CONTRATO DIDÁTICO: SUA INFLUÊNCIA NA INTERAÇÃO SOCIAL E NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
CONTRATO DIDÁTICO: SUA INFLUÊNCIA NA INTERAÇÃO SOCIAL E NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
Xxxxxxxxx Xxxxxx XXXXX – xxxxxxxxxx@xxxxxxx.xxx
O CONTRATO DIDÁTICO
O contrato didático é definido por Xxx Xxxxxxxxx (1982) como o conjunto de comportamentos do professor que são esperados pelo aluno e o conjunto dos comportamentos do aluno que são esperados pelo professor. Esse contrato é o conjunto de regras que determinam explicitamente em uma pequena parte, mas sobretudo implicitamente em grande parte, o que cada elemento da relação didática deverá fazer e que será, de uma maneira ou de outra, válido para o outro elemento. Ou seja, é o conjunto de relações estabelecidas entre o professor, os alunos e o conhecimento. São as expectativas do professor em relação aos alunos e destes em relação ao professor, incluindo-se, nessa relação, o saber e as formas como esse saber é tratado por ambas as partes.
De acordo com Xxxxxx (1996), essas relações estabelecem-se através de uma negociação implícita entre professor e alunos. Esse contrato define as regras de funcionamento da relação, dentro da situação didática1 como, por exemplo, o direito de falar e de ouvir de cada uma das partes, a forma de relacionamento dos alunos dentro da sala de aula, a forma de relação desses com o professor, a distribuição das responsabilidades, a determinação de prazos, a proibição ou permissão do uso de determinados recursos, etc.
A relação professor-alunos depende de regras preestabelecidas e nem todas as regras relacionam-se com o terceiro elemento desta relação didática - o conhecimento.
1 Situação didática é definida por Xxxxxxxxx (1986), como um conjunto de relações estabelecidas explicitamente e/ou implicitamente entre um aluno ou um grupo de alunos, num certo meio, compreendendo eventualmente instrumentos e objetos, e um sistema educativo (o professor) com a finalidade de possibilitar a estes alunos um saber constituído ou em vias de constituição.
Mesmo assim, a aquisição deste é a motivação principal do contrato didático, o qual, a cada nova etapa de conhecimento, é renovado e renegociado. Porém, na maioria das vezes, essa negociação é implícita e passa desapercebida pelas partes envolvidas.
Até alguns anos atrás, de acordo com Xxxxxxx (1981), as relações entre iguais, na aula, eram consideradas um fator indesejável e incômodo, com prováveis influências negativas sobre o rendimento escolar, devendo, portanto, ser evitadas ou até mesmo eliminadas. Portanto, há cerca de duas décadas atrás, o tipo de interação valorizado era apenas a interação adulto-criança, onde o adulto - como detentor do saber - transmitia-o para a criança e esta - que era vista como incapaz de construir seu conhecimento – assimilava-o. Hoje, com o desenvolvimento dos estudos em educação e psicologia, há uma grande discussão em favor da importância da construção do conhecimento pelo aluno e da importância do compartilhamento de significados entre eles, ou seja, da interação aluno-aluno; da influência educativa que um colega pode exercer sobre o outro.
Entretanto, infelizmente, sabe-se que a prática do trabalho em grupo e a valorização da interação criança-criança, em grande parte das salas de aula de nossas escolas, ainda são uma utopia. A liberdade para conversar e trocar conhecimentos, hipóteses e experiências não é muito comum em nossas escolas, pois o contrato didático tradicional estabelecido, normalmente, diz que não se deve conversar com o colega para não atrapalhar “o bom andamento” da sala de aula. O papel do professor nesse processo é de fundamental importância, na mudança desta prática, na condução e favorecimento da comunicação produtiva entre as crianças, no planejamento e na execução de situações que promovam o desenvolvimento do grupo.
Além da força do contrato didático no que se refere às dificuldades que se tem para realizar um trabalho mais interativo em sala de aula, há a influência desta força também em relação à resolução de problemas matemáticos.
Diversas pesquisas em Educação Matemática (Nunes et alli (2001); Xxxxxx e Xx Xxxxx Xxxxxx (1999); Xxxxx, Xxxxxx e Xxxxxx (1998); César (1990); Xxxxxxxx (1986)) apresentam que os alunos, mesmo nas últimas séries do ensino fundamental, apresentam muitas dificuldades quando da resolução de problemas de estruturas aditivas. Supõe-se que, entre outros fatores, o contrato didático, em sua visão tradicional, ajuda na manutenção dessas dificuldades, uma vez que nos contratos didáticos atuais em matemática, de acordo com Xxxxx (1991), uma das regras vigentes é: “Um problema se resolve fazendo operações. A tarefa consiste em encontrar a ‘boa’ operação e realizá-la
sem erro. Pelo uso de algumas palavras, o enunciado permite adivinhar a operação a ser feita”. Essas “regras” estabelecidas, muitas vezes implicitamente, podem vir a gerar um obstáculo didático2 nos alunos, trazendo-lhes dificuldades para resolverem os cálculos relacionais3 dos problemas matemáticos que são trabalhados na sala de aula.
Xxxxx (1991) exemplifica a força do contrato didático na resolução de problemas, colocando como exemplo uma pesquisa de Xxxxxx Xxxxx (1985), que propõe a 97 alunos o problema seguinte, denominado “a idade do capitão”, do livro de mesmo título: “Em um barco existem 26 carneiros e 10 cabras. Qual é a idade do capitão?” Dos 97 alunos que resolveram a questão, 76 deram a idade do capitão utilizando os números que aparecem no enunciado. Esse exemplo mostra como o contrato didático estabelecido nas salas de aula é forte, pois, mesmo tendo como questão um problema sem solução, os alunos dão como resposta o resultado de uma operação realizada com os números que aparecem no enunciado.
Cumpre, finalmente, salientar que o contrato didático não é apenas formado de aspectos negativos, no sentido de obstacularizadores, mas, também de regras que regem a relação professor-aluno-saber, regras essas que são, muitas vezes, necessárias ao bom andamento da sala de aula.
A INTERAÇÃO SOCIAL
Ao se observar uma sala de aula, percebe-se que os alunos interagem de diferentes formas: estabelecem conversas paralelas, brigam, brincam e trocam idéias durante as atividades de aula, mesmo que estas atitudes não sejam explicitamente permitidas e/ou incentivadas.
A interação social como elemento constituinte do processo de desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem, é explorada pelos sócio-construtivistas vygotskyanos como também pelos pós-piagetianos. A partir da “descoberta” dos escritos de Xxxxxxxx, pelo ocidente e das discussões sobre as pesquisas de Xxxxxx, começaram a surgir mudanças sobre a maneira de ver as relações professor-aluno. O aluno deixa de ser considerado mero receptor, passivo, e passa a ter um papel mais ativo, sendo concebido como um agente que pode construir seu próprio conhecimento junto com outras pessoas (professor e outros alunos, por exemplo) e outros mediadores (livros, meios
2 Obstáculo didático é definido por Xxxxxx-Xxxxxxx (1995) como aqueles obstáculos que parecem depender de uma escolha ou de um projeto do sistema educativo, que resultam de uma transposição didática.
3 O cálculo relacional define-se, segundo Xxxxxxxx (1986), como cálculos que envolvem operações de pensamento necessárias para compreender os relacionamentos envolvidos numa operação.
tecnológicos etc.) em seu contexto social. Começa a se expandir a visão de que o aluno é capaz de construir seu próprio conhecimento.
A crença de que apenas a interação professor-aluno seria válida em sala de aula foi sendo substituída pelas idéias de que professor e alunos podem construir amplas parcelas de significados compartilhados sobre os conteúdos de ensino (Coll e Colomina, 1996). Nos processos de construção de significados compartilhados com relação aos conteúdos escolares, passou-se a considerar a possibilidade de que os próprios alunos podem exercer, em algumas circunstâncias, uma influência educativa sobre os colegas, isto é, podem desempenhar o papel de mediador entre o outro aluno e o saber, o que, antes, era reservado exclusivamente ao professor (Coll e Colomina, 1996).
Xxxxxx (1997) afirma que o processo de ensino-aprendizagem se dá através de dois procedimentos inseparáveis: a atividade construtiva por parte do próprio aluno e a ajuda e o suporte oferecido pelos outros (colegas, professores). Portanto, acredita-se que a aprendizagem de um conteúdo ou a resolução de um problema, conjuntamente, onde os alunos tenham a oportunidade de explicitar o seu conhecimento e confrontar o seu ponto de vista com o de outros colegas, pode vir a ser uma situação favorável para que os participantes ajudem-se mutuamente, no sentido de superarem as dificuldades que encontram ou os erros que cometem durante a realização da tarefa.
A resolução de um problema matemático pode levar, necessariamente, o aluno a refletir sobre tal, mesmo que, às vezes, de forma superficial e fragmentária. Essa reflexão, muitas vezes, não é explicitada e o próprio aluno não toma consciência sobre o que está pensando. No entanto, durante a interação, ele precisa explicitar suas idéias e suas hipóteses para que o colega tome conhecimento delas e possam, assim, compartilhar esse pensamento de forma que ambos construam a solução.
Dialogando e tentando chegar a uma resolução conjunta, os alunos chegam a reconstruir suas idéias em função do diálogo e discussão com seu companheiro. É interessante que, em algumas situações de interação, o aluno atua não só em função do que ele pensa, mas também, em função do que o companheiro pensa, uma vez que estão trabalhando conjuntamente. Acredita-se, portanto, que tal contexto de atividade funciona como importante amplificador das possibilidades de resolução de problemas dos alunos envolvidos.
De acordo com Xxxxxxx e Xxxxxx (1995), para o aluno, que assume o papel social de explicar, o avanço cognitivo provém do fato de ter que organizar seu pensamento para dar as instruções apropriadas. A teoria vygotskyana afirma que a passagem do
pensamento à linguagem, ou pensamento verbalizado, reestrutura o raciocínio e melhora a compreensão. A necessidade de externalizar o pensamento ajuda na tomada de consciência de certos erros ou lacunas, corrigindo-os. Porém, afirmam esses autores, na maior parte do tempo, os alunos não podem estabelecer esse tipo de interação em sala de aula, perdendo-se assim a oportunidade para trocas de experiências e aprendizados. Essa afirmação remete-nos ao contrato didático, estabelecido na maioria das salas de aula, pelo qual é proibido conversar e, assim, é também proibido trocar idéias, para que se mantenha a “ordem” naquele recinto.
Existem muitos estudos sobre os processos interativos dos alunos durante a resolução conjunta de problemas. Neste trabalho, centra-se a atenção em situações de resolução de problemas em pares, onde cada sujeito serve como mediador entre o colega e o conteúdo, juntamente com a intervenção do experimentador. Além disso, pretende- se observar os efeitos do contrato didático, no que diz respeito às resoluções de problemas.
A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
O trabalho com a resolução de problemas é uma forma de criar experiências valiosas nos processos de matemática, mas isso significa que precisamos arriscar um pouco da segurança de, enquanto professores, saber antecipadamente como a aula transcorrerá ou quais serão as soluções ou estratégias dos alunos. A matemática que normalmente é trabalhada com os alunos dá a impressão de que é uma ciência acabada. A resolução de problemas é matemática em produção, em elaboração. Desenvolver com os alunos a competência para resolver problemas de qualquer natureza é um desafio necessário para que se possa estabelecer relações, levantar hipóteses e validá-las ou invalidá-las, compreender situações, analisar dados, mobilizar conhecimentos, formular estratégias, valorizar os resultados e propor novas situações.
Os problemas denominados abertos são pouco trabalhados em sala de aula e nos livros didáticos. Eles caracterizam-se pela existência de vários caminhos de resolução que permitem chegar à sua solução. Os problemas fechados (aqueles que são comuns em sala de aula e que o aluno sabe que fazendo determinada conta consegue resolvê-lo, ou seja, que fazem parte do contrato didático em matemática) também podem ser resolvidos por diversos meios, entretanto, a prática de resolvê-los em sala de aula e o trabalho formal na escola, com seus conteúdos, criam formas unificadas de solucioná- los, incluindo-os, assim, no contrato didático vigente na sala de aula, que diz que todo
problema é resolvido através de uma conta e que, geralmente, seu enunciado dá a pista sobre qual operação utilizar (Henry, 1991).
O problema aberto encontra-se dentro de um domínio conceitual familiar ao aluno (Medeiros, 1999), o qual precisará desenvolver estratégia espontânea de resolução, amparado em procedimentos anteriores e não amparado em ensino direto de um conteúdo, uma vez que esse ainda não foi trabalhado em sala de aula. Portanto, apesar de fazer parte de seu domínio conceitual, o aluno ainda não está “instrumentalizado” sobre a “técnica” de resolução. Pode-se exemplificar com os problemas de proporção. Se esses forem propostos a alunos de quarta série, eles se constituirão em problemas abertos para aquela turma, pois os alunos daquela série ainda não estudaram esse conceito, formalmente; no entanto, se forem propostos a alunos de sexta série, eles podem se constituir em problemas fechados, pois esses alunos já tiveram contato formal com esse conceito e sabem qual operação devem utilizar para resolvê-los. No caso da quarta série, os alunos, provavelmente, buscarão estratégias para solucioná-los, sem a utilização das operações; na sexta série os alunos resolverão os problemas de proporção utilizando-se das operações que lhes foram ensinadas na escola. Portanto, eles são fechados para determinadas séries e podem ser abertos para outras que ainda não estudaram formalmente os conceitos neles implícitos. Ou seja, o problema é aberto ou fechado de acordo com a perspectiva do aluno.
Ao procurar identificar os fatores ou variáveis que determinam o tipo de interação estabelecida entre os alunos, alguns autores (Xxxxxxxxx, Xxxxxxx e Xxxxxxx, 1989) se detêm nas tarefas cooperativas e destacam que o grau de “abertura” da tarefa a realizar é muito importante. De acordo com esses autores, as atividades mais “abertas”, onde os sujeitos devem selecionar as informações relevantes e com várias soluções possíveis, promovem a colaboração, o interesse e o intercâmbio comunicativo em maior grau que as tarefas mais “fechadas”, com diretrizes e informações claramente especificadas e soluções estabelecidas.
Xxxxx-Xxxxxxxxxx (1989) distingue as tarefas cooperativas em simples e complexas. Nas tarefas simples, os sujeitos interagem em torno dos meios ou dos produtos (por exemplo, na resolução de problemas que já fazem parte do contrato didático da sala de aula, onde os alunos sabem qual a conta que devem fazer para resolvê-los). Nas tarefas complexas, a interação é produzida em torno dos processos (por exemplo, nos problemas abertos os alunos precisam pensar acerca dele, estabelecendo relações, pois provavelmente ainda não sabem qual conta ou fórmula
devem utilizar para resolvê-los, precisando, assim, criarem estratégias próprias para tentarem chegar aos resultados, o que faz com que haja uma maior discussão em torno da tarefa). Faz-se essa diferenciação porque acredita-se que a interação em torno dos processos dá lugar a um nível maior de elaboração nas contribuições dos sujeitos do que a interação em torno dos meios ou do produto. Ou seja, defende-se que quando é necessário pensar e estabelecer relações, há um maior esforço, um maior grau de interação e um melhor nível de elaboração na colaboração dos sujeitos.
OBJETIVOS
• Observar a influência do contrato didático sobre a resolução de problemas e sobre a interação social..
• Xxxxxxxx as estratégias de resolução e a compreensão de problemas pelas duplas.
• Analisar as dificuldades dos alunos nos procedimentos de resolução dos cálculos relacionais dos problemas.
DESENHO EXPERIMENTAL
Participaram deste estudo 50 alunos de 9 a 13 anos, de duas quartas séries de uma escola pública estadual de Olinda, Pernambuco.
As duplas foram formadas de acordo com as escolhas dos alunos, uma vez que pretendia-se obter uma situação a mais próxima possível da realidade de sala de aula.
O trabalho foi desenvolvido com uma dupla de cada vez, onde os alunos resolviam três problemas. No início da sessão, o experimentador dizia que se tratava de um trabalho para ser realizado pelos dois, que um deveria ajudar o outro a compreender o problema e que eles precisavam “pensar em voz alta”, para que um soubesse o que o outro estava pensando. O experimentador dizia ainda que eles podiam solucioná-los da forma que achassem melhor, não precisando ser igual como fazem na sala de aula: eles podiam utilizar contas, fazer desenhos, contar nos dedos, enfim, resolver da forma que eles se sentissem mais seguros, porque, naquele momento, ninguém estaria sendo avaliado no sentido de quem sabe mais ou quem sabe menos. Quando os alunos resolviam cada um dos problemas, o experimentador perguntava-lhes se a resposta encontrada servia para aquele problema.
Foi realizada uma análise qualitativa dos dados, observando-se as estratégias desenvolvidas pelas duplas ao resolverem os problemas. Procurou-se analisar como os alunos compreendiam e resolviam os problemas e a influência do contrato didático nas
estratégias de resolução. Além disso, foram analisados os percentuais de surgimento das estratégias utilizadas.
RESULTADOS - ANÁLISE DOS PROBLEMAS
Esses são problemas não são cobertos por contrato didático prévio, pois tratam de conteúdos ainda não vistos formalmente pelos alunos da 4ª série. Ao tentarem resolver esses problemas, o primeiro procedimento das duplas era utilizarem uma das operações que eles já conheciam. O experimentador perguntava sempre se a resposta encontrada era válida para o problema e pedia explicações sobre o que entenderam. Mas, como uma das regras do contrato didático diz que, quando o professor xxxxxxxx é porque algo não está certo, e quando ele não diz nada é porque está certo, esses questionamentos ao final de cada resolução faziam com que eles voltassem ao problema, pela desconfiança que a pergunta do experimentador causava. Eles diziam, por exemplo:
Art.: “Então, deve ser uma de divisão, porque é bem difícil”. Day.: “É, divisão de dois números...”
E passavam à tentativa de resolver por outra operação conhecida. Também procuravam palavras que servissem de pista.
Eles só começaram a utilizar outras estratégias quando o experimentador lembrou que eles podiam resolver de outras formas, que não precisava ser só através de contas: podiam desenhar, contar nos dedos etc. Mas, só partiam para essas estratégias quando esgotavam as possibilidades da utilização de contas.
A seguir, serão discutidas as estratégias que os alunos criaram ao resolverem esses problemas.
Problema do tijolo
“Um tijolo pesa um quilo mais meio tijolo. Quanto pesa um tijolo inteiro?”
Um tijolo
Meio
1 kg tijolo
Este problema poderia ser resolvido por estratégia do tipo algébrico, onde o aluno estabeleceria uma sentença com um termo desconhecido. Entretanto, esses alunos
ainda não trabalharam com álgebra. Por essa, entre outras razões que já foram citadas anteriormente, esse problema pode caracterizar-se como aberto, para essa turma.
Observa-se, em seguida, uma tabela com as respostas dadas pelas duplas e seus respectivos percentuais
Tabela 1
Respostas dadas ao problema aberto do tijolo e seus respectivos percentuais.
Respostas | % |
Um tijolo pesa dois quilos | 16 |
Um tijolo pesa um quilo e meio | 40 |
Um tijolo pesa um quilo | 8 |
Diferentes números sem aparente ligação com a proposta do problema | 24 |
Não responderam | 12 |
Neste problema optou-se pela análise das respostas e não das estratégias, diferentemente do que se fez para os demais, porque não foram apresentadas estratégias muito claras. Na maioria das vezes eles deram a resposta oralmente e muitos não conseguiram explicitar como chegaram a ela. Algumas estratégias vêm sendo discutidas ao longo dessa parte do texto.
Nesse problema, apenas 16% acertou a resposta. Mesmo assim, não se sentiram seguros. Quando foram questionados porque era aquela a resposta do problema, eles não conseguiram explicar. Isso pode levar à suposição de que, talvez, esses alunos não tenham se apropriado da lógica do problema.
As respostas foram bastante variadas: 40% afirmaram que um tijolo inteiro pesava um quilo e meio. Essa resposta nos permite supor que os alunos acreditavam que a resposta estava no próprio enunciado da questão, confundindo meio tijolo com meio quilo; 8% afirmaram que um tijolo pesava um quilo; 24% colocaram diferentes números, os quais, aparentemente, não têm ligação com o que o problema diz. Colocaram, por exemplo, 600g, 501g, 9 quilos, 3 quilos. Alguns desses perguntaram quantos gramas tem um quilo e quantos gramas tem meio quilo. Pode-se supor que eles tenham estudado noções de medidas, pois tentaram relacionar gramas com quilograma, mas, não sabiam bem como fazer essa relação; 12% não responderam a essa questão. Leram-na mas, como não compreenderam, mesmo após algumas discussões com o
colega e os questionamentos do experimentador, deixaram-na “para depois”, mas, não retornaram a ela, ou, quando retornaram também não conseguiram resolvê-la, deixando- a sem resposta.
Problema das vacas e galinhas
“Em uma fazenda existem vacas e galinhas, num total de 10 cabeças e 26 pés. Quantos animais de cada espécie existem na fazenda?”
No caso desse problema, seria necessário o conhecimento de sistemas de equações do 1º grau com duas incógnitas, porém esse conteúdo é trabalhado, apenas, na sexta série, por isso, ele se caracteriza como um problema aberto para as turmas de quarta série. Neste caso, podem aparecer diversas estratégias, considerando que o número total de animais é 10 e o total de pés é 26.
A tabela a seguir mostra as estratégias utilizadas nesse problema e seus respectivos percentuais.
Tabela 2
Estratégias de resolução do problema aberto das vacas e galinhas e respectivos percentuais.
Estratégias | % | |
Primeira tentativa | Fazer uma conta utilizando os números do enunciado | 100 |
Segunda tentativa | Mesmo após o questionamento, se satisfazem com a resposta encontrada na adição ou subtração | 16 |
Não conseguiu fazer | 4 | |
Desenhar os animais e distribuir os pés de diferentes formas, em várias tentativas | 76 | |
Xxxxx contas relacionadas à lógica do problema | 4 |
Das duplas trabalhadas, 100% iniciaram a resolução desse problema juntando os números e armando uma conta dos tipos:
26 26 26 : 10
+ 10 ou - 10 ou
36 16
Nesse caso, inicialmente, surgiram apenas esses procedimentos como forma de abordar o problema.
Quando o experimentador pediu para verificarem se a resposta era válida para o que o problema pedia e, também, que eles explicassem o que entenderam do problema, 84% dos alunos perceberam que era preciso tentar de outra forma. Os outros 16% satisfizeram-se com a resposta encontrada, via resolução de uma conta, utilizando os números do enunciado. As duplas que passaram a tentar de outras formas, continuaram tentando resolver através de contas. Só quando esgotaram todas as possibilidades de manipulação com aqueles números, foi que eles passaram a tentar de outras formas.
A estratégia que predominou, após a discussão sobre a compreensão do problema, foi o procedimento de distribuir os pés para os animais (76%). Entretanto, eles não tinham muita certeza sobre a forma de distribuição desses pés e muitos deles diziam: “são cinco galinhas e cinco vacas”. Quando o experimentador pedia para que eles vissem se agora dava certo, eles percebiam que passava da quantidade de pés, ou seja, essa hipótese atendia a um dos requisitos (10 animais), mas não atendia ao outro (26 pés). Começaram a desenhar e a redistribuir os pés para os diferentes animais. Do total das duplas, 68% conseguiram chegar à resposta.
Nesta estratégia de desenhar e distribuir os pés para os animais os alunos fizeram várias tentativas até chegarem à resposta. Por exemplo, a dupla Cla e Xxx assim como todas as outras, utilizou como primeira tentativa de resolução, uma conta com os números do enunciado (26+10=36). Entretanto, depois começaram a fazer novas tentativas. Primeiro, fizeram 5x2=10 e desenharam dez grupos de 4 (pés de vacas) e dez grupos de 2 (pés de galinha), mas verificaram que a quantidade total de pés ultrapassava os 26 total e passaram a fazer novas tentativas de resolução, distribuindo os pés para as vacas e galinhas, mas, sempre passava da quantidade total permitida pelo problema. Finalmente, após várias tentativas e várias discussões entre os dois, passaram a desenhar os dez animais e depois distribuíram os pés de dois em dois. Em seguida, completaram com os pés que sobraram, para, assim, completarem 26 pés para 10 cabeças.
Apenas 4% das duplas não utilizaram a estratégia desenho e resolveram através de contas. Essas duplas também iniciaram a resolução utilizando os números do enunciado para realizarem uma conta, tentando várias vezes. Quando perceberam que as respostas encontradas dessa forma não eram válidas para o que o problema pedia, passaram a discutir sobre quantos pés têm as galinhas e quantos têm as vacas. Fizeram,
então, novas tentativas de contas com o número 4 e o número 2, tentando organizar esses números de modo que conseguissem chegar aos 26 pés para os 10 animais.
Problema dos fazendeiros
“O fazendeiro gordo disse para o fazendeiro magro:
_ Eu tenho o dobro dos bois que você tem. O magro disse:
_ Nós dois juntos temos 39 bois. Quantos bois tem cada fazendeiro?”
Esse é um problema que pode ser resolvido, também, através de estratégias algébricas, como uma equação de 1º grau com uma incógnita, caso fosse proposto a uma turma de sétima série, por exemplo, constituindo-se, assim, em um problema fechado, pois os alunos saberiam qual estratégia matemática formal utilizariam para esse caso.
Apesar de ser aberto para alunos de 4ª série, ele apresenta características dos problemas comumente trabalhados na sala de aula, fazendo com que o aluno, de início, queira resolvê-lo através de contas, visto que até mesmo uma “pista semântica” ele traz: a expressão “o dobro”, o que pode levar o aluno a supor que se trata de uma multiplicação.
Tabela 3 Estratégias de resolução do problema aberto dos fazendeiros e seus respectivos percentuais.
Estratégias | % | |
Primeira tentativa | Multiplicar ou somar 39+39 | 68 |
Dividir 39 por 2 | 20 | |
Subtrair 2 de 39 | 4 | |
Não fez | 8 | |
Segunda tentativa | Desenhar os bois e distribuí-los para os fazendeiros | 28 |
Desenhar os bois, distribuí-los para os fazendeiros e relacionar o desenho a uma conta | 22 | |
Dividir 39 por 3 e dar uma parte para o magro e duas para o gordo | 11 | |
Dividir aleatoriamente 39 por vários números diferentes sem se dar conta da resposta encontrada | 17 | |
Tentativa e erro | 22 |
Nesse problema, a primeira tentativa de 68% das duplas foi a de fazer uma multiplicação. Eles diziam claramente: “É de multiplicar. Num tá vendo que aqui diz dobro?” (CrM). E, então, faziam:
39 ou 39
x 2 +39
78 78
Dessa forma, encontravam a seguinte resposta: “Cada um tem 78 bois”.
A estratégia inicial de 20% das duplas era de dividir 39 por 2. Grande parte delas também fez referência à palavra dobro. Outros 4% fizeram 39 menos 2, e 8% não fizeram qualquer tentativa.
Percebe-se que, se não houvesse questionamento do experimentador, eles dar-se- iam por satisfeitos com a resposta e passariam para outro problema, pois as regras já haviam sido cumpridas, ou seja, buscaram a pista, juntaram os números e fizeram uma conta, isto é, realizaram um cálculo numérico mas o cálculo relacional, as relações existentes no problema não foram feitas.
A partir do questionamento do experimentador, 72% das duplas voltaram ao problema para tentarem resolvê-lo, enquanto que o percentual restante se deu por satisfeito com a resposta encontrada na primeira tentativa.
Da quantidade de duplas que decidiram fazer outra tentativa de resolução, 28% utilizaram a estratégia de desenhar os bois (através de representações como bolinhas, palitinhos ou desenhos dos próprios bois,) e distribuí-los pelos fazendeiros.
Os 22% das duplas que resolveram fazer nova tentativa, fizeram conta junto com os desenhos. Por exemplo: eles desenham os 39 bois, distribuindo-os entre o gordo e o magro e, depois, fizeram uma conta para “resumir” aquela linguagem pictórica em linguagem matemática. Ou, como a dupla Xxx e Xxx que representou seu pensamento com a correspondência um a um, e dois a um, e, depois, fez uma conta para provar que sua resolução podia ser transformada em linguagem matemática.
Essa dupla iniciou tentando desenhar os bois e distribuir um para o magro e dois para o gordo, mas, desistiu antes de terminar a distribuição por desenho e passou a representar essa distribuição numericamente, colocando dez vezes o numeral 1, para o magro, e dez vezes o numeral 2, para o gordo. Percebendo que sobravam ainda, 9 bois, distribuíram em três vezes, o 1 para o magro e, em três vezes, o 2 para o gordo. Depois transformaram essa linguagem em linguagem matemática, fazendo 13+26=39.
A estratégia de continuar resolvendo através de contas continuou sendo utilizada por muitas duplas. Entretanto, apenas 11% realizaram a divisão de 39 por 3, como por exemplo a dupla Mail e Raf. Essa dupla fez algumas tentativas através do dobro e da divisão por 2. Após algumas discussões, chegaram à conclusão de que precisavam dividir por 3. Fizeram e encontraram 13 como resposta. A dupla demonstra que possivelmente percebeu que duas partes eram do gordo, fazendo 13x2=26, e a outra parte era do magro, somando aos 26 e encontrando 39, ou seja, o total de bois dos dois fazendeiros. Talvez essa dupla tenha se apropriado do significado do problema, pois ao obter como resultado o 13, percebeu que esse 13 precisava ser dobrado para chegar à quantidade de bois do fazendeiro gordo.
Contrariamente a essa ação, há 17% das duplas que realizaram a estratégia de fazer várias contas de divisão: por 2, por 3, por 4, por 5... Esses 17% conseguiram chegar à resposta ao dividirem 39 por 3, mas não percebendo que já tinham encontrado a resposta para o problema, continuaram tentando. Pode-se acreditar que, talvez, esses alunos não se apropriaram do significado do problema, pois quando encontraram o resultado, não o reconheceram.
Os outros 22% resolveram através da estratégia de tentativa e erro, experimentando estimativas, fazendo aproximações, retirando de uma quantidade e acrescentando na outra, enfim, tentando conseguir um número que seja o dobro do outro e que somado a esse outro, resulte em 39. Entretanto, poucas duplas conseguiram perceber essa relação. Quando encontravam qualquer número que, somado com o outro, resultasse em 39, acreditavam que tinham encontrado a resposta do problema.
CONCLUSÕES
Muitas vezes a interação social dificilmente ocorre na sala de aula e perde-se bastante do que poderia ser aproveitado a partir das discussões e trocas que os alunos são capazes de fazer quando são estimulados. Sabe-se que a interação não é uma prática que se adquire em um único momento, mas, uma prática que precisa ser construída no dia-a-dia. Como foi discutido no item sobre o contrato didático, viu-se que esse não estimula a interação no ambiente escolar, pois, muitas vezes, as discussões e trocas de idéias prejudicam o silêncio em sala de aula. Porém, no momento em que se estimula e se investe para que a interação aconteça, esta mostra-se bastante válida.
Como se percebe, as regras do contrato didático são bastante fortes, pois no início do trabalho o experimentador afirmou que, naquele momento, eles estavam livres
para resolverem aqueles problemas da forma que quisessem, que achassem melhor e mais fácil, poderiam desenhar, contar nos dedos etc. Mas, eles só se utilizaram das estratégias sugeridas pelo experimentador quando esgotaram-se as possibilidades de resolução através de contas. Ou seja, eles até conseguiram, de certa maneira, quebrar as regras do contrato didático, buscando compreender os problemas, tentando ver a validade de suas respostas e, algumas vezes, conseguindo desvencilhar-se das suas pistas semânticas.
Observou-se que ao resolver os problemas propostos, apesar de iniciarem com uma resolução obedecendo ao contrato didático normalmente estabelecido, os alunos desenvolveram interessantes estratégias de resolução. Os problemas abertos oferecem essa possibilidade de criarem-se diferentes caminhos, levantarem-se diferentes hipóteses sobre a resolução e sobre o resultado. Podem gerar interessantes reflexões sobre a matemática quando os alunos selecionam informações relevantes, integram e empregam conceitos e habilidades construídos anteriormente e ampliam seus conhecimentos para novas situações, além da possibilidade de iniciar um processo de quebra do contrato didático vigente em resolução de problemas matemáticos.
Palavras-chave: interação social, resolução de problemas, contrato didático.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
XXXXX, X. L’âge du capitaine, Paris : Seuil, 1985.
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