102 Venosa, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie, cit., p. 257.
103 Decisão no sentido lato, para exprimir qualquer deliberação, monocrática ou colegiada, que crie dever para uma ou mais partes litigantes, podendo ser despacho, sentença, decisão interlocutória ou qualquer outra.
O depósito público é aquele realizado diretamente na autoridade administrativa ou judicial competente. Em sendo realizado na autoridade judicial, tem-se nele as características do depósito judicial; por outro lado, se realizado na autoridade administrativa, tem-se o depósito público propriamente dito, sujeito a regras específicas, a exemplo do depósito extrajudicial de tributos e contribuições federais (Lei no 9.703, de 17 de novembro de 1998).
O depósito caucionado, como do próprio nome, tem como objetivo dar a coisa depositada em caução, em garantia, em decorrência de uma obrigação contratual ou de um dever legal. Nesta modalidade de depósito, há duas características peculiares, quais sejam, (i) a de realizar o depósito da coisa e (ii) a de cumprir a obrigação contratual ou o dever legal de prestar caução.
O depósito civil distingue-se do mercantil pela ausência do elemento profissão, conforme anteriormente comparado.104
3.4 O depósito bancário
3.4.1 Conceito
O depósito bancário ou pecuniário105 talvez seja a principal operação realizada pelos bancos. Se não a principal, não há dúvida de que esta é uma das operações mais antigas praticadas pelos “banqueiros” e que se perpetua no tempo, sem qualquer sinal de aposentadoria ou extinção dos meios bancários. Trata-se de uma operação passiva, na qual o banco-depositário se encarrega de restituir a coisa depositada, quando solicitado pelo cliente-depositante, em idêntico gênero, qualidade e quantidade.
O direito pátrio não previu no Código Civil de 1916, nem prevê no de 2002 especificamente a hipótese de depósito de dinheiro em instituição financeira, como o fez o Código Civil italiano, in
104 Cf.: “3.3.5 Depósito mercantil”, acima.
105 Conforme: Xxxxx, Xxxxxx, op. cit., 2002, p. 96.
verbis: “Nos depósitos de uma soma de dinheiro em um banco, este lhe adquire a propriedade e é obrigado a restituí-la na mesma espécie monetária, no vencimento do prazo convencionado, ou à solicitação do depositante, com observância do período de pré-aviso estabelecido pelas partes ou pelo uso”106
Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx000 define-o como sendo o “contrato pelo qual alguém entrega em propriedade valores monetários ao Banco para que este restitua a importância equivalente, no prazo e nas condições avençadas. Desse conceito, depreende-se que: 1º) o depósito bancário tem sempre por objeto uma soma em dinheiro; 2º) o Banco assume a obrigação de devolver a importância monetária na mesma quantidade e qualidade; 3º) ao Banco assiste o direito de usar o dinheiro depositado como bem lhe aprouver, sem a necessidade de consultar o depositante; 4º) constitui negócio de crédito, pois o cliente transfere a propriedade da soma pecuniária ao Banco, para receber, mais tarde, o tantundem; 5º) o contrato de depósito bancário pressupõe sempre como depositário um estabelecimento de crédito autorizado (Banco, Casa Bancária, Caixa Econômica etc.).”
Ao conceituar este contrato, o jurista deve levar em conta não somente os aspectos jurídicos e regulatórios, mas deve se atentar à real concepção do instituto. Neste particular, todos os aspectos concernentes às operações bancárias devem ser observados.
Do ponto de vista contábil, o depósito bancário significa entrada de capital no lado passivo do banco com o lançamento a crédito em favor do cliente-depositante.
“É por meio dos contratos de depósito que as instituições financeiras geram lastro para a realização de suas aplicações financeiras”108, permitindo-lhes conceder crédito aos seus clientes sem a necessidade de captação de recursos no mercado ou de injeção de recursos próprios. É justamente dessa forma que os “valores custodiados são utilizados nas aplicações financeiras,
106 Xxxxx, Xxxxxx, op. cit., p. 96.
107 Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx, op. cit., p. 68.
108 Xxxxxxxx, Xxx; Xxxxxxx, Xxxxxxxx. Direito Bancário. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 135.
com evidente resultado financeiro para o depositário, tendo, portanto, implicações na concessão do credito”109, inclusive para o cliente-depositante.
Na prática – e para o cliente-depositante –, o jurista deve considerar toda a sistemática financeira a qual levou o depositante a dirigir-se ao banco e a efetuar o depósito. Aqui, o jurista se depara com diversas situações, dentre as quais: (i) o cliente-depositante que pretende depositar valores, simplesmente para transferir a responsabilidade pela guarda e conservação da coisa; (ii) o cliente-depositante que pretende aplicar seu dinheiro, portanto, deposita-o no banco para que dele receba uma remuneração em contrapartida ao uso ou alienação, pelo banco, de tais valores depositados; (iii) o cliente-depositante que pretende obter do banco crédito para uso imediato ou quando necessitar; (iii) demais relações creditícias e de investimentos existentes e intermediadas por instituições financeiras que permitam ao cliente-depositante o saque imediato e a qualquer tempo dos valores depositados, ressalvadas as hipóteses específicas que impeçam a restituição ou deem ao banco o direito de reter a coisa ou utilizar-se do instituto da compensação, ou qualquer outro motivo legal ou contratualmente possível.
Enfim, há uma gama de razões pelas quais o contrato de depósito bancário está associado ou mesmo vinculado a outros contratos, ditos acessórios110. Lembre-se que cada operação é independente e gera uma consequência, inclusive para fins tributários. Todavia, desnecessário mencionar que o cliente-depositante é um, indivisível, credor e/ou devedor de um e/ou mais bancos.
3.4.2 Natureza jurídica
A natureza jurídica do contrato de depósito bancário é controvertida entre os estudiosos da matéria. Diversas são as teorias. A doutrina predominante afasta o depósito bancário de sua natureza de contrato de mútuo, porquanto neste a previsão do prazo é essencial para o negócio,
109 Xxxxxxxx, Xxxxxxx, op. cit., p. 27.
110 Cf.: “3.4.5 Demais contratos acessórios e vinculados”, abaixo.
enquanto no depósito bancário, via de regra111,o depositante pode resgatar a coisa a qualquer tempo, mediante mera solicitação.
A confusão feita pelos juristas que consideram o depósito bancário um verdadeiro mútuo está no fato (i) do “banqueiro” ser depositário de coisa fungível e consumível e, coincidentemente, (ii) de a mercadoria depositada ser aquela de onde os frutos de sua atividade habitual são extraídos. Entretanto, o elemento essencial prazo impede seja o depósito bancário caracterizado como mútuo.
A doutrina majoritária também rejeita a teoria que considera o depósito bancário como irregular, porquanto neste a guarda da coisa fungível é essencial para a formação do negócio, enquanto no bancário o propósito contratual está mais relacionado à relação creditícia tida entre o banco e o cliente-depositante do que à custódia do dinheiro em si.
Segundo o jurista Xxxxxxx Xxxx, “o art. 645 do CC [Código Civil] é norma geral aplicável ao depósito comum de direito civil e que não se aplica sempre e necessariamente ao depósito bancário, que tem características próprias e natureza específica, sendo regido por regime especial”112.
O Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), no relatório do recurso especial no 501.401-MG113, já externou entendimento no sentido de que, consoante acertada perspectiva de Xxxxxxx Xxxxx, “não é mesmo possível, pura e simplesmente, enxergar no contrato de depósito bancário seja a figura do depósito irregular seja a figura do mútuo, porque tem ele pontos de contato com ambos, mas contém peculiaridades que não podem ser esquecidas”.
Assim sendo, prevalece o entendimento segundo o qual o depósito bancário tem natureza jurídica de “contrato típico, misto, formado pela conjunção de prestações características de outros contratos. (...) Será um misto de depósito e mútuo, mas, com tais peculiaridades, que se
111 As ressalvas são os depósitos pré-aviso e a prazo fixo, que serão estudados em “2.4.4 Principais modalidades de depósito bancário”, abaixo.
000 Xxxx, Xxxxxxx. Direito Civil Vol. 3 – Contratos em Espécie. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 341.
113 STJ/REsp no 501.401-MG, Relator Min. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito, julgado em 14.04.2004.
torna impraticável aplicar-se-lhe as disposições concernentes aos dois contratos. Rege-se, realmente, por normas próprias.”114
Com respeito aos juristas supramencionados, esses argumentos que rejeitam a natureza jurídica do depósito bancário como de depósito irregular não parecem corretos. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx000 sustenta acertadamente entendimento no sentido de que o contrato de depósito bancário é sim contrato irregular, simplesmente por inexistir fundamentação das críticas que não o consideram como tal.
“De início, não é correto supor que o depósito não possa trazer remuneração para o depositante. É verdade que normalmente não o faz, porque a causa do depósito, no sentido de substrato econômico do negócio, é normalmente uma vantagem para o de quando são coisas infungíveis que se depositam. O mesmo não ocorre com o depósito de dinheiro ou outra coisa infungível que possa o depositário usar: nesse caso, também ele auferirá vantagem pelo uso, e assim poderá ter interesse em remunerar o depósito. É precisamente isso que ocorre no depósito bancário, que serve como modalidade de captação de recursos pela instituição financeira.
Quanto a ter o depósito a natureza de mútuo, note-se em primeiro lugar a esterilidade de se discutir a questão: o Código Civil de 2002, no artigo 645, dispõe simplesmente que o depósito de coisas fungíveis se rege pelas regras do mútuo, e não que seja propriamente um mútuo. Mesmo que ignorássemos essa sutileza, (...) não há exigência alguma de que o mútuo se submeta a um prazo mínimo de permanência da coisa mutuada em mãos do devedor. De fato, o Código Civil de 2002 contém apenas, em seu artigo 592, inciso II, regra supletiva referente ao mútuo de dinheiro, segundo a qual seu prazo será de 30 dias na falta de convenção expressa entre as partes e na ausência de prova em contrário.”
O depósito bancário tem natureza jurídica de depósito na modalidade irregular de coisas fungíveis, nos termos do art. 645 do Código Civil, aplicando-lhe as regras do contrato de mútuo. É verdadeiro contrato real, pois se aperfeiçoa com a efetiva entrega da coisa. É contrato
114 Xxxxx, Xxxxxxx. Contratos, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 400.
115 Conforme: Xxxxxxx Xxxx, Xxxxxxx, op. cit., p. 228-229.
principal, porque independe de outro para subsistir, e de execução sucessiva, porque há incontáveis ingressos e egressos de recursos sem que o contrato se extinga.
Para Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx000, o depósito bancário, “oriundo da prática bancária, obedece a normas próprias, usos e costumes bancários, possuindo sem dúvida uma natureza creditícia; torna-se, assim, impossível enquadrá-lo dentro das figuras clássicas do direito privado. É, pois, contrato autônomo.”
No campo obrigacional, o depósito bancário é um contrato unilateral, porque somente gera obrigações ao banco-depositário, e não ao cliente-depositante, cujo levantamento decorre de um direito, e não do contrato em si.
O contrato pode ser oneroso ou gratuito, conforme obrigação do banco-depositário de pagar ou não juros e outros benefícios ao cliente-depositante. No entendimento de Xxxxxxx Xxxxxxxx000, ao se aplicar as regras de remuneração estabelecidas no mútuo, há incidência de juros porque o depositário deve restituir a coisa com todos os frutos e acrescidos.
Nada espantoso imaginar que o “banqueiro”, depositário-custodiante do dinheiro entregue pelo cliente-depositante, pretenda usufruí-lo com vistas a maximizar o seu lucro por meio da aplicação deste dinheiro ou do empréstimo aos seus demais correntistas. Para a instituição financeira, o contrato de depósito nada mais é do que uma forma de captação de depósitos à vista, os quais serão usufruídos naturalmente em prol da atividade de intermediadora financeira. Evidente que nem todo o dinheiro depositado pelos clientes será usado, porquanto os bancos devem ter em caixa quantia suficiente para saldar seus compromissos diários. Além disso, os bancos estão sujeitos a normas regulatórias rígidas, as quais prevêem hipóteses de efetuação de reservas compulsórias. Trata-se de uma sistemática bastante complexa e que requer conhecimento técnico específico para gerir uma instituição financeira, motivo pelo qual seu funcionamento está condicionado à autorização do seu órgão regulador, o Banco Central. Assim,
116 Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx, op. cit., p. 78.
117 Conforme: Xxxxxxxx, Xxxxxxx, op. cit., p. 32.
uma vez acordado pelas partes e constante do contrato de depósito a remuneração cabível, o cliente receberá os frutos e acrescidos.118
No âmbito do BACEN, as contas de depósitos, como são chamadas, são reguladas pela Res. CMN 2.025, com alterações posteriores, que exige a presença, no contrato, de um rol mínimo de informações do cliente-depositante, de certas cláusulas, inclusive com os procedimentos para encerramento da conta de depósitos119, entre outras providências de responsabilidade da instituição financeira.
3.4.3 Xxxxxxxx e conta corrente
Apesar das divergências relacionadas à natureza jurídica do depósito, resta claro o fato de que neste contrato o cliente entrega dinheiro (coisa fungível) à instituição financeira, que se compromete a mantê-lo custodiado até posterior levantamento, uma vez solicitado pelo cliente- depositante.
Ocorre que, pela própria dinâmica das relações negociais contemporâneas, o cliente, ao firmar um contrato de depósito, geralmente não o faz com o propósito único de manter o dinheiro “intacto” na conta, ainda que sobre ele recaia os juros e acrescidos, fator multiplicador do valor inicialmente depositado.
A realidade dos bancos com carteira comercial mostra que o cliente vincula o depósito à abertura de conta corrente, de onde ele poderá não somente receber suas receitas (salários e depósitos outros, por exemplo), como também poderá com mais comodidade, segurança e de maneira centralizada realizar pagamentos por compras feitas ou prestação de serviço por ele tomada. Da mesma forma, qualquer fornecedor poderá receber créditos a que faça jus. Este, por sua vez, conseguirá honrar seus compromissos com terceiros, mediante a concentração de receitas e despesas em uma só conta corrente.
118 Cf.: Res. CMN 3.694 e Resolução do XXX xx 0.000, de 26 de março de 1998.
119 Cf. “5. Do encerramento do contrato de depósito”, abaixo.
A relação cliente-banco não é diferente. O cliente-depositante torna-se credor da instituição financeira que custodia o dinheiro depositado, podendo ainda ele ser credor de valores a receber de terceiros. O cliente pode vir também a ser devedor, quando efetua ordens de pagamentos de seus débitos, hipótese em que o valor do débito será descontado diretamente de sua conta corrente.
Assim, a conta corrente registra a entrada e a saída do dinheiro que transita no caixa (na conta) do cliente. Têm-se, assim, os ingressos e egressos de recursos em uma única conta corrente, vinculada à conta de depósitos.
É o chamado “serviço de caixa, o conjunto de prestações que o Banco, por intermédio de sua organização, realiza por conta e no interesse do cliente” que diferencia a conta corrente dos demais contratos bancários.120
O contrato de abertura de conta corrente é contrato atípico, cujo fundamento legal encontra-se no principio da livre estipulação contratual121. Esse contrato tem natureza de contrato real porque regido pelas regras do mútuo. Se da abertura de conta corrente não resultar simultâneo depósito de qualquer quantia, “o contrato relativo à abertura da conta passa a ter a natureza de promessa de depósito irregular”122, a justificar a possibilidade de a conta temporariamente desprover de dinheiro (saldo igual a zero) ou apresentar saldo (devedor) negativo, sem que isso importe extinção contratual. Entretanto, em razão da natureza pessoal, a morte do titular importa encerramento do contrato, ressalvada a conta corrente com mais de um titular, a qual permanecerá válida perante o(s) outro(s) titular(es).
Oportuno mencionar entendimento de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx000, segundo quem a conta corrente é contrato autônomo, principal, independente de outra figura contratual.
120 Conforme: Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxx, op. cit., p. 106. 121 Conforme: Xxxxxxx Xxxx, Xxxxxxx, op. cit., p. 230. 122 Xxxxxxx Xxxx, Xxxxxxx, op. cit., p. 237.
123 Conforme: Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx, op. cit., p. 104-106.
3.4.4 Principais modalidades de depósito bancário
Diversas são as modalidades de depósito bancário, dentre as quais se pode citar: depósito à vista, depósito a prazo, depósito de poupança, depósito escrow, depósitos por residentes, depósitos destinados a investimento e depósitos interfinanceiros. Destas, falar-se-á das quatro primeiras124.
O depósito à vista permite o saque à vista, pelo cliente, ou seja, a qualquer momento, sem que haja remuneração (juros e acrescidos).
O depósito a prazo autoriza o saque da quantia depositada após o decurso do lapso temporal (o termo) previamente estabelecido pelas partes (a prazo fixo) ou estabelecido pelo depositante mediante notificação ao banco (aviso prévio ou pré-aviso, a fim de se evitar o saque repentino), bem como permite a reaplicação de forma automática. Em ambas as hipóteses, o depositante pode exigir a remuneração (juros e acrescidos), mas desde que obedecidas as regras e os prazos para o resgate do valor depositado a prazo.
O depósito de poupança foi criado para permitir a captação da poupança popular. Por meio deste depósito, o depositante tem direito à remuneração de juros e correção monetária, após decorrido o período consecutivo de 30 dias, computado conforme as regras do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo administradas pela Caixa Econômica Federal.
O depósito escrow é um contrato com funções de garantia do cumprimento de determinada obrigação. Este contrato decorre do direito anglo-saxônico e é bastante utilizado em contratos de compra e venda de ações, em que parte do pagamento do preço fica condicionado a evento futuro incerto preestabelecido pelas partes, a exemplo do surgimento de passivos oriundos de ações judiciais de cujo trâmite tenha se iniciado dentro do período previamente convencionado. Nesse
124 As demais modalidades de depósito bancário podem ser estudadas na obra de Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx, op. cit., especificamente no item “7.4 Depósito e conta corrente” do capítulo 7, intitulado “Contratos e operações”.
exemplo, em não havendo o evento, o valor garantido será liberado em favor do vendedor das ações.125
3.4.5 Demais contratos acessórios e vinculados
Esta monografia discorre sobre a (i)licitude de encerramento do contrato de depósito, considerado este como contrato principal. Ocorre que a este contrato outros estão contratualmente vinculados, ligados, conectados. Alguns deles podem ser acessórios; outros, principais.
No brocardo jurídico, “o acessório segue a sorte do principal”. Portanto, com o encerramento do principal, o acessório também o é. Inexiste dúvida quanto a isso.
Com relação aos contratos principais, seria possível ter dois contratos bancários principais um vinculado ao outro? Lembre-se que, no caso desta monografia, ao contrato de depósito, outro contrato bancário será vinculado também como principal, razão por que se sugeriu denominar este outro contrato como contrato vinculado. Em princípios, entende-se que sim, pela possibilidade de vincular ambos os contratos principais, porque não há vedação legal para tanto e considerando que ambos não se oponham (embora possa haver cláusula incompatível mas especifica para cada um deles, não impedindo o laço entre ambos)126; basta que haja uma cláusula contratual dispondo sobre isso, a exemplo do prazo de vigência do contrato de depósito ter validade também para o contrato vinculado, ou seja, com o término do prazo daquele, este também o será, simultânea e independentemente de ser principal ou acessório e sem que um seja necessariamente subalterno ao outro, senão com relação a uma única cláusula específica. Não se pode deixar de lado as ressalvas decorrentes da própria natureza do contrato vinculado, a exemplo do contrato de mútuo vinculado ao contrato de depósito, inexistindo inadimplência no
125 Para um estudo detalhado do assunto, recomenda-se a leitura da obra de Xxxxxxx, Xxxx Xxxxx Xxxxxx. Do Contrato de Depósito Escrow. Coimbra: Almedina, 2007.
126 O contrato de mútuo, por exemplo, prevê prazo para restituição (art. 592 do Código Civil), mas isso não impede que este contrato esteja vinculado ao depósito bancário por prazo indeterminado.
contrato de mútuo, motivo pelo qual a instituição financeira não poderia exigir o encerramento antecipado.
O efeito prático de se ter contratos – acessório ou vinculado – conectados ao contrato principal decorre da dinâmica e da complexa relação negocial das partes, cliente e banco, a exemplo de o cliente autorizar saques a descoberto. Isso seria inimaginável sem a convivência de ambos os contratos, simplesmente porque nesse exemplo citado não haveria saldo suficiente na conta corrente do cliente, carecendo este de fundo para cobrir o saldo devedor.
Ainda sob este prisma, uma das partes envolvidas, em particular a instituição financeira, deixaria de prestar seu serviço de intermediação financeira e, acima de tudo, deixaria de obter o lucro desejado. Verifica-se que, além de admissível, a junção dos contratos financeiros debaixo do mesmo “guarda-chuva” gera consequências econômicas hígidas a todas as partes envolvidas na relação contratual. Sem a concentração desses contratos, a sociedade estaria deixando de dar a efetiva função econômica e social aos contratos.
4 Autonomia da vontade
4.1 Breves considerações
Antes de analisar o princípio da autonomia da vontade propriamente dito, relevante o leitor ter em mente, ainda que de modo superficial, o negócio jurídico pelos planos da existência, da validade e da eficácia127. A seguir, será analisado o princípio da autonomia da vontade. Após, far-se-á uma análise deste princípio com relação àqueles que regem as relações de consumo. Em seguida, será analisada a autonomia da vontade frente o direito econômico. Ao final, serão analisados os limites da autonomia da vontade e a relação desta com os contratos financeiros.
127 Para um estudo detalhado do assunto, recomenda-se a leitura da obra de Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. São Paulo: Saraiva, 2002.
Primeiramente, vale mencionar o formalismo romano em distinção à liberdade contratual encontrada nos sistemas jurídicos de origem romano-germânica, dentre os quais o brasileiro, evidentemente que, neste último, desde que respeitados os princípios gerais do direito e desde que não haja previsão legal exigindo forma especial para a validade da declaração de vontade (art. 107 do Código Civil).
“Entre os romanos, nos primeiros tempos, até final da época republicana (27 a.C.), o formalismo existiu de forma exagerada. Os romanos contratavam com observância de rígidos esquemas, de tal sorte que os atos eram praticados em verdadeiro ritual de formas, que, não observadas, acarretavam sua plena nulidade.”128
Formalismo exacerbado decorre do fato de os romanos somente conhecerem os atos típicos, com sua própria estrutura e regime jurídico, não se referindo a elementos do negócio jurídico, como se faz na doutrina moderna. Apesar da impossibilidade de transplantar o esquema romano para o estudo do negócio jurídico, a doutrina procurou adaptá-lo à realidade dos negócios jurídicos contemporâneos.129 Todavia, não se discorrerá acerca dessas divisões e distinções, porquanto não haja unanimidade na doutrina quanto a sua classificação e não é este o objetivo desta monografia. Conforme se verificará adiante, atentar-se-á ao requisito da validade do negócio jurídico previsto no Código Civil (art. 104) somente a título de elucidação do tema.
O negócio jurídico surge de um fato jurídico que entrou no mundo jurídico para produzir efeitos, passando, a partir daí, a ter eficácia jurídica.130 Entretanto, não basta que o negócio jurídico exista (no plano de existência) para que automática e compulsoriamente ele tenha eficácia jurídica (no plano da eficácia). Faz-se necessário que o negócio jurídico seja válido (no plano de validade), ou seja, depende ele da manifestação válida das partes, sem o que o negócio jurídico está fadado à nulidade ou anulabilidade131. Lembre-se que “o negócio pode existir, ser válido,
128 Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx de. Teoria geral dos contratos típicos e atípicos: curso de direito civil. São Paulo: Atlas, 2009, p. 10.
129 Conforme: Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 27.
130 Conforme: Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx, op. cit., p. 23.
131 Cf.: arts. 166 a 184 do Código Civil.
mas ser ineficaz, quando sobre ele, por exemplo, pender condição suspensiva”132, ou, ainda, se houver vício de consentimento na declaração da vontade, esta poderá ser retratada ou o negócio jurídico poderá ser declarado ineficaz, sem produzir efeitos.
“In concreto, negócio jurídico é todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide.”133
É justamente a declaração da vontade, interposta entre os planos de existência e de eficácia, que determinará a validade (ou não) do ato manifestado pela parte, o qual será formalizado seja por meio do contrato, seja por declaração unilateral de vontade. No caso de concurso de vontades, a manifestação de qualquer dos contratantes deve refletir a real intenção deles de contratar. Para tanto, não basta uma simples manifestação de vontade; exige-se “uma manifestação de vontade qualificada, ou uma declaração de vontade”134.
Neste sentido, entende-se por declaração da vontade “o ato pelo qual a pessoa manifesta sua intenção em consentir para a realização ou execução de qualquer negócio ou contrato. Exprime, assim, a forma externa do próprio consentimento, para a qual a lei não estabelece norma especial, podendo, pois, a declaração ser dada por todos os meios reconhecidos em direito: verbal, escrito e mesmo, tacitamente, salvo quando a própria lei, para certos casos, institua solenidades para que ela se efetive, quando a declaração fica adstrita à regra: forma dat esse rei”135.
Não obstante a distinção feita pela doutrina, há entendimento segundo o qual “tanto faz tratarmos a exteriorização da vontade como manifestação, ou como declaração. Alguns entendem que esse último termo deve ser reservado para aquela vontade dirigida a alguém em especial, enquanto a manifestação é qualquer exteriorização de vontade”136.
132 Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil: parte geral, São Paulo, 2010, p. 358.
133 Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx, op. cit., p. 16.
134 Ibid., p. 17.
135 Xxxxx, Xx Xxxxxxx e, op. cit., p. 242.
136 Venosa, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, cit., p. 359.
Com todo o respeito às diversas doutrinas, entende-se pela necessidade da exteriorização do ato, sem a qual não há negócio jurídico. Fala-se em declaração de vontade lato sensu, sendo que “sua exteriorização pode ser de forma verbal ou escrita, ou até por gestos ou atitudes que revelem uma manifestação de vontade”, bem como a declaração “pode resultar de comportamento do agente, que expressa a vontade por determinada atitude. Trata-se de manifestação tácita de vontade”, a qual137, em conjunto com a manifestação expressa, possui valor no ordenamento jurídico, ressalvadas as hipóteses legais em que se exija a manifestação expressa, geralmente a forma escrita.138
A declaração de vontade está diretamente relacionada à autonomia da vontade, cuja análise será feita a seguir.
4.2 Autonomia da vontade e princípios correlatos
Conforme analisado anteriormente, a formação, por completo, do negócio jurídico exige o preenchimento dos requisitos de existência, de validade e de eficácia. A declaração da vontade, além de ser essencial para o negócio jurídico, depende e está diretamente relacionada à autonomia da vontade. Afinal, o “contrato, assim como outros negócios, constitui-se numa declaração de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos.”139
A palavra autonomia deriva “do grego autonomia (direito de se reger por suas próprias leis), que se aplica para indicar precisamente a faculdade que possui determinada pessoa ou instituição, em traçar as normas de sua conduta, sem que sinta imposições de ordem estranha”140.
“A autonomia da vontade patenteia-se, a cada instante, no âmbito dos contratos, que nascem sob sua influência direta. É a vontade, que, ao manifestar-se, retrata o interesse da pessoa física ou jurídica, no meio social.
137 Exemplo de manifestação tácita está na aceitação da herança prevista no art. 1.805 do Código Civil.
138 Venosa, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, cit., p. 360.
139 Venosa, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, cit. São Paulo: Atlas, 2010, p. 373.
140 Xxxxx, Xx Xxxxxxx e, op. cit., p. 102.
A vontade, assim, é autônoma ao exteriorizar-se, reafirmando a liberdade do homem na programação de seus interesses.”141
Essa liberdade de contratar, também caracterizada como princípio, deve ser distinguida da liberdade contratual. A primeira diz respeito à liberdade de contratar propriamente dita142; trata- se da licitude que as partes têm para celebrar o contrato, frise-se, “desde que preenchidos os requisitos de validade dos atos jurídicos”143. Já a liberdade contratual diz respeito à possibilidade das partes de livre disposição de seus interesses144.
A liberdade contratual encontra pelo menos duas limitações no ordenamento jurídico, quais sejam, a ordem pública e os bons costumes. As partes podem livremente autorregular seus interesses sem, entretanto, extrapolar esses limites.145
Nos tempos do chamado liberalismo contratual, as partes podiam livremente contratar, sem que o Estado Liberal impusesse grandes limitações. O contrato tinha força de lei, mas somente entre as partes contratantes. Imperava a teoria da liberdade do contrato, com sustentáculo em três princípios clássicos: (i) o da liberdade contratual, que autoriza às partes convencionarem o que quiserem e como quiserem; (ii) o da obrigatoriedade do contrato, segundo o qual o contrato faz lei entre as partes (no brocardo latino, pacta sunt servanda); e, (iii) o da relatividade dos efeitos contratuais, que vincula o contrato somente às partes contratantes.146
Ao longo dos séculos, mormente a partir do final do século XIX, com o arrefecimento do “modelo do Estado Liberal puro, alheio por completo aos problemas econômicos”, prevaleceu a postura institucional com mecanismos de intervenção estatal no processo econômico.147 Novos princípios foram incorporados, sem, no entanto, abandonar os princípios clássicos norteadores
141 Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx de, op. cit., p. 12. 142 Conforme: Xxxxx, Xxxxxxx, op. cit., p. 26. 143 Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx de, op. cit., p. 12. 144 Conforme: Ibid., p. 12.
145 Xxxxx, Xxxxxxx, op. cit., p. 29.
146 Azevedo Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado (parecer). Revista dos Tribunais, 750/117, apud Xxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxxx. O contrato e sua função social, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 1-2.
147 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxxx, op. cit., p. 2-3.
das concepções liberais da época. São eles, consoante a melhor doutrina e legislação europeia e com previsão expressa no Código Civil brasileiro: (i) o da boa-fé objetiva (art. 422); (ii) o do equilíbrio econômico do contrato (art. 478); e, (iii) o da função social do contrato (art. 421).148
A nova ordem econômica, descrita por Xxxx Xxxxxxx Xxxx000, foi intitulada pela Constituição federal de 1988 como intervencionista, em substituição e em contraposição à ordem econômica liberal.150
Trata-se do dirigismo contratual, que, por meio de normas cogentes, limita a liberdade contratual e direciona as partes de forma equitativa, protegendo a parte mais fraca, do ponto de vista econômico, da relação contratual.
A intervenção estatal na ordem contratual é salutar e elementar para se evitar o abuso de poder da parte econômica mais forte, a qual, por vezes, aproveita esta sua condição para obter vantagens, do ponto de vista jurídico, sobre a parte mais fraca da relação contratual e em detrimento desta. Por meio da intervenção, o Estado evita o desequilíbrio151, pois que coloca as partes contratantes em pé de igualdade. “Por essas razões, não há que se falar em liberdade, em Direito, sem que existam limitações na ordem jurídica. E essas limitações encontram fundamento nos princípios gerais de direito e no próprio Direito Natural.152
Verifica-se, portanto, a relatividade da autonomia da vontade das partes, as quais estão sujeitas às limitações impostas pelo Estado intervencionista, por meio dos mais recentes princípios aderentes à realidade econômica atual, em adição aos princípios clássicos que, até então, imperavam.
148 Ibid., p. 9. Recomenda-se para aprofundamento do tema.
149 Xxxx, Xxxx Xxxxxxx. A ordem econômica na constituição de 1988 (interpretação e crítica). São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 74. Recomenda-se para aprofundamento do tema, mormente sob a perspectiva da ordem econômica.
150 Cf.: “4.5 A autonomia da vontade e o direito econômico”, abaixo.
151 Ressalta-se que o equilíbrio pretendido pelo Estado nunca foi, nem será atingido, pois o “consensualismo pressupõe igualdade de poder entre os contratantes”, mas na prática as partes estão “em igualdade de condições para impor sua vontade nesta ou naquela cláusula, transigindo num ou noutro ponto da relação contratual para atingir o fim desejado”. (in Venosa, Sílvio de Salvo, Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, cit., p. 376).
152 Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx de, op. cit., p. 12.
4.3 Relação cliente–instituição financeira
Não há registro da exata origem dos bancos, embora seja de conhecimento entre os estudiosos a prática bancária ainda na Antiguidade e, com maior frequência, da utilização de algumas operações bancárias no mundo greco-romano. Essas operações tornaram-se ainda mais corriqueiras durante a Idade Média, tendo se consolidado após a Revolução Industrial, aonde junto com referidas operações, que lá tomaram escala, também se lhes somaram as operações de concessão de crédito.153
Com efeito, as instituições financeiras passaram a oferecer uma gama cada vez maior de produtos e serviços bancários, os quais estavam (e estão) em grande número vinculados ao contrato de depósito puro e simples, de modo a atrair um número maior de novos clientes, os quais receberam em troca vantagens econômicas154. Por sua vez, as instituições financeiras conseguiram concretizar a captação de recursos não somente por meio do depósito bancário à vista, como se utilizando de muitos outros instrumentos. Com isso, a relação cliente-instituição financeira passou a ser mais complexa, e os contratos financeiros foram se sofisticando para atender aos anseios e necessidades da vida moderna.
Neste contexto é que boa parte das relações contratuais155 realizadas entre as pessoas (jurídicas ou naturais) no mundo contemporâneo requerem a participação de uma instituição financeira, por
153 Veja item destinado às instituições financeiras, “2.3.1 Breves considerações”.
154 As vantagens econômicas podem ser obtidas por clientes que, por exemplo, mantenha aplicação financeira por determinado prazo em troca da obtenção de crédito com taxas reduzidas. Note que há contratos que rentabilizam a operação financeira, como a venda de seguro prestamista em contrato de financiamento de veículos (crédito direto ao consumidor com alienação fiduciária em garantia), na medida em que parte da comissão paga no premio do seguro retorna para o banco mediante acordo bilateral banco-seguradora, todavia, este tipo de contratação – que seria saudável para todas as partes, porque traria vantagem econômica – pode ser caracterizado como venda casada, prática esta vedada pelo CDC.
155 Entende-se que boa parte das relações contratuais exigem ou tem por detrás a participação de uma instituição financeira, ainda que do ponto de vista jurídico-contratual esta não faça parte direta da relação contratual. No caso, a instituição financeira é parte integrante dessa relação porque simplesmente aparece em algum momento na vida das pessoas, a exemplo da compra e venda de produto em uma mercearia. Embora o pagamento seja realizado em espécie, o cliente obteve o dinheiro (o recurso) por meio de seu labor, recebido por seu empregador na forma de salário (pelo depósito bancário), o qual fora sacado oportunamente por ele, empregado e ora cliente da mercearia, em espécie na agência bancária para a aquisição do produto na mercearia; por sua vez, a mercearia
meio dos serviços bancários, a exemplo dos pagamentos por serviços públicos básicos prestados por concessionários156.
A essência da relação cliente-instituição financeira está no serviço prestado aos clientes de depósito bancário na forma de conta corrente. Esta relação teve origem nos primeiros contratos bancários, nos quais o cliente, para deixar suas reservas depositadas no banco, tinha que se sentir totalmente confortável com a contraparte, o banco. Decorria daí a relação de confiança mantida entre o “banqueiro” e seu cliente.
Segundo a doutrina tradicional, esta relação tem caráter de natureza pessoal, na medida em que a instituição financeira deve ter um mínimo de afinidade com o cliente para aceitá-lo como tal. Entretanto, houve o abrandamento desse princípio geral “por efeito de leis de proteção à concorrência e ao consumidor”.157
Ocorre que a globalização – mormente a globalização financeira, aquela decorrente “da terceira Revolução Industrial – informática, microeletrônica e telecomunicações”158 – se tornou inevitável com o capitalismo neoliberal, cuja velocidade na propagação dos negócios, principalmente dos negócios em massa, deixou uma das partes do polo contratual em posição econômica desfavorável, ao bel prazer da outra parte (economicamente mais forte). Essa posição econômica desfavorável de uma das partes acarretou, por consequência, uma fragilidade jurídica, posto que a parte mais forte passou a impor suas condições negociais e contratuais.
Paralelamente ao crescimento desenfreado das relações contratuais, surgiram os contratos “de massa”, contratos Standards, padronizados, impessoais, com redação prévia, verdadeiros contratos de adesão, criados com o fim específico de atingir um número indeterminado de clientes.
recebeu o dinheiro em espécie como forma de pagamento do produto vendido, depositando-o (o dinheiro) em sua conta corrente.
Salienta-se o papel relevante da moeda de equivalência, pois que responsável por harmonizar referida compra e venda, conforme observa Waisberg, Xxx; Xxxxxxx, Xxxxxxxx, op. cit., p. 16.
156 Atualmente, estes serviços também podem ser pagos nas lotéricas, controladas pela Caixa Econômica Federal.
157 Xxxxxxx Xxxx, Xxxxxxx, op. cit., p. 238.
158 Xxxx, Xxxx Xxxxxxx, op. cit., p. 55.
Esses contratos padronizados foram vistos primeiro nos contratos de transporte ferroviário, em princípio por questões de economia administrativa, visando simplificar os negócios, depois por questões ligadas à mecanização da vida contemporânea. Com o passar dos anos, notou-se que a liberdade de contratar do cliente – via de regra, o contratante – restava comprometida, porquanto o contratado – a empresa de transporte ferroviário – detinha o poder de padronizar o contrato.159 Assim ocorreu com inúmeras empresas de diversos segmentos, as quais passaram a padronizar seus contratos, estabelecendo, ao seu bel prazer, as cláusulas e condições a serem contratadas.
Diante desse cenário, o Estado começou, propositadamente, a intervir na relação das partes para evitar abusos, seja por meio de políticas públicas limitativas de direito, seja criando instrumentos normativos com o condão de limitar a liberdade contratual. Resumidamente, o Estado passou a ditar as cláusulas permitidas e as proibidas. Isto representa a “Chamada Crise do Contrato” 160, em que há o distanciamento do ideal de autonomia privada das partes na relação negocial.
Com o advento do CDC, muito se discutiu sobre a aplicação das regras ali previstas nas atividades prestadas pelas instituições financeiras, apesar do art. 3º, §2º fazer menção expressa da abrangência dessas novas regras aos serviços de natureza bancária. No entanto, este imbróglio jurídico foi superado e o entendimento jurisprudencial foi consolidado com a edição da Súmula 297161 do STJ.
A Res. CMN 2.878, chamada de Código de Defesa do Cliente Bancário, “fruto de estudos do Banco Central e de algumas centenas de sugestões apresentadas por ocasião da audiência pública” realizada em setembro de 2000, pôs “fim a uma série de dúvidas que surgiram tanto na doutrina quanto na jurisprudência”. Foram editadas “regras e procedimentos de proteção das pessoas que lidam com o sistema financeiro, necessitando da plena transparência, com o
159 Conforme: Ibid., p. 96-97.
160 Para Sílvio de Salvo Venosa, a “Crise do Contrato” não está no contrato em si, nem no direito privado, mas na rápida evolução e dinâmica da sociedade. Nesse contexto, o contrato deve atender mais ao interesse social do que, e exclusivamente, ao interesse individual das partes. Este o verdadeiro significado dos princípios previstos nos artigos 421 e 422 na nova codificação civil. (in Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, cit., p. 375)
161 “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”
fornecimento rápido de informações suficientes e completas a respeito das operações que estão realizando”.162 Essa resolução foi revogada pela Res. CMN 3.694.
4.4 A autonomia da vontade e o direito do consumidor
4.4.1 Breves considerações
Por força da promulgação da Constituição Federal em 1988 e da entrada em vigor do CDC, bem como posteriormente com o advento da Súmula 297 do STJ, os consumidores finalmente tiveram, ao ver da sociedade, seus direitos básicos garantidos. Isso significou, pelo menos em tese, o término de inúmeras práticas corriqueiras prejudiciais a eles, consumidores, no mercado brasileiro.
Antes disso, o consumidor ficava à mercê dos fornecedores e prestadores de serviços, os quais impunham todas as condições do negócio, ainda que em detrimento exclusivo do consumidor. Felizmente, o CDC inovou ao estatuir sobre os direitos básicos do consumidor (art. 6º), a responsabilidade objetiva pelo fato do produto ou do serviço (arts. 12 e seguintes), as práticas comerciais e abusivas (especialmente, arts. 29, 39 e 51), bem como sanções administrativas, infrações penais e direito processual, entre outras matérias que compõem o microssistema jurídico voltado à proteção e ao restabelecimento do equilíbrio, econômico e jurídico, nas relações de consumo.
Diante disso, o consumidor – antes vulnerável – passou a ter a tão desejada proteção legal e constitucional para seus direitos fundamentais. No seu ofício habitual, o fornecedor ou prestador de serviços viu-se obrigado a estabelecer condições contratuais equitativas; mais do que o mero formalismo contratual, viu-se ele obrigado a se atentar às regras, aos princípios das relações de consumo, a fim de não os violar e não expor o consumidor aos riscos inaceitáveis e vedados pelo novo microssistema.
162 Xxxx, Xxxxxxx. O código de defesa do cliente bancário. In: Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo, Ano 4, n. 13, p. 65, 2001.
A tutela ao consumidor deixou, à primeira vista, a autonomia da vontade de lado, pelo menos com relação às praticas que o prejudicavam. Isso, todavia, não acontece com direitos disponíveis ou aqueles que não implicam prejuízos ao consumidor. Nestes casos, os princípios que norteiam as relações de consumo devem ser interpretados juntamente com o princípio da autonomia da vontade. Todos esses princípios devem conviver harmonicamente, um sem excluir os demais. Os limites de cada um deles devem ser analisados caso a caso, dentro do princípio da razoabilidade, daquilo que se espera possa ou não o consumidor “abrir mão” de seu direito básico. Veja a seguir.
4.4.2 Direito fundamental ou relativo?
Consoante analisado anteriormente, os direitos do consumidor são constitucionalmente tutelados e estão expressamente previstos no CDC, o qual, de fato, encerrou inúmeras práticas corriqueiras prejudiciais aos consumidores no mercado brasileiro.
Entretanto, essas regras e princípios protetores dos direitos dos consumidores têm aplicação relativa. Para compreender isso, necessária uma interpretação sistemática por meio da qual não se permite o desprezo aos demais princípios gerais que regem as operações bancárias.163
Não se pretende aqui defender a ideia de que, no caso das instituições financeiras, estas possam praticar qualquer ato lesivo ao consumidor, ao arrepio da lei. Sustenta-se, sim, a ideia segundo a qual todos os princípios caminham coordenada e harmoniosamente sem que um princípio se sobreponha ao outro. Assim, se as partes estipularam no contrato determinada cláusula, esta, em princípio, deverá ser observada e cumprida pelas partes (afinal, o contrato faz lei entre as partes, se observados os requisitos do art. 104 do Código Civil), ao menos que seja ela abusiva e
163 Vale mencionar Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, a respeito da autonomia do direito bancário e das categorias tradicionais do direito, para quem o Direito Público e o Direito Privado não perdem importância perante o Direito Bancário; pelo contrário, “porque essas categorias atravessam, no interior, o Direito Bancário”, constituem “um auxiliar fundamental, na realização do Direito.” (Direito bancário privado. In: Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, Ano 2, n. 4, p. 92, 1999)
coloque uma parte em situação econômica desfavorável em relação à outra parte, o que é vedado pelo CDC.164
A título de exemplo, imagine um financiamento atrelado à variação cambial, cujo recurso advenha de captação contraída pela instituição financeira no exterior. Para que esta instituição financeira se proteja dos custos oriundos da desvalorização da moeda local, nada mais natural que a variação cambial, caso ocorra, seja repassada ao cliente-mutuário. Este repasse, por óbvio, restará previsto no contrato celebrado pelas partes, e nem por isso afronta direito ou implica prática abusiva, pela instituição financeira; muito pelo contrário, o repasse da variação cambial é obrigatório, nos termos da Resolução do CMN no 3.844, de 23 de março de 2010. Não obstante previsão normativa, o Poder Judiciário erra ao proibir o repasse.165 E quando o juiz intervém na vontade declarada pelas partes, “do ponto de vista econômico-social da coletividade, surge uma ineficiência semelhante à que ocorre quando o Poder Executivo interfere no funcionamento dos mercados competitivos.”166
Ainda nesse exemplo, conquanto não houvesse norma jurídica autorizando o repasse da variação cambial ao cliente-consumidor, entende-se pela legalidade do ato praticado pela instituição financeira, em função do princípio da liberdade contratual (art. 421 do Código Civil) e o princípio da reserva legal, por inexistir norma proibitiva (inciso II do art. 5º, da Constituição Federal). A estes princípios, soma-se o da livre concorrência, na medida em que as partes tinham conhecimento no ato da contratação a respeito de possível repasse da desvalorização da moeda, sob pena da vontade estar viciada167 (inciso IV do art. 1º da Constituição Federal). E mais: a razão de ser dos bancos, dentre muitas, está na exploração da atividade de intermediação bancária, visando o lucro, motivo por que nada mais salutar e natural que captar recurso também no exterior e emprestá-lo aqui no país com o repasse de eventual variação cambial. Não fosse assim, o banco amargaria o prejuízo, não somente em seu próprio detrimento, como de toda a
164 A respeito disso, o Código Civil inovou ao inserir os princípios segundo os quais “A liberdade de contratara será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” (art. 421) e “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé” (art. 422).
165 Conforme: Xxxxxxx Xxxx, Xxxxxxx, op. cit., p. 135.
166 Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxxxx de, op. cit., p. 480.
167 Xxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxxx, op. cit., p. 483, para quem a “premissa da livre concorrência para a obrigatoriedade dos contratos tem quatro pressupostos fundamentais: ausência de efeitos adversos para terceiros, plena informação, grande quantidade de partes potenciais e irrelevância dos custos da transação.”
sociedade, que indiretamente pagaria por este prejuízo em financiamentos futuros, por meio do aumento das taxas de juros ou diminuição da oferta de crédito.
Igualmente, imagine situação em que a instituição financeira notifica o cliente com o propósito de formalizar sua intenção de encerrar a conta bancária de seu cliente. Embora a relação cliente- instituição financeira possa se enquadrar como de consumo – aplicando-lhe, pois, as regras do direito do consumidor –, os princípios que regem o microssistema jurídico do consumidor deve ser analisado levando-se em conta todos os demais princípios do arcabouço jurídico, sem exceção. Conforme será demonstrado adiante, a conduta da instituição financeira pode não ser caracterizada como abusiva.168
Diversamente, imagine uma instituição financeira que recuse abrir conta bancária para produtores rurais que concorram diretamente com projetos agropecuários controlados por empresas do mesmo grupo econômico que ela, instituição financeira.169 Certamente, trata-se de prática desleal em dissonância com a concorrência saudável e que deve ser repelida pelos órgãos de proteção à concorrência, de ofício, e pelo Judiciário, uma vez acionado. Embora esta hipótese não diga respeito a ato que viola as normas que regem as relações de consumo, ela demonstra de forma clara o pé de igualdade com que os princípios devem ser interpretados no ordenamento jurídico.
O CDC estabelece de forma exemplificativa as práticas consideradas abusivas. Isso não significa que toda e qualquer cláusula contratual ensejará desequilíbrio econômico e, consequentemente, jurídico ao consumidor. Como verificado há pouco nos exemplos, determinadas condições não implicam abuso do fornecedor ou prestador do serviço; muito pelo contrário, essas condições decorrem da autonomia das partes, razão pelo qual a cláusula deve ser interpretada em consonância com os demais princípios, de maneira a que as prestações e contraprestações dos contratantes se mantenham equilibradas. Este, aliás, o principal objetivo a ser perseguido para se alcançar o bem-estar das partes.
168 Cf.: Capítulo “5. Do encerramento do contrato de depósito”, abaixo.
169 Xxxxxxx Xxxx, Xxxxxxx, op. cit., p. 238.
Antes da consolidação da Súmula 297 do STJ, segundo a qual as regras de consumo incidem sobre as instituições financeiras, Athos Gusmão Carneiro170, em parecer que discorre sobre a inaplicabilidade das regras de consumo ao depósito em caderneta de poupança, opôs-se ao entendimento de Cláudia Marques de que “‘quem diz mais, diz menos’”, portanto, se o CDC faz menção a atividades bancárias, “inclui todas as atividades, fazeres, operações típicas e atípicas bancárias, abstrato”. Segundo o jurista, “afigura-se de difícil acolhimento a proposta de generalização da incidência das normas do Código de Defesa do Consumidor a praticamente todas as operações bancárias, sob os questionáveis argumentos de que nelas sempre estariam inseridos ‘serviços’ prestados aos depositantes e, ainda, de que aos contratos de depósito sucedem-se, através do tempo, outras ‘operações contratuais cativas’, criando-se assim uma ‘convivência necessária’ entre a empresa fornecedora dos ‘serviços’ (o banco) e os ‘consumidores’ (os clientes dos bancos).” O jurista conclui afirmando que “o depósito de poupança não dá origem a uma ‘relação de consumo’. Cuida-se de típica ‘operação bancária’, alheia ao âmbito de incidência do Código de Defesa do Consumidor, e que se rege pela legislação concernente ao mercado de capitais e pelas normas regulamentares legalmente editadas” pelo CMN, “sujeita naturalmente ao controle do Poder Judiciário nos termos em que o são os demais contratos comerciais ou civil”.
Xxxxxxx Xxxx000 já levantava a mesma problemática e afirmava ser discutível a aplicação do CDC nas operações ativas das instituições financeiras.
Neste contexto, o CMN resolveu este imbróglio por meio da Res. CMN 2.878, o famoso Código de Defesa do Cliente Bancário, revogada pela atual Res. CMN 3.694. Inúmeras regras e procedimentos são tratados nestes instrumentos, editados pelo CMN, órgão competente para regular o mercado financeiro.
170 Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx. Depósito bancário em caderneta de poupança. Não incidência do Código de Defesa do Consumidor. Questão da legitimidade para a propositura de ação coletiva. In: Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo, Ano 3, n. 7, p. 200-201, 2000.
171 Conforme: Xxxx, Xxxxxxx. O Banco Central, a defesa da livre concorrência e a proteção do consumidor nas operações financeiras. In: Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo, Ano 3, n. 7, p. 23-24, 2000.
No direito comparado, a França e Portugal não consideram o contrato de depósito bancário como operação de consumo. O argumento jurídico está na ausência de prestação de serviço. Em legislações de outros países, o poupador-depositante não se confunde com o consumidor porque as regras do mercado financeiro seguem regimes próprios.172
Para Xxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxxx, em “um contrato ideal, toda a informação relevante estava disponível e era conhecida das partes ao tempo da contratação, as quais, conscientemente, estimaram o valor relativo das prestações e contraprestações, e todos os riscos que poderiam enfrentar foram previstos e seus respectivos custos foram livre e equitativamente negociados e alocados entre os contratantes. A rigorosa execução de um negócio jurídico assim formado, por definição, é a melhor forma de as partes realizarem seus objetivos e jamais deveria deixar de acontecer. Relativizar a regra de que pactos como este devam ser cumpridos e reduzir a própria capacidade de crescimento da economia e o consequente bem-estar de todos.”173
Pelo exposto, resta patente a relatividade das regras de direito do consumidor. Ao se deparar com situações envolvendo relação de consumo, o jurista deve fazer uma análise pormenorizada do caso concreto, em conjunto com as regras de consumo e as demais normas e princípios do ordenamento jurídico.
4.5 A autonomia da vontade e o direito econômico
Conforme discorrido acima, a liberdade contratual encontra limites na ordem pública e nos bons costumes, pelo menos. Ou seja, as partes são livres para contratar, sem que possam extrapolar tais limites.
Outro limite está na intervenção do Estado sobre o domínio econômico. Toda vez que o Estado intervém na economia, afeta diretamente a liberdade contratual, e assim o faz com a autonomia da vontade.
172 Conforme: Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx. O conceito de consumidor e o direito bancário no direito comparado, In: Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, Ano 2, n. 6, 1999, p. 283-284.
173 Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxxxx, op. cit., p. 479.
Nos termos do art. 174 da Constituição Federal, o Estado, na condição de agente normativo e regulador da atividade econômica, exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
À medida que o Estado se torna mais intervencionista, mais a autonomia da vontade é afetada. Naturalmente, isso também ocorre com os contratos, porquanto as restrições impostas pelo Estado impactam diretamente o seu regime jurídico174. Isto porque, de um modelo caracterizado pelo voluntarismo contratual, o Estado percebeu que a sua intervenção poderia influenciar e direcionar os rumos das relações das partes contratantes, atingindo o desejado desenvolvimento da economia de mercado.
Verifica-se, pois, que a intervenção estatal preserva os interesses das partes, quais sejam, de que os fins desejados por elas sejam alcançados, porém, tem como fim último regular a atividade econômica. Os contratos “se transformam em condutos da ordenação dos mercados, impactados por normas jurídicas que não se contêm nos limites do Direito Civil: preceitos que instrumentam a intervenção do Estado sobre o domínio econômico, na busca de soluções de desenvolvimento e justiça social, passam a ser sobre eles apostos.”175
A intervenção por ação estatal sobre o domínio econômico tornou-se essencial para se chegar à economia de mercado, em outras palavras, a possibilitar o desenvolvimento e progresso econômico e social. Essa “intromissão” deve ser vista como benéfica porque é por meio dela que o Estado filtra e norteia a atividade econômica.
O Estado se utiliza de inúmeros mecanismos de controle dos atos praticados pelas partes em uma relação privada. Porém, acaso ilegítima, a intervenção deve ser banida e afastada imediatamente. Como já mencionado, a burguesia alcançou o poder e ditou as regras do liberalismo econômico – que se modernizou e atingiu o chamado “dirigismo contratual” –, sendo que qualquer
174 Conforme: Xxxx, Xxxx Xxxxxxx, op. cit., p. 94.
175 Xxxx, Xxxx Xxxxxxx, op. cit., p. 94-96.
manifestação ortodoxa dos poderes outorgados ao Estado será prejudicial, portanto, deve ser coibida pelos órgãos competentes, em especial pelo Poder Judiciário. Xxxxxx, não se pode “deixar que o intervencionismo do poder, estatal ou econômico, elimine um mínimo de vontade no contrato, sob pena de extinguir-se uma das mais legítimas liberdades individuais”176.
Utilizando-se do exemplo dado acima dos contratos padrões de transporte ferroviário177, no contexto da intervenção, o Estado passou não somente a nortear os limites dos contratos, como a estabelecer as cláusulas e condições aceitáveis, relativizando a liberdade contratual das partes.
Assim acontece com os contratos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (“BNDES”) sujeitos às “Disposições Aplicáveis aos Contratos do BNDES e as Normas e Instruções de Acompanhamento”178. O BNDES é o principal instrumento de execução da política de investimento do Estado, com o propósito de atingir o desenvolvimento econômico e social do país179. Seus atos vinculam os particulares que com ele, ou por meio dele, contratam. Trata-se de uma empresa pública federal, criada por ocasião da Lei no 1.628, de 20 de junho de 1952, dotada de autonomia administrativa e personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio.
Em outra medida, estão os contratos de instituições financeiras sujeitas às regras do CMN, a exemplo do “correspondente no País”, vulgarmente chamado de “correspondente bancário”, regido pela Resolução do CMX xx 0.000, de 24 de fevereiro de 2011. A ele, “correspondente”, cabe a prestação de serviços de atendimento a clientes da instituição contratante, por conta e sob as diretrizes desta, a qual assume inteira responsabilidade pelo atendimento prestado. Ao correspondente, assim como ínsito à atividade bancária, cabe observar o dever de sigilo bancário, integridade, confiabilidade, segurança das transações realizadas etc.
176 Venosa, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, cit., p. 374.
177 Cf.: “4.3 Relação cliente–instituição financeira”, acima.
178 Resolução da Diretoria do BNDES no 665, de 30 de setembro de 1987.
179 Veja art. 3º do Estatuto Social do BNDES.
Ainda de competência do CMN está a limitação da expansão do crédito, na medida em que a instituição financeira atinja determinado volume de crédito no período anual.180 Outras tantas também poderiam ser citadas.
A atuação intervencionista do Estado sobre o domínio econômico evidencia a amplitude do direito econômico, a afastar a análise exclusiva de um único instituto, seja de direito civil, seja de direito do consumidor. Assim, “os contratos, enquanto realidade jurídica, não são objeto de um privilégio de consideração pelos civilistas; para que os possamos compreender, impõe-se a sua detida consideração também desde a visão do Direito Econômico.”181
Neste sentido, o Estado intervém sobre o domínio econômico para assegurar o cumprimento de todos os seus objetivos fundamentais, deixando para os particulares, em maior ou menor medida, as disposições não menos importantes mas que possibilitam o desenvolvimento nacional (inciso II do art. 3 da Constituição Federal).
Aos juristas, principalmente com relação às questões levadas ao Poder Judiciário, fundamental seja avaliada a existência de vícios que colocam em xeque a autonomia da vontade, a liberdade contratual ou qualquer outro princípio integrante do ordenamento jurídico.
No contexto das instituições financeiras, as relações entre as partes não devem se ater somente às regras de consumo, se aplicáveis. Não há prevalência de determinada norma, nem de princípio. O jurista deve avaliar o caso fático, considerando também o papel das instituições financeiras no meio social e na economia do país.
4.6 Dos limites da autonomia da vontade
180 Xxxx, Xxxx Xxxxxxx, op. cit., p. 101.
181 Ibid., p. 101.
A autonomia da vontade das partes encontra limites nas normas de direito público e nos costumes, bem como nas imposições feitas pelo Estado, enquanto se utilizando de seu poder para intervir na economia e sobre o domínio econômico.
No campo das relações contratuais que envolvam os clientes-consumidores, respeitadas as regras legitimamente ditadas pelo Estado, a autonomia da vontade não deve prejudicar os interesses individuais da parte tida como fraca na relação contratual, do ponto de vista econômico. A fragilidade do consumidor alcança o contrato celebrado entre as partes, isto é, o cliente está fadado a celebrar um contrato que não lhe seja favorável simplesmente porque não teve condições econômicas de modificá-lo ou de impor as condições que ele, consumidor, entende como razoáveis.
Para evitar esse desequilíbrio natural, os contratos financeiros sofrem limitações impostas pelas normas do SFN. Veja análise adiante.182
4.7 Autonomia da vontade nos contratos financeiros
Os contratos financeiros estão sujeitos às mesmas regras gerais dos demais contratos típicos e atípicos. Como qualquer outro contrato, eles devem preencher os requisitos para a formação do negócio jurídico. Entretanto, devem também atender normas específicas, em particular as que regem o sistema financeiro, porquanto as instituições financeiras estão sujeitas às órgãos reguladores do SFN.
Essas regras nada mais são do que limitações à autonomia da vontade das partes de estipularem condições alheias às regras e princípios gerais da atividade econômica. Esses limites são ditados por órgãos reguladores de mercado, os quais, no uso de suas atribuições, intervém na economia para satisfazer a vontade do Estado de prover o correto e ideal funcionamento do sistema financeiro.
182 Cf.: “4.7 Autonomia da vontade nos contratos financeiros”, abaixo.
Inúmeros instrumentos normativos e direcionam a ordem econômica. Eles disciplinam as relações das instituições financeiras ora para com seus clientes, ora para com os órgãos reguladores. Essas normas abrangem, inclusive, as relações de caráter consumerista, com o fim de impedir arbitrariedades além das permitidas. São exemplos disso a transparência nas operações bancárias (atualmente tratada pela Res. CMN 3.694) e a tabela de tarifas bancárias (Resolução do CMN no 3.919, de 25 de novembro de 2010, “Res. CMN 3.919”). Tudo o mais será, em princípio, autorizado, a não ser que as disposições das partes contrariem um dos preceitos que limitam a autonomia da vontade das partes.
Assim, as instituições financeiras estão adstritas tanto às limitações impostas pelos seus órgãos reguladores, como àquelas gerais impostas pelo Estado no ordenamento jurídico. A interpretação de cada norma ou princípio deve ser feita de maneira sistemática, sem que um exclua ou se sobreponha ao outro.
5 Do encerramento do contrato de depósito
5.1 Breves considerações
O contrato pode ser extinto de diversas formas. A extinção do contrato “pode ocorrer de forma normal ou não. Um contrato regularmente cumprido em suas obrigações extingue-se normalmente. O contrato extingue-se por sua execução. É na extinção anormal, antecipada no tempo ou alterada no objeto ou na forma, que vamos encontrar outras hipóteses de extinção, um desfazimento mais restrito.”183 Neste contexto, a extinção do contrato pode operar pela resilição, pelo distrato, unilateral, pela quitação e pela resolução, bem como por outras hipóteses permitidas em lei ou instrumentos normativos emanados de órgãos e entidades públicas.
O encerramento do contrato de depósito objeto desta monografia está inserido no rol de hipóteses de “extinção anormal” do contrato. Mais especificamente, o encerramento desse
183 Venosa, Sílvio de Salvo Venosa. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, cit., p. 507.
contrato se operou por meio de resilição unilateral, dado pela instituição financeira, mediante denúncia vazia notificada a outra parte (o cliente).
O contrato de depósito pode estar vinculado a outros contratos bancários184, os quais podem ser dependentes daquele (o principal) para existir, caracterizando-se esses contratos como acessórios; por vezes, entretanto, em razão da dinâmica das relações negociais contemporâneas, tais contratos ligados ao contrato de depósito não dependem deste para existir, caracterizando-se igualmente como contratos principais.
É corriqueiro, assim, a existência conjunta de ambos os contratos de depósito e de abertura de conta corrente, cuja finalidade está no depósito de numerário e no registro da entrada e da saída do dinheiro que transita no caixa (na conta corrente) do cliente. À conta corrente, poderá estar vinculada a chamada conta poupança, para a incidência de juros e acrescidos sobre o valor nela depositado. Ao contrato de depósito (o principal), outros contratos bancários podem estar vinculados, sejam acessórios, sejam principais. Independentemente da relação de dependência entre estes contratos, para os fins desta monografia, por disposição contratual, com o encerramento do primeiro, os outros serão encerrados.
A seguir, será analisada a (i)licitude185 do encerramento de contrato de depósito, apresentando os fundamentos jurídicos e regulatórios e de direito econômico que embasam a resilição unilateral mediante denúncia vazia.
5.2 Da (i)licitude do ato jurídico
5.2.1 Aspectos jurídicos e regulatórios
184 Cf.: “3.4.5 Demais contratos acessórios e vinculados”.
185 Quer exprimir ora licitude, ora ilicitude, razão por que do uso do vocábulo (i)licitude com prefixo de origem latina i entre parênteses – (i) – no sentido de negação à licitude. Esta a origem de “5.2 Da (i)licitude do ato jurídico”.
O encerramento do contrato de depósito objeto desta monografia operou-se por meio da resilição unilateral, dado pela instituição financeira, mediante denúncia vazia notificada ao cliente. Por força desse encerramento, os demais contratos acessórios e vinculados também foram extintos, com as ressalvas feitas oportunamente186.
Nos termos do Código Civil, a resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte (art. 473, caput). Num primeiro passo, na medida em que houve denúncia notificada ao cliente, o requisito da formalidade fora cumprido, portanto, o contrato de depósito fora extinto. No que tange à existência ou não de lei que permita, expressa ou implicitamente, o encerramento do contrato, ainda que não haja previsão legal autorizando tal ato unilateral, nas relações privadas é permitido fazer aquilo que não é vedado por lei, consoante princípio da reserva legal, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (inciso II, art. 5º da Constituição Federal).
Do ponto de vista de Xxxxxxx Xxxxxxxx000, a “conta corrente constitui uma avença firmada intuitu personae. Não há obrigação do banco em abrir a conta, nem para continuar indefinidamente a relação firmada. De modo geral, os contratos são por tempo indeterminado. Ao banco, assiste o direito de interromper ou extinguir a qualquer momento a conta corrente, sem a necessidade de um ato de denúncia que estabeleça um prazo para o encerramento.”
No mesmo sentido, Xxxxxx Abrão188, para quem não há “obrigatoriedade do banco em manter contrário à sua vontade o contrato, porque infringiria os princípios da liberdade e da própria autonomia (...). Se não convier mais à instituição financeira a mantença do contrato, num primeiro momento urge comunicar ao seu cliente para que formalize a extinção contratual; acaso não tome providência alguma, correto seria o depósito judicial da coisa, estabelecendo o marco da isenção de qualquer risco no trato da custódia havida.”
Assim, observada a legislação aplicável, o encerramento da conta é legítimo e lícito.
186 Cf.: “3.4.5 Demais contratos acessórios e vinculados”.
187 Xxxxxxxx, Xxxxxxx, op. cit., p. 72.
188 Xxxxx, Xxxxxx, op. cit., p. 222.
A despeito do referido princípio da reserva legal e da doutrina ora colacionada, ambos os quais suficientes para embasar a resilição unilateral, o fato é que as instituições financeiras devem obedecer também às normativas emanadas por seus órgãos reguladores. Isso se deve à natureza de sua atividade. Assim, para cada modalidade de contrato bancário, incide um instrumento normativo específico. Acaso fosse vedado o encerramento unilateral do contrato pela instituição financeira, inaplicáveis os referidos dispositivos legal e constitucional, porquanto norma específica seria incidente ao caso.
O encerramento da conta de depósitos é tratado pela Rex. XXX 0.000, a qual dispõe sobre as normas relativas à abertura, manutenção e movimentação de contas de depósitos.
Nos termos do caput do art. 12 dessa resolução, cabe à instituição financeira esclarecer ao depositante acerca das condições exigidas para a rescisão do contrato de conta de depósitos à vista por iniciativa de qualquer das partes, devendo ser incluídas na ficha-proposta algumas disposições mínimas, dentre as quais comunicação prévia, por escrito, da intenção de rescindir o contrato (inciso I), prazo para adoção das providências relacionadas à rescisão do contrato (inciso II), entre outras189.
Note-se que o pedido de encerramento de conta de depósitos deve ser acatado mesmo na hipótese de existência de cheques sustados, revogados ou cancelados por qualquer causa, os quais, se apresentados dentro do prazo de prescrição, deverão ser devolvidos pelos respectivos motivos, mesmo após o encerramento da conta, não eximindo o emitente de suas obrigações legais (§ 2º do art. 12 da Res. CMN 2.025).
Pelo exposto, as normas que regem as instituições financeiras autorizam expressamente o encerramento de conta de depósitos por iniciativa de qualquer das partes, cliente ou banco. Não
189 O caput do art. 12 também prevê devolução, à instituição financeira, das folhas de cheque em poder do correntista, ou de apresentação de declaração, por esse último, de que as inutilizou (inciso III), manutenção de fundos suficientes, por parte do correntista, para o pagamento de compromissos assumidos com a instituição financeira ou decorrentes de disposições legais (inciso IV) e expedição de aviso da instituição financeira ao correntista, admitida a utilização de meio eletrônico, com a data do efetivo encerramento da conta de depósitos à vista (inciso V).
há, pois, distinção da parte legítima para rescindir o contrato, sendo uma faculdade de qualquer delas.
Além da Res. CMN 2.025, há outras normas dentro do arcabouço jurídico do SFN, as quais incidem sobre as operações bancárias e devem ser obedecidas pelas instituições financeiras.
Isso ocorre com as regras ditadas pela Rex. XXX 0.000, que revogou a Rex. XXX 0.000, conhecida como o Código de Defesa do Cliente Bancário.
A LC 105/01, que dispõe sobre o sigilo bancário, deve ser obedecida pelas instituições financeiras, as quais, no exercício de seu mister, devem manter o sigilo de seus clientes nas operações ativas e passivas e nos serviços prestados, sob pena de responder pela quebra dele.
A Lei 9.613/98, chamada lei da “lavagem de dinheiro”, é igualmente aplicável às instituições financeiras, às quais foram atribuídas obrigações relacionadas à identificação dos clientes e manutenção de registros deles, e à comunicação das “operações atípicas ou suspeitas”.
A própria norma legal exige a confidencialidade da comunicação, ou seja, as pessoas sujeitas à comunicação devem se abster de dar ciência do ato a qualquer pessoa, inclusive àquela à qual se refira a informação (art. 11, II). Vale reiterar a justificativa do legislador de preservar a confidencialidade, porquanto, em se tratando de práticas potencialmente criminosas, a última pessoa que poderia ter ciência do ato comunicado ao órgão regulador é aquela que realizou a “operação atípica ou suspeita”, sob pena de frustrar o intuito da lei de acabar com o crime de “lavagem”.
Transportando essa regra para o ato praticado pela instituição financeira de encerrar o contrato por iniciativa própria, observa-se que, em defesa do interesse público, a resilição unilateral é legítima e lícita, inexistindo qualquer violação às regras de direito. A decisão da instituição financeira será mantida em sigilo, sendo que a comunicação não será informada ao cliente, em atendimento ao referido art. 11, II da Lei 9.613/98. Se, após a comunicação ao órgão regulador, a instituição financeira decida pela resilição unilateral, mediante notificação vazia ao cliente, este
não ficará sabendo, nem poderia saber do motivo do encerramento. Esta é apenas mais uma razão para que a instituição financeira tenha a faculdade de encerrar o contrato.
Em se tratando de relação de consumo, questiona-se com relação à aplicabilidade absoluta das regras de proteção ao consumidor aos contratos bancários.
Sabe-se do entendimento pacífico consolidado com a edição da Súmula 297 do STJ, segundo o qual o CDC é aplicável às instituições financeiras. Este microssistema jurídico inovou ao prever inúmeros direitos fundamentais ao cliente-consumidor, consagrados no art. 6º, os quais eram infringidos pelos fornecedores e prestadores de serviços, dentre os quais os bancos.
As regras de consumo devem ser compreendidas dentro de todo ordenamento jurídico, sem exceção. O jurista deve analisar situações fáticas que demonstrem a violação aos direitos do cliente-consumidor, as quais o colocam em posição desfavorável (econômica e jurídica) e o expõem aos riscos e práticas inaceitáveis e vedadas por lei.
Entretanto, as regras do direito do consumidor não são absolutas. Há disposições contratuais que devem ser mantidas intactas, sem a aplicação das regras de consumo, simplesmente porque tais disposições não afrontam direitos básicos do cliente-consumidor; pelo contrario, são cláusulas que se harmonizam com eles.
Há dispositivos do contrato que advém de normas emanadas do órgão regulador, as quais são cogentes e vinculam as partes contratantes, ainda que o cliente-consumidor não esteja sujeito diretamente às normas do respectivo órgão ou entidade. Diferente são as normas dispositivas, para as quais haverá a liberdade contratual190 das partes na definição das condições do contrato.
A cláusula que prevê o encerramento do contrato por qualquer das partes, sem distinção, advém de norma cogente, que exige da instituição financeira que esclareça ao depositante acerca das condições exigidas para a rescisão do contrato de conta de depósitos à vista por iniciativa de qualquer das partes, devendo ser incluídas na ficha-proposta algumas disposições mínimas,
190 Cf.: “4.2 Autonomia da vontade e princípios correlatos”.
dentre as quais comunicação prévia, por escrito, da intenção de rescindir o contrato (inciso I), prazo para adoção das providências relacionadas à rescisão do contrato (inciso II), entre outras (art. 12, I da Res. CMN 2.025).
O CMN pretendeu com essa norma preservar o interesse público, outorgando ao particular (a instituição financeira) o dever de informar e esclarecer o cliente-consumidor, além de obrigá-lo a manter tais informações atualizadas, sob sua conta e responsabilidade pela exatidão das informações prestadas. Salienta-se, que esta norma é posterior à edição do CDC, ou seja, foi introduzida no sistema jurídico com absoluta coerência com os direitos do consumidor.
Assim, a cláusula que prevê a possibilidade de encerramento do contrato a qualquer das partes não implica violação aos direitos básicos do cliente-consumidor.
Por derradeiro, relevante mencionar o fato de que, em se respeitando a função social do contrato e os princípios de probidade e boa-fé (arts. 421 e 422 do Código Civil), também não há porque enxergar ilicitude no ato jurídico da instituição financeira, que notificou o cliente para o fim de cientificá-lo da sua intenção legítima de encerrar o contrato.
5.2.2 Do direito econômico
A ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios previstos no art. 170 da Constituição Federal.
O Estado, na condição de agente normativo e regulador da atividade econômica, exerce, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado (art. 174 da Constituição Federal).
Seguindo esta diretiva, os órgãos reguladores do SFN, no uso de suas atribuições, emanaram normas para regular a atividade exercida pelas instituições financeiras ou a elas equiparadas. Tais
funções devem ser realizadas em consonância com os princípios constantes do caput do art. 37 da Constituição Federal, sem prejuízo dos demais previstos do ordenamento jurídico.
A intervenção estatal sobre o domínio econômico afeta diretamente o princípio da autonomia da vontade, na medida em que os particulares deixam de ter absoluta liberdade para estabelecer as cláusulas e condições contratuais.
Essa atuação intervencionista do Estado evidencia a amplitude do direito econômico, o qual afasta a exclusividade de aplicação isolada e preponderante das regras concernentes ao direito do consumidor ou ao direito regulatório. Ambas as normas devem conviver conjunta e harmonicamente, sem que uma viole a outra, de modo a garantir o desenvolvimento nacional (art. 3º, II da Constituição Federal).
No entanto, a ação estatal sobre o domínio econômico não tem caráter absoluto. A nova ordem econômica denominada dirigismo contratual contrapõem-se à ordem econômica liberal191, caracterizada pelo modelo do Estado liberal192.
No campo do SFN, a intervenção estatal é mais evidente. As instituições financeiras são relevantes para cada um dos cidadãos, porquanto são o meio de ligação entre poupadores e agentes econômicos carecedores de recursos financeiros. O sistema financeiro é veículo das políticas econômicas implementadas pelo Estado “relativas a meios de pagamento e crédito, sua eventual expansão ou contração. (...) O objeto primeiro de tal regulamentação é assegurar a solidez das instituições envolvidas, de forma a preservar de danos o consumidor de seus serviços, basicamente os depositantes que a elas confiam seus recursos. Só esse fator não bastaria entretanto para justificar o regime estrito de supervisão e regulamentação que é imposto às instituições financeiras.” Mais do que isso, “o bem jurídico protegido pela regulamentação estabelecida em relação às instituições financeiras é a capacidade governamental de implementar decisões de caráter econômico através das instituições financeiras, o que depende da solidez e confiabilidade delas como intermediárias entre poupadores e tomadores de recursos.”193
191 Conforme: Xxxx, Xxxx Xxxxxxx, op. cit., p. 74.
192 Conforme Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxxx, op. cit., p. 2-3.
193 Xxxxxxx Xxxx, Xxxxxxx, op. cit., p. 117-118.