SEM REVISÃO
SEM REVISÃO
Os contratos de consumo – realidades sociojurídicas que se perspectivam sob novos influxos(*)
Xxxxx Xxxxx(**)
Professor – PA
I – Generalidades
Contratos de consumo são os que os fornecedores de produtos ou prestadores de serviços celebram com os consumidores, por estes se entenden- do, de harmonia com o nº 1 do artigo 2º da Lei do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de julho),
“todos aqueles a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.”
Os contratos de consumo espraiam-se por um sem número de domí-
nios.
Neles se abrangem
contratos imobiliários (em sentido amplo)
• compra e venda de coisa imóvel
• construção (empreitada)
• locação de imóveis (arrendamento/subarrendamento)
• hospedagem
contratos de fornecimento de produtos essenciais
• água
• energia eléctrica
• gás
contratos de prestação de serviços essenciais
• saúde
(*) Comunicação oral apresentada em Macapá a 24 de maio de 2000, a título de lição inaugural do II Congresso do Ministério Público da Região Amazónica.
(**) Professor convidado da Universidade de Paris XII, Professor Associado da Escola Superior do Ministério Público do Estado do Pará, Presidente da APDC – Associação Portuguesa de Direito do Consumo.
Obs.: Notas Explicativas no final do artigo.
• educação
• telecomunicações
• correios
• transportes públicos
• estradas/auto-estradas
contratos de prestação de serviços de interesse geral
• bancários
• seguros (obrigatórios, em particular)
contratos de financiamento
• crédito ao consumo
• cartões de crédito
• crédito à habitação
• em grupo (consórcio...)
contratos de compra e venda
• compra e venda em estabelecimento
• compra e venda fora de estabelecimento
• ao domicílio
• por correspondência
• a distância
• ambulante
contratos de aparcamento ou estacionamento contratos turísticos
• aquisição de direitos de habitação
• direito real de habitação periódica
• direito obrigacional de habitação turística
• cartões de acesso a serviços turísticos
• fruição de serviços turísticos
viagens turísticas
• viagens organizadas (pacotes de viagens)
• viagens por medida
Os contratos de consumo, ao invés do que ocorre com os con- tratos civis e com os contratos comerciais, perspectivam-se sob prin- cípios distintos dos que regem os distintos domínios do direito pri- vado.
Princípio primeiro que se redesenha na economia da disciplina de que ora se cura é o da igualdade material dos contaentes. Que os textos con- signam com a impressividade com que os manifestos desequilíbrios que se observam, impõem ou recomendam.
E, na realidade, no que tange ao direito português é o nº 1 do artigo 9º da Lei do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de julho) que de modo inequívoco o consagra:
“O consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes...”
No quadro do princípio que se invoca avulta, como corolário, o da reposição de equilíbrios ou do reequilíbrio das posições jurídicas de que se trata, como o que emerge do nº 8 do artigo 9º a que se alude, em tema de direito à protecção dos seus interesses económicos:
“Incumbe ao Governo adoptar medidas adequadas a assegurar o equi- líbrio das relações jurídicas que tenham por objecto bens e serviços essenci- ais, designadamente água, energia eléctrica, gás, telecomunicações e trans- portes públicos.”
O princípio da transparência é também, neste congenho, dominante. E a Lei do Consumidor, em que se acha plasmado, confere-lhe o de-
vido relevo:
“O fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto nas nego- ciações como na celebração de um contrato, informar de forma clara, objectiva e adequada o consumidor, nomeadamente, sobre características, composição e preço do bem ou serviço, bem como sobre o período de vigência do contrato, garantias, prazos de entrega e assistência após o negócio jurídico.”
A informação assume ou reveste neste particular papel de primeira plana, como se tem por elementar.
O princípio da boa-fé surge, pois, como princípio rector, estabelecen- do o legislador, de forma inequívoca, na projecção das negociações, a boa-fé como indissociável de qualquer processo, na esteira, de resto, do que procla- mava já o Código Civil no seu artigo 334:
“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda mani- festamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
Como no que às negociações exploratórias se contempla no Código Civil (cf. artigo 227):
“I – Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.
2 – ...”
Porém, no que tange ao direito do consumo (ou do consumidor, como se usa dizer no Brasil), é o artigo 9º da Lei do Consumidor que sem tergiversa- ções o assevera:
“O consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo... a lealdade e a boa fé, nos preli- minares, na formação e ainda na vigência dos contratos.”
E a Lei das Condições Gerais dos Contratos contempla tanto a ver- tente objectiva, como a subjectiva da boa-fé, como emerge do seu artigo 16: “...devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes
em face da situação considerada, e, especialmente:
a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procuran- do-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.”
Ou ainda no seu artigo 14º em que se enuncia:
“Se a faculdade prevista... não for exercida ou, sendo-o, conduzir a um desequilíbrio de prestações gravemente atentatório da boa-fé, vigora o regime da redução dos negócios jurídicos.”
Qualquer das vertentes é cabível e o princípio nem se esgota nem con- templa só a face objectiva a que tantos o reconduzem. Antes recobre o plano subjectivo que nas intenções dos contraentes se revê.
Outro dos princípios que os contratos de consumo postulam é o do “tratamento mais favorável do consumidor”, de que há afloramento em um sem número de contratos típicos, como no que tange às condições gerais dos contratos, a saber:
“I – As cláusulas contratuais gerais ambíguas tem o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real.
2 – Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente.
...”
Princípio que importa ainda reter é o que confere de modo expresso, em uma pluralidade de contratos, um período de ponderação e que é suscep-
tível de se apodar de princípio da reflexão (em que a precipitação a que se reconduzem tantas das negociações é susceptível de se temperar com a ponde- ração ou reflexão que é mister reintroduzir para que o consentimento seja fundado...).
Ora o princípio da reflexão traduz-se na outorga de um direito de arrependimento ou de desistência susceptível de contrapor ao operador mais hábil, mais ardiloso, mais poderoso, um lapso de tempo que permita se pon- dere sobre o bem ou o mal fundado do negócio que se intenta.
O princípio espraia-se, como na oportunidade se revelará, por um sem número de espécies contratuais típicas, como é o caso de:
– contrato de compra e venda ao domicílio (e seus equivalentes);
– contrato de compra e venda (e de prestações de serviços) por corres- pondência;
– contrato de compra e venda (e de prestação de serviços) à distância;
– contrato de crédito ao consumo;
– contrato de emissão de cartões de crédito;
– contrato de seguros;
– contrato de direito real de habitação periódica;
– contrato de direito de habitação turística (de sua natureza contra-
tual);
– contrato de base de cartões turísticos e de férias.
O princípio da segurança dos negócios jurídicos de consumo volve-se
no retorno do formalismo, como se se houvesse decretado a falência da pala- vra, veículo primacial de vinculação emergente da filosofia subjacente à Re- volução Francesa.
A generalidade dos contratos típicos de consumo subsume-se hodier- namente aos requisitos de forma, o que constitui acrescida segurança para o consumidor sob pena de nulidade do negócio.
O princípio da precaução consiste em acautelar os prejuízos eventu- almente decorrentes de um sem número de práticas em homenagem à seguran- ça dos consumidores.
Ademais, para além do que prescreve o artigo 5º da Lei do Consumi- dor, é o artigo 8º que, nos seus nºs 3 e 6(1) dispõe:
“– Os riscos para saúde e segurança dos consumidores que possam resultar da normal utilização de bens ou serviços perigosos devem ser comu- nicados, de modo claro, completo e adequado, pelo fornecedor ou prestador de serviços ao potencial consumidor.
– O dever de informar não pode ser denegado ou condicionado por invocação de segredo de fábrica não tutelado na lei, nem pode prejudicar o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais ou outra legislação mais fa- vorável para o consumidor”.
O princípio da precaução tem o seu domínio por excelência no plano do fornecimento de produtos e da prestação de serviços (alimentares), mas é óbvio que em outros campos o princípio também se afirmará já que a seguran- ça estende-se em extensão e profundidade a domínios outros.
O princípio da precaução constitui assim algo de vertebral no âmbito das relações jurídicas de consumo.(2)
II – Condições Gerais dos Contratos
A generalidade dos negócios jurídicos de consumo obedece aos mode- los de contratação de massa assentes em condições gerais de antemão elabora- das.
Os contratos singulares, celebrados, porém, com base em condições gerais pré-definidas, na análise que é mister efectuar para ajuizar da sua ade- quação às regras que preponderam neste particular, ter-se-ão de submeter a uma dúplice observação:
à análise formal e à análise material.
A análise formal
Cinco são os requisitos a que deve obediência, a saber:
– Cognoscibilidade – as cláusulas têm de ser comunicadas na ínte- gra, de modo adequado e com antecedência reputada indispensável ante a complexidade do seu conteúdo: tem de haver, por outro lado, informação acerca das cláusulas respectivas.
– Legibilidade – a apresentação gráfica das cláusulas conta: os caracteres têm de ser facilmente legíveis.
– Inteligibilidade – a redacção tem de ser precisa e clara e de molde a perceber-se o sentido e o alcance das cláusulas no contrato singular apostas.
– Contextualidade – as cláusulas pelo contexto em que surgem, pela epígrafe que as precede terão de conformar-se com a normalidade das situa- ções, não podendo passar despercebidas a um contraente normal colocado na posição de real aderente (ou seja, do concreto consumidor que adere às condi- ções gerais que constam, em geral, dos formulários).
– Vinculatividade – é preciso que a assinatura esteja a cobrir as cláu- sulas, ou seja, se encontre não antes, mas depois do clausulado do contrato singular, que se houver celebrado.
A sanção para a inobservância de qualquer dos requisitos é, por essên- cia factual: as cláusulas apostas nos contratos singulares são havidas por ex- cluídas (ou por não incluídas).
(Cf. artigo 8º da Lei das Condições Gerais dos Contratos de 25 de Outubro, como segue:
“Consideram-se excluídas dos contratos singulares:
a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do ar- tigo 5º;(3)
b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação,
de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo;
c) As cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um con- tratante normal, colocado na posição do contratante real;
d) As cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de al- gum dos contratantes.”).
As conseqüências jurídicas escalonar-se-ão, porém, de modo singelo
em:
– inexistência jurídica
– nulidade do contrato
– validade do contrato.
O contrato é juridicamente inexistente se nem sequer houver um
corpus susceptível de prefigurar um qualquer negócio jurídico.
Eleja-se, como exemplo, o de uma pretensa ficha estatística a que se pretendeu conferir a configuração de um contrato de compra e venda de imó- vel...
O contrato é nulo se, a despeito do esforço de recondução das normas supletivas ou do expediente de integração dos negócios jurídicos, houver uma indeterminação insuprível dos seus termos. (Cf. artigo 9º da LCGC, a saber:
“1 – Nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares man- têm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recur- so, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos.
2 – Os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa-fé”).
Ou como no artigo 13, em que se consagra:
“1 – O aderente que subscreva ou aceite cláusulas contratuais gerais pode optar pela manutenção dos contratos singulares, quando algumas des- sas cláusulas sejam nulas.
2 – A manutenção de tais contratos implica a vigência na parte afectada,(4) das normas supletivas aplicáveis com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos.”
O contrato é válido se forem coroados de sucesso os esforços de integração a que se alude.
Análise material
Se em decorrência da análise formal se concluir pela validade do con- trato, há que proceder à análise material, ou seja, à verificação de conformida- de das cláusulas singulares (decalcadas das condições gerais) com as listas negras e cinzentas constantes da lei e, por fim, com o princípio geral da boa- fé, tal como já recortado noutro passo.
Em primeiro lugar, importa averiguar-se se as cláusulas singulares são
ou não nulas (valendo, entretanto, o contrato) à luz das listas negras.
As listas negras aplicáveis aos contratos celebrados com os consumi- dores comportam, de forma meramente exemplificativas, as seguintes prescri- ções:(5) (6)
“Condições gerais que:
– Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilida- de por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas;
– Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilida- de por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros;
– Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilida- de por não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou de culpa grave;
– Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilida- de por actos de representantes ou auxiliares, em caso de dolo ou de culpa grave;
– Confiram, de modo directo ou indirecto, a quem as predisponha, a faculdade exclusiva de interpretar qualquer cláusula do contrato;
– Excluam a excepção de não cumprimento do contrato ou a resolução por incumprimento;
– Excluam ou limitem o direito de retenção;
– Excluam a faculdade de compensação, quando admitida na lei;
– Limitem, a qualquer título, a faculdade de consignação em depósito, nos casos e condições legalmente previstos;
– Estabeleçam obrigações duradouras perpétuas ou cujo tempo de vi- gência dependa apenas da vontade de quem as predisponha;
– Xxxxxxxxx, a favor de quem as predisponha, a possibilidade de cessão da posição contratual, de transmissão de dívidas ou de subcontratar, sem o acordo da contraparte, salvo se a identidade do terceiro constar do contrato inicial;
– Limitem ou de qualquer modo alterem obrigações assumidas, na contratação, directamente por quem as predisponha ou pelo seu representante;
– Confiram, de modo directo ou indirecto, a quem as predisponha, a faculdade exclusiva de verificar e estabelecer a qualidade das coisas ou servi- ços fornecidos;
– Permitam a não correspondência entre as prestações a efectuar e as indicações, especificações ou amostras feitas ou exibidas na contratação;
– Excluam os deveres que recaem sobre o predisponente, em resultado de vícios da prestação, ou estabeleçam, nesse âmbito, reparações ou indemnizações pecuniárias predeterminadas;
– Atestem conhecimentos das partes relativos ao contrato, quer em aspectos jurídicos, quer em questões materiais;
– Alterem as regras respeitantes à distribuição do risco;
– Modifiquem os critérios de repartição do ónus da prova ou restrin- jam a utilização de meios probatórios legalmente admitidos;
– Excluam ou limitem de antemão a possibilidade de requerer tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre os contratantes ou preve- jam modalidades de arbitragem que não assegurem as garantias de procedi- mentos estabelecidas na lei.
As listas cinzentas (ou cinza, como se diz no Brasil) comportam as seguintes cláusulas, que e têm como que feridas de nulidade, ainda que segun- do o quadro negocial padronizado. Ou seja, em função do efectivo quadro negocial, em que sobressaiam sujeitos e objecto mediato.
As listas cinzentas poder-se-ão registrar de modo seguinte:(7)
“Condições gerais que:
– Estabeleçam, a favor de quem as predisponha, prazos excessivos para a aceitação ou rejeição de propostas;
– Estabeleçam, a favor de quem as predisponha, prazos excessivos para o cumprimento, sem mora, das obrigações assumidas;
cir;
– Consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressar-
– Imponham ficções de recepção, de aceitação ou de outras manifesta-
ções de vontade com base em factos para tal insuficientes;
– Façam depender a garantia das qualidades da coisa cedida ou dos serviços prestados, injustificadamente, do não recurso a terceiros;
– Coloquem na disponibilidade de uma das partes a possibilidade de denúncia, imediata ou com pré-aviso insuficiente, sem compensação adequa- da, do contrato, quando este tenha exigido a contraparte investimentos ou outros dispêndios consideráveis;
– Estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem;
– Xxxxxxxxx, a favor de quem as predisponha, a faculdade de modifi- car as prestações, sem compensação correspondente as alterações de valor verificadas;
– Limitem, sem justificação, a faculdade de interpelar;
– Prevejam prazos excessivos para a vigência do contrato ou para a sua denúncia;
– Permitam, a quem as predisponha, denunciar livremente o contrato, sem pré-aviso adequado, ou resolvê-lo sem motivo justificativo, fundado na lei ou em convenção;
– Atribuam a quem as predisponha o direito de alterar unilateralmen- te os termos do contrato, excepto se existir razão atendível que as partes te- nham convencionado;
– Estipulem a fixação do preço de bens na data da entrega, sem que se dê à contraparte o direito de resolver o contrato, se o preço final for excessiva- mente elevado em relação ao valor subjacente às negociações;
– Permitam elevações de preços, em contratos de prestações sucessi- vas, dentro de prazos manifestamente curtos, ou, para além desse limite, ele- vações exageradas, sem prejuízo do que dispõe o artigo 437º do Código Civil;
– Impeçam a denúncia imediata do contrato quando as elevações dos preços a justifiquem;
– Afastem, injustificadamente, as regras relativas ao cumprimento de- feituoso ou aos prazos para o exercício de direitos emergentes dos vícios da prestação;
– Imponham a renovação automática de contratos através do silêncio da contraparte, sempre que a data limite fixada para a manifestação de vonta-
de contrária a essa renovação se encontre excessivamente distante do termo do contrato;
– Confiram a uma das partes o direito de pôr termo a um contrato de duração indeterminada, sem pré-aviso razoável, excepto nos casos em que este- jam presentes razões sérias capazes de justificar semelhante atitude;
– Impeçam, injustificadamente, reparações ou fornecimentos por ter-
ceiros;
– Imponham antecipações de cumprimento exageradas;
– Estabeleçam garantias demasiado elevadas ou excessivamente one-
rosas em face do valor a assegurar;
– Fixem locais, horários ou modos de cumprimento despropositadas ou inconvenientes;
– Exijam, para a prática de actos na vigência do contrato, formalida- des que a lei não prevê ou vinculem as partes a comportamentos supérfluos, para o exercício dos seus direitos contratuais.
Há, porém, excepções.(8) Não se proíbem as que:
– Concedam ao fornecedor de serviços financeiros o direito de alterar a taxa de juro ou o montante de quaisquer outros encargos aplicáveis, desde que correspondam a variações do mercado e sejam comunicadas de imediato, por escrito, à contraparte, podendo esta resolver o contrato com fundamento na mencionada alteração;
– Atribuam a quem as predisponha o direito de alterar unilateralmen- te o conteúdo de um contrato de duração indeterminada, contanto que se pre- veja o dever de informar o contraparte com pré-aviso razoável e se lhe dê a faculdade de resolver o contrato.
Um dos exemplos marcantes neste domínio (daí a relatividade da proi- bição, conquanto as cláusulas se achem feridas de nulidade, que não de anulabilidade) é o que se prende com o pacto (?) de aforamento ou, com maior propriedade, a cláusula de aforamento.
Ora, a cláusula pode ser válida se, por exemplo, o foro imposto for o de S. Xxxxx para os que aí tenham o seu domicílio ou residência, mas já não para os que a tenham no Rio de Janeiro ou em qualquer outro lugar. Para estes, a cláusula será nula. Daí a relatividade da proibição em abstracto: váli- da para os consumidores domiciliados em S. Xxxxx, nula para os mais pelos prejuízos incomportáveis que acarreta...
A regra da boa-fé
Se as cláusulas apostas nos contratos singulares se não acharem feri- das de nulidade por se inserirem nas listas negras e cinzentas, sempre poderão colidir com a boa-fé, na dúplice versão em que se analisam, como se assina- lou, a saber:
Dimensão A objectiva
“A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular cele- brado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
Dimensão A subjectiva
O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.”
Daí que importe esquadrinhá-las de molde a verificar se a nulidade provém da afronta à boa-fé negocial neste passo sufragada.
E só assim se concluirá a análise de um contrato de jaez destes, em um enquadramento metodologicamente correcto, quanto se nos afigura.
III – O direito de arrependimento ou desistência nos contratos de consumo
Os contratos de consumo obedecem, em regra, na sua celebração, aos requisitos de fundo e de forma.
De entre os requisitos de fundo avultam os da capacidade, consenti- mento, objecto e causa.
Se nos ativermos só e tão só ao consentimento, importa significar que, ao invés do que ocorre nos contratos civis e nos comerciais, os contratos de consu- mo exigem a observância não só da perfeição do consentimento e da liberdade (livre de erro, dolo e coacção), mas impõe ainda o esclarecimento e a pondera- ção; no esclarecimento confluem todos os elementos relevantes da informação.
O consumidor só pode contratar se munido dos elementos adequados a uma vinculação esclarecida.
Na ponderação avulta, em um sem número de situações, um período de reflexão dentro do qual o consumidor poderá ajuizar das vantagens ou des- vantagens de manter o contrato já celebrado (como que em regime de provisoriedade).
É claro que nem todos os contratos são assistidos de um período de reflexão porque as circunstâncias em que são celebrados não envolvem as cautelas que a lei põe em evidência em situações determinadas.
De resto, a Lei do Consumidor de 31 de julho de 1996 estabelece no seu nº 7 do artigo 9º o que segue:
“Sem prejuízo de regimes mais favoráveis, nos contratos que resultem da iniciativa do fornecedor de bens ou do prestador de serviços fora do esta- belecimento comercial, por meio de correspondência ou outros equivalentes, é assegurado ao consumidor o direito de retractação, no prazo de sete dias úteis a contar da data da recepção do bem ou da conclusão do contrato de prestação de servi;os”.(9)
No que toca, porém, ao esclarecimento é o nº 4 do artigo 8º que pres-
creve:
“Quando se verifique falta de informação, informação insuficiente,
ilegível ou ambígua que comprometa a utilização adequada do bem ou do serviço, o consumidor goza do direito de retractação do contrato relativo à sua aquisição ou prestação, no prazo de sete dias úteis a contar da data de recepção do bem ou da data de celebração do contrato de prestação de ser- viços.”
No domínio da forma, o que se observa actualmente é o retorno ao formalismo, ou sejam os contratos, em lugar de obrigarem pela palavra, vin- culam por escrito. Há um número crescente de contratos típicos a exigir es- crito particular, documento particular. Sob pena de nulidade, por força de dis- posições próprias do Código Civil. E, na verdade, o diploma dispõe no art. 220º o que segue:
“A declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei”.
O Código Civil define ainda que “os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor, ou por outrem a seu rogo, se o rogante não sou- ber ou não puder assinar”.
No que toca, porém, ao direito de arrependimento susceptível de ser exercido pelo consumidor, importa significar que o fato nem sequer é de surgimento recente.
Já o Código Civil prevê duas modalidades de venda a contento e a
venda sujeita a prova.(10)
Quer dizer, a compra e venda pode ser efectuada sob reserva de a coisa agradar ao comprador e, a não acontecer isto, ou a proposta não é aceite ou o negócio se desfaz.
Outrotanto se diga na venda a retro em que é o vendedor que pode desfazer o negócio.(11)
A lei diz que a venda a retro é aquela em que se reconhece ao vende- dor a faculdade de resolver o contrato. E resolver é fazer cessar, é extinguir.
O direito ao arrependimento e desistência surge, porém, ligado a
contratos de consumo com características peculiares, v.g.,
• contrato de compra e venda ao domicílio (e equiparados)
• contrato de compra e venda (e de prestações de serviços) por corres- pondência
• contrato de compra e venda (e de prestação de serviços) à distância
• contrato de crédito ao consumo
• contrato de emissão de cartões de crédito
• contato de seguros
• contrato de aquisição de direito real de habitação periódica (“time sharing”)
• contrato de aquisição de direito obrigacional de habitação turística
• contato de base de cartões turísticos ou de férias
O direito de arrependimento ou de desistência consiste em o consu- midor dar o dito por não dito em um período determinado, estabelecido por lei ou concedido pelos fornecedores.
Os prazos estabelecidos por lei não são uniformes.
Há prazos de sete dias úteis, como há prazos de dez dias úteis, conso- ante os contratos de que se trata.
É vulgar a lei denominar tal direito como de retractação (do verbo retractar, dar o dito por não dito, desfazer, voltar atrás).
Porém, o direito de arrependimento ou de desistência surge, por vezes, com outras denominações: direito de resolução, direito de revogação da declaração inicial...
O direito de arrependimento ou de desistência é cometido ao consu- midor (que não aos fornecedores ou prestadores de serviços) e paradigmático é o artigo 4º do DL nº 272/87, de 3 de julho:
“1 – O consumidor pode resolver o contrato dentro do prazo de sete dias úteis contados da data da sua assinatura ou deste esta última e até sete dias úteis ulteriores à entrega da mercadoria, se esta for posterior.
2 – O consumidor deve ser informado, por escrito, pelo outro contraente do direito a que se refere o número anterior:
a) No momento da conclusão do contrato, nos casos referidos nos nºs 1 e 2 do artigo 1º;
b) Até ao momento da conclusão do contrato, nos casos referidos nos nºs 3 e 4 do artigo 1º;
c) Nos casos previstos no nº 5 do artigo 1º, quando a proposta de contrato é feita pelo consumidor.
3 – Os prazos previstos no nº 1 podem ser alargados por acordo entre as partes.
4 – Têm-se por não escritas as cláusulas que estabeleçam a renúncia aos direitos previstos nos números anteriores, assim como as que estipulem uma indemnização ou penalização de qualquer tipo no caso de o consumidor exercer aqueles direitos.”
As características do direito de arrependimento ou de desistência
são, em princípio, as que segue:
• imotivabilidade, ou seja, não carece de motivação ou fundamenta-
ção;
• irrenunciabilidade, i.é, o direito é irrenunciável não podendo ser
afastado por convenção das partes ou derrogado por iniciativa do predisponente;
• inindemnizabilidade, quer dizer, pelo seu exercício não há que fazer com que o consumidor suporte qualquer custo ou encargo, que seria sempre penalizador e, nessa medida, constituiria obstáculo à sua sustentação.
O direito de arrependimento ou de desistência tem sido ocultado ao consumidor em inúmeros contratos.
Mas se não constar do documento tal direito, o contrato será, em princí- pio, nulo, isto é, não vale a título nenhum nem terá qualquer efeito. E a nulidade pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e ser conhecida ofici- osamente pelo tribunal em caso de acção judicial. E diz-se em princípio porque o contrato poderá ser anulável se a lei expressamente o disser.
O direito de arrependimento ou de desistência protege, dessa for- ma, o consumidor. Contra a sua ligeireza, leviandade ou precipitação! Já que, em circunstâncias determinadas, é freqüente o aproveitamento consciente de situações de inexperiência, dependência psicológica, candura, inocência por parte de operadores económicos menos escrupulosos.
Eis, pois, os traços que o dominam, nas vertentes novas do direito novo que a generalidade dos operadores jurídicos ignora.
Notas Explicativas
(1) Cf. o artigo 5º da Lei do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de julho) que define:
“1 – É proibido o fornecimento de bens ou a prestação de serviços que, em condições de uso normal ou previsível, incluindo a duração, impliquem riscos incompatíveis com a sua utilização, não aceitá- veis de acordo com um nível elevado de protecção da saúde e da segurança física das pessoas.
2 – Os serviços da Administração Pública que, no exercício das suas funções, tenham conheci- mento da existência de bens ou serviços proibidos nos termos do número anterior devem noti- ficar tal facto às entidades competentes para a fiscalização do mercado.
3 – Os organismos competentes da Administração Pública devem mandar apreender e retirar do mercado os bens e interditar as prestações de serviços que impliquem perigo para a saúde ou segurança física dos consumidores, quando utilizados em condições normais ou razoavel- mente previsíveis.”
(2) Cf. ainda os DL’s nºs 213/87, de 28 de maio e 311/95, de 20 de novembro.
(3) Cf. o artigo 5º do DL nº 446/85, de 25 de outubro, que estipula o que segue:
“1 – As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2 – A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3 – O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.”
(4) Cf. artigo 8º da Lei das Condições Gerais dos Contratos como antecede.
(5) Cf. artigos 18 e 21 do DL nº 446/85, de 25 de outubro, com alterações posteriores.
(6) No ordenamento jurídico brasileiro não se colhe a perspectiva neste passo em realce. Não há distinção no Código, entre condições gerais absolutamente proibidas e relativamente proibidas (cf. art. 51). Conquanto a jurisprudência faça uma tal distinção.
(7) Cf. artigo 19 e 22 do DL nº 446/85, de 25 de outubro, com alterações posteriores.
(8) Cf. nºs 2, 3 e 4 do artigo 22 do DL nº 446/85, de 25 de outubro, com alterações posteriores.
(9) Cf. o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, em vigor no Brasil, segundo o qual “O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvi- dos, de imediato, monetariamente actualizados.”
(10) Cf. os artigos 923 e seguintes do Código Civil de 1966, como segue:
Artigo 923 (Primeira modalidade de venda a contento)
“1 – A compra e venda feita sob reserva de a coisa agradar ao comprador vale como proposta de venda.
2 – A proposta considera-se aceita se, entregue a coisa ao comprador, este não se pronunciar dentro do prazo da aceitação, nos termos do nº 1 do artigo 228º.
3 – A coisa deve ser facultada ao comprador para exame.”
Artigo 924 (segunda modalidade de venda a contento)
“1 – Se as partes estiverem de acordo sobre a resolução da compra e venda no caso de a coisa não agradar ao comprador, é aplicável ao contrato o disposto nos artigos 432 e seguintes.
2 – A entrega da coisa não impede a resolução do contrato.
3 – O vendedor pode fixar um prazo razoável para a resolução, se nenhum for estabelecido pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos.”
Artigo 925 (venda sujeita a prova)
“1 – A venda sujeita a prova considera-se feita sob a condição suspensiva de a coisa ser idônea para o fim a que é destinada e ter as qualidades asseguradas pelo vendedor, excepto se as partes a subordinarem a condição resolutiva.
2 – A prova deve ser feita dentro do prazo e segundo a modalidade estabelecida pelo con- trato ou pelos usos; se tanto o contrato como os usos forem omissos, observar-se-ão o prazo fixado pelo vendedor e a modalidade escolhida pelo comprador, desde que sejam razoáveis.
3 – Não sendo o resultado da prova comunicado ao vendedor antes de expirar o prazo a que se refere o número antecedente, a condição tem-se por verificada quando suspensivas, e por não verificada quando resolutiva.
4 – A coisa deve ser facultada ao comprador para prova.”
Artigo 926 (Dúvidas sobre a modalidade da venda)
“Em caso de dúvida sobre a modalidade de venda que as partes escolheram, de entre as previs- tas nesta secção, presume-se terem adoptado a primeira.”
(11) Cf. artigo 927 do Código Civil de 1966.