FACULDADE CEARENSE CURSO DE DIREITO
FACULDADE CEARENSE CURSO DE DIREITO
XXXXXXX XXXXX XXXXX XXXXXXX
FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO: O CONTRATO DE SEGURO E OS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS
FORTALEZA 2013
FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO: O CONTRATO DE SEGURO E OS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS
Monografia submetida à aprovação da Coordenação do Curso de Direito da Faculdade Cearense, como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação.
Orientadora: Profª. Esp. Xxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx
FORTALEZA 2013
M835f Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx
Função social do contrato: o contrato de seguro e os princípios contratuais / Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx. Fortaleza – 2013.
45f.
Orientador: Profª. Esp. Xxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade
Cearense, Curso de Direito, 2013.
1. Contratos. 2. Princípios contratuais. 3. Função social. 4. Contrato de seguro. 5. Direito civil I. Xxxxxxx, Xxx Xxxxx Xxxxxxx. II. Título
CDU 347.44
Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274
FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO: O CONTRATO DE SEGURO E OS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS
Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Direito, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores.
DATA DE APROVAÇÃO
/ /
BANCA EXAMINADORA
Professora Esp. Xxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Orientador temático e metodológico
Professor Ms. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Examinador
Professora Esp. Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Examinador
A Deus e à minha família pelo eterno incentivo.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço a Deus, fonte de vida e libertação, que me “embebeda” todos os dias com seu amor e me faz acreditar que devemos lutar para vivermos num mundo mais justo, mais humano e mais fraterno, crença esta que me mantém em pé todos os dias de minha vida. Sem Ele, não estaria aqui.
Ao concretizar este sonho, lembro-me de todos aqueles que contribuíram direta ou indiretamente para tão importante conquista pessoal e profissional. A estas pessoas, presto minha homenagem e demonstro meu reconhecimento, pois tal conquista não seria possível sem cada uma delas.
Em especial, aos meus pais, Xxxxxx e Xxxxxxxxx, por me presentearem com simplicidade e ensinarem a ter gosto pela vida, inculcando valores sem os quais jamais teria me tornado a pessoa que sou hoje. Ao meu pai, sou grata pelo incentivo e crença na minha capacidade de ser uma operadora do Direito, bem como pelo apoio financeiro. À minha mãe, pelas inúmeras vezes que assumiu o papel de “avó- mãe ou mãe-avó”, pois muitas vezes foi auxílio, colo e suporte no cuidado dispensado ao meu filho quando, a sala de aula e o meu lado profissional gritavam mais alto e exigiam que eu estivesse ausente. Obrigada papai e mamãe, por tantas noites de sono tardio à minha espera, pelo apoio afetivo e material em todo esse processo. A vocês, não tenho e nunca teria palavras suficientes para expressar o quanto sou consciente e agradecida por tudo que fizeram e fazem por mim.
Ao meu filho, Xxxx Xxxxxxx, o maior presente que a vida me deu e que me faz crescer como pessoa. Xxxxxxxx sua compreensão devido à minha ausência, por ser meu maior motivador. Se, por muitas vezes pensei em desistir, foi em ti que pensei quando imaginei os frutos que essa conquista poderia trazer. O amor que sinto por você me deu força para enfrentar o presente e continuar pensando no amanhã. Essa conquista também é para você, meu filho!
Ao meu irmão, Xxxxxx Xxxxxx, pela preocupação, cuidado, apoio financeiro, e, principalmente, pela certeza plena da companhia constante e o sentimento de que não estava sozinha nesta batalha.
A todos os meus professores, que foram parte integrante, além de essenciais à minha trajetória acadêmica, pelos ensinamentos que instigaram e fomentaram minhas reflexões a respeito do Direito, no sentido de buscar a materialização de outro tipo de sociedade, ainda utópica, mas, sobretudo, sem abandonar o pensamento reflexivo e contestador.
À minha professora e orientadora, Xxx Xxxxx, pelo exemplo de docência e pela imensa contribuição e dedicação para com este trabalho, sempre de maneira muito receptiva e solidária.
Aos colegas de trabalho e colegas da faculdade, com toda a certeza todos acrescentaram muito à minha pesquisa e minha vida.
“Se os fracos não têm a força das armas, que se armem com a força do seu direito, com a afirmação do seu direito, entregando-se por ele a todos os sacrifícios necessários para que o mundo não lhes desconheça o caráter de entidades dignas de existência na comunhão internacional”.
Xxx Xxxxxxx
Este trabalho apresenta o contrato como sendo um instituto de importância fundamental para o direito e para a sociedade, tendo em vista o fato de que, todos, em cada momento de nossas vidas, celebramos contratos. Deste modo, o presente estudo objetivou tecer considerações sobre os pressupostos e requisitos do contrato no ordenamento jurídico brasileiro, tendo como base os princípios sociais do contrato. Para tratar da nova legislação pautada no princípio da função social, propôs-se realizar um breve estudo sobre a temática pertencente ao Direito contratual, visando compreender o papel dos contratos de seguro através dos princípios contratuais, procurando observar e analisar informações relevantes acerca do contexto em que os contratos são operacionalizados juridicamente, além de discorrer sobre a evolução e a importância desta espécie de fato jurídico. A partir da delimitação do tema, estabeleceu-se como método de pesquisa o levantamento bibliográfico e documental com o intuito de aprofundar conhecimentos prévios, bem como promover novas reflexões, visto que os substratos teóricos concernentes ao assunto motivaram o estudo. Pretendeu-se ainda discutir o papel da função social como instrumento para o Estado fazer valer suas ideias e interesses.
Palavras-chave: Contrato. Princípios contratuais. Função social. Contrato de seguro. Direito Civil.
This work presents the contract as an institute of fundamental importance to the law and society, in view of the fact that everyone, at every moment of our lives, entered into contracts. Thus, this study aimed to make considerations about the assumptions and requirements of the contract in the Brazilian legal system, based on the principles of the social contract. To deal with the new legislation guided on the principle of social function, proposed to make a brief study on the issue pertaining to contract law, aiming to understand the role of insurance contracts through contract principles, seeking to observe and analyze relevant information about the context in that contracts are legally operationalized, and discuss the evolution and importance of this kind of legal fact. From the definition of the subject, it was established as a method to search the literature and documentation in order to deepen prior knowledge and promote new thinking, since the substrates theorists concerning the matter led the study. Second aim was to discuss the role of social function as an instrument for the state to enforce their ideas and interests.
Keywords: Contract. Contract principles. Social function. Insurance contract. Civil Law.
2 DOS CONTRATOS EM GERAL: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA E CONCEITUAL 14
2.1 ORIGENS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA 14
2.3 REQUISITOS PARA VALIDAÇÃO 17
2.3.1 A capacidade das partes. 19
2.3.2 Idoneidade do objeto 20
2.3.3 O consentimento 20
3 DOS PRINCÍPIOS SOCIAIS DO CONTRATO 21
3.1 PRINCÍPIOS CLÁSSICOS CONTRATUAIS 24
3.1.1 Princípio da autonomia da vontade 24
3.1.2 Princípio do consensualismo 25
3.1.3 Princípio da obrigatoriedade da convenção 25
3.1.4 Princípio da relatividade dos efeitos do contrato 26
3.1.5 Princípio da boa-fé objetiva 26
3.2 FUNÇÃO SOCIAL COMO PRINCÍPIO 27
3.2.1 A função social do contrato 29
4.4 NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO DE SEGURO 35
4.5 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO DE SEGURO 36
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 39
1 INTRODUÇÃO
A presença de novos paradigmas e de contínuas mudanças na forma de organização e constituição da sociedade contemporânea evidenciaram, consoante com o Estado Social em que vivemos, a premente necessidade de abandonar velhas convenções e valores liberais instituídos nos séculos XVIII e XIX, no que diz respeito às relações econômicas e contratuais estabelecidas. Foi a partir do aumento da complexidade da vida humana e da consolidação de um novo modelo mais rigoroso no que concerne à adoção de métodos intervencionistas para controlar bens materiais e serviços pelo Estado que moldou-se, por motivos de carência de uma doutrina que contemplasse as funções sociais da propriedade, uma fundamentação legal com delimitações específicas acerca da função do contrato.
Tais inovações e interferências causaram na matéria alterações no foco e deram um novo ensejo ao antigo Direito Contratual, em especial às normas constitucionais. Se antes, as relações humanas, principalmente na esfera econômica, eram caracterizadas por uma orientação individualista baseada na ideia de que “todos eram livres para regerem suas vidas de acordo com a própria conveniência, apesar de a realidade ser marcada por profundas diferenças sociais e econômicas” (XXXXX & SLVA, 2012, p.2), hoje, podemos observar a função social do contrato como formalização jurídica destas operações econômicas, visto que devem ser reguladas pelo Direito e examinadas à luz dos princípios sociais e fundamentais que determinam a conjugação entre os interesses particulares e públicos.
Assim, a única interpretação ou interferência pública na esfera da liberdade privada das partes, é aquela que contrapõe uma interpretação subjetiva do contrato à tendência moderna da interpretação objetiva das cláusulas contratuais. Com isso, passa a ser necessário elaborar um juízo de utilidade social, que busque um controle prático dos negócios jurídicos e que vá além do controle superficial dos vícios possivelmente existentes, colocando em julgamento a própria validade social do ato, se o mesmo merecer tutela jurídica.
O contrato, portanto, como instrumento jurídico indispensável, destaca-se e encontra-se alicerçado na função social da propriedade garantida pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inc. XXII e art. 170, inc. III, como um direito fundamental, quanto em suas consequências fáticas para os contratantes, e principalmente, em sua repercussão na coletividade, pois dentro da teoria contemporânea o Direito contratual
[...] ocupa papel relevante o princípio da função social do contrato, por meio do qual as partes devem exercer a sua liberdade de contratar de modo a respeitar os interesses da coletividade e da justiça social. Deixando para trás a visão individualista, e abrindo a porta para o solidarismo constitucional, o contrato deixa de atender somente aos interesses das partes, e passa a ser de interesse de toda sociedade, atendendo duas novas demandas: i) em relação ao terceiro, que sofre um dano decorrente do inadimplemento do contrato – regime de responsabilidade solidária; ii) em relação ao terceiro que contribui para o inadimplemento contratual, prejudicando uma das partes – tutela externa do crédito. A tutela externa do crédito reflete o princípio da função social do contrato tendo em vista que os terceiros devem respeitar o contexto social criado pelo contrato, devendo até se abster em situações que podem levar ao inadimplemento contratual. (XXXXX, s/d, n. p.)
Diante disso, depreende-se que na interpretação atual, os interesses sociais das partes devem ser protegidos na medida em que os valores sociais relevantes sejam protegidos, assim como os interesses privados também devem atender aos interesses sociais no âmbito da atividade econômica, com reflexos na ordem contratual. Concomitantemente, a proteção dos interesses privados não incide apenas na liberdade das partes de contratar, mas nos efeitos externos do contrato diante da nova ordem pública contratual.
Com a revogação do Código Civil de 1916 e a promulgação do novo Código Civil brasileiro em 2002, evidenciou-se as mudanças no regime jurídico aplicável às relações contratuais quanto a função social dos contratos, no que tange à adaptação das normas do direito privado e foram adotados alguns institutos que trouxeram expressivas mudanças nas regras de direito contratual, a saber: os institutos da lesão e do estado de perigo, a banalização da desconsideração da personalidade jurídica, a possibilidade de resolução contratual por onerosidade excessiva e a nova limitação na liberdade de contratar, que fica subjugada à função social dos contratos. O novo Código Civil também normatizou a possibilidade de uma das partes requerer a resolução ou revisão dos termos de um contrato, caso a prestação de uma parte se tornar excessivamente
onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.
Para tratar da nova legislação pautada no princípio da função social, propôs-se realizar um breve estudo sobre a temática pertencente ao Direito contratual, objetivando compreender o papel dos contratos de seguro através dos princípios contratuais, buscando tecer algumas considerações sobre o contexto em que os contratos são operacionalizados juridicamente, além de discorrer sobre a evolução e a importância desta espécie de fato jurídico.
Quanto à sua estrutura, o trabalho monográfico apresenta-se da seguinte maneira:
No primeiro capítulo, damos início às nossas considerações iniciais a respeito do tema abordado na pesquisa e contextualizamos o assunto desenvolvido. No segundo capítulo, temos uma síntese da origem e surgimento do contrato, analisando sua função específica na delimitação da propriedade, bem como expomos alguns elementos que fornecem uma base para a conceituação e validação dos requisitos ou pressupostos essenciais ao seu emprego legal.
No terceiro capítulo, mostramos quais são os princípios que regem as relações contratuais. Discorremos sobre os princípios clássicos da autonomia da vontade, do consensualismo, da obrigatoriedade da convenção, da relatividade dos efeitos e da boa- fé objetiva, culminando na apresentação da função social como princípio norteador.
No quarto capítulo, faremos um breve retrospecto sobre a evolução do contrato de seguro, observando aspectos inerentes à sua natureza jurídica em relação à função social. No quinto capítulo, expomos nossas considerações finais sobre o tema desenvolvido na pesquisa.
2 DOS CONTRATOS EM GERAL: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA E CONCEITUAL
Assim como a influência do Direito Contratual para a evolução do Direito Civil é inegável, também é a importância social e econômica dos contratos. Sua evolução teórica acompanhou os avanços do próprio Direito Civil e Constitucional. A seguir, proporcionamos uma concisa retrospectiva do processo evolutivo dos contratos e apresentamos alguns conceitos relativos à sua concepção para compreendermos sua delimitação.
2.1 ORIGENS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA
O contrato surgiu nos primórdios, quando o ser humano percebeu que para a vida em sociedade era necessário abdicar de alguns direitos para que pudesse viver harmonicamente. Ou seja, o contrato originou-se como garantia para o cumprimento de uma obrigação. O matemático, teórico político, e filósofo inglês, Xxxxxx Xxxxxx, evidencia em sua obra Leviatã, a passagem do “estado de natureza” para o “estado político” com o surgimento dos contratos, mostrando que os contratos surgem como uma forma de garantir os direitos de cada indivíduo na realização de um negócio, caracterizando-se por uma transferência mútua de direitos e deveres, característica imprescindível para a realização da finalidade daquele negócio (XXXXXX, 2008).
Para que houvesse uma maior garantia, era preciso que fosse criado um instituto que viesse regular de forma a não causar grandes desvantagens às partes do negócio, introduzindo assim, a ideia de contrato, pois o “estado de natureza”, no qual se encontravam anteriormente ao surgimento deste instituto, se tornava cada vez mais insuficiente para a resolução de problemas relacionados às condições necessárias para a existência humana. Desta forma, o contrato surge para garantir a efetividade do que fora contratado, tendo o Estado a função de garantir o adimplemento. (XXXXXXXXX, 2009, p.2607)
Sem qualquer inovação, é preciso remontar ao Direito Romano para se falar a respeito da evolução histórico-jurídica deste instituto tão singular. O contrato no Direito Romano Clássico (Naves, 2007), era dotado de rigor formalista e não era visto como meio regulador para qualquer operação econômica. Para cada operação havia uma fórmula que deveria ser seguida para que essa operação tivesse a proteção estatal. O mero acordo de vontades não era suficiente para criar as obrigações. Nesse período, também, haviam alguns contratos – denominados pacta – que, mesmo destituídos de fórmula, eram aceitos, contudo não tutelados. Ou seja, nesses contratos o credor não poderia exigir a prestação em juízo, mas caso recebesse a prestação poderia retê-la. Foi desenvolvida ainda neste período, a noção atual acerca do acordo bilateral de vontades que fundamentam o contrato. Já no Direito Romano pós-clássico (Naves, 2007), foi conferido a alguns pactos mais utilizados, a proteção via actio. Essa categoria de contratos passou a ser denominada contratus solo consensu, já que não requeriam formalidade bastando a declaração de vontade das partes. Os demais contratos que não estavam previstos nas categorias de Litteris, Verbis, Re e Solo Consensu, não eram considerados contratos, já que não produziam uma obrigação civil, apenas uma obrigação natural.
De acordo com Xxxx Xxxxx (2009, n.p.), “o Direito Medieval sofreu forte influência do Direito Canônico, Romano e Germânico costumeiro e assim apresentava parte do formalismo do Direito Romano”. Destarte,
Com o crescimento da economia mercantil esse formalismo contratual passou a ser um entrave para as contratações, que pretendiam ser cada vez mais rápidas. Tornou-se, assim, comum, no instrumento contratual, constar que as fórmulas foram cumpridas, mesmo que, na prática, não fossem realizadas. Além disso, era comum, ao se celebrar um contrato, fazer um juramento com motivos religiosos para dar força àquele contrato. (XXXXX, 2009, n.p.).
Por sua vez complementa que havia outro aspecto importante, por influência do Direito Canônico que tinham a mentira como pecado, “considerava-se o descumprimento contratual tal qual a mentira, sendo, portanto, também condenado. Acreditava-se que se a obrigação fosse assumida de forma livre e consciente, não haveria motivos para se descumprir o contrato” (ROPPO, 2009).
Foi durante os séculos XVII e XVIII, que a contribuição doutrinária da escola jusracionalista do direito natural colocou a liberdade individual no centro de todo o sistema jurídico, espiritualizando o contrato, libertando-o das cargas ritual, simbólica e formalista que, por séculos, cobriram a essência do fenômeno jurídico. Ademais, enquanto os jurisconsultos romanos englobavam na designação de contractus todos os atos voluntários geradores de uma obrigação, quer se tratasse de um ato bilateral ou unilateral, a doutrina e as legislações modernas consideram essencial ao contrato o acordo bilateral, o mútuo consenso. Igualmente, os romanos limitavam o contrato aos atos destinados a construir uma obligatio, ao passo que os códigos modernos estendem o conteúdo possível do acordo contratual a outros aspectos da relação obrigacional e a outras classes de relações patrimoniais (XXXXXX & XXXXXXXXX, 0000, p. 53).
Não se pode esquecer, ainda, a singular contribuição que o Código Napoleônico de 1804 agregou ao contrato, visto que o associou à liberdade de contratar, além de possibilitar a disseminação da transferência da propriedade, direito este que foi um dos pilares da Revolução Francesa. No entanto, a liberdade contratual associada à economia de massa fez surgir contratos impessoais e padronizados, os quais desvirtuaram a autonomia da vontade das partes, tendo sido, necessário, portanto, a intervenção do Estado, a fim de resguardar a ordem pública. Esta é a nova ordem mundial, a atribuição de uma função ao contrato, que seja útil às partes e atenda ao bem comum. O contrato, hoje, é fruto do jusnaturalismo e do nascimento do capitalismo. Nos períodos anteriores o indivíduo era determinado pelo grupo em que estava inserido e pela função que exercia dentro deste grupo. Com o nascimento do capitalismo, o indivíduo passa a ser determinado por sua vontade autônoma, sendo, o contrato o meio mais utilizado para fazer valer essa vontade.
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A terminologia contrato vem do latim contractu, que significa “trato com”, e denota o acordo de vontade dos indivíduos que visa alterar ou abolir um Direito. Isto é, contrato é o acordo entre duas ou mais vontades concorrentes, que visam a produção
de efeitos jurídicos, quais sejam a constituição, modificação, ou extinção de um vínculo jurídico, de modo vinculante e obrigatório para as partes componentes, com natureza econômico-patrimonial. Corrobora com essa afirmação o entendimento do jurista brasileiro Xxxxxx Xxxxxxxxx (1916, p.245), que assevera que o contrato é “o acordo de vontade de duas ou mais pessoas com a finalidade de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direito”.
A multiplicidade de conceituação oferece diferentes pontos de vista sobre o entendimento de contrato. Vejamos o que diz a jurista e professora Xxxxx Xxxxxx Xxxxx (1994, p. 22), sobre a definição de contrato como sendo
Diniz (1994) também evidencia o fato que todo contrato moderno é negócio jurídico bilateral. Xxxxxxx Xxxxx (2007, p.7), reforça em seus ensinamentos que contrato é “o negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, que sujeita as partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regularam”. Assim, se faz obrigatória a presença de duas ou mais vontades, já que o efeito dele esperado decorrerá do consenso das partes, a partir do que cada uma propõe. Portanto, é correto aferir que o contrato visa a autorregulamentação de interesses privados, via de regra contrapostos, mostrando-se instrumento eficaz para a composição de interesses. O direito permite que os particulares elejam, mediante manifestação livre e inequívoca de vontade, a disciplina das suas próprias relações, de acordo com suas próprias conveniências e sob a tutela de ordem jurídica. (XXXXXXXX, 2000, p. 87).
2.3 REQUISITOS PARA VALIDAÇÃO
De acordo com Xxxxxxx (2008, p. 02), “a validade do contrato exige acordo de vontades, agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei”. No entanto, é imprescindível seguir três preceitos
basilares, sendo estes: manifestação voluntária de vontades, ou seja, que as partes tenham liberdade em contratar; supremacia da ordem pública, que denota que todo contrato devem observar a função social; e por último a obrigatoriedade que insinua que o contrato faz lei entre as partes. Conforme já tratado anteriormente, o contrato constituí negócio jurídico bilateral que objetiva criar obrigações entre seus sujeitos e para que tenha validade, “exige a miscigenação de elementos, a que se convencionou denominar de pressupostos e requisitos”. (XXXXX, 2000, n.p.)
Nestes termos, para que se tenha um contrato é preciso alguns pressupostos e requisitos. Assim, a capacidade das partes, a idoneidade do objeto e a legitimação para realizá-lo são pressupostos de um contrato. Como qualquer negócio jurídico, o agente, como já referido a priori, precisa ser capaz para que o mesmo seja válido. O objeto do contrato precisa ser lícito, como também determinado ou suscetível de determinação. Como último pressuposto, está a legitimação, ou seja, não basta o agente ser capaz, ele tem que ter legitimidade, ter idoneidade. No momento da realização de um contrato, esses pressupostos precisam estar presentes para a sua validação.
Não obstante, conforme exposto pelo ordenamento jurídico, tais pressupostos não são suficientes, alguns requisitos precisam ser preenchidos para que o contrato tenha validade. Tais requisitos são o consentimento, a causa, o objeto e a forma; apesar de muitas controvérsias em torno da causa como elemento de um contrato no que diz respeito tanto ao seu conceito quanto à sua utilização. Pode-se entender que, enquanto o objeto são as prestações das partes, o conjunto dos atos que as partes se comprometeram a praticar, a interação entre essas partes seria, grosso modo, a causa. Como já salientado, o objeto deve, como qualquer negócio jurídico, ser lícito, possível, determinado ou determinável.
O requisito de validade ainda repousa na forma pela qual um contrato deve ser realizado. São esses pressupostos e requisitos que são responsáveis por validar um contrato. Não obstante, o contrato pode se caracterizar como dúbio, deste modo, a função da interpretação, com regras e métodos distintos, é justamente determinar quais os efeitos jurídicos que o contrato visa produzir, definindo a vontade contratual. Existem, assim, duas formas de interpretação contratual: a subjetiva e a objetiva. A finalidade de
uma interpretação subjetiva de um contrato é verificar a vontade dos contratantes e para tal dispõe a legislação.
Para alguns juristas, como Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, “no que se refere à existência do negócio jurídico, a declaração de vontade, a finalidade negocial e a idoneidade do objeto são os elementos estruturais dos requisitos de existência do negócio jurídico”. Por isso,
Caso haja a falta de qualquer um desses elementos pode-se falar em inexistência do negócio jurídico. Qualquer tipo de negócio jurídico precisa preencher seus elementos existenciais, insta salientar que a eficácia e a validade não se configuram caráter de valoração da existência (GONÇALVES, 2009).
Hodiernamente, inclui-se nos requisitos de validade, doutrinariamente a função social do contrato, extraída tal ideia do art. 421 do Código Civil, que já está seguindo a tendência constitucional da socialização do direito privado.
2.3.1 A capacidade das partes
Xxxxx Xxxxxx Xxxxx nos fala que, sendo o contrato um negócio jurídico, logo pressupõe “agente capaz, um agente apto a realizá-lo, dentro das normas atinentes à capacidade”. A capacidade que o contrato requer é a legal de agir. É óbvio que o contrato não tem qualquer validade, quando estipulado por uma pessoa que não está no uso das suas faculdades mentais. Os art. 3° e 4° do Código Civil de 2002 discorrem sobre os indivíduos incapazes perante a lei
Art. 3º, CC - São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Art. 4º, CC - São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.
Ressalta-se que, “mesmo assim malgrado essa invalidação, o contrato é um negócio jurídico bilateral, onde a invalidade somente é pertinente se a parte adversa sabia que negociava com uma pessoa doente”. (XXXXX, 2000, n.p.)
2.3.2 Idoneidade do objeto
Ainda de acordo com a concepção de Xxxxx (2000, n.p.),
O contrato tem por finalidade precípua, regular os interesses das partes, logo seu objeto tem de ser lícito e possível; ou seja, tolerado pelo ordenamento jurídico e pelos bons costumes. Deve ser a idoneidade avaliada no momento formativo do contrato, inidoneidade superveniente, se observada antes que o contrato produza os seus efeitos, a validade do mesmo fica imediatamente comprometida.
Reportando-se ao conceito do objeto de uma relação obrigacional, tem-se o objeto imediato, que consiste na conduta humana, e o objeto mediato, que o bem jurídico almejado. Objeto lícito, portanto, é o que não afronta a lei, os bons costumes, a moral, devendo-se ainda observar se tal objeto é possível jurídica e fisicamente, a fim de não entabular qualquer vício de nulidade ou anulabilidade capaz de fulminar o negócio jurídico.
2.3.3 O consentimento
Sobre o elemento intrínseco contratual referente ao consentimento, Xxxxx postula que
A expressão consentimento é empregada em duas acepções distintas. Numa primeira, traduz o acordo de vontades para manifestar a formatação da bilateralidade contratual. Noutro significado, consentimento equivale à declaração da vontade de cada parte, isoladamente. A diferença é tênue, mas de cunho pedagógico, porque, ainda que subrepticiamente, sempre há uma noção de bilateralidade, sem a qual não haveria necessidade de manifestação da vontade de consentir. Nesse sentido, nunca há um consentimento isolado, parte a parte, justo porque sempre há um objeto jurídico, um interesse em jogo, sobre o qual as partes necessitam entrar em acordo de vontades, mediante consentimento mútuo (XXXXX, 2000).
Não se pode duvidar que, tal consentimento deverá ser livre de vícios ou defeitos dos negócios jurídicos (erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude), os
quais tem o condão de macular a validade do negócio caso incidam sobre o mesmo. Igualmente, tal consentimento, externado pela manifestação da vontade, poderá ser tácito quando a lei não exigir forma expressa (art. 111, Código Civil Brasileiro). Merece ainda ser feita uma observação quanto ao silêncio, visto que sua interpretação como manifestação tácita da vontade deverá ser aceita apenas excepcionalmente, quando as circunstâncias ou os usos autorizarem (art. 111, Código Civil brasileiro), ou mesmo a própria lei.
Logicamente que os doutrinadores, de acordo com suas características particulares, não qualificarão igualmente os requisitos de validação dos contratos, havendo, de forma muito salutar, divergências entre eles. Todavia, estes aqui presentes são denominados sem maiores controvérsias, até pelo fato de serem também requisitos de validade do negócio jurídico.
3 DOS PRINCÍPIOS SOCIAIS DO CONTRATO
A norma jurídica subdivide-se em regra e princípio. De acordo com o referido critério, os princípios seriam normas de um grau relativamente alto de generalidade, ao passo que às regras assistiria generalidade relativamente baixa. Para o estudo em tela, trabalhamos com as definições somente de princípios, pois coadunam com o objeto de interesse da pesquisa.
Segundo Xxxxx (1997, p.83), “os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na medida do possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes”. Ainda de acordo com Xxxxxx Xxxxx (op. cit., p.86), os princípios são mandatos de otimização, "que estão caracterizados pelo fato de poderem ser cumpridos em diferente grau e que a medida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais senão também das jurídicas". O âmbito das possibilidades jurídicas, complementa, é determinado pelos princípios e regras opostos.
Adiante, após conceituarmos e observamos alguns elementos relacionados à evolução histórico-jurídica do contrato, analisaremos o que significa e quais são os
principais princípios que servem de fundamento para tal instituto, pois, não obstante observar os princípios gerais do direito deve (o contrato), na sua especialidade, seguir princípios específicos aplicáveis à espécie. Os doutrinadores, por sua vez, são generosos ao discorrer sobre os princípios contratuais. A seguir, dispomos de algumas concepções abstraídas para promover maior entendimento sobre o assunto.
Ingressando na seara jurídica, transcrevemos a definição proposta por Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx (2000), que postula que princípio é
[...] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo- lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.
Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx (2001) colabora ao trazer a primorosa definição de que os princípios são “ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são como “núcleos de condensações” nos quais confluem valores e bens constitucionais”.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx (2002), em sua obra Curso de Diretito Constitucional Tributário, nos fornece uma definição lapidar, pois segundo nos parece, princípio jurídico é “um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.”. Já o professor Xxx Xxxxxx, em seu livro intitulado "Princípios constitucionais e interpretação constitucional" (1995), nos ensina que princípios “são categoria lógica e, tanto quanto possível, universal, muito embora não possamos esquecer que, antes de tudo, quando incorporados a um sistema jurídico-constitucional-positivo, refletem a própria estrutura ideológica do Estado, como tal, representativa dos valores consagrados por uma determinada sociedade”.
Vale ressaltar que, de acordo com as afirmações de Xxxxxx (2007), “mais importante do que estabelecer as características dos princípios é identificar as suas funções. Desta maneira, podemos citar, entre outras, as funções normativa, integrativa e interpretativa”, uma vez que, em primeiro lugar, os princípios têm função normativa. Sendo normas jurídicas, podem ser concretizados e geram direitos subjetivos. Têm, ao
lado das regras, função normativa. Em segundo lugar, havendo uma lacuna jurídica, esta pode ser suprida com a utilização dos princípios e que encontramos aqui uma clara função integrativa em face das omissões legislativas. Finalmente, em terceiro lugar, têm função interpretativa, ou seja, condicionam a atividade do intérprete. Nenhuma interpretação pode ser efetivada sem que se leve em conta os princípios jurídicos (FAZOLI, 2007, n.p.).
De forma ampla, os princípios exercem função importantíssima dentro do ordenamento jurídico-positivo, já que “orientam, condicionam e iluminam a interpretação das normas jurídicas em geral, aí incluídos os próprios mandamentos constitucionais” (SIQUEIRA JUNIOR, 2004, p.161-162). Os princípios diminuem ainda a “discricionariedade jurisdicional e vinculam o legislador” (ROTHENBURG, 2003,44-45). Com efeito, pelo que se observa até aqui, os princípios refletem os valores mais caros de uma sociedade, sendo que um princípio jurídico-constitucional pode ser comparado a uma “norma jurídica qualificada” (CARRAZZA, 2002, p.41).
Quanto à sua posição ou função no ordenamento jurídico, observa Xxxxxxxx Xxxxxxxx (1998, p.282), que os princípios podem ser caracterizados a partir de sua relação com as outras normas enquanto desenvolvem o papel de normas fundamentais, partindo-se de um duplo sentido: a) num primeiro plano, "os princípios são normas que dão fundamento ou justificação a outras normas"; b) num segundo, "os princípios são normas que parecem não precisar por sua vez de fundamento ou justificação (porquanto são percebidos como óbvios, autoevidentes, ou como intrinsecamente justos)". (XXXXX, 1996, p.81)
Em artigo doutrinário, Xxxxx Xxxx (2002, p.189), distingue os princípios sociais do contrato, que informariam de maneira mais intensa o Novo Código Civil Brasileiro, daqueles outros, ditos liberais, que predominaram no Estado liberal do final do século XIX e início do século XX, mas que não poderiam ser descartados de pronto, porquanto ainda existentes em nossa realidade jurídica.
Dentre os princípios chamados clássicos, incluem-se aqueles sobre os quais a doutrina civilista vem discorrendo há muito tempo. Já no rol dos denominados princípios sociais, pode-se relacionar: a) a função social do contrato; b) a boa-fé objetiva; c) o
equilíbrio contratual, dentre outros. Faz-se necessário situar doutrinariamente cada um dos mencionados princípios, cuidando em precisar-lhes o respectivo conteúdo.
3.1 PRINCÍPIOS CLÁSSICOS CONTRATUAIS
3.1.1 Princípio da autonomia da vontade
Xxxxxx Xxxxxxxxx (2007) declara que, o princípio mencionado consiste na prerrogativa conferida aos indivíduos de “criarem relações na órbita do direito, desde que se submetam às regras impostas pela lei e que seus fins coincidam com o interesse geral, ou não o contradigam”. Desse modo, qualquer pessoa capaz pode, pela manifestação de sua vontade, tendo objeto lícito, criar relações a que a lei empresta validade. Xxxxx Xxxxxx Xxxxx (2010, p. 23) reforça esse pensamento ao assegurar que, além da liberdade de criação, o contrato abrange, portanto, a liberdade de contratar ou não contratar, isto é, o poder de decidir, segundo os seus interesses, se e quando estabelecerá com outrem uma relação jurídica contratual. Vale salientar o exposto no art. 421, do Código Civil e no art. 1°, inc. IV, da Constituição Federal de 1988, a saber,
Art. 421, CC - A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Art. 1º, IV, CF/88 – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; [...]
O Novo Código Civil Brasileiro e a nossa Carta Magna de 1988, informam que o contrato deverá ter, portanto, por finalidade e por limite, a sua função social. Tal princípio, apesar de regular o direito privado, atualmente encontra-se mitigado, em razão do princípio da sociabilidade e da função social, exaltados desde a Constituição de 1988 e corroborados pelo Código Civil de 2002. Todavia, não se pode olvidar que a autonomia da vontade ainda continua sendo a essência do contrato, não podendo sofrer limitações excessivas, que poderão acarretar distorções em longo prazo, além de afrontar a segurança jurídica das relações jurídicas.
3.1.2 Princípio do consensualismo
Em regra, o simples acordo de duas ou mais partes é suficiente para validar o contrato, pois, não se exige em regra uma forma especial para a formação do vínculo contratual. Embora alguns contratos, por serem solenes, tenham sua validez condicionada à observância de certas formalidades estabelecidas em lei, a maioria deles é consensual, já que o mero consentimento tem condão de cria-los, sendo suficiente para sua perfeição e validade. (XXXXX, 2008, p. 29).
Conclui-se que em matéria contratual, havendo consenso entre as partes, qualquer forma contratual é válida, seja verbal, silenciosa, mímica, por e-mail, via telefone, salvo quando exigido por lei determinado ato formal. Ademais, geralmente os contratos não necessitam da transferência física do seu objeto para se concretizarem, sendo que esta modalidade de negócio se manifesta em menor escala.
3.1.3 Princípio da obrigatoriedade da convenção
O contrato faz lei entre as partes (a pacta sunt servanda). Após a celebração do contrato as partes adquirem obrigações e direitos perante o objeto contratual. Desta forma, Xxxxxx Xxxxxxxxx (2007), destaca que
[...] consagra a ideia de que o contrato, uma vez obedecidos os requisitos legais, torna-se obrigatório entre as partes, que dele não se podem desligar senão por outra avença, em tal sentido. Isto é, o contrato vai constituir uma espécie de lei privada entre as partes, adquirindo força vinculante à do preceito legislativo, pois vem munido de uma sanção que decorre da norma legal, representada pela possibilidade de execução patrimonial do devedor (RODRIGUES, 2007, p.17).
Neste caso, Xxxxx (2007, p. 30) nos diz que “[...] isto é assim porque o contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituindo uma verdadeira norma de direito [...]”. A obrigatoriedade do contrato implica diretamente na possibilidade de o credor ter o direito de cobrar o cumprimento da obrigação que não foi satisfeita voluntariamente, socorrendo-se do Poder Judiciário para tanto. Desta forma, a
obrigatoriedade é um princípio que serve pata evitar o caos total, assim como também para resguardar a segurança jurídica das relações negociais.
3.1.4 Princípio da relatividade dos efeitos do contrato
Ainda de acordo com os preceitos de Xxxxxx Xxxxxxxxx (2007, p. 17), assevera que “como o vínculo contratual emana da vontade das partes, é natural que terceiros não possam ficar atados a uma relação jurídica que lhes não foi imposta pela lei nem derivou de seu querer”. Igualmente, ninguém pode se tornar devedor ou credor contra a sua vontade, salvo as exceções previstas em lei, tais como os casos de estipulação em favor de terceiro (arts. 436 a 438, Código Civil), convenções coletivas de trabalho, dentre outros.
Nesse sentido conclui-se que o contrato não produz efeito com relação a terceiros, a não ser nos casos em que a lei assim o determine, tomando como parte contratante aquela que firmou o pacto, vinculado ao objeto e destinatário dos efeitos. Terceiro, por sua vez, seria aquele que, apesar se não tiver pactuado diretamente, sentirá os efeitos do acordo das partes.
3.1.5 Princípio da boa-fé objetiva
As partes contratantes deverão agir com lealdade, honestidade, integridade de caráter e confiança recíproca, ou seja, proceder com boa-fé, esclarecendo os fatos e o conteúdo das cláusulas. Tal princípio apregoa, de forma bem simples, que as partes devem agir de forma correta antes, durante e depois do contrato. Isso porque, mesmo após o seu cumprimento, poderão subsistir efeitos residuais. Importante ainda observar subjetivamente cada contrato individualmente, pois a parte pode estar desde o início, mal intencionada a não cumprir o pacto, conduta esta que deve ser rechaçada pelo ordenamento jurídico.
Os contratantes deverão respeitar-se entre si evitando, inclusive, a não divulgação de informações sigilosas pertinentes ao contrato; desta forma, presume-se o equilíbrio e sucesso do pacto. Xxxxx Xxxxxx Xxxxx (2007, p.37) ressalta que é “preciso ater-se mais à intenção do que no sentido literal da linguagem, e, em prol do interesse social de segurança das relações jurídicas”.
O Código Civil Brasileiro, em seu art. 422, estabelece expressamente a boa-fé objetiva nos contratos, revelando, desta forma, quão importante consiste este princípio, que deriva diretamente do princípio da eticidade, um dos pilares do diploma civil, juntamente com os princípios da sociabilidade e operabilidade. Abaixo, transcrevemos o disposto no art. 422, do CC, que assegura que
Art. 422, CC – Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de propriedade e boa-fé.
Salientamos ainda a diferença entre a boa-fé objetiva e a boa-fé subjetiva, sendo esta última a inocência do manifestante, crendo prontamente que sua conduta se encontra totalmente lícita e livre de vícios, considerando o conhecimento que possui do negócio.
3.2 FUNÇÃO SOCIAL COMO PRINCÍPIO
Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx informam que a expressão “função social” procede do latim functio, cujo significado é de cumprir algo ou desempenhar um dever ou uma atividade. Utilizam o termo função para exprimir a finalidade de um modelo jurídico, o modo específico de operar um instituto, ou seja, o papel a ser cumprido por determinado ordenamento jurídico. Este princípio surgiu com apenas um único objetivo, o de buscar a igualdade social, já que antigamente (desde a Revolução Francesa), inúmeras pessoas eram vítimas da injustiça social, do individualismo ou de interesses particulares.
Em seu trabalho de conclusão de curso, Flenik (2008), pontuou que “a ideia de função social foi formulada pela primeira vez por Xxx Xxxxx xx Xxxxxx, quando afirmou que os bens apropriados individualmente teriam um destino comum, que o homem deveria respeitar”. Complementa que essa ideia, “ganhou força apenas no século XIX, devido às profundas alterações econômicas e sociais que ocorreram naquele período. No entanto, como sempre ocorre na história, as ideias filosóficas surgem com bastante antecedência em relação ao período em que as mudanças ocorrem”.
No item 16 de uma suas de encíclicas, Xxxx XXXX propôs o seguinte aos trabalhadores e patrões, respectivamente:
“(...) cumprir integral e fielmente o que por própria liberdade e com apoio da justiça se estipulou sobre o trabalho; não causar dano algum ao capital; não ofendam a pessoa de seus patrões; abster-se de toda violência ao defender seus direitos e não promover sedições; não mesclar-se com homens depravados, que alimentam pretensões imoderadas e prometem artificiosamente grandes coisas, o que leva consigo arrependimentos estéreis e as consequentes perdas de fortuna”.
“(...) não considerar os trabalhadores como escravos; respeitá-los como é justo, a dignidade da pessoa humana, sobretudo enobrecida pelo que se chama de caráter cristão. (...) Tampouco deve impor-lhes mais trabalho do que podem suportar suas forças, nem de uma classe que não seja condizente com sua idade e sexo”.
“Registros históricos informam que, o Papa Xxxx XXXX acreditava que o socialismo estimulava o ódio dos trabalhadores contra os seus patrões; e pelo fato, destes, “pregarem” o fim da propriedade privada seria como se estivessem lutando contra as regras de direito natural. O fato de alguém ser patrão e outra empregada, isso já é suficiente para se entenderem diferentes (FLENIK, 2008, pág. 30)”.
A Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 5º, inciso XXIII demonstra relevante interesse pelo princípio, o que não se percebe em outros países. Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx (2013) acrescentam ainda que a função social é um princípio que opera um corte vertical em todo sistema de direito privado. Ela se insere na própria estrutura de qualquer direito subjetivo para justificar a razão pela qual ele serve e qual papel desempenha. Isto, porque a função social decorre do princípio da sociabilidade, realçado pelo novo Código Civil, e do princípio da solidariedade, previsto no art. 3º, inciso III, da Constituição Federal de 1988.
O novo código foi elaborado com a diretriz de preservar, tanto quanto possível, as disposições do texto de 1916, devido à qualidade do texto anterior. Todavia, tendo em vista o novo prisma trazido pelo Estado Social, já solidificado desde a Constituição de 1988, a função social foi alçada a um patamar privilegiado, mitigando o individualismo oitocentista do Código de 1916. Busca-se com a função social estimular o progresso material, sobretudo, a valorização do ser humano; onde o homem exercita a sua criatividade para crescer como indivíduo e com a sociedade.
3.2.1 A função social do contrato
Antes da Revolução Francesa, as decisões jurídicas sofriam interferências da nobreza e do clero. Quando a burguesia assumiu o poder passou a ter o mesmo interesse, haja vista que se os três poderes fossem manipulados, os juízes seriam meros proclamadores da lei e assim passaria a ter o controle das suas relações jurídicas (patrimônio privado). O legislador não tem como prever o futuro e legislar antes dele, pelo contrário ele fica completamente dependente do mundo fático. A função social do contrato fica condicionada aos interesses sociais (da coletividade, do bem comum), que sofrem modificações de acordo com a dinâmica da sociedade (em conformidade com os princípios morais).
Declaram sobre o acima exposto, Xxxxxxxxx Xxxxxx de Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx (2013), que a evolução social demonstrou que a justificação de um interesse privado muitas vezes é fator de sacrifício de interesses coletivos. Há muito, não mais se admite que a satisfação de um bem individual seja obtida “à custa da desgraça alheia”. Portanto, ao cogitarmos da função social, introduzirmos no conceito de direito subjetivo a noção de que o ordenamento jurídico apenas concederá merecimento à persecução de um interesse individual, se este for compatível com os anseios sociais que com ele se relacionam. Caso contrário, o ato de autonomia privada será censurado em sua legitimidade. Todo poder na ordem privada é concedido pelo sistema com a condição de que sejam satisfeitos determinados deveres perante o corpo social.
A função social do contrato surge com o propósito de equilibrar as relações contratuais, fazendo com que estas sejam regidas pela ideia de justiça. Apenas os contratos que cumprem a sua função social são dignos da tutela do Poder Judiciário. O contrato precisa atingir o bem comum.
É obvio que nem todos os contratos terão os mesmos efeitos e não são regidos pelos mesmos princípios; mas, o que se deve ter ciência é de que o contrato deve gerar um vínculo jurídico entre as partes, gerando obrigações e direitos para ambos.
A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, assim nos fala o artigo 421 do Novo Código Civil. Importante enfatizar que a expressão “em razão e nos limites” opera tanto de forma negativa, à liberdade de contratar, quanto de forma positiva, eis que as partes, observando tal princípio, tem que pugnar por escolhas lícitas, corretas, que não só evitem prejudicar a coletividade, mas também as próprias partes (GODOY, 2004, p. 120).
Diante disso, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx (2007, p. 24), assegura que “o contrato deve ter alguma utilidade social, de modo que os interesses dos contratantes venham a amoldar- se ao interesse da coletividade”.
De acordo com Xxxxx Xxxxxx Xxxxx (1988, p. 247-249),
Dentro do conceito de Justiça Social, as partes não podem mais exercer os seus interesses contratuais livremente, o conteúdo do contrato deve refletir as exigências da nova ordem, cabendo ao Estado disciplinar e corrigir as vontades das partes para buscar o interesse coletivo, pois “muitas são as normas de ordem pública que se inserem na economia jurídica do contrato”.
Consoante com este fundamento, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx (2004) afirma que a transformação que sofre o contrato “é a que se concretiza com a realidade da tendência de socialização; vale dizer, a ter um aspecto social, no sentido de que os direitos e os deveres devem ser exercidos funcionalmente, sem desviarem-se dos fins econômicos, dos fins éticos e dos fins sociais, que o ordenamento legal tem em conta”. Ele ainda assevera que
[...] a finalidade individualista e egoística, que o direito privado gozava e privilegiava, cedeu espaço à sociabilidade. Agora, a intenção de contratar não protege o objeto da contratação apenas ao interesse individual, mas à sociedade. Acima da vontade absoluta das partes, pairam altos valores sociais, que o Estado tutela, se não quiser que os componentes de seu território sejam lesionados, em prejuízo da sociedade em geral. (SANTOS, 2004, p.111)
Conclui-se que, tudo o que mais se buscava era o bem da coletividade, respeitando a igualdade de cada um e o bem comum das partes contratantes. Desde, então, ocorreu um declínio dos direitos individuais e o surgimento dos direitos sociais.
4 CONTRATO DE SEGURO
A história do seguro iniciou-se com os povos da antiguidade, no século XIII através dos comerciantes da Babilônia. Estes firmavam acordos entre si, pois temiam a perda de seus camelos no momento da travessia pelo deserto do Oriente, em direção aos mercados das regiões vizinhas. Aquele que perdesse um camelo, por desaparecimento ou morte durante essa travessia, receberia outro camelo pago pelos demais criadores. A ideia também foi aplicada ao ramo da navegação, onde aqueles que perdessem o navio, em alguma tempestade, receberiam outro pago pelos demais navegadores participantes da mesma viagem. Naquela época a única forma de praticar comércio exterior era por mar e em virtude do alto valor econômico que envolvia aquelas viagens, os navegadores primitivos possuíam grande preocupação em se segurar ou se autoproteger. No início dos tempos os homens eram nômades e viviam em risco constante.
Segundo Xxxxxx xx Xxxxx (2007), “o perigo, a insegurança, a incerteza e o medo já se faziam presentes na vida do homem, desde os mais longínquos tempos. Não bastava se proteger dos animais e das pragas; o homem tinha que se resguardar dos terremotos, dos raios, da chuva e de seus semelhantes. Apenas os mais prevenidos sobreviviam”.
Com a evolução natural da espécie humana, o homem foi se fixando em lugares que lhe davam segurança e melhores condições de sobrevivência. Logo, surgiu o que chamamos de mutualismo, dá-se quando um grupo de pessoas com interesse em
comum constitui uma reserva econômica para garantir o ressarcimento de um risco não previsto. A prática do mutualismo podia ser observada em outras civilizações como a grega e a romana.
Devido ao restrito conhecimento matemático os antigos ficavam impedidos de estimar ou até mesmo mensurar, o valor do prejuízo real. Remediavam-se os sinistros, risco previsto no contrato de seguro, após a sua ocorrência, o inverso do que ocorre na atualidade, onde o cliente efetua o pagamento de um prêmio no ato do contrato para prevenção das perdas.
Na Idade Média, a prática do mutualismo foi proibida pela Igreja Católica, pois de acordo com o clero, somente Deus seria capaz de minimizar as perdas e infortúnios do homem. O Papa Xxxxxxxx XX, com base na usura (nome dado à prática de se cobrar juros excessivos pelo empréstimo de uma determinada quantia de dinheiro), classificou o seguro marítimo como seguro náutico e percebeu que a prática deste seguro era abusiva, portanto, deveria ser proibida.
Os navegadores obtinham com os banqueiros um empréstimo em dinheiro que deveria ser devolvido, acrescido de juros, caso a embarcação chegasse sem sofrer danos ou perdas ao seu destino; se ocorresse algum acidente com o navio, o navegador ficaria de posse do empréstimo. O primeiro contrato de seguro nos moldes atuais foi firmado em 1347, em Gênova, com a emissão da primeira apólice. Era um contrato de seguro de transporte marítimo. Em 1667, em Londres, um incêndio destruiu cerca de 13 mil casas, igrejas e a Catedral de Saint Paul, um dos seus maiores símbolos, e quase acabou com a cidade. Assim, em 1684, surgiu na própria Londres a primeira companhia de seguros “contra incêndio”, criando o primeiro incêndio do mundo (XXXXX, 2007, pág. 4 e 5).
Em 1789, publicava-se o primeiro Código Uniforme de Seguros, proporcionando a universalização dos seguros.
Até a chegada da Família Real ao Brasil nenhuma indústria podia ser instalada no país. Todos os produtos manufaturados vinham diretamente de Portugal. Com a chegada da realeza, D. Xxxx XX promoveu a abertura dos portos, propiciando o comércio
internacional com outros países. Embora registros históricos comprovem que as primeiras normas relacionadas ao contrato de seguro surgiram em 1665, a primeira sociedade de seguros foi fundada no Brasil somente em 24 de fevereiro de 1808, denominada de "Companhia de Seguros Boa-Fé", com sede na Bahia, cujo objetivo maior era operar com seguro marítimo. (XXXXX, 2007, pág. 5).
Em 1810, criou-se no Rio de Janeiro, outra companhia de seguros com características idênticas a anterior. Todas as seguradoras que surgiam ficavam subordinadas às normas da Casa de Seguros de Lisboa até a independência do país. Em 1831, foi baixada uma lei “extinguindo as provedorias de seguros das províncias e isentando o seguro do pagamento de impostos” (XXXXX, 2007, pág. 6).
Após a independência, a Lei n° 556 de 1850, criou o Código Comercial Brasileiro, que passou a disciplinar o seguro marítimo. Houve o aparecimento de inúmeras seguradoras, que passaram a operar não só com o seguro marítimo, expressamente previsto na legislação, mas também com o seguro terrestre e o seguro de vida, este proibido antes por razões religiosas. Por volta de 1862, surgem as primeiras sucursais de seguradoras sediadas no exterior, como a Companhia Garantia do Porto, a Royal Insurance e a Liverpool & London & Globe. As sucursais das companhias transferiam para suas matrizes os prêmios cobrados, provocando uma indesejável evasão de divisas. Assim, visando a proteger os interesses econômicos do País, foi promulgada, em 1895, a Lei n° 294, determinando que suas reservas técnicas fossem constituídas e tivessem seus recursos aplicados no Brasil, para fazer frente aos riscos aqui assumidos.
No início do século XX, em consequência do desenvolvimento do comércio e com a dispensa de autorização prévia para o funcionamento das seguradoras, o nosso país já contava com mais de 60 companhias de seguro, operacionalizando principalmente o ramo marítimo. O Decreto n° 4.270, de 1901, e seu regulamento, conhecido como "Regulamento Murtinho", normatizaram o funcionamento das companhias de seguros já existentes ou que viessem a se organizar no território nacional.
O Regulamento Xxxxxxxx criou a "Superintendência Geral de Seguros", subordinada diretamente ao Ministério da Fazenda, e concentrou todas as questões
atinentes à fiscalização de seguros, antes distribuídas entre diferentes órgãos. Cabia à Superintendência a fiscalização preventiva, exercida por ocasião do exame da documentação da sociedade que requeria autorização para funcionar, e a repressiva, sob a forma de inspeção direta, periódica, das sociedades.
As normas gerais do contrato de seguro e as obrigações do segurado e do segurador foram regulamentadas com a vigência do Código Civil Brasileiro em Janeiro de 1917 – Projeto Clóvis Beviláqua. Em 1935, foi criado o seguro de acidente de trabalho. Em 1939, foi fundado o Instituto de Resseguros do Brasil – IRB, que podemos conceituar como o seguro do seguro. Anteriormente a esse momento, essa operação era toda feita no exterior, de forma direta ou indireta através das companhias estrangeiras que operavam no Brasil.
O IRB tinha como objetivo:
a) Deter o monopólio do resseguro (quando a responsabilidade na aceitação de um risco considerado excessivo ou perigoso é cedida a outro segurador);
b) Deter o monopólio dos mecanismos de co-seguro (repartir o risco com outras seguradoras);
c) Deter o monopólio da retrocessão (o resseguro de um resseguro),
Fortalecer as seguradoras nacionais por meio da pulverização do risco em resseguro automático.
De acordo com a Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização – FENASEG, contrato de seguro é
[...] uma operação que toma forma jurídica de um contrato, em que uma das partes (segurador) se obriga para com a outra (segurado ou beneficiário), mediante o recebimento de uma importância estipulada (prêmio), a compensá-la
(indenização) por um prejuízo (sinistro), resultante de um evento futuro, possível e incerto (risco), indicado no contrato.
Após o pagamento do prêmio de seguro (por parte do contratante), pertinente à pessoa ou a coisa (riscos pré-determinados), fica a seguradora obrigada a indenizá-lo na hipótese de ocorrência de sinistro, desde que respeitado os prazos legais de aceitação do risco pela contratada.
De acordo com Xxxxxx xx Xxxxx em sua obra Seguros – Contabilidade, Atuária e Auditoria (2007, p.28) o “objetivo de um contrato é criar, modificar, transferir, conservar ou extinguir direitos e obrigações”, pois ao contrato de seguro
[...] aplicam-se os requisitos gerais de validade de qualquer ato jurídico, ou seja, a capacidade dos contratantes, objeto lícito, o acordo de vontade e o respeito à forma prescrita em lei, bem como os princípios fundamentais que estruturam o direito dos contratos: autonomia de vontade, supremacia da ordem e obrigatoriedade da convenção. A formalização do contrato de seguro é exigida por lei” (XXXXX, 2007, p.28).
No contrato de seguro deve reger a boa-fé e veracidade a respeito do objeto, circunstâncias e declarações pertinentes a este; se por xxxxxxx, o segurado deixar de fazer declarações verdadeiras e completas, omitir algo que possa influenciar na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, este perderá o direito à importância segurada, além de ser obrigado a pagar a diferença de prêmio vencido.
4.4 NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO DE SEGURO
O contrato de seguro é um contrato que tem como partes o segurador e o segurado, sendo que ao segurado compete o pagamento do prêmio, que é a contraprestação ao segurador, em virtude do risco que este assume, e ao segurador compete pagar a indenização prevista ao segurado de seus prejuízos, na hipótese de ocorrer o risco previsto contratualmente. É um contrato bilateral, oneroso, aleatório e de adesão.
É também classificado como bilateral e oneroso, em virtude de gerar obrigações tanto para o segurado quanto para o segurador, ocasionando despesas para ambos.
Seu formalismo será instrumentalizado na apólice ou no bilhete de seguro, regulados por lei e com um padrão definido. A doutrina é homogênea em considerá-lo consensual, porque sua formalidade não é da substância do ato, tendo apenas caráter probatório.
A obrigação de garantia é assumida pelo segurador, em via de regra trata-se de um contrato de boa-fé (bilateral), isto é, o segurador terá ciência do risco (objeto do contrato) a partir do que for declarado pelo segurado, de modo que a outra parte (segurador) não seja induzida ao erro. Este contrato fica condicionado à ocorrência de um evento, risco previsto em contrato, que poderá ou não ocorrer para que o segurador assuma a obrigação de pagar uma indenização. É proibido ao segurado agravar os riscos no contrato de seguro, sob pena de perder o direito à contraprestação.
Um contrato de adesão, nada mais é que um tipo de contrato em que as condições ora contratadas são todas pré-dispostas, com as quais o contratante, neste caso o segurado, apenas adere, sem poder negociar suas cláusulas.
4.5 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO DE SEGURO
No que concerne à propriedade, por envolver aspectos políticos, econômicos e sociais, notadamente há muito que a função social usufrui de grande destaque na seara jurídica. Como citamos anteriormente, as desigualdades presentes no convívio em sociedade, passaram a requerer soluções emergentes e a adoção de medidas capazes de modificar o atual estado de incertezas e falta de equidade nas relações entre os indivíduos. Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx (2000. p. 101.) acrescenta que “a doutrina da função social emerge, assim, como uma dessas matrizes, importando em limitar institutos de conformação nitidamente individualista, de modo a atender aos ditames do interesse coletivo, acima daqueles do interesse particular, e importando, ainda, em igualar os sujeitos de direito, de modo que a liberdade que a cada um deles cabe seja igual para todos”.
Dois elementos essenciais nos contratos de seguro parecem ser a prova definitiva de sua função social desde que foram criados: a comutatividade e a
mutualidade. A comutatividade do contrato para Tzirulnik et al (2003, p.30) “tem por base justamente o reconhecimento de que na prestação do segurador não se restringe o pagamento de uma eventual indenização, o que apenas se verifica no caso de sobrevir lesão ao interesse garantido em virtude da realização do risco predeterminado.” Isto é, tal prestação consiste no fornecimento de garantia e é devida durante toda a vigência do contrato. A função social do contrato de seguro firma-se através de uma relação de mutualidade; ou seja, um conjunto de pessoas unidas para garantir os riscos inerentes ao contrato. Os direitos e deveres do segurado e segurador foram elaborados a partir dessa relação mútua.
De acordo com os ensinamentos de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, o mundo contemporâneo, bem como o Brasil especificamente, busca o desenvolvimento sustentável, o fim social dos contratos, dos negócios jurídicos e a valorização da dignidade do ser humano, no intuito de que todos possam exercer os direitos constitucionais e com o objetivo de alcançar-se uma sociedade mais justa, igualitária e que proporcione qualidade de vida aos seus. Em meio a este cenário, o contrato de seguro é um instrumento de extrema importância para a plenitude destes direito e garantias ao ser humano, principalmente em meio a tragédias e momentos de dificuldades, causados pelas diversas situações e intempéries, como um vendaval, um incêndio ou um acidente de trânsito.
Em relação à função social dos contratos em geral, assim nos ensina Messineo apud Xxxxxxxxx (2006, p.11), em sua obra sobre o Direito Civil
O contrato exerce função e apresenta um conteúdo constante: o de ser o centro da vida dos negócios. É o instrumento prático que realiza o mister de harmonizar interesses não coincidentes. Defluindo da vontade das partes, ele só se aperfeiçoa quando, pela transigência de cada um, alcançarem os contratantes um acordo satisfatório a ambos. Ainda na lição daquele jurista, a instituição jurídica do contrato é um reflexo da instituição jurídica da propriedade. Ele é o veículo da circulação da riqueza e, por conseguinte, só se pode concebê-lo, como instituição pura de direito privado, em regimes que admitem a propriedade individual. (MESSINEO apud XXXXXXXXX, 2006, p.11),
Ainda em relação à função social, mas do contrato de seguro propriamente dito, xxxxxxx Xxxxxxxxx:
Representa o contrato de seguro negócio não só de interesse particular das partes, como igualmente da maior importância social. Isso porque, pela mutualidade que implica, o seguro tem por efeito distribuir, por toda a comunidade, os prejuízos que o acaso impõe a alguns de seus membros.
Além da função social discorrida no ponto de vista, cabe ressaltar que o seguro é um grande formador de poupança interna para o país e supre lacunas que o Estado não consegue preencher, como no seguro saúde, na previdência complementar, no seguro obrigatório DPVAT (Seguro Obrigatório de Danos Causados por Veículos Automotores) e na reparação de danos para as vítimas de acidentes de trânsito e de erro médico, proporcionada pelo seguro de responsabilidade civil, foco central deste trabalho.
O seguro é um fomentador de estabilidade, segurança jurídica e credibilidade nas relações negociais, uma vez que visa resguardar pecuniariamente o patrimônio das pessoas físicas e jurídicas, em caso de sinistro, evento este que viabiliza a circulação de riqueza e bens na sociedade contemporânea. Logicamente a função social de tal instituto tem um alcance muito maior que as próprias relações negociais, gerando efeitos perante a sociedade como um todo.
Por este prisma, o contrato de seguro por desempenhar nos dias atuais o relevante papel de socialização dos riscos, dos danos e do dever de indenizar, não pode, definitivamente, arredar-se dessa diretriz, estando condicionado ao integral cumprimento da função social que tem a realizar. Não devendo, portanto, servir apenas de instrumento de acumulação de riqueza para seus operadores, cuja tendência é a de cada vez mais valorar os riscos de que por meio dele se objetiva resguardar, a fim de justificar o consequente aumento do prêmio, e a diminuir gradualmente a cobertura contra as contingências socioeconômicas dos contratantes/segurados.
A legislação, impondo, à medida da necessidade, a devida intervenção em sua regulação e operacionalização, a doutrina, firmando as proposições teóricas aqui anunciadas e defendidas, e a jurisprudência, coibindo os abusos do poder econômico e de direito verificáveis nas relações jurídicas securitárias, farão valer de forma extensiva o ideal de justiça contratual também ao contrato de seguro.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tentou-se compreender a evolução histórica e conceitual do direito contratual e traçar a tendência de sua aplicação no Estado Democrático de Direito, o que se denominou de “a busca pelo modelo democrático de contrato”. Observou-se que a origem do atual modelo contratual adveio da construção teórica do jusracionalismo e do nascimento do capitalismo. A cada momento histórico o contrato passa a ter as suas características que correspondem a esse mesmo período.
No Estado Liberal compreendeu-se que o contrato é fruto da vontade das partes e, portanto, da liberdade individual dessas. Nesse período histórico, ao se tentar romper com as amarras do absolutismo, os dogmas da liberdade individual e da igualdade perante a lei foram o substrato para isso. A propriedade, antes dominada pelo Estado, passa a ser um bem individual tutelado por este. Ela, a propriedade, era decorrência da garantia da liberdade individual e da igualdade perante a lei.
O contrato era o meio necessário para se assegurar a aquisição da propriedade, não devendo o Estado intervir no mesmo. Desta forma, caberia a este unicamente garantir que as vontades formadoras do contrato nascessem livres e que o contrato fosse cumprido a qualquer custo, já que esse era lei entre os que o consentiram. Mas a sociedade desenvolveu e o capitalismo tomou grandes proporções. O mundo sofreu crises, tal como, as grandes guerras.
No direito contratual o dogma da vontade intangível teve de ser mitigado para que a própria lógica do sistema não fosse frustrada. Os contratos passam a ser uma forma de opressão para os economicamente mais fracos. As classes sociais mais baixas começam a reivindicar outros direitos, não se contentando, apenas, com a igualdade perante a lei. Neste momento, o paradigma estatal muda novamente, passa-se para o Estado Social.
Nele, o Estado passa a dirigir os contratos para que esses mantenham o equilíbrio. Passa-se a admitir a revisão de um contrato que passasse a ser
desequilibrado. O que se tentou demonstrar é que o contrato no Estado Liberal era protegido dos vícios do consentimento, no Estado Social, além desses, o Estado passa a proteger os contratos que se tornassem desequilibrados até o seu cumprimento. No Estado Social, ainda, surgem os microssistemas que tentam proteger os mais vulneráveis. No âmbito dos contratos, surge o microssistema do Consumidor que visa proteger o economicamente, tecnicamente e juridicamente mais fraco em suas contratações.
No Brasil, com a Constituição Federal de 1988, ficaram assentadas as bases para o Estado Democrático de Direito. Contudo, conforme se tentou demonstrar, no âmbito do direito contratual, estamos presos as amarras do Estado Social. Um novo modelo de contrato, o modelo democrático de contrato, deve ser buscado. Assim, nesse novo paradigma deve haver mútua conformação entre os princípios contratuais. Ou seja, em linhas gerais, tentou-se demonstrar que no Estado Liberal, pelo dogma da vontade, a autonomia privada se sobrepunha aos demais princípios contratuais; no Estado Social o interesse coletivo se sobrepunha ao interesse individual, isso, nos contratos, quer significar que a função social dos contratos sobrepunha à autonomia privada. Contudo, no Estado Democrático de Direito, em um processo de síntese, deve haver a mútua conformação entre todos os princípios contratuais, não podendo ser afirmado, a priori, que um sobrepõe ao outro.
Indubitavelmente, a economia moderna estruturou-se fundamentalmente a partir de relações contratuais. Relações estas que traduzem uma troca de bens e valores a permitir a circulação de riquezas. É neste contexto que os contratos atuam como os instrumentos jurídicos pelo meio dos quais é possível conceder tal permissão. Por isso, pode-se dizer que sua função será cumprida na medida em que a manutenção das trocas econômicas seja mantida através de trocas justas e úteis, pois se não o forem, os contratantes certamente deixarão de cumprir os contratos firmados, resultando na quebra da finalidade contratual. O essencial no contrato é a conformidade com a justiça comutativa e não a manutenção absoluta da vontade inicial.
O instituto do seguro, enquanto meio capaz de oferecer a segurança enunciada, revigora-se hodiernamente e não apenas no sentido exclusivamente individual como concebido previamente. Vale ressaltar que, o seguro desta forma configurado, justifica
plenamente sua inserção no campo das preocupações do Poder Público, seja assumindo seu gerenciamento, seja pela intervenção do estatal e pelo dirigismo contratual, fatores que o colocam como instituto pertencente à seara do Direito Social (VENOSA, 1997, p. 268 e 273).
Em síntese, o contrato de seguro estudado sob o critério da função social do contrato, e considerando o seu caráter social, jamais poderá ser interpretado individualmente. Deverá sempre resgatar a trilogia principiológica fundamentadora deste instituto, boa-fé objetiva, mutualidade e solidariedade. Não interpretar o contrato de seguro individualmente é fazer observar que depois de formalizado, o contrato deixa de ser apenas do contratante, passando a refletir positiva ou negativamente diante de terceiros.
A função social dos contratos, nesta perspectiva, apresenta-se como a cláusula geral por meio do qual se permite que as circunstâncias concretas presentes em um conflito surgido numa relação contratual integrem o processo de decisão judicial servindo de sustentação para uma ponderação entre os interesses e expectativas contratuais conforme valores reconhecidos no ordenamento jurídico brasileiro.
Na medida em que esses valores, por sua vez, aparecem na jurisprudência brasileira como justificação para a ponderação de alguns interesses e expectativas em detrimento de outros, renova-se o sistema jurídico e consolidam-se linhas de entendimento que, com o passar do tempo, podem se tornar mais definidas e, assim, promover a justiça contratual sem prejuízo da segurança no tráfico econômico.
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