PARECER JURÍDICO SOBRE O “VOTO AOS 16 ANOS” NAS ASSEMBLEIAS DE GRUPO ESCOTEIRO
PARECER JURÍDICO SOBRE O “VOTO AOS 16 ANOS” NAS ASSEMBLEIAS DE GRUPO ESCOTEIRO
Consulente
ESCOTEIROS DO BRASIL, por meio do Grupo de Trabalho da “Política Nacional de Envolvimento Juvenil”, força tarefa de “Garantias Institucionais”, do Conselho de Administração Nacional.
Consulta
Trata-se de solicitação de parecer tendo por objeto o exame da capacidade civil relativamente à participação de beneficiários como votantes em assembleias de Grupos Escoteiros, desde que em consonância com o Estatuto do Grupo Escoteiro.
1. Histórico
O movimento escoteiro, conforme nos relata sua história, emerge de forma espontânea através da utilização, por jovens, da obra em fascículos “Scouting for Boys”, publicada pelo fundador em 1909. Após a grande repercussão da utilização da obra é que passam a ser estabelecidos critérios e ideias para a criação de um movimento organizado, com a primeira experimentação na Ilha de Brownsea, perto de Poole em Dorset, Inglaterra. Conforme identificou Xxxxxxxx:
“(...) a origem e organização a partir de uma demanda social. Se, por um lado, a educação institucionalizada aparece sob oregimento do Estado, dirigida, coordenada e legislada por pessoas não tão próximas do cotidiano educacional e afastadas do que deveria ser o principal sujeito do processo, o jovem, o movimento escoteiro traz, desde seu início, sua organização baseada na organização voluntária de seus protagonistas” (XXXXXXXX, 2014 a 2018, p. 8)1.
Embora possa ser considerado por muitos como desnecessário, este brevíssimo escorço histórico tem objetivo de identificar a espontaneidade e origem do movimento escoteiro em ações adotadas, inicialmente, por jovens e, somente após, organizadas e ocorrendo a inserção de adultos como orientadores, na visão de B.P. Conforme enunciados e definição contida no Programa Educativo da Escoteiros do Brasil:
1 Escoteiros do Brasil - Protagonismo Juvenil e Movimento Escoteiro - história e panorama contemporâneo por Xxxxxxx xx Xxxxxx xx Xxxxxxxx. Disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxx.xx/xx-xxxxxxx/xxxxxxx/0000/00/xxxxxxxxxxxx_xxxxxxx_x_xxxxxxxxx_xxxxxxxxx-xxxxxxxx _e_panorama_ comtemporaneo.pdf, acessado em 19/Abr/2018, 20h30.
“Somos um movimento de jovens e para jovens, com a colaboração de adultos, unidos por um compromisso livre evoluntário. Somos um movimento de educação não formal, que se preocupa com o desenvolvimento integral e com a educação permanente dos jovens, complementando o esforço da família, da escola e outras instituições”.
O Programa Educativo visa atender o Propósito, os Princípios e o Método Escoteiro, pontos fundamentais para a prática do Escotismo. Nove princípios fundamentais garantem o sucesso do Programa2:
• Atualização: resultado de reflexões constantes sobre as práticas educativas;
• Relevância: leva em conta as características culturais, sociais, políticas e econômicas da
sociedade;
• Significância: considera atender os interesses e necessidades dos jovens;
• Protagonismo juvenil: coloca o jovem como centro do processo educativo;
• Para todos: precisa adaptar-se às diferentes realidades, atendendo jovens de todos os
segmentos da sociedade;
• Educa para a vida: deve dar oportunidade para que os jovens cresçam como pessoas, de
maneira progressiva;
• Unidade na diversidade: embora se adapte às distintas realidades, o Programa Educativo
mantém sua unidade;
• Autonomia progressiva: dá espaço para que os jovens participem dos processos de tomada
de decisões;
• Vinculado com a realidade: os conteúdos do Programa devem estar conectados com as frequentes mudanças da sociedade e adequados à realidade de cada ambiente.
O Escotismo é um movimento educacional que, por meio de atividades variadas e atraentes, incentiva os jovens a assumirem o próprio desenvolvimento, a se envolverem com a comunidade, formando verdadeiros líderes. Acreditamos que, por meio da proatividade e da preocupação com o próximo e com o meio ambiente, podemos formar jovens engajados em construir um mundo melhor, mais justo e mais fraterno3. Na tradução do proposito estabelecido pelo fundador, temos definido que na Regra 002 do POR:
“O propósito do escotismo écontribuir para que os jovens assumam seu próprio desenvolvimento, especialmente do caráter, ajudando-os a realizar suas plenas potencialidades, físicas, intelectuais, afetivas, sociais, e espirituais, tornando-se cidadãos responsáveis, participativos e úteis em suas comunidades”.
2 ESCOTEIROS DO BRASIL. Política Nacional de Programa Educativo, 2018. p 10 e 11.
3 ESCOTEIROS DO BRASIL. POR - Princípios, Organizações e Regras 2013. Curitiba - PR, 29/Nov/2013. p 12.
Para o atingimento destes objetivos é utilizado um Método Educativo que possui áreas de atuação, entre as quais, para efeitos deste estudo, destacam-se:
“2. Aprender fazendo. O aprendizado pela prática é uma das bases do Movimento Escoteiro. Os jovens são incentivados a desenvolverem suas habilidades pela ação, valorizando o treinamento para autonomia baseado na autoconfiança e iniciativa, observando oserroscomoparteda jornada, fonte de aprendizagem, já que são um passo em busca do acerto”.
“3. Vida em equipe. Desde o ingresso em um grupo escoteiro, a vida em equipe passa a fazer parte da realidade do escoteiro. Esse convívio possibilita a descoberta progressiva de responsabilidade e prepara o autocontrole, além de desenvolver a capacidade tanto para liderar quanto para cooperar”.4
Embora retrate aspectos de domínio comum aos adultos pertencentes ao Movimento Escoteiro, tais situações merecem reflexão permanente para fins de que não pereçam seus ideais por contingências sociais regionalizadas e temporais. A persistência e desenvolvimento do Movimento Escoteiro ao longo das décadas deu-se justamente por observar as bases fundantes e oportunizar constante readequação de seu modo de proceder, em especial relação ao envolvimento juvenil e, principalmente, no empoderamento5 dos jovens com a finalidade de atingir os objetivos finais do Escotismo.
2. Do Exame Normativo
Ao exame dos aspectos atinentes à capacidade civil dos membros juvenis do Movimento Escoteiro, dividiremos a apresentação em duas etapas. A primeira delas será o exame relativo aos atos normativos internos, Estatuto, Regulamento, Princípios, Organização e Regras (P.O.R.), Resoluções, documentos componentes do Programa Educativo da Escoteiros do Brasil, textos do fundador e eventuais bibliografias auxiliares.
No segundo momento, buscaremos em Tratados e Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos e Direitos da Criança e Adolescente e na legislação civil brasileira, o que concerne à aquisição e exercício da capacidade civil, plena ou relativa, e suas consequências, abrangendo as diversas áreas especializadas do Direito para fins de identificação de suas características e peculiaridades quanto ao tema. Para efeitos de procedimento e apresentação, buscaremos identificar o órgão e a data de constituição dos documentos, estabelecendo uma cronologia de apresentação.
4 ESCOTEIROS DO BRASIL. Política Nacional de Programa Educativo, 2018. p 9.
5 A palavra, um neologismo utilizado por Xxxxx Xxxxxx que tem origem no termo inglês “empowerment”. Conforme dicionários Xxxxxxx e Houaiss, o termo identifica o ato ou efeito de promover conscientização e tomada de poder de influência de uma pessoa ou grupo social> trata a ideia de dar a alguém ou a um grupo o poder de decisão em vez de tutelá-lo.
2.1 Disposições Normativas interna corporis
Em relação à participação e envolvimento juvenil na tomada de decisões perante todos os níveis do Movimento Escoteiro, passamos a pontuar:
• Nível Mundial: Política Mundial de Envolvimento Juvenil;
• Nível Interamericano: Participación Juvenil em La Región Scout Interamericana: integración de los modelos de Participación Juvenil;
• Nível Nacional: Política Nacional de Programa Educativo, Projeto Educativo do Movimento Escoteiro, Planejamento Estratégico 2016-2021, Princípios, Organização e Regras (POR).
2.2 Disposições Normativas externa corporis
A participação ativa de adolescentes a partir dos 16 anos de idade nas eleições e decisões de associações civis à luz da casuística legal brasileira e de sua relativa capacidade civil se trata de tema não enfrentado por juristas e pelos tribunais pátrios.
Não obstante, a discussão dessa questão se mostra apta a ser enfrentada diante da valorização da juventude e sua participação efetiva na sociedade, o que mereceu até mesmo a edição de um estatuto legal próprio em 2013 – o Estatuto da Juventude (Lei federal nº 12.852/2013).
2.2.1 Casuística normativa pertinente
No que tange às disposições normativas nacionais sobre a matéria, optamos por elencar as várias inserções na legislação nacional, buscando situar a compreensão sobre o Parecer em construção. A Constituição da República, nas disposições pertinentes às garantias fundamentais, em especial no art. 5º, especificando o princípio da legalidade e, em momento constante no art. 6º a possibilidade do trabalho do menor, manifesta que:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
II - Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”;
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos”.
Depreende-se do dispositivo referencial nacional duas situações que merecem a acuidade exegética. Em consonância com as disposições do artigo 5º, II, princípio da legalidade, onde não houver medidas restritivas ao exercício dos direitos, a liberdade pessoal estará garantida para fins de suas práticas.
As expressões legislativas infraconstitucionais, em especial o Código Civil, identifica a capacidade relativas, mas não identifica em quais circunstâncias a mesma se impõe, ou seja, remete, enquanto norma em branco, para complementação expressa por outras formas legislativas ou textos de lei. Inexiste qualquer possibilidade de restrição de direitos ou estabelecimento dos mesmos sem a devida previsão legal, onde extrai-se o adágio em senso comum de que “o que não é proibido, é permitido em lei”.
No dispositivo pertinente aos direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal, o inciso XXXIII expressa a possibilidade de trabalho ao menor entre 16 e 18 anos, bem como ao menor entre 14 e 16 anos, na condição de aprendiz. Ao possibilitar tal condição no texto constitucional, inexiste qualquer ressalva quanto à responsabilização decorrente dos danos ocasionados pelo exercício laboral. O que se extrai do dispositivo é um comando geral e abstrato, do qual concluímos que somente a lei poderá criar direitos, deveres e vedações, ficando os indivíduos vinculados aos comandos legais, disciplinadores de suas atividades.
A capacidade eleitoral ativa facultativa dos jovens maiores de 16 e menores de 18 anos foi prevista na própria Constituição da República de 1988, em seu art. 14, §1º, “c”. Para o exercício dessa capacidade, a Constituição da República não exigiu, nem impôs que o jovem estivesse assistido por seu representante legal, vale dizer, o adolescente nessa faixa etária pode livremente, e sem qualquer assistência de terceiros, providenciar seu alistamento eleitoral e votar em quaisquer candidatos de sua preferência.
O Código Civil de 2002, que inovou na redução da maioridade civil, conforme prevista no código anterior, assim prescreve:
“Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos”; (...)
“Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática
de todos os atos da vida civil.
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido otutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria”.
Como se depreende do texto normativo acima, o Código Civil restringiu, em regra, aos maiores de 16 anos e menores de 18 anos, a realização direta e independente de certos atos civis ou à maneira de os exercer, ao mesmo tempo em que prescreveu a cessação de tal restrição em determinados casos, dentre eles a emancipação concedida voluntariamente pelos pais, o casamento e o exercício de trabalho que lhe garanta economia própria, desde que tais situações se consolidem após o adolescente completar 16 anos de idade. Em relação ao casamento, a norma que prevê a idade núbil para o casamento de jovens maiores de 16 e menores de 18 anos, consta do Art. 1.517 do Código Civil.
Observação relevante deve ser efetuada a redação estabelecida pelo Código Civil, eis que expressa “incapazes para certos atos da vida civil”, sem expressar quais atos são especificados, remetendo, por sua característica de norma em branco6, a complementação para as situações normativas onde expressamente requer-se a assistência dos responsáveis legais. Deflui, pois, a consideração de que onde a legislação não restringe de forma expressa, é facultado os atos da vida civil aos menores entre idade de 16 aos 18 anos.
Conforme manifesta Xxxxx, em justificação histórica para a fixação da idade para fins de capacidade civil plena, em relação ao Código de 1916 cujo teor redacional, com exceção da idade reduzida para 18 anos, expressa que:
“(...) Deve ser ressaltado que, quando da fixação da idade de 21 anos pelo C.C. -1916 foram tomadas como parâmetro de fixação as condições de experiência de vida dos indivíduos para a prática de atos civis”.
Na sequência expositiva, manifesta a questão relativa aos atos negociais como elemento motivador da restrição:
“(...) Xxx, o objetivo foi evitar que aqueles indivíduos de pouca experiência de vida, sem os traquejos necessários à realização de negócios jurídicos em suas várias espécies, fossem prejudicados por sua “inocência negocial”, sendo fixado o termo de 21 anos por se entender que após duas décadas de vida, quando o indivíduo teria absorvido alguma mínima experiência e instrução, teria ele plenas condições de gerir sua vida no tocante ao exercício de direitos e obrigações”7.
6 “Em outros termos, normas penais em branco em sentido lato são aquelas cujo complemento é originário da mesma fonte formal da norma incriminadora. Nessa hipótese, a fonte encarregada de laborar o complemento é a mesma fonte da norma penal em branco. Constata-se que há homogeneidade de fontes legislativas. Normas penais em branco em sentido estrito, por sua vez, são aquelas cuja complementação é originária de outra instância legislativa, diversa da norma a ser complementada. Diz-se que há heterogeneidade de fontes, ante a diversidade de origem legislativa” (BITENCOURT, Xxxxx Xxxxxxx. Tratado de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2012).
7 XXXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxx. A maioridade no sistema do novo Código Civil. As alterações nas formas de aquisição da capacidade civil plena da pessoa natural e suas conseqüências. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 maio 2003. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxx. br/artigos/4062>. Acesso em: 21 mar. 2019.
Nesta premissa, o objetivo da fixação da capacidade plena é o de proteger os aspectos patrimoniais do menor. A manifestação adrede justifica-se e encontra amparo na própria legislação ora vigente ao estabelecer que cessará a incapacidade parcial, ou estabelecer-se-á a plena quando do casamento, colação de grau em curso superior, estabelecimento com economia própria, ou seja, não é a questão biológica o motivador, mas sim as questões relativas à capacidade para atos de caráter patrimonial.
De sua parte, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei Federal nº 8.069/90) consagra que a criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis (art. 15). Segundo o ECA (art. 16), o direito à liberdade compreende a livre manifestação da opinião e expressão, a participação da vida familiar, sem discriminação, e a participação da vida política, na forma da lei.
Por fim, o Estatuto da Juventude (Lei federal nº 12.852/2013) encerra normas principiológicas que devem ser cotejadas com o Código Civil de 2002, para real entendimento acerca da capacidade relativa das pessoas maiores de 16 e menores de 18 anos, assim como o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Federal nº 13.146/15) encerrou sensível mudança na interpretação legal acerca da incapacidade absoluta e relativa das pessoas com deficiência, conforme o caso, e guardadas as devidas proporções. Xxxxxxx então o que dispõe o Estatuto da Juventude:
“Art. 1º Esta Lei institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude - SINAJUVE.
§ 1o Para os efeitos desta Lei, são consideradas jovens as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade”.
“Art. 2º O disposto nesta Lei e as políticas públicas de juventude são regidos pelos seguintes
princípios:
I - promoção da autonomia e emancipação dos jovens;
II - valorização e promoção da participação social e política, de forma direta e por meio de suas
representações;
III - promoção da criatividade e da participação no desenvolvimento do País;
IV - reconhecimento do jovem como sujeito de direitos universais, geracionais e singulares; V - promoção do bem-estar, da experimentação e do desenvolvimento integral do jovem; VI - respeito à identidade e à diversidade individual e coletiva da juventude;
VII - promoção da vida segura, da cultura da paz, da solidariedade e da não discriminação; e
VIII - valorização do diálogo e convívio do jovem com as demais gerações.
Parágrafo único. A emancipação dos jovens a que se refere o inciso I do caput refere-se à trajetória de inclusão, liberdade e participação do jovem na vida em sociedade, e não ao instituto da emancipação disciplinado pela Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil”.
“Art. 4º O jovem tem direito à participação social e política e na formulação, execução e avaliação das políticas públicas de juventude.
Parágrafo único. Entende-se por participação juvenil:
I - a inclusão do jovem nos espaços públicos ecomunitários a partir da sua concepção como pessoa ativa, livre, responsável e digna de ocupar uma posição central nos processos políticos e sociais; II - o envolvimento ativo dos jovens em ações de políticas públicas que tenham por objetivo o próprio benefício, o de suas comunidades, cidades e regiões e o do País;
III - a participação individual e coletiva do jovem em ações que contemplem a defesa dos direitos
da juventude ou de temas afetos aos jovens; e
IV - a efetiva inclusão dos jovens nos espaços públicos de decisão com direito a voz e voto.
Art. 5º A interlocução da juventude com o poder público pode realizar-se por intermédio de associações, redes, movimentos e organizações juvenis.
Parágrafo único. É dever do poder público incentivar a livre associação dos jovens”.
Bem se vê que o Estatuto da Juventude se aplica, portanto, aos jovens maiores de 16 e menores de 18 anos, e propõe-se a ampliar sua participação não só política, mas social, de forma ativa e concreta, e não apenas consultiva, vale dizer, com oportunidade de decisão, não só nos espaços públicos, como também no âmbito privado, em que as associações civis se inserem.
De igual e não menos relevância adquire a legislação trabalhista no que tange o trabalho do menor. Por ter características peculiares, onde a possibilidade de contratação e responsabilização decorrente do exercício profissional, a Consolidação das Leis do Trabalho demonstra a relevância da capacidade infanto-juvenil para atos da vida civil, sem maiores distinções dos plenamente capazes, exceto na proteção aos eventuais danos financeiros.
Neste aspecto, relevantes as disposições normativas do texto pertinente às relações de trabalho. Dispõe o Decreto-Lei nº 5.452/43, em seu Capítulo IV, que trata da proteção do trabalho do menor:
“Art. 402. Considera-se menor para os efeitos desta Consolidação o trabalhador de quatorze
até dezoito anos.
Parágrafo único - O trabalho do menor reger-se-á pelas disposições do presente Capítulo, exceto no serviço em oficinas em que trabalhem exclusivamente pessoas da família do menor e esteja este sob a direção do pai, mãe ou tutor, observado, entretanto, o disposto nos arts. 404, 405 e na Seção II”.
“Art. 403. É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição
de aprendiz, a partir dos quatorze anos”.
“Art. 439 - É lícito ao menor firmar recibo pelo pagamento dos salários. Tratando-se, porém, de rescisão do contrato de trabalho, é vedado ao menor de 18 (dezoito) anos dar, sem assistência dos seus responsáveis legais, quitação ao empregador pelo recebimento da indenização que lhe for devida”.
Pela análise dos dispositivos, observa-se a atribuição de capacidade ao menor entre 16 e 18 anos para fins de contratação e exercício profissional, com a ressalva pertinente à rescisão do contrato onde a presença de um responsável legal como assistente do ato é exigida.
Inexiste, pois, impedimentos para a contratação e exercício profissional de menores entre 16 e 18 anos, in excepto as condições insalubres ou perigosas.
2.2.2 Contornos do direito de participação juvenil
Como se observa, os jovens adquiriram também seu especial status político e social com a edição do Estatuto da Juventude editado em 2013, muito além da normatividade expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. E muito antes disso, a Constituição Cidadã de 1988 já havia facultado aos adolescentes/jovens maiores de 16 e menores de 18 anos o direito ao alistamento eleitoral e ao voto, algo efetivamente capaz de garantir participação equânime, ativa e concreta na sociedade, por meio do voto direto.
A possibilidade de escolha dos governantes do país, conferida aos jovens entre 16 e 18 anos, representa faculdade muito mais relevante do que a escolha de dirigentes de associações civis. Bem por isso, não poderia o Código Civil limitar, ao menos, idêntica faculdade de participação juvenil nas eleições de âmbito privado realizadas para escolha de dirigentes de associações civis.
Em verdade, analisando as situações fáticas que podem levar à emancipação de adolescentes, observa-se que essa pode se dar após os 16 anos de idade, seja por mera liberalidade dos pais ou outros representantes legais, seja por mérito próprio dos jovens que, por exemplo, tenham atingido a independência financeira.
Reforçando essa premissa, o Estatuto da Juventude definiu a “participação juvenil” como a inclusão do jovem nos espaços comunitários como pessoa ativa, livre, responsável e digna de ocupar uma posição central nos processos sociais, bem como a sua efetiva inclusão nos espaços públicos de decisão (com maior razão, também nos espaços privados de decisão) com direito a voz e voto.
Nesse sentido, evidencia-se a clara possibilidade de se conferir aos jovens/adolescentes maiores de 16 e menores de 18 anos a faculdade de participação ativa, com voz e voto, nas deliberações adotadas no âmbito das associações civis, independentemente de se encontrarem ou não assistidos por representantes legais (pais, tutores ou guardiões). Sendo que igual possibilidade não se aplicado aos menores de 16 anos.
Do Parecer
Do que se expôs acima, ainda que o tema não tenha sido enfrentado especificamente pela doutrina e jurisprudência pátrias, chega-se as conclusões a seguir delineadas.
A Constituição da República de 1988 garantiu aos jovens maiores de 16 e menores de 18 anos o direito ao trabalho, sem especificar condições maiores e remetendo à Consolidação das Leis Trabalhista o regulamentar de tal mandamus.
De igual forma, a Carta constitucional confere o direito ao alistamento ao voto, portanto, o direito de escolher os dirigentes do próprio país, devendo, portanto, haver coerência na interpretação do sistema legal brasileiro, no que tange ao direito de voto dos jovens nas esferas decisórias privadas. O Código Civil de 2002 aparenta limitar a plena participação juvenil nas decisões tomadas no âmbito de qualquer entidade civil, ao reputar os jovens menores de 18 anos como relativamente incapazes, além de exigir a assistência de representantes legais para a prática de atos da vida civil.
Inobstante esta expressão contida no códex civilis, a Constituiçao Federal de 1988, referência normativa interna básica, através do princípio da Legalidade contido no artigo 5º, II, que estabelece a plena liberdade de exercício dos direitos, salvo os expressamente regulados por lei.
A capacidade relativa aos menores entre 16 e 18 anos não abrange todos os atos da vida civil, mas somente àqueles expressamente identificados, onde exige-se a assistência de responsável legal, ou seja, não há impedimentos legais para a participação de jovens entre 16 e 18 anos em órgãos deliberativos institucionais.
Por outro lado, o Estatuto da Juventude inaugurou uma nova ordem normativa-principiológica robusta o bastante para exigir a revisitação do conteúdo material da capacidade relativa dos jovens maiores de 16 e menores de 18 anos, tratando-se, seguramente, de um microssistema apto a conferir o direito de voz e voto desse segmento juvenil nas esferas decisórias das entidades civis que funcionam no país, independentemente de assistência prestada por qualquer representante legal (pais, tutores ou guardiões).
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) disciplina e autoriza de forma expressa o exercício do trabalho e obrigações decorrentes aos menores entre 16 e 18 anos, com as exceções relativas aos locais e horários de execução, bem como de menores entre 14 e 16 anos, na condição de aprendizes. Ao assim estabelecer, de forma indireta, a legislação trabalhista confere ao menor plena capacidade de determinar sua vida profissional, exercendo a capacidade dos atos relativos à legislação do trabalho e, em conformidade com os mecanismos de cessação da menoridade adrede referenciados. Pode, pois, o menor entre 16 e 18 anos de idade exercer a plenitude do contato de trabalho regular, tendo a garantia de direitos e, de igual forma, a responsabilidade pelos danos decorrentes de danos na prestação do mesmo.
Antes o exposto, analisando os pressupostos históricos e legais pertinentes à matéria, somos de parecer FAVORÁVEL à inserção plena dos beneficiários com idade compreendida entre 16 e 18 anos, na função de votantes, nos órgãos deliberativos institucionais, mais especificamente nas assembleias de grupos escoteiros, desde que o Estatuto do Grupo Escoteiro não possua disposição em contrário, diante da inexistência de legislação proibitiva, em estrita obediência ao princípio da Legalidade e Dignidade humana.
Curitiba - PR, 13 de Fevereiro de 2020.
Xxxxx Xxxxxxxxx
Promotor de Justiça, mestre e especialista em direito8
Xxxxx Xxxxxx xx Xxxx Xxxxxx
Advogado, professor, mestre e especialista em direito9
Xxxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxx
Advogada colaboradora10
Escoteiros do Brasil - Escritório Nacional Xxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx 0000, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxx - XX
80250-100
(00) 0000-0000
xxxxxxxxxx.xxx.xx
8 Júlio é bacharel em Direito com pós-graduações em Direito Púbico pela ambos pela UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora; pós-graduação em Direito, Impacto e Recuperação Ambiental e mestrado em Sustentabilidade Socioeconômica e Ambiental ambos pela UFOP - Universidade Federal de Ouro Preto. É Promotor de Justiça em Minas Gerais desde 2003, com atuação na área da infância e da juventude. É membro do movimento escoteiro a 37 anos, atualmente diretor-técnico e escotista no Grupo Escoteiro Alvorada em Juiz de Fora - MG. Foi ainda membro da diretoria regional (2010- 2013), conselheiro nacional suplente (2013-2015) e membro da comissão estatuinte (2017-2019).
9 Xxxxx é bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Santo Ângelo (CNEC), com pós-graduação em Direito Contemporâneo, Civil e Penal pela UFSM - Universidade Federal de Santa Maria, mestrado em Sistema de Garantias em Direito Penal pela UNISC - Universidade de Santa Cruz do Sul e doutorando em Direito Internacional Penal pela URI - Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões, em Santo Ângelo. É professor do curso de Direito da UCS - Universidade de Caxias do Sul, membro do Grupo de Pesquisa CNPq de “Tutela dos Direitos e sua Efetividade” e participante do Projeto de Pesquisa em Direito Internacional sobre “Trabalho e o resgate da dignidade e da cidadania”. É membro do movimento escoteiro a 44 anos, atualmente diretor-presidente da Região Escoteira do Rio Grande do Sul. Foi membro da diretoria regional (2010-2013 e 2013-2016) e ocupou as mais diversas funções de escotista e dirigente nos níveis local e regional.
10 Majú é bacharel em Direito pela PUC - Pontifícia Universidade Católica de Goiás, cursando pós-graduação em Licitações e Contratos Administrativos pelo Instituto Goiano de Direito. É advogada no escritório “Xxxxx, Carneiro e Albuquerque Advogados Associados” e membro titular do CONJUVE/ GO - Conselho de Juventude do Estado de Goiás. É membro do movimento escoteiro a 10 anos, atualmente escotista no GE Polivalente em Goiânia
- GO e membro da Equipe Nacional de Relações Internacionais. Foi membro da Rede Nacional de Xxxxxx Xxxxxxx e coordenadora do Mutirão Nacional
Pioneiro (2015), em Florianópolis - SC.