CONTRATO DE SEGURO AUTOMÓVEL E OS EFEITOS DA EMBRIAGUEZ
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx
CONTRATO DE SEGURO AUTOMÓVEL E OS EFEITOS DA EMBRIAGUEZ
São Paulo 2016
Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx
CONTRATO DE SEGURO AUTOMÓVEL E OS EFEITOS DA EMBRIAGUEZ
Trabalho de conclusão de curso de especialização em Direito Contratual, sob orientação da Professora Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx.
São Paulo 2016
RESUMO
Com base na importância socioeconômica do contrato de seguro e em seus princípios balizadores, como a mutualidade, a boa-fé e a função social do contrato, e também com base na notoriedade do elevado número de acidentes causados por motoristas embriagados, neste trabalho analisamos o entendimento dos tribunais acerca da exigência da comprovação do nexo causal entre a embriaguez e o sinistro, para aplicação do instituto do agravamento de risco (art.768 do CC), cujo ônus da prova, em razão do Código de Defesa do Consumidor, é da seguradora.
Palavras-chave: Assistência mútua. Função social. Boa-fé. Interesse legítimo. Seguro. Agravação de risco. Embriaguez.
Based on the socio-economic importance of the insurance contract and its principles such as mutuality, good faith and the social function of the contract, and also based on the notoriety of the high number of accidents caused by drunk drivers, in this study we analyze the courts understanding about the exigency of evidence of the causal nexus between the drunkenness and the contingent event for application of the risk worsening institute (article 768 of Civil Code), which the burden of proof, in accordance with the Consumer Code, is of the insurance company.
Keywords: Mutual assistance. Social role. Good faith. Legitimate interest. Insurance. Risk worsening. Drunkenness.
INTRODUÇÃO 6
CAPÍTULO 1 – SEGURO: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS 7
1.1 Surgimento do seguro no mundo 7
1.2 Trajetória histórica do seguro no Brasil 10
CAPÍTULO 2 – CONTRATO DE SEGURO: CONCEITO, ELEMENTOS E FINALIDADE 14
2.1 Segurador 14
2.2 Segurado 14
2.3 Garantia 15
2.4 Interesse 16
2.5 Risco 16
2.6 Prêmio 17
CAPÍTULO 3 – A IMPORTÂNCIA SOCIECONÔMICA DO SEGURO E SEUS PRINCÍPIOS BALIZADORES 18
3.1. A função social do contrato de seguro 18
3.2. Princípio da mutualidade e solidariedade 19
3.3. Princípio da boa-fé 20
CAPÍTULO 4 – SEGURO AUTOMÓVEL E EMBRIAGUEZ AO VOLANTE 23
4.1. Crime doloso e de perigo abstrato 23
4.2. Agravamento do risco 25
4.3. Exclusão do risco 31
CONCLUSÃO 33
BIBLIOGRAFIA 35
INTRODUÇÃO
O seguro automóvel, assim como os demais seguros que integram o grupo de seguro de danos (ou de ramos elementares, como também é conhecido), diferentemente do seguro de pessoas, possui natureza indenizatória, pois visa à compensação ou reparação de um dano sofrido.
Nessa espécie de seguro, a garantia não poderá ultrapassar o valor correspondente ao interesse segurado quando da conclusão do contrato, sob pena de perder o segurado o direito à garantia, além de ficar obrigado à dívida do prêmio, caso tenha agido com má fé perante o segurador. Há um princípio que domina todos os seguros de dano, qualquer que seja sua modalidade de cobertura: ninguém pode lucrar com o evento danoso ou tirar proveito de um sinistro.”1
Em razão do elevado número de acidentes automobilísticos, é notória a importância do seguro automóvel para a sociedade contemporânea. Muitos desses acidentes são, na maioria das vezes, causados em razão da ingestão de bebida alcoólica associada à condução de veículo.
O segurado que quebra o seu dever de abstenção de beber e dirigir veículo automotor faz com que o risco assumido pela seguradora, em razão do contrato de seguro, seja agravado e a relação securitária desiquilibrada, tendo como consequência a perda do direito à garantia. É esse instituto (agravamento de risco) o objeto de estudo do presente trabalho.
Começaremos o trabalho com um apanhado histórico que nos remete à época dos primeiros indícios do seguro e da mutualidade entre determinados grupos da sociedade, passando ao estudo da importância socioeconômica do seguro, seus princípios balizadores e elementos caracterizadores, para subsidiar o estudo do tema propriamente dito, que abrangerá a analise do entendimento jurisprudencial acerca da necessidade de se comprovar o nexo causal entre o agravamento do risco e o sinistro.
1 XXXXX, Xxxxx. O Contrato de Seguro. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 79.
CAPÍTULO 1 – SEGURO: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS
1.1 Surgimento do seguro no mundo
A ideia de minimizar prejuízos decorrentes de fatos imprevisíveis surgiu há muito tempo, já no século XIII a.C., quando os cameleiros da Babilônia que viajavam para vender seus camelos, acordavam entre si que os prejuízos decorrentes da perda do animal seriam rateados entre os demais cameleiros do grupo.
Também foi assim com as viagens marítimas, em que navegadores hebreus e fenícios rateavam entre si os prejuízos sofridos pelas perdas de embarcações durante as viagens.
Em relação a esta assistência mútua, ensina Pedro Alvim2:
Percebeu-se que era mais fácil suportar coletivamente os efeitos dos riscos que atingiam isoladamente as pessoas. O auxílio de muitos para suprir as necessidades de poucos amenizava as conseqüências danosas e fortalecia o grupo. A mutualidade era, pois, uma condição altamente proveitosa para a coletividade sujeita aos mesmos riscos.
Já no século XII d.C., nasce uma modalidade de seguro, formalizada através de um contrato, que era o denominado “Contrato de Dinheiro a Risco Marítimo”.
Sobre este contrato, explica Antônio Márcio da Cunha Guimarães3:
Por força de suas cláusulas, um financiador emprestava ao navegador o dinheiro correspondente ao valor da embarcação e das mercadorias
2 XXXXX, Xxxxx. O Contrato de Seguro. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001, p. 2.
3 XXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx. Contratos Internacionais de Seguro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 16.
transportadas. Se não houvesse acidente, o navegador devolvia o dinheiro ao financiador acrescido de juros. Em caso de sinistro, que era justamente o acidente com o navio/mercadorias transportadas, o dinheiro não era devolvido.
Na opinião de Pedro Alvim4,
O empréstimo a risco marítimo exerceu papel importante para o comércio dos povos antigos, ensejando a transferência de riscos das viagens marítimas para aqueles que dispunham de maior poder econômico e, portanto, em melhores condições que os mercadores, cujos recursos não podiam suportar a eventualidade de uma expedição mal sucedida.
Este contrato veio a ser proibido em 1234 pelo Papa Xxxxxxxx XX, gerando transtorno para os comerciantes marítimos, que se viam desamparados em face dos riscos da atividade, apesar do alto valor exigido pelos financiadores.
Assim, como uma tentativa de disfarçar o contrato então proibido pelo Papa, assume este contrato uma feição de um contrato de compra e venda, “em que o banqueiro que tomava a seu cargo os riscos da viagem, declarava-se comprador dos bens transportados e comprometia-se ao pagamento do preço, caso o navio não chegasse a bom porto. Anulava-se a venda, se a expedição lograsse bom êxito, mas o comprador recebia um prêmio pela operação, o qual não se devolvia qualquer que fosse o resultado do negócio.” 5
Posteriormente, desvinculou-se a ideia de empréstimo da de garantia, figurando esses dois institutos em contratos autônomos. Ou seja, a garantia contra os riscos marítimos não envolvia empréstimo de qualquer quantia, mas tão somente a promessa de pagamento, na hipótese de sinistro ocorrido durante a navegação. Temos nesse período, o surgimento do contrato de seguro de uma forma independente, tanto do câmbio marítimo, quanto do contrato de compra e venda.
Em 1347, surge na Itália o primeiro contrato de seguro semelhante ao modelo atual, que era justamente um contrato de seguro marítimo. Com o passar dos anos e a expansão do negócio, a atividade seguradora, que se concentrava nos
4 XXXXX, Xxxxx. O Contrato de Seguro. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 14.
5 XXXXX, Xxxxx. O Contrato de Seguro. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 22.
riscos marítimos, teve seu campo de atuação abrangido, como, por exemplo, com o surgimento dos seguros de transportes terrestres, decorrente da extensão das apólices que garantiam o risco até o destino final da mercadoria, incluindo o percurso marítimo e, também, o terrestre.
Nesse período, a atividade carecia de regulamentação, mas dada sua expansão e importância para a atividade comercial, surge no século XV, em 1435, as Ordenanças de Barcelona, que foram alteradas nos anos seguintes (1435, 1443, 1458, 1461 e 1484), depois, no século XVI, as Ordenanças de Florença, de Burgos, de Sevilha etc.
No século XVII, a exploração do seguro deixou de ser exercida por seguradores particulares, para ser exercida “por sociedades que dispunham de melhores condições para reunir capitais elevados e estabelecer bases econômico- financeiras mais sólidas”6. Também nesse mesmo século, surgem os seguros de incêndio e o de vida.
Mas foi na Inglaterra, durante a Revolução Industrial, com o surgimento das sociedades de seguros, como a Lloyd’s, por exemplo, que o seguro tomou a forma como o conhecemos hoje, ocorrendo, no século XIX a expansão da atividade seguradora, com a criação de outras modalidades de seguros.
Ainda no século XIX, surgem o Código Comercial Francês (1807), o Código da Holanda (1838), o Código Comercial Brasileiro (1850), o Código Comercial Italiano (1882), o Código de Comércio Romeno (1887), o Código Comercial de Portugal (1888) etc., com a previsão do seguro em todos, sendo que alguns somente versavam acerca do seguro marítimo e outros, além do seguro marítimo, versavam, também, sobre o seguro terrestre.
Observa-se, portanto, que o seguro surgiu da necessidade que possuíam os homens de proteger seus comércios contra os riscos que ameaçavam suas atividades. Temos, assim, que o seguro surgiu de uma necessidade da própria sociedade, mas cujas linhas estruturais foram definidas bem posteriormente.
6 XXXXX, Xxxxx. O Contrato de Seguro. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 22.
1.2 Trajetória histórica do seguro no Brasil
Em 1808, com a vinda da família real e a abertura dos portos às nações estrangeiras, a atividade seguradora teve início no Brasil. Neste mesmo ano, surgiram as primeiras companhias seguradoras brasileiras, chamadas Boa fé e Conceito Público, ambas com sede na Bahia e regulamentadas pela Casa de Seguros de Lisboa. Em 1810 surge a Cia. de Seguros Identidade, no Rio de Janeiro.
Era comercializado, nesta época, o seguro marítimo. Isto é o que nos ensina Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxx,
No início, quando o sistema produtivo nacional tinha feições semi-coloniais, as seguradoras operavam exclusivamente o seguro marítimo, sendo fiscalizadas e normatizadas pela Casa de Seguros de Lisboa.7
Em 1850, foi promulgado o Código Comercial Brasileiro, que passou a disciplinar o seguro marítimo, único seguro explorado pelas sociedades autorizadas a operar no Brasil.
Em 1853 surge a primeira sociedade a operar seguros terrestres, denominada “Interesse Público” e, em 1855, a primeira sociedade a operar seguros de vida, denominada “Tranqüilidade”. A primeira sociedade estrangeira a atuar no Brasil foi a chamada “Companhia Garantia do Porto”, em 1862.
Surge, em 1901, o Decreto nº 4.270, conhecido como “Regulamento Murtinho”, que, segundo Xxxxx Xxxxx, “ampliava as normas de fiscalização a todas as companhias de seguro, nacionais, e estrangeiras, qualquer que fossem o ramo em que operassem.” 8
O Decreto nº 4.270, também criou a Superintendência Geral de Seguros, antecessora do Departamento Nacional de Seguros Privados e posterior Superintendência de Seguros Privados, e que tinha por finalidade a fiscalização da atividade seguradora no Brasil.
7 XXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx. Contratos Internacionais de Seguro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 17.
8 XXXXX, Xxxxx. O Contrato de Seguro. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 54.
Em 1902, é promulgado o Decreto nº 5.072, em razão da oposição criada por seguradoras estrangeiras em relação ao Regulamento Murtinho, conforme nos ensina Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx:
Em face das medidas restritivas contidas no Regulamento, principalmente em relação à constituição das reservas técnicas e matemáticas, a serem feitas exclusivamente no país, as seguradoras estrangeiras opuseram-se fortemente, razão pela qual foi promulgado o Decreto nº 5.072 de 12, 12, 1902, reduzindo consideravelmente as disposições contidas naquele.9
Em 1903, em razão do Decreto nº 5.072, as seguradoras são submetidas à autorização para funcionamento no Brasil.
Já em 1916, é promulgado o Código Civil, que em seu Capítulo XIV, disciplinava os contratos de seguros, as obrigações do segurado e do segurador, o seguro mútuo e o seguro sobre a vida.
Durante todo esse período, a atividade seguradora no Brasil era predominantemente exercida pelas sociedades estrangeiras, através de suas matrizes situadas no exterior, acarretando prejuízo ao desenvolvimento das seguradoras nacionais.
Assim, em 1932, como forma de reprimir o controle do mercado pelas seguradoras estrangeiras, é criado o Decreto nº 21.828, que, “[...] acabou com o privilégio, até então estabelecido a favor das seguradoras estrangeiras, de transferirem livremente parte de suas operações para as matrizes [...].” 10
Em 1939 foi criado o IRB (Instituto de Resseguros do Brasil), importantíssimo para o fortalecimento das seguradoras nacionais, cujo monopólio terminou em 2007, tornando-se um ressegurador local.
Em relação ao IRB, para Pedro Alvim11,
Esse órgão se tornou a peça fundamental do mercado de seguro do país, orientando sua política no sentido de fortalecer as seguradoras nacionais,
9 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de. Contrato de Seguro. Campinas: LZN Editora, 2002, p. 5.
10 XXXXX, Xxxxx. O Contrato de Seguro. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 54.
11 XXXXX, Xxxxx. O Contrato de Seguro. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 40.
mediante o estabelecimento de várias medidas, inclusive o resseguro automático. A seguradora, ainda que fosse de poder econômico menor que as outras, podia assumir grandes responsabilidades perante o segurado, pois o excesso de sua capacidade se transmitia automaticamente ao ressegurador. Com tal facilidade podia expandir seus negócios e disputar com as demais, inclusive as estrangeiras, a preferência do mercado.
Como ressegurador único, o Instituto de Resseguros tinha que adotar determinados padrões técnicos, relacionados com os diferentes aspectos da atividade seguradora. Analisou e classificou os riscos das carteiras, segundo normas técnicas até então desconhecidas pelos seguradores locais. Adotavam processos empíricos, nem sempre acomodados à realidade. Reformulou as cláusulas contratuais, expurgando as apólices de condições inadequadas ou contrárias aos princípios jurídicos do país. Impôs uma disciplina de trabalho para aceitação de negócios que não ficava à mercê de fatores eventuais da concorrência do mercado. Deu, finalmente, às operações de seguros um cunho científico que se refletia na estabilidade das seguradoras e facilitava o desenvolvimento geral.
Corroborando o entendimento sobre o papel fundamental do IRB no desenvolvimento do mercado de seguros no Brasil, aduz Xxxxxx X. Polido12:
O IRB regulou definitivamente o mercado, impedindo práticas nocivas na época, e desenvolveu o setor de seguros. O IRB iniciou suas operações pelo ramo Incêndio. Em 1942 passou a operar com Transportes; Acidentes Pessoais em 1943, Vida em 1944. Gradualmente atingiu todas as carteiras comercializadas pelo mercado segurador.
Já nas décadas de 1980 e 1990, com a liberação de tarifas de prêmios de seguros e da corretagem, houve uma desregulamentação da atividade securitária.
De acordo com os ensinamentos de Xxxxxx X. Polido13:
[...] As seguradoras, antes meras operadoras de tarifas tabeladas e impostas unilateralmente pelo poder público, passaram a entabular as suas próprias tarifas, com base nas técnicas atuariais pertinentes. Desta forma, começaram a desempenhar a sua atividade-fim, dentro do regime da livre iniciativa, isto é, da oferta e da procura – com preços livres, em que pese a operação monopolista do resseguro – a qual parametrizou o mercado por longo tempo. Com o passar dos anos, o monopólio do resseguro tolheu a iniciativa da atividade seguradora privada, imprimindo estagnação tecnológica no mercado. O papel remodelador que o IRB desempenhou a partir de sua criação, com o passar do tempo teve reflexo contrário, o que ressaltou a necessidade da desmonopolização da atividade de resseguro.[...]
12 XXXXXX, Xxxxxx X.. Contrato de Seguro: Novos Paradigmas. São Paulo: Roncarati, 2010, p. 53.
13 XXXXXX, Xxxxxx X.. Contrato de Seguro: Novos Paradigmas. São Paulo: Roncarati, 2010, p. 55.
Surge em 1966, o Decreto nº 73, de 21.11.1966, que cria o Sistema Nacional de Seguros Privados, composto pelo CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados); SUSEP (Superintendência de Seguros Privados); resseguradores; Sociedades autorizadas a operar em seguros privados; e corretores habilitados, regulando as operações de seguros e resseguros.
Em 1990 é promulgado o Código de Defesa do Consumidor, que afetou todas as relações de consumo, inclusive as de ordem securitária.
CAPÍTULO 2 – CONTRATO DE SEGURO: CONCEITO, ELEMENTOS E FINALIDADE
De acordo com o art. 757, “caput”, do Código Civil, “pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo à pessoa ou à coisa, contra riscos predeterminados.”
Deste conceito, extraímos, pois, os elementos formadores do contrato de seguro: (a) segurador; (b) prêmio; (c) garantia; (d) interesse; (e) segurado; e (f) risco, os quais serão tratados individualmente a seguir.
2.1 Segurador
É aquele que se obriga a indenizar, em razão de um contrato de seguro, o prejuízo sofrido por outrem. Deve ser pessoa jurídica constituída na forma de sociedade anônima, mútua ou cooperativa, limitada esta última aos seguros agrícolas, de saúde e de acidentes do trabalho.
A sociedade seguradora necessita de autorização para funcionamento, não pode explorar qualquer outro ramo de atividade (o que não a impede de investir em outras áreas, mas somente na qualidade de investidora), exige capital mínimo, não poderá requerer recuperação judicial/extrajudicial, bem como não está sujeita à falência.
Nas palavras de Sergio Cavalieri Filho14, o segurador nada mais é do que um garante do risco do segurado, uma espécie de avalista ou fiador dos prejuízos que dele podem decorrer.
14 CAVALIERI FILHO, Xxxxxx. Programa de Responsabilidade Civil. 9ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 436.
2.2 Prêmio
O prêmio de seguro é a contraprestação do segurado pela garantia dada pela seguradora, ou seja, é o valor pago pelo segurado à seguradora pela assunção das consequências econômicas do risco.
Ensina Antônio Márcio de Cunha Guimarães15 que
O prêmio é o preço do seguro, que obrigatoriamente está especificado no contrato. Isso garante que o segurador assuma a responsabilidade de determinado risco, ao mesmo tempo em que o segurado adquire o direito a uma indenização previamente combinada.
O valor do prêmio varia de acordo com o risco, “quanto maior a probabilidade do risco, maior o prêmio” e é com a receita dos prêmios da carteira de segurados da seguradora que esta cumpre a sua obrigação de indenizar os segurados em caso de sinistro, decorrendo daí a vedação às seguradoras de conceder bonificação, comissão ou vantagens especiais ao segurado, que importem a dispensa ou redução do prêmio, conforme art. 30 do Decreto Lei n.º 73/1966 (ALVIM, 2001, p. 270).
São vários os fatores que influenciam no cálculo do prêmio, como a sinistralidade de determinado seguro, por exemplo. O prêmio e o risco incidente sobre o interesse legítimo segurado deverão necessariamente se correlacionar, visando à manutenção dos recursos da seguradora para ser possível adimplir com suas obrigações, incluindo o pagamento de indenização aos segurados.
15 XXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx. Contratos Internacionais de Seguro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 49.
2.3 Garantia
No contrato de seguro, a garantia é a obrigação principal do contrato, é a proteção do interesse legítimo sobre o qual recai o risco, sendo, portanto, elemento sem o qual não seria possível o contrato. A garantia está representada por meio das coberturas contratadas em uma apólice de seguro.
0
Alguns autores entendem que, ao invés da garantia, figura como elemento essencial do contrato de seguro a indenização. Todavia, este não é o entendimento mais moderno e, também, o aqui adotado, uma vez que a indenização dependerá de um risco, que como vimos, está sujeito a um evento futuro e incerto. Assim, se o risco não vier a se concretizar durante a execução do contrato (sinistro), não há que se falar em indenização, não sendo esta, portanto, elemento essencial do contrato. A indenização poderá vir ou não a ocorrer, diferentemente da garantia.
2.4 Interesse
O objeto imediato do contrato de seguro, de acordo com o art. 757 do CC/2002, é a garantia do interesse do segurado. Este, por sua vez, conforme ensina Xxxxxx X. Polido16,
“[...] é o objeto mediato daquele contrato, enquanto objeto direto da garantia do seguro. Para a validade do contrato de seguro há que existir interesse legítimo do segurado sobre aquele determinado bem ou pessoa garantido por ele, não se confundindo titularidade do interesse com titularidade sobre o bem. O fato de o indivíduo ter interesse sobre determinado bem não significa que ele possui também a propriedade sobre aquele mesmo objeto.
16 XXXXXX, Xxxxxx X.. Contrato de Seguro: Novos Paradigmas. São Paulo: Roncarati, 2010, p. 106.
2.5 Segurado
Em relação ao segurado, este poderá ser pessoa física ou jurídica, cujo interesse legítimo sobre determinada coisa ou pessoa é garantido pela companhia seguradora contra riscos determinados em contrato.
A respeito do segurado, ensina João Marcos Brito Martins17 que “o segurado, também sujeito (parte) da operação de seguro, é a pessoa física ou jurídica, titular do risco, objeto da apólice de seguro, transferido ao segurado.”
2.6 Risco
Oliveira18:
Sobre o risco em um contrato de seguro, ensina Xxxxx Xxxxxxx de
O risco é o acontecimento futuro e incerto quanto a sua realização, ou quanto ao momento que ocorrerá, previsto no contrato de seguro, e suscetível de causar um dano à pessoa do segurado, ao seu patrimônio ou a outrem que tenha que repará-lo. Quando o fato futuro e incerto, que se receia ocorrer, dá-se a denominação de sinistro. O risco é essencial na constituição do contrato de seguro. É o acontecimento futuro e incerto, quanto ao momento de sua ocorrência, capaz de causar um dano. Entende- se o risco como objeto do contrato de seguro.
Para Arnaldo Rizzardo19, “os riscos assumidos pelo segurador são exclusivamente os assinalados na apólice, dentro dos limites por ela fixados, não se admitindo interpretação extensiva, nem analógica.”
É comum dizer que, por meio do contrato de seguro, os riscos do segurado são transferidos ao segurador. Mas, vejamos o que diz Cavalieri20;
“Na realidade, não é bem isso que acontece. O risco, de acordo com as leis naturais, é intransferível. Com o seguro ou sem o seguro, quem continua exposto ao risco é a pessoa ou coisa; é o operário que trabalha na máquina
17 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx. Direito de Seguro: responsabilidade civil das seguradoras: doutrina, legislação e jurisprudência: de acordo com o novo Código Civil, Lei nº 10.406, de 10.1.2002. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 43.
18 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de. Contrato de Seguro. Campinas: LZN Editora, 2002, p. 72.
19 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 00x Xx. Xxx xx Xxxxxxx; Forense. 2015, p. 836.
20 CAVALIERI FILHO, Xxxxxx. Programa de Responsabilidade Civil. 9ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 436.
perigosa ou lá no andaime do 10º andar de uma obra; é o carro que circula numa cidade infestada de ladrões; é a pessoa que vive numa cidade violenta, e assim por diante. O que o seguro faz é transferir as consequências econômicas do risco caso ele venha a se materializar em um sinistro.”
Temos, assim, que contrato de seguro tem por objetivo garantir ao segurado a cobertura de prejuízos decorrentes de um sinistro ocorrido com o risco segurado, que pode ser relativo à pessoa ou coisa, em contraprestação ao pagamento de uma quantia, única ou periódica, à seguradora, denominada prêmio de seguro.
CAPÍTULO 3 – A IMPORTÂNCIA SOCIOECONÔMICA DO SEGURO E SEUS PRINCÍPIOS BALIZADORES
Vimos no capítulo inicial deste trabalho que o seguro é um instituto muito antigo, que surgiu para cobrir riscos de cameleiros da Babilônia e viagens marítimas de navegadores hebreus e fenícios, e ao mesmo tempo é um instrumento atual, possuindo imensa importância e relevância no mundo econômico moderno.
Muito mais do que um instrumento para preservação do patrimônio, o seguro é peça fundamental para o desenvolvimento da economia. Não fora a segurança que só o seguro pode dar, inúmeros empreendimentos seriam absolutamente inviáveis, dada a enormidade dos riscos que representam. 21
Vejamos, agora, alguns dos princípios balizadores deste importante instituto, que nos faz entender a sua relevância para a sociedade.
3.1 A função social do contrato de seguro
A socialidade é uma das principais características do atual Código Civil, que prevê em seu artigo 421: a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Trata-se, pois, de uma relativização da liberdade de contratar (e do interesse individual) em prol do interesse da coletividade. O que se busca com o princípio da função social do contrato é equilibrar a relação contratual e garantir a proteção e interesses não apenas das partes que celebram o contrato, mas, também, da sociedade em geral, de toda a coletividade.
Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, buscando garantir o equilíbrio entre as partes nos contratos de adesão, foram criados mecanismos de proteção, como é o caso da interpretação mais favorável das cláusulas contratuais
21 CAVALIERI FILHO, Xxxxxx. Programa de Responsabilidade Civil. 9ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 436.
em benefício da parte mais fraca da relação consumerista, que é justamente o consumidor.
No caso do seguro, em razão da mutualidade e solidariedade, elementos essenciais do contrato de seguro, e que serão estudados adiante, a função social ganha extrema relevância.
Vejamos o diz Angélica Carlini22 sobre o tema:
Contratos de seguro só são individuais na apresentação que se faz ao segurado, porque são contratos de colaboração entre muitas pessoas que têm riscos semelhantes e que precisam umas das outras para conseguir numerário suficiente para a reposição ou indenização das garantias contratadas.
Se se sustentam em uma mutualidade de colaboradores, todos pagando uma quantia denominada prêmio para que o fundo mutual tenha numerário suficiente para arcar com os riscos que se materializarem ao longo do período de duração dos contratos, é possível afirmar que os contratos de seguro já são concebidos e nascem como contratos de notória função social.
Ainda sobre a função social do contrato de seguro, ensina Xxxxxxx José Campoy23:
“Quanto ao contrato de seguro, diga-se que cada contrato celebrado entre um segurado e uma seguradora repercute fortemente na esfera de interesse da coletividade de segurados. Afinal, seguro se assenta no mutualismo, de sorte que as indenizações e capitais segurados são pagos com o volume de prêmios arrecadado da comunidade de segurados.”
3.2 Princípios da mutualidade e solidariedade
O mutualismo e a solidariedade são a essência do seguro, na medida em que este instituto é formado por uma coletividade de pessoas sujeitas ao mesmo
22 XXXXXXX, Xxxxxxxx. Cadernos de Seguro. Edição 171. Função Social dos Contratos de Seguro e Sustentabilidade. 2012.
23 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Revista Jurídica de Seguros. Número 3. Rio de Janeiro: CNSeg, novembro de 2015, pág. 82.
risco, e que contribuem financeiramente para a reparação de eventuais prejuízos decorrentes de sinistros sofridos por seus mutuários. É o que chamamos de fundo mutual.
Sobre o mutualismo, ensina Cavalieri24:
Quando se fala em mutualismo, está se falando de uma comunidade submetida aos mesmos riscos, de um agrupamento de pessoas expostas aos mesmos perigos, às mesmas probabilidades de dano, razão pela qual decidem contribuir para a formação de um fundo capaz de fazer frente aos prejuízos sofridos pelo grupo. O segurador funciona apenas como gerente do negócio: recebe o prêmio de todos e paga as indenizações, cobrando um percentual pela administração”.
A respeito da importância do mutualismo, vejamos o que dizem Xxxxxxxx Xxxxxxx e Maria da Glória Faria25:
O mutualismo é o princípio fundamental da operação técnica de seguros e por essa razão, o contrato de seguros quando se torna a vestimenta jurídica da operação técnica, se preocupa tanto em proteger o mutualismo por meio das cláusulas que identificam as coberturas e as exclusões de riscos, bem como por meio das cláusulas restritivas de direitos.
O seguro não tem outra finalidade senão a superação ou minimização de prejuízos decorrentes de sinistros sofridos por uma mesma coletividade, que, reitera- se, está sujeita ao mesmo risco. Isto é solidariedade. “Na solidariedade há uma convergência dos interesses coletivos, importando a todos individualmente e à sociedade global que possíveis infortúnios não se transformem em prejuízos que individualmente seriam irreparáveis. 26”
24 CAVALIERI FILHO, Xxxxxx. Programa de Responsabilidade Civil. 9ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 438 - 439.
25 MIRAGEM, Xxxxx et al. Direto dos Seguros. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 72.
26 XXXXXXX, Xxxxxxx. Caderno de Seguro, n.º 147, março de 2008, p. 53.
3.3 Princípio da boa-fé
Ao tratar dos contratos em geral, o legislador ressaltou a importância do princípio da boa-fé objetiva, que deve ser observado não apenas em determinado momento do negócio jurídico, mas desde a sua concepção e até a sua conclusão.
Vejamos o que dispõe o art. 422 do CC:
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
No caso do seguro, mais do que um princípio balizador dos contratos em geral, a boa-fé objetiva se apresenta de forma integrativa absoluta. Não há seguro sem boa-fé objetiva27.
Walter Polido28, ao citar a Prof.ª Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, descreve a boa fé objetiva como um dever-anexo, o qual requer comportamento obrigatório na relação contratual. O indivíduo não tem escolha e também não lhe será desculpada a omissão concernente, ainda que alegue desconhecimento de fato ou ignorância.
Xxxxxxx, então, o dispõe o art. 765 do CC:
Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.
Podemos exemplificar aqui, no caso do seguro de automóvel, a informação prestada pelo segurado, no momento de contratação do seguro, a respeito do endereço e condições de pernoite do veículo segurado, se na rua ou em garagem com grades.
27 XXXXXX, Xxxxxx X.. Contrato de Seguro: Novos Paradigmas. São Paulo: Roncarati, 2010, p. 97.
28 XXXXXX, Xxxxxx X.. Contrato de Seguro: Novos Paradigmas. São Paulo: Roncarati, 2010, p. 98.
Ainda sobre o dever-anexo da boa-fé objetiva e a sua repercussão durante toda a relação contratual, ensina Walter Polido29:
“O art. 765, do CC/2002 expressa o dever-anexo da boa-fé objetiva na fase pré-contratual, abrangendo as duas partes contratantes: o segurado e o segurador são obrigados a guardar, na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes. [...] Na fase pré- contratual pode acontecer do não cumprimento exato da obrigação de informar, por parte do proponente do seguro, a qual deve se dar de maneira adequada e exaustiva – sobre o risco oferecido ao segurador; igual comando obrigacional determina ao segurador informar ao proponente do seguro sobre todas as características do produto ofertado: sua abrangência (riscos cobertos e riscos excluídos); custos envolvidos; limites de importâncias seguradas; prazos de coberturas; formas de pagamento do prêmio; bens não garantidos pelo seguro; condições prévias de aceitação (inspeções técnicas nos locais que serão compreendidos pelo contrato de seguro; execução de melhorias nos riscos; outras). É inexcusável qualquer omissão do dever-anexo de informar. Na fase de execução, a mesma compulsoriedade da boa-fé objetiva se impõe durante toda a vida do contrato, até a sua extinção. Uma vez sobrevindo o sinistro, contra o qual se contrata o seguro, as operações inerentes à sua regulação, até a completa liquidação, também são regidas pelo princípio da mais estrita boa-fé – para ambas as partes. [..]”
Este princípio se consagrou com o Código de Defesa do Consumidor, que considera nulas de pleno direito, as cláusulas que: “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé e equidade”.
Concluímos, portanto, que sendo uma relação de ordem civil e consumerista, a boa-fé comandará as relações securitárias.
29 XXXXXX, Xxxxxx X.. Contrato de Seguro: Novos Paradigmas. São Paulo: Roncarati, 2010, p. 99-100.
CAPÍTULO 4 – SEGURO AUTOMÓVEL E A EMBRIAGUEZ AO VOLANTE
4.1 Crime doloso e de perigo abstrato
‘Se beber, não dirija. Se dirigir, não beba’. Este é o slogan de uma das muitas campanhas preventivas já promovidas por órgãos governamentais com o objetivo de conscientizar a população da fatal combinação de álcool e direção.
Todos sabem que bebida alcoólica e direção não combinam. Esta combinação é responsável por inúmeros acidentes e mortes no trânsito, e aquele que se predispõe a contrariar a referida orientação, assumindo o risco de produzir o resultado, pratica crime doloso. É o chamado pela doutrina penal de dolo eventual.
Alvim30:
Sobre a notoriedade da nocividade de se dirigir embriagado, ensina Xxxxx
“Há certas agravações de conhecimento quase intuitivo. Qualquer pessoa sabe que a instalação de um depósito inflamável nas proximidades de uma indústria agrava o risco de incêndio ou que a possibilidade de acidente com veículo aumenta, se o motorista ingere bebida alcoólica. Evidente que fatos desta natureza não precisam ser enumerados, pois fazem parte da noção comum.”
Vejamos, agora, o que diz o caput do art. 306 do Código de Trânsito
Brasileiro:
Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência.
Trata-se, pois, de crime de perigo abstrato, sendo o fato de conduzir veículo embriagado suficiente para a configuração do crime, sem
30 XXXXX, Xxxxx. O Contrato de Seguro. Rio de Janeiro: Forense, 2001, pág. 262.
necessidade, portanto, que ocorra qualquer dano, seja ao próprio condutor do veículo, a terceiros ou a bens materiais.
E se dirigir veículo automotor embriagado é crime, poderiam os riscos decorrentes dessa conduta criminosa ser protegido pelo contrato de seguro?
Prevê o artigo 757 do Código Civil31 que o objeto do contrato de seguro é garantir interesse legítimo do segurado, sendo impensável, portanto, a garantia de um risco proveniente de ato doloso do segurado32.
Nesse sentido, trechos de decisões dos Tribunais de Justiça do Espírito Santo, do Distrito Federal e de São Paulo:
“Não se pode olvidar, outrossim, que o art. 306, da Lei Federal nº. 9.503/1997, prevê como ilícito penal, punido com pena de detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, a conduta daquele que conduz veículo com a capacidade automotora alterada em razão da influência de álcool. Trata-se de tipo legal de perigo abstrato, que decorre da presunção legal inequívoca da extrema gravidade da conduta, considerando-se os deletérios reflexos da conduta frente à sociedade.
(...)
Destarte, valendo-me de tais considerações e da imprescindível análise sistemática da legislação pátria, penso não ser razoável reputar como legítima, no âmbito do contrato que prevê a cobertura de risco, a conduta cuja gravidade moveu o legislador a torná-la um ilícito penal exatamente pela presunção da exposição ou do agravamento do risco de ocorrência de um evento danoso, seja ele ao próprio agente ou a terceiros.” (grifos nossos) 33
“É legítima a cláusula inserida pela companhia seguradora nas condições gerais do contrato, no sentido de que constituiria risco excluído quando o evento resultar de ato ilícito doloso ou contrário à lei praticado pelo segurado, pelo beneficiário ou pelo representante legal, de um ou de outro (5.1, ‘c’ - fls. 73). É do senso comum que a prática de ato contrário à lei, eadamente a condução de veículo em estado de completa embriaguez, tem o condão de agravar sobremaneira o risco, donde não há falar-se em abusividade.” (grifos nossos) 34
31 Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.
32 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Revista Jurídica de Seguros. Número 3. Rio de Janeiro: CNSeg, novembro de 2015, pág. 79-80.
33 TJ-ES - APL: 00021520720098080002, Relator: ANNIBAL DE REZENDE LIMA, Data de Julgamento: 04/06/2013, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL.
34 TJ-ES - Agravo regimental nº. 002.090.021.490, Relatora: Desembargadora Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx.
“(...) O seguro é contrato aleatório que tem por objetivo garantir interesse legítimo do segurado, relativo à pessoa ou à coisa, contra riscos predeterminados (artigo 757 do Código Civil). Não se presta, contudo, a acobertar atitudes imprudentes e inconsequentes do próprio segurado que, à roda evidência, agravam o risco do sinistro.” (grifos nossos) 35
“Os seguros só amparam os riscos normais e não aqueles decorrentes de ilícito penal. Em outras palavras, a finalidade do seguro é cobrir danos resultantes de condutas normais dentro da sociedade, e não amparar comportamentos ilícitos ou criminosos que atentam contra a própria sociedade. Se o segurado, de qualquer modo, agrava o risco ou procede de maneira contrária ao estipulado no contrato, isso resultará na perda do direito ao seguro.” (grifos nossos) 36
4.2 Agravamento do risco
Não há como negar que aquele que contrata um seguro e dirige embriagado, colocando em risco a sua integridade física e a de terceiros, está agravando o risco coberto pela apólice de seguro contratada.
Vejamos o que diz o art. 768 do Código Civil sobre o agravamento do
risco:
“Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.”
Pela redação do artigo, entendemos que aquele que dirige embriagado, por agravar, de forma intencional, o risco, perde direito à garantia securitária. É como se o contrato de seguro, no momento em que o segurado dirige embriagado, deixasse de existir e produzir efeitos.
Ora, se o contrato de seguro, como vimos, está pautado na boa-fé objetiva, como poderia a seguradora ser compelida a pagar indenização a segurado
35 TJ-DF - APL: 6952520048070007 XX 0000000-00.0000.000.0000, Relator: XXX XXXXX XXXXXX
AMARANTE BRITO, Data de Julgamento: 17/12/2008, 6ª Turma Cível.
36 Apelação nº 0113989-31.2007.8.26.0004, rel. Des. Xxxxxx Xxxxxxxxxx.
que, intencionalmente, de forma dolosa, agravou o risco inicialmente declarado, desiquilibrando a relação contratual?
Se a seguradora, nessa situação, aceitasse pagar a indenização, estaria ela prejudicando os demais segurados integrantes do mútuo, que pagariam prêmios maiores em razão do pagamento de indenizações indevidas, e colocaria em risco o equilíbrio econômico-financeiro do fundo.
Sobre esta questão, ensina Sylvio C. de Souza37:
“Como administradora do fundo do seguro, a seguradora tem o dever legal de recusar o pagamento de indenizações que não se refiram a riscos expressamente cobertos, ou de danos que decorram de atos dolosos do próprio segurado, ou com deliberado agravamento do risco declarado. Sem rigoroso controle dos sinistros que devam ser indenizados, a consequência inevitável e perigosa é a redução das reservas do fundo, que pode chegar à falta de recursos para cobrir indenizações devidas aos participantes. Outra consequência igualmente nociva é que o pagamento indiscriminado de indenizações provocará o aumento do valor dos prêmios, em razão dos reflexos nos cálculos atuariais, impossibilitando que todos tenham acesso ao sistema.”
Estudaremos agora sobre a necessidade (ou não) de se estabelecer nexo causal entre a embriaguez e o sinistro para a configuração da agravação do risco.
É majoritário na jurisprudência o entendimento de que é necessária não apenas a prova da embriaguez associada à condução de veículo automotor, mas também a prova do nexo causal entre a embriaguez e o sinistro, cabendo à seguradora o ônus da prova.
Vejamos alguns julgados em que se destaca a necessidade da prova do nexo causal entre o estado de embriaguez e a ocorrência do sinistro:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESERÇÃO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. RENOVAÇÃO DO PEDIDO. DESNECESSIDADE. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ. NEXO DE CAUSALIDADE. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. ÔNUS DA PROVA.
SEGURADORA.1. A assistência judiciária gratuita estende-se a todas as instâncias e a todos os atos do processo. 2. A renovação do pedido ou a comprovação de que a parte recorrente é beneficiária da justiça gratuita não é necessária quando da interposição do recurso especial. 3. A mera
37 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Revista Jurídica de Seguros. Número 3. Rio de Janeiro: CNSeg, novembro de 2015, pág. 26.
constatação de embriaguez de motorista não é razão bastante para eximir a seguradora de pagar indenização pactuada. 4. Incumbe à seguradora o ônus da prova relativa ao nexo causal entre o acidente e o estado de embriaguez do segurado. 5. Agravo regimental provido.
(AgRg no AREsp 596.811/SP, Rel. Ministro XXXX XXXXXX XX XXXXXXX,
TERCEIRA TURMA, julgado em 22/09/2015, grifos nossos).
RECURSO ESPECIAL. SEGURO. EMBRIAGUEZ. SINISTRO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇAO DA RELAÇAO DE CAUSA E EFEITO. EXCLUSAO DA COBERTURA IMPOSSIBILIDADE.
- A circunstância de o segurado, no momento em que aconteceu o sinistro apresentar dosagem etílica superior àquela admitida na legislação de trânsito não basta para excluir a responsabilidade da seguradora, pela indenização prevista no contrato.
- Para livrar-se da obrigação securitária, a seguradora deve provar que a embriaguez causou, efetivamente, o sinistro.
(Recurso Especial n.º 685.413/BA, Rel. Ministro XXXXXXXX XXXXX XX XXXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/03/2006, grifos nossos).
CONTRATO DE SEGURO. RELAÇÃO DE CONSUMO. ALEGAÇÃO DE AGRAVAMENTO DE RISCO DECORRENTE DE EMBRIAGUEZ. AUSÊNCIA DE PROVA DO NEXO CAUSAL ENTRE A EMBRIAGUEZ E O ACIDENTE. ÔNUS DA PROVA QUE COMPETIA Á RÉ. IMPOSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DA COBERTURA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.
(Recurso Cível Nº 71002949352, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Julgado em 28/09/2011, grifos nossos).
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. SEGURO DE VIDA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ. REVISÃO DE PROVAS. SÚMULA N. 7/STJ. INDENIZAÇÃO. REVISÃO DO VALOR. NÃO CABIMENTO.
PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. 1. Não configura violação ao art. 535 do CPC a decisão que examina todas as questões submetidas à apreciação judicial, circunstância que afasta a negativa de prestação jurisdicional. 2. O STJ pacificou entendimento no sentido de que a embriaguez, por si só, não configura a exclusão da cobertura securitária em caso de acidente de trânsito, ficando condicionada a perda da indenização à constatação de que a embriaguez foi causa determinante para a ocorrência do sinistro. Rever a interpretação da prova feita pela instância de origem, para concluir comprovado que a embriaguez foi a causa do acidente, não é cabível no âmbito do recurso especial (Súmula n. 7 do STJ). 3. Hipótese em que, ademais, o veículo era conduzido por terceiro e não pelo segurado. 4. Admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, excepcionalmente, em recurso especial,
reexaminar o valor fixado a título de indenização por danos morais, quando ínfimo ou exagerado. Hipótese, todavia, em que o valor foi estabelecido na instância ordinária, atendendo às circunstâncias de fato da causa, de forma condizente com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.”
(STJ - AgRg no AREsp: 450149 DF 2013/0409084-8, Relator: Ministra XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, Data de Julgamento: 01/04/2014, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/04/2014, grifos nossos).
Mas, será que esse seria o entendimento mais adequado sobre a matéria em estudo? É o que veremos.
O art. 768 do Código Civil fala em agravamento do “risco” e não do “sinistro”. O primeiro, como vimos no capítulo segundo deste trabalho, é o evento futuro e incerto capaz de causar um dano, que pode ser de ordem pessoal ou material, enquanto o segundo é o acontecimento, a materialização desse evento.
Esta distinção entre o risco e o sinistro nos leva a entender que pouco importa ser a embriaguez o fator determinante do sinistro (e do dano - pessoal ou material), se de acordo com a redação do artigo em comento, no momento do sinistro, o segurado já estaria sem a garantia securitária pretendida. A quebra do dever de abstenção do segurado de beber e dirigir veículo automotor por si só faz com que, em razão do agravamento do risco, o segurado perca o direito à garantia.
Ainda sobre o art. 768, vejamos o que diz Adilson José Campoy38:
“Seria razoável exigir-se a prova do nexo de causalidade entre a embriaguez e o sinistro se o dispositivo acima determinasse a perda do direito à indenização ou capital segurado, porque, na medida em que relacionasse a agravação à indenização ou ao capital segurado, estaria indiretamente relacionando a agravação a um sinistro. Mas, o dispositivo transcrito estabelece a pena de perda da garantia. Dito de outra forma, o que leva à perda do direito não é a circunstância em que se dê eventual sinistro. A perda do direito antecede a ocorrência de qualquer sinistro. O que leva à perda do direito é a prática deliberada de ato que agrava o risco.
(...)
O legislador referiu-se ao termo “garantia” exatamente porque pretendeu afastar a discussão sobre o nexo de causalidade. Tanto que em outra situação, como a do art. 771, que obriga o segurado a avisar o sinistro logo que o saiba e a adotar providências para minorar suas consequências,
38 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Revista Jurídica de Seguros. Número 3. Rio de Janeiro: CNSeg, novembro de 2015, pág. 72.
imputa-se àquele que assim não o fizer a perda do direito à indenização daquele sinistro, mas não de outros que porventura ocorram, já que remanesce a eficácia do contrato.”
Em sentido contrário à jurisprudência majoritária, vejamos, agora, o que dizem alguns julgados sobre a desnecessidade de nexo causal entre a embriaguez e o sinistro:
APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO. EMBRIAGUEZ. Em tempos de
assustadora violência no trânsito, em que mais rigorosos devem ser os meios de controle para evitar a verdadeira chacina que cotidianamente se vê noticiada, deve a jurisprudência também cumprir o seu papel e sua responsabilidade social, desestimulando, pelos meios ao seu alcance, o exacerbamento do risco pela ingestão de bebida alcoólica, fato que, por ser de notório conhecimento, deve dispensar prova. Embriaguez comprovada pelo Termo de Constatação de Embriaguez, subscrito por agente da Polícia Rodoviária Federal, que refere que, que por ocasião do acidente, ocorrido na madrugada do dia 23.11.2008, o autor aparentava sonolência, olhos vermelhos, odor de álcool no hálito, dificuldade no equilíbrio e fala alterada. Associado ao que dispõe o art. 231 do CCB, não é devida a indenização securitária em razão do agravamento do risco por parte do autor, que, comprovadamente, estava sem condições de conduzir o veículo em face da condição de embriaguez. PROVERAM A APELAÇÃO DA SEGURADORA E NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR. UNÂNIME.
(Apelação Cível Nº 70038789004, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Xxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Julgado em 27/10/2010, grifos nossos).
“APELAÇÃO CPIVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – CONTRATO DE SEGURO DE AUTOMÓVEL – EMBRIAGUEZ DO MOTORISTA CONFIGURADA – DOCUMENTOS DA AUTORIDADE POLICIAL – PRESUNÇÃO JURIS TANTUM DE VERACIDADE – AUSÊNCIA DE PROVAS APTAS EM SENTIDO CONTRÁRIO – INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO ACERCA DE FATO DE TERCEIRO – QUEBRA DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL – AGRAVAMENTO DO RISCO VERIFICADO
– OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR AFASTADA - SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.
Quando o risco segurado é agravado, quebra-se o equilíbrio contratual, sendo justificada a negativa de pagamento. Caso em que a embriaguez do condutor do veículo restou evidente, agravando sobremaneira o risco segurado.”
(TJSC. Ap. Civ. 2005.032186-8, Rel. Des. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx, x. 20/03/2007, grifos nossos).
“Contrato de seguro. Acidente de trânsito. Embriaguez. Agravamento do risco. Exclusão da cobertura. Considerando que o segurado conduzia o veículo embriagado no momento do acidente, houve agravamento dos riscos, de forma a excluir a cobertura securitária, conforme o disposto no artigo 1454 do Código Civil de 1916. Sentença que julgou improcedente a ação mantida. APELAÇÃO DESPROVIDA.” (TJRS, Ap. 70006892327, 6a Câm. Cível, rel. Des. XXXXXXX XX XXXXXXX XXXXXX,
j. 18.8.2004, grifos nossos).
Embora este último julgado faça menção expressa ao artigo 1454 do Código Civil revogado de 191639, que não previa a intencionalidade do segurado em agravar o risco, assim como o art. 768 do atual Códex, também tratava do agravamento do risco e da perda do direito ao seguro.
Outro julgado que pode ser aproveitado para o presente trabalho, embora diga respeito a seguro de vida, e não de automóvel, é este da 3ª Turma do STJ:
“EMENTA. SEGURO DE VIDA. EMBRIAGUEZ. A cláusula do contrato de seguro de vida que exclui da cobertura do sinistro o condutor de veículo automotor em estado de embriaguez não é abusiva. Que o risco, nesse caso, é agravado resulta do senso comum, retratado no dito “se beber não dirija se dirigir não beba”. Recurso Especial não conhecido. DECISÃO UNÂNIME DA TERCEIRA TURMA do STJ.
COMPOSIÇÃO: Ministros Xxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxxx votaram com o Sr. Ministro Relator, o MINISTRO XXX XXXXXXXXXX. Data do julgamento: 26 de agosto de 2008, grifos nossos).”
Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx e Renato Barcellos Santos40, ambos advogados especializados em direto do seguro, ao refletirem sobre decisão acima transcrita, ensinam:
“Nada obstante, é de se reconhecer que a referida decisão, unânime, da Terceira Turma do STJ, sinaliza alteração no seu entendimento para admitir que a embriaguez é de regra intencional, revertendo raciocínio anterior que partia da presunção de que só na embriaguez preordenada (dolosa) a recusa da seguradora poderia ter alento, já agora considerando que só na embriaguez fortuita (por exemplo, o segurado que é forçado a embriagar-se, ou cai acidentalmente num tonel de aguardente etc.) a negativa não seria válida.
39 Art. 1454. Enquanto vigorar o contrato, o segurado abster-se-á de tudo quanto possa aumentar os riscos, ou seja contrário aos termos do estipulado, sob pena de perder o direito ao seguro.
40 xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/0000/00/00/xxxxxxxxxx-xx-xxxxxxx-xxxxxxxxxxx-xx- risco-breves-comentarios-sobre-recente-decisao-do-superior-tribunal-de-justica/
Nessa linha, a decisão do STJ parece adotar a teoria da causalidade remota, abandonando a teoria da causalidade adequada, quer dizer, basta que o segurado esteja dirigindo embriagado (praticando no caso crime de perigo concreto, que põe em risco a incolumidade das pessoas, inclusive a do próprio segurado, e das coisas, inclusive o próprio bem seguro) para a caracterização do agravamento intencional do risco, isto é, basta que o segurado desatenda ao comando da lei penal que lhe veda dirigir embriagado, para extrapolar os limites da delimitação objetiva e subjetiva do risco, que em última análise traduz o conceito de agravamento, grifos do autor).”
Concluímos, dessa forma, que diferentemente das decisões judiciais que defendem a necessidade de prova do nexo de causalidade entre o sinistro e a embriaguez, que não deixam claro o motivo de tal exigência, as decisões em sentido contrário, que tratam o agravamento de risco decorrente da embriaguez como fato de conhecimento notório e como causa de desiquilíbrio do contrato de seguro, contrato este pautado nos princípio da boa-fé e da mutualidade, parecem apresentar o entendimento mais adequado sobre o tema.
4.3 Exclusão do risco
Ainda que para a aplicação do instituto da agravação do risco (art. 768 do CC) haja o entendimento de que é necessária a comprovação do nexo causal entre a embriaguez e o sinistro, nos contratos de seguro temos também as chamadas “cláusulas de exclusão de riscos”.
Todo contrato de seguro de ramo massificado possui cláusulas que preveem os riscos que não estão cobertos pelo seguro e que, portanto, se vierem a acontecer, o segurado não terá direito à indenização.
Tais cláusulas são possíveis em razão do art. 757 do Código Civil, que diz: “Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.”
Este artigo autoriza as seguradoras a limitar os riscos que irão assumir em razão do contrato de seguro, em contrapartida ao prêmio que irão receber do segurado. E, sendo a conduta de dirigir embriagado considerada crime doloso, estará o risco excluído expressamente do contrato de seguro, não tendo o segurado direito a qualquer indenização.
Como pode ser observado nas ementas dos julgados transcritos no presente trabalho, o entendimento jurisprudencial majoritário reconhece que a previsão de cláusula que exclui do contrato de seguro automóvel o risco decorrente da condução de veículo automotor embriagado não caracteriza abusividade da seguradora em relação ao segurado.
CONCLUSÃO
A embriaguez ao volante, como é conhecido o tipo penal previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, cujos efeitos são notórios e alertados a todo o momento pelo Poder Público, é considerada agravamento de risco em um contrato de seguro.
O agravamento intencional do risco pelo segurado, de acordo com o artigo 768 do Código Civil, faz com que o segurado perca o direito à garantia securitária pretendida com o contrato de seguro.
O fato do segurado não abster-se de dirigir embriago, colocando em risco a sua incolumidade física e a terceiros, configurando, como vimos, prática de crime doloso e de perigo abstrato, faz com que ocorra um desiquilíbrio na relação contratual entre o segurado e a seguradora.
Em razão desse desiquilíbrio contratual e sob a ótica da função social do contrato, que relativiza os interesses das partes contratantes em razão dos interesses da coletividade, faz com que o segurado que agravou intencionalmente o risco perca direito a indenização securitária, sem o que o fundo mutuário composto por outros segurados seria prejudicado, visto que os prêmios dos demais segurados seria aumentado em razão do pagamento de indenizações indevidas, colocando em risco o equilíbrio econômico-financeiro do fundo.
Em que pese o fato do entendimento que exige a prova do nexo causal entre a embriaguez e o sinistro ser majoritário, parece-nos que ele vai de encontro ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do art. 306, do Código Brasileiro de Trânsito, que reconhecem a embriaguez como crime de perigo abstrato. Se dirigir embriagado é crime que não exige prova de efetiva exposição a riscos, esperar-se-ia, pois, uma vez demonstrada a embriaguez, fosse reconhecida a presunção relativa do nexo causal entre a embriaguez e o sinistro.
O Poder Judiciário tem papel extremamente relevante na coibição da prática desse ato ilícito doloso, o que, com todo o respeito, parece-nos que não é feito quando as decisões dos tribunais exigem a comprovação do nexo causal entre a embriaguez e o sinistro, cujo ônus da prova é imputado à seguradora, permitindo, em razão da dificuldade probatória, que os segurados que praticaram crime doloso, recebam na esfera cível a indenização securitária.
E como se a previsão do instituto da agravação do risco não fosse suficiente, o Código Civil legitima as seguradoras a escolherem os riscos que querem aceitar em um contrato de seguro, o que permite a exclusão de riscos decorrentes da ingestão de bebida alcoólica combinada à direção de veículo automotor.
Não há que se falar, por fim, em abusividade desta cláusula, já que o seguro, conforme visto, somente pode ter como objeto interesse legítimo, enquanto o risco decorrente da condução de veículo automotor depois da ingestão de bebida alcoólica é considerado crime.
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