ACÓRDÃO Nº
ACÓRDÃO Nº
48
2020
xxxx://xxxxxx/xxxxx/xxxx/xxxx/0%00Xxxx/Xxxxxxxx/Xxxxxxxx/Xxxxxxxxx%00xx%00Xxxxxxxxx
o/2020/Acordão%2048_2020%20-%201ªS-PL.doc
Secção: 1.ª S/PL Data: 09/12/2020
Recurso Ordinário: 11/2020 Processo: 1390/2020
TRANSITADO EM JULGADO EM 06/01/2021
RELATOR: Conselheiro Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx
Acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Plenário da 1.ª Secção:
I – RELATÓRIO:
1. O Município da Lourinhã (MdL) interpôs recurso ordinário, para o Plenário da 1.ª Secção, do Acórdão n.º 27/2020, de 7/7, desta 1.ª Secção, em Subsecção, que recusou o visto, ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 44.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC)1, a um contrato de mútuo, com vista a financiar a aquisição de massas asfálticas, celebrado entre essa entidade e a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Lourinhã, CRL, em 5/6/2020, no valor de 500.000,00€, para vigorar pelo prazo de 20 anos.
2. O recorrente formulou alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«A. O Município da Xxxxxxxx remeteu a este Tribunal, para efeitos de fiscalização prévia, um contrato de mútuo para investimento em massas asfálticas celebrado entre si e a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da
1 Lei n.º 98/97, de 26/8, alterada pelas Leis n.os 87-B/98, de 31/10, 1/2001, de 4/1, 55-B/2004, de 30/12, 48/2006, de 29/8, 35/2007, de 13/8, 3-B/2010, de 28/4, 61/2011, de 7/12, 2/2012, de 6/1,
20/2015, de 9/3, 42/2016, de 28/12, 2/2020, de 31/3, e 27-A/2020, de 24/7.
Xxxxxxxx, em 5 de junho de 2020, no montante de 500.000,00€, para
vigorar pelo prazo de vinte anos;
B. O Tribunal de Contas decidiu recusar o visto ao contrato, por considerar que se encontram violadas as normas constantes do art.º 51.º, n.os 1, 2 e 7, da Lei n.º 73/2013, bem como as normas constantes do SNC, aprovado pelo D.L. n.º 85/2016, de 21 de dezembro, nele referidas, mais tendo decidido que as deliberações dos órgãos deliberativo e executivo do Município da Lourinhã que aprovaram e decidiram a contratação do mútuo são, consequentemente, nulas, nos termos do disposto no art.º 4.º, n.º 2, da Lei n.º 73/2013 e do art.º 59.º, n.º 2, al. c), do D.L n.º 75/2013;
C. Não pode o Município concordar com o entendimento do Tribunal de Contas vertido no seu Acórdão n.º 27/2020, considerando que o mesmo faz errada interpretação das normas jurídicas referidas, bem como das que infra se indicam, devendo, por isso, ser revogado e substituído por outro que conceda o visto ao contrato, com fundamento na interpretação das normas jurídicas aplicáveis, no sentido que se passa a explicar;
D. A aquisição de massas asfálticas betuminosas a quente visa a reabilitação da rede viária do concelho da Lourinhã, sendo a sua aplicação feita através de administração direta por parte da autarquia, pelos seus trabalhadores e com a utilização das suas máquinas;
E. A opção pela aquisição das massas asfálticas betuminosas a quente mediante a contratação de empréstimo bancário com subsequente aplicação das mesmas na rede viária de estradas do concelho da Lourinhã por administração direta visou poupar dinheiro público, já que, se o Município o fizesse mediante o lançamento de um contrato de empreitada que englobasse a aquisição das massas asfálticas betuminosas a quente e sua subsequente aplicação pelo empreiteiro, e não por administração direta, iria despender mais recursos públicos, sem qualquer necessidade, já que a empreitada tem um valor, em média, 45% mais caro do que a simples aquisição das massas asfálticas betuminosas a quente;
F. Por este motivo, e com todo o respeito que o vosso douto acórdão recorrido merece, a recusa do visto nesta situação, vertida em Acórdão que doravante será utilizado em sede de quaisquer outras fiscalizações prévias semelhantes de outras entidades públicas, parece apontar para um único caminho que é o do maior gasto de dinheiro público, mediante a celebração de um contrato de empreitada, para o efeito de se terem por preenchidas as normas dos n.os 1 e 7 do art.º 51.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, o que não corresponde certamente à mens legis do legislador;
G. O Município da Xxxxxxxx considerou que não estamos perante custos correntes, nem face a uma mera aquisição de bens que pudesse ser comparável à aquisição de pregos e parafusos, portanto, entendeu não estarmos perante a aquisição de bens consumíveis, ao contrário do que entendeu o Tribunal de Contas, sendo este entendimento suportado pela interpretação dos próprios ROCs do Município da Lourinhã, o qual não [foi] perfilhado sem que o Município tenha tido a cautela prévia de verificar do ponto de vista técnico se o que pretendia fazer era viável face às normas em causa;
H. A aquisição de pregos e parafusos tem por objetivo a sua incorporação final em obra, mas é situação que não pode ser comparada à aquisição de massas asfálticas betuminosas a quente, primeiro, porque estas não constituem bens consumíveis, e, em segundo lugar, porque não é possível inventariar e desse modo fazer stock de massas asfálticas betuminosas a quente, como se poderá fazer com os pregos e parafusos;
I. O Ponto 15 da NCP 5 exemplifica o que são custos correntes, não se aplicando à situação concreta do investimento visado com a celebração do contrato de mútuo e a aquisição das massas asfálticas betuminosas a quente;
J. Pois não estamos perante uma compra de massas asfálticas betuminosas a frio, tipo de massas estas que são utilizadas para reparação de buracos em
estradas ou em pequenos troços pouco degradados, podendo, inclusive, as massas asfálticas betuminosas a frio ser armazenadas por um prazo máximo de 5 dias;
K. O que não é o caso das massas asfálticas betuminosas a quente, que não são passíveis de armazenamento, tendo de ter imediata aplicação após a sua produção e aquisição;
L. O investimento na aquisição das massas asfálticas enquadra-se, ao invés, no ponto 16 da NCP 5, que se transcreve:
“16 – Algumas partes de alguns bens do ativo fixo tangível podem exigir substituição a intervalos regulares. Por exemplo, uma estrada pode necessitar de repavimentação todos os cinco anos, um forno pode exigir manutenção após um número especificado de horas de uso, ou o interior de uma aeronave tais como assentos e corredores podem exigir substituição várias vezes durante a sua vida.
Outros bens do ativo fixo tangível podem necessitar de substituição não recorrente como, por exemplo, a substituição de paredes interiores de um edifício. Segundo o princípio do reconhecimento desta Norma, uma entidade deve reconhecer na quantia escriturada de um bem do ativo fixo tangível o custo da parte que substitui tal bem quando suportado, se estiverem satisfeitos os critérios de reconhecimento. A quantia escriturada das partes que são substituídas deve ser desreconhecida de acordo com as disposições da presente Xxxxx”;
M. Este ponto 16, por oposição ao ponto 15, ambos da NCP 5, enquadra o custo da compra das massas betuminosas (asfálticas) para repavimentação das estradas como tendo de ser capitalizados em ativos fixos tangíveis, ou seja, estamos perante custos de investimento;
N. No caso das estradas que estão consideradas no contrato de empréstimo, trata-se de redes viárias que têm tido pequenas reparações ao longo dos últimos 20 anos, no entanto, devido ao estado de elevada degradação das
mesmas, torna-se necessária uma intervenção profunda, sendo necessária a sua pavimentação total;
O. Estas pavimentações vão permitir que a rede viária referida no quadro do ponto 3 do contrato de empréstimo veja aumentada a sua vida útil em, pelo menos, mais 20 anos;
P. O Acórdão recorrido é omisso na densificação dos conceitos da NCP 5 – Ativos Fixos Tangíveis – especialmente quanto ao ponto 11 da NCP 5, que se transcreve:
“11 – As peças sobressalentes e equipamentos de serviço são geralmente registados como inventários e reconhecidos nos resultados quando consumidos. Porém, as grandes peças sobressalentes e equipamentos de substituição contabilizam-se como ativos fixos tangíveis quando uma entidade espera usá-los durante mais de um período. De forma análoga, se as peças sobressalentes e equipamentos só puderem ser usados em conexão com um bem do ativo fixo tangível, são contabilizadas como ativo fixo tangível”;
Q. Se se pode considerar que os “pregos e parafusos” são registados em inventários e podem ser armazenados (despesa corrente), já a aquisição de massas asfálticas betuminosas a quente para a manutenção preventiva da rede de infraestruturas rodoviárias não é um investimento a curto prazo porque as mesmas são incorporadas no solo com caráter de perpetuidade, permitindo que a rede de infraestruturas rodoviárias intervencionadas “ganhem” um período de vida útil estimado de mais de 20 anos e passam a incorporar o património do município;
R. O Acórdão recorrido enquadra bem a definição de ativos de investimento no ponto 12 do seu texto, mas compara mal o investimento em massas asfálticas betuminosas a quente que vão ter uma vida útil de vinte anos, fazendo erroneamente uma analogia com a aquisição de pregos e parafusos (cfr. o ponto 20 do Acórdão);
S. Nos seus pontos 13 e 14, ao citar a NCP 5 – Ativos Fixos Tangíveis, o Acórdão deveria ter reconhecido que estamos perante um investimento a ser feito num bem de investimento, pois pretende-se aplicar as massas asfálticas betuminosas a quente sobre uma “infraestrutura” que são as “redes de estradas”;
T. Xxxxx, pois, mal o Acórdão no ponto 15, ao não distinguir entre: custos suportados inicialmente, por exemplo, com as aquisições de “terrenos, habitações, edifícios e outras construções” e os custos suportados subsequentemente para adicionar, substituir uma parte ou prestar assistência técnica a esse ativo (cfr. o ponto 12 da NCP 5);
U. Ao considerar que com o produto do empréstimo o Município da Lourinhã pretendeu adquirir massas asfálticas, que seriam bens consumíveis, destinados a ser incorporados em obra, sendo uma despesa corrente e não uma despesa de capital, o Acórdão recorrido fez errada interpretação jurídica das normas referidas acima constantes do Sistema de Normalização contabilística para administrações públicas (cfr. o D.L. n.º 192/2015, de 11 de setembro), bem como das normas do SNC por si referidas no Acórdão;
V. Mais tendo feita errada interpretação jurídica do disposto no art.º 51.º, n.os 1, 2 e 7, da Lei 73/2013, de 3 de setembro, na sua redação atual, bem como do disposto no art.º 59.º, n.º 2, al. c), da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro;
X. Não obstante o conceito de investimento estar geralmente associado a bens imóveis ou infraestruturas, ou ainda a viaturas e outros equipamentos (cfr. o ponto 11 do Acórdão em crise), considera o Município da Lourinhã que a aquisição das massas asfálticas betuminosas a quente em causa mediante uso dos recursos obtidos com o contrato de mútuo não consubstanciam uma despesa corrente;
Y. Mas sim um custo de investimento, tendo o custo com a aquisição das massas de ser capitalizado em ativos fixos tangíveis;
Z. Em face da explicação produzida supra, deverá o Tribunal de Contas revogar a sua decisão, substituindo-a por outra que considere a aquisição das massas asfálticas betuminosas a quente como um bem de investimento, a ser aplicado noutro bem de investimento, a saber, nas redes de estradas;
AA. O que tem cabimento na previsão legal constante do n.º 1 do art.º 51.º da Lei n.º 73/2013, quando aí se consagra que os empréstimos a médio e longo prazos podem ser contraídos para aplicação em investimentos;
AB. Não se vislumbra em que medida é que o contrato de mútuo celebrado viola o disposto no n.º 2 do art.º 51.º da Lei n.º 73/2013, pois resulta do próprio Xxxxxxx recorrido que “segundo o n.º 2 do artigo 51.º do RFALEI, os investimentos a financiar devem estar identificados no respetivo contrato de empréstimo” e que “analisando o contrato de empréstimo em apreço, verificamos que o mesmo foi celebrado pelo prazo de 20 anos, tendo por finalidade a aquisição de massas asfálticas cujo destino, segundo a autarquia, será a sua aplicação na rede viária municipal identificada no quadro da cláusula 1.ª do contrato...” (cfr. os pontos 7 e 8 do texto do Xxxxxxx);
AC. Concluindo o Tribunal que “verificada a primeira parte da questão – enquadramento legal do empréstimo em termos de prazo (20 anos) face ao limite máximo de 20 anos previsto no artigo 51.º, n.º 7, do RFALEI – subsiste a questão da sua legalidade em termos de finalidade (investimento)” (cfr. o ponto 9 do texto do Acórdão);
AD. Ou seja, está identificado no contrato de mútuo o investimento a que o mútuo se destina;
AE. Considerou ainda o Tribunal de Contas que não se encontra preenchida a norma constante do n.º 7 do art.º 51.º da Lei n.º 73/2013;
AF. Contudo, considera o Município da Lourinhã que não assiste razão ao Tribunal, e que, ao decidir como decidiu, fez errada interpretação do disposto neste dispositivo legal;
AG. De acordo com o classificador complementar 2 do anexo III do D.L. n.º 192/2015, de 11 de setembro, a vida útil das infraestruturas rodoviárias (43031) é de 20 anos, sendo por isso que o empréstimo pretendido tem um prazo de 20 anos;
AH. O contrato de mútuo foi celebrado pelo prazo de vinte anos considerando o prazo de vida útil da rede viária na qual vão ser aplicadas as massas asfálticas betuminosas a quente, sendo os 20 anos justificados pelo aumento do período de vida útil do bem, neste caso, da rede de infraestruturas que se pretende pavimentar com as massas asfálticas betuminosas a quente;
AI. O prazo de 6 meses do contrato de aquisição de massas asfálticas betuminosas a quente é o tempo máximo previsto para que a equipa de trabalhadores do Município afetos à Coordenação de Obras Municipais proceda à pavimentação das 6.891 toneladas de massas asfálticas (cfr. o contrato de Aquisição de Bens – Fornecimento Contínuo de Betuminosos a Quente), utilizando os equipamentos do Município necessários para este tipo de intervenção;
AJ. Vários municípios têm recorrido à contratação de empréstimos para a celebração de empreitadas que incluem o fornecimento e a aplicação das massas asfálticas betuminosas a quente, contratos esses celebrados pelo prazo de vinte anos, sendo que, a diferença, no caso do Município da Lourinhã, foi a de que se pretendeu poupar o que uma empreitada semelhante iria implicar como gasto para a autarquia, através da aplicação
das massas na rede de estradas por administração direta, pelos trabalhadores da autarquia e mediante o uso de máquinas da própria autarquia;
AK. A aquisição das massas asfálticas constitui uma despesa de capital, como é defendido pelos próprios ROC do Município, devendo, como tal, considerar-se que o contrato de mútuo em apreço respeita o disposto no art.º 51.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, na sua redação atual;
AL. Pelo que deve o Acórdão recorrido ser revogado quanto à interpretação jurídica que fez das normas jurídicas referidas, e substituído por outro que considere a aquisição das massas asfálticas como uma despesa de capital, um ativo fixo tangível, visando o contrato de mútuo em causa, mais considerando que o contrato de mútuo em causa se integra no n.º 7 do art.º 51.º do referido diploma legal, pois só assim farão VV. Xx.xx Justiça!»
3. O Ministério Público emitiu parecer, nos termos do n.º 1 do artigo 99.º da LOPTC, no sentido da integral improcedência do recurso, sem que tenham sido suscitadas
«questões novas» ao abrigo do n.º 3 do artigo 99.º da LOPTC (e para os efeitos indicados no artigo 100.º, n.º 2, do mesmo diploma).
4. Em conformidade com o Código de Processo Civil (CPC), supletivamente aplicável ao presente recurso nos termos do artigo 80.º da LOPTC, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objeto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC). Saliente-se, ainda, que o tribunal ad quem apenas está obrigado a resolver as questões que sejam submetidas à sua apreciação, e não a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações (e suas conclusões) de recurso, além de que não tem de se pronunciar sobre as questões cuja decisão fique prejudicada, tudo conforme resulta do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC.
5. Do teor dessas conclusões das alegações de recurso resulta que a matéria a decidir se resume a apreciar da legalidade da celebração do contrato de empréstimo em apreço, em particular à luz do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (RFALEI)2, que rege quanto à contratação de empréstimos por autarquias locais, e para cuja aplicação releva averiguar da caracterização da despesa a que se destinaria o empréstimo ora em causa como despesa de investimento, porquanto apenas como tal se enquadraria em modalidade legalmente consentida de empréstimo de médio ou longo prazo (como sucede em relação ao aqui presente, dada a sua vigência pelo prazo de 20 anos), ao abrigo do artigo 51.º daquele diploma.
6. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO:
– DE FACTO:
7. A instância a quo considerou provados os seguintes factos, que se passam a reproduzir:
«a) Através do ofício ref.ª 14314, de 22.04.2020, o MdL remeteu a este Tribunal, para efeitos de fiscalização prévia, a “contratação de empréstimo para investimento a médio/longo prazo no montante de 500.000,00€”, através de um instrumento denominado “minuta de contrato de mútuo”, alegadamente celebrado com a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Lourinhã, CRL, a 08.04.2020;
2 Lei n.º 73/2013, de 3/9, alterada pelas Leis n.os 82-D/2014, de 31/12, 69/2015, de 16/7, 132/2015, de 4/9, 7-A/2016, de 30/3, 42/2016, de 28/12, 114/2017, de 29/12, 51/2018, de 16/8, 71/2018, de 31/12, 2/2020, de 31/3, e 66/2020, de 4/11.
b) Para o efeito foram consultadas cinco instituições de crédito, quatro das quais apresentaram proposta válida, tendo a “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Lourinhã, CRL” apresentado, segundo o Município, as condições mais vantajosas;
c) A contração do empréstimo foi aprovada por deliberação da Câmara Municipal de 03.12.2019 e por deliberação da Assembleia Municipal de 14.12.2019;
d) A adjudicação da contratação do empréstimo à “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Lourinhã, CRL” foi aprovada na reunião da Câmara Municipal de 02.03.2020;
e) Acontece, porém, que, na sequência da devolução efetuada pela Unidade para completar a instrução do processo, o MdL apresentou um novo contrato, pelos motivos aduzidos no email de reabertura do processo, com data de 17.06.2020:
«Após análise pelas partes constatou-se que o mesmo estaria no seu conteúdo em desconformidade com os preceitos legais referidos no pedido de esclarecimentos do Tribunal de Contas.
Uma vez que o mesmo seria objeto de inúmeras alterações, foi acordado pelas partes que, em vez de se proceder a uma Adenda ao mesmo, seria pertinente celebrar um novo Contrato de Mútuo que iria substituir o anterior, de modo a depurar qualquer incorreção ou falha detetadas no Contrato de Mútuo celebrado em 08/04/2020, enunciadas nas questões do Tribunal de Contas.
Por essa razão as partes celebraram novo Contrato de Mútuo em 05/06/2020, o qual foi ratificado, nas suas cláusulas e condições, bem como todos os atos por ele produzidos pelo órgão executivo na sua reunião realizada em 08/06/2020, a qual também aprovou o novo Plano Financeiro (Mapa de Amortizações).»
f) Assim, o primeiro contrato apresentado a fiscalização prévia foi substituído por outro, com uma nova redação em algumas das suas cláusulas, mas mantendo o essencial, o valor do empréstimo, o prazo, o spread e a finalidade do
empréstimo, ainda que agora com um novo quadro junto, constante da cláusula 1.ª, como se transcreve:
g) Relacionado com este empréstimo está o “Contrato de Aquisição de Bens – Fornecimento Contínuo de Betuminosos a Quente – Lote 10”, adjudicado à “Construções Pragosa, S.A.”, em 24.04.2020, pelo montante de 477.779,69€, para uma vigência de 6 meses, o qual aguarda igualmente o visto do Tribunal de Contas (Proc. nº 1620/2020);
h) Na devolução administrativa efetuada, em 11.05.2020, foi o MdL convidado a esclarecer a natureza e fundamento do ato, nos seguintes termos:
«Referindo-se no ponto 3., da cláusula 1.ª, que a quantia mutuada se destina a “financiar a aquisição de massas asfálticas”, o que, aparentemente, configura a aquisição de bens, esclareça, demonstrando, como é que tal objeto poderá ser elegível para um contrato de empréstimo para investimento, face à previsão do artigo 51.º da Lei n.º 73/2013, de 03 de Setembro – Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais (RFALEI), em especial na conjugação dos seus n.os 1, 2 e 7, nomeadamente no que se refere à necessidade de verificação de que não pode, “em caso algum, exceder a vida útil do respetivo investimento”».
E ainda que
«Justifique e fundamente o valor do presente empréstimo contratualizado, e de onde é que se retira que tal valor é afeto a um investimento em concreto, nos termos do n.º 2 do artigo 51.º do RFALEI.».
i) Tendo o MdL respondido o seguinte:
«A Câmara Municipal da Lourinhã pretende continuar a reabilitar a rede viária do Concelho, adquirindo massas betuminosas a quente e aplicando através de administração direta com os seus trabalhadores e máquinas.
O facto do empréstimo ser para um bem designado como massas betuminosas a quente, mesmo após aplicado passa a ser um investimento, uma vez que a rede viária do Concelho fica beneficiada, melhorando assim a mesma.»
e
«O valor do presente empréstimo foi calculado tendo por base o procedimento de aquisição de massas asfálticas, o qual se baseou por sua vez no mapa em anexo – Doc. 9.
O investimento a financiar com o empréstimo é a “Reabilitação da Rede Viária Municipal” que se encontra prevista na GOP 3 3.1 2016/9 1. Este investimento não preenche os pressupostos do n.º 2, do art.º 51.º, da Lei n.º 73/2013, de 03 de setembro, como é demonstrado pelo mapa em anexo (orçamento inicial) – Doc. 10.”»
– DE DIREITO:
A) Do conteúdo da decisão recorrida:
8. Comece-se por recuperar o essencial da fundamentação da decisão recorrida, para melhor enquadrar a essencial questão suscitada no recurso em apreço. Recorde-se que no presente processo (e recurso) está em causa um contrato de empréstimo celebrado pelo município fiscalizado junto de instituição bancária, para vigorar durante 20 anos e destinado ao financiamento de um contrato de aquisição de massas asfálticas para aplicação em obra
de reabilitação da rede viária municipal, tendo este outro contrato uma vigência de 6 meses. Do ponto de vista legal, e com referência aos denominados empréstimos de «médio e longo prazos» (ou seja, os que se apresentam «com maturidade superior a um ano», em conformidade com o disposto no artigo 49.º, n.º 2, do RFALEI, como sucede com o empréstimo ora em análise, cujo prazo de vigência é de 20 anos), constatou-se a existência de um elenco taxativo de destinações de tais empréstimos, estabelecido no artigo 51.º, n.º 1, do RFALEI, entre as quais avulta a de «aplicação em investimentos», como única que poderia relevar no caso presente (isto tendo em conta que as outras são as de «substituição de dívida» e de «recuperação financeira municipal»). Ao mesmo tempo, salientou-se a existência de uma outra regra, consagrada no proémio do n.º 7 do artigo 51.º do RFALEI, segundo a qual os empréstimos «têm um prazo de vencimento adequado à natureza das operações que visam financiar», sem que os mesmos possam exceder a vida útil do respetivo investimento. Da primeira regra resultou a necessidade de caracterizar o bem a ser adquirido através do financiamento pretendido, em termos de apurar se o mesmo se configuraria como um bem de investimento, de modo a poder integrar finalidade legalmente permitida para o respetivo empréstimo. Da segunda regra extraiu-se a exigência de identidade dos prazos do empréstimo e da operação que o mesmo se destinava a financiar.
9. Perante aquela primeira regra entendeu a instância a quo estar-se, quanto às massas asfálticas, perante um bem consumível destinado a ser incorporado em obra, e não diante de um bem de investimento: argumentou-se que «o conceito de investimento está geralmente associado a bens imóveis ou infraestruturas (contabilisticamente denominados “ativos de longo prazo”), ou ainda a viaturas e outros equipamentos» e que o «conceito de investimento está associado à infraestrutura “rede viária municipal”, a qual desempenha, por si só, uma função económica ou uma finalidade de interesse público: a circulação de pessoas e bens», enquanto «a mera aquisição de massas asfálticas de per si não pode ser considerada um investimento, uma vez que o seu fim é de natureza meramente acessória ou instrumental, pois as massas asfálticas, sem a sua incorporação em obra, não satisfazem qualquer necessidade pública» – e daí se deduziu que o empréstimo para aquisição de massas asfálticas não se enquadra na destinação de investimento, consentida pela previsão do artigo 51.º, n.º 1, do RFALEI como finalidade legalmente válida de contração de tal
empréstimo. Por sua vez, a segunda regra referida conduziu à evidência da desconformidade entre a duração do contrato de empréstimo (20 anos) e a do contrato de aquisição que aquele visava financiar (6 meses) – e daí se deduziu o incumprimento da exigência estabelecida no artigo 51.º, n.º 7, do RFALEI.
10. Neste contexto, alcançou assim a decisão recorrida uma dupla conclusão: a) a de ter ocorrido violação direta de normas financeiras (concretamente, as dos n.os 1 e 7 do artigo 51.º do RFALEI), o que constitui o fundamento de recusa de visto previsto na alínea b) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC; e b) a de terem sido produzidas deliberações dos órgãos deliberativo e executivo municipais, no sentido da autorização da celebração do referido empréstimo, que configuraram a determinação de uma despesa não permitida por lei, do que resultou a nulidade de tais deliberações, e consequentemente do próprio contrato, seja por via do artigo 4.º, n.º 2, do RFALEI, seja por via do artigo 59.º, n.º 2, alínea c), do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL)3, o que constitui o fundamento de recusa de visto previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC. E de tudo se inferiu, a final, a formulação da decisão de recusa de visto ora sob impugnação.
B) Da conformidade legal do contrato em apreço:
11. Como se extrai do conjunto da argumentação expendida pelo recorrente, condensada nas conclusões das suas alegações de recurso supratranscritas, pretende aquele obter o reconhecimento de duas asserções de sentido oposto ao entendimento da instância a quo: a primeira, que a aquisição de massas asfálticas deve ser caracterizada como um investimento, de modo a poder enquadrar-se essa aquisição no âmbito de aplicação do artigo 51.º, n.º 1, do RFALEI, conferindo assim conformidade legal ao contrato de empréstimo que financiaria tal aquisição; e, a segunda, que esse investimento se repercutiria por 20 anos, com uma consequente correspondência entre o prazo do empréstimo e o do investimento, de modo a satisfazer a exigência do artigo 51.º, n.º 7, do RFALEI, confirmando a sua legalidade.
3 Lei n.º 75/2013, de 12/9, alterada pelas Leis n.os 25/2015, de 30/3, 69/2015, de 16/7, 7-A/2016, de 30/3, 42/2016, de 28/12, 50/2018, de 16/8, e 66/2020, de 4/11.
12. Para fundamentar a primeira afirmação, sustenta o recorrente, no essencial, que a aquisição de massas asfálticas constitui uma despesa de capital e um custo de investimento, desenvolvendo alguns tópicos argumentativos: por um lado, que estaria em causa uma compra de massas asfálticas betuminosas a quente, as quais não permitem armazenamento, inventariação e formação de stock, determinando a qualificação desse bem como integrante do ativo fixo tangível e, logo, como bem de investimento; por outro lado, que o conteúdo de algumas normas de contabilidade pública (NCP), acolhidas no Sistema de normalização contabilística para as administrações públicas (SNC-AP)4, justificariam uma qualificação daquelas massas asfálticas como um bem de investimento, a ser aplicado noutro bem de investimento, que seria a rede de estradas; e, finalmente, que esse seria o entendimento defendido pelos revisores oficiais de contas consultados pela entidade fiscalizada. Para suportar a segunda afirmação, estriba-se o recorrente, basicamente, no argumento de que, apesar de o contrato de aquisição de massas asfálticas ter apenas um prazo de 6 meses para a sua execução, a aplicação desse material se traduzirá numa repavimentação da rede viária que prolongará a sua vida útil por mais 20 anos, sendo essa duração efetiva do respetivo bem que explica um empréstimo precisamente com um prazo de 20 anos. A completar o elenco alegatório invoca-se uma pretensa imposição emergente da decisão recorrida no sentido de um maior dispêndio de dinheiros públicos, ao determinar a celebração de um contrato de empreitada para aplicação das massas asfálticas por empreiteiro, necessariamente mais onerosa, em vez da administração direta pela própria autarquia, como forma de adequar à lei o contrato de empréstimo pretendido.
13. Antes de ponderar o argumentário do recorrente, importa, desde já, sublinhar que o legislador do RFALEI foi relativamente restritivo na delimitação dos empréstimos de
«médio e longo prazos» (i.e., de «maturidade superior a um ano») que seriam legalmente consentidos aos municípios: o elenco taxativo de finalidades permitidas, de acordo com o artigo 51.º, n.º 1, do RFALEI, limita-se à «aplicação em investimentos», «substituição de dívida» e «recuperação financeira municipal». Sendo manifesto que o caso presente não se enquadra em qualquer destas duas últimas modalidades, surge como especialmente
4 Decreto-Lei n.º 192/2015, de 11/9, alterado pelo Decreto-Lei n.º 85/2016, de 21/12.
relevante para a entidade fiscalizada que a aquisição de massas asfálticas em causa possa ser caracterizada como despesa de investimento, já que só desse modo se integrará a mesma na primeira daquelas modalidades de despesa e ser assim legalmente válida. Com efeito, se não tiver cabimento a consideração dessa aquisição como um investimento, será inevitável a conclusão de que o empréstimo destinado a financiar uma tal aquisição se configurará como ilegal. Revela-se, pois, essencial apurar o que seja uma despesa de investimento.
14. Afigura-se notório que a expressão investimento (de entidade pública) utilizada pela RFALEI convoca um conceito jurídico, ainda que de base económica, de conformação dogmática ou doutrinária, que será prévio a qualquer qualificação de natureza contabilística ou técnica, que não tem de ser necessariamente coincidente com a caracterização jurídico- económica de tal conceito. Será, por isso, fundamental perceber o que seja tido como investimento nesse plano dogmático: afirmava XXXXX XXXXXX que despesa de investimento seria aquela que «consiste na formação de capital ou de bens duradouros» da entidade pública5; XXXXXXXX XXXXXXX definia investimento como sendo a «transformação do aforro em bens de produção», mediante a compra de bens de capital6; e XXXXXX XX XXXXX XXXXXX/XXXXXXXXX XXXXXXXX X’XXXXXXXX XXXXXXX identificaram investimento (não financeiro) com «capital físico adicional adquirido», reportado a «bens de capital empregues no processo produtivo», considerando como despesa de capital, v.g., o «gasto que [se] efetua para construir uma estrada ou uma ponte»7.
15. Ora, que a construção de uma estrada seja uma despesa de investimento não oferece dúvida, mas que a massa asfáltica necessária à sua reparação e que será nela incorporada, a par de outros materiais a serem também utilizados nessa reabilitação, possa
5 O autor, por centrar o seu enfoque na despesa do Estado, expressava-se numa formulação perfeitamente transponível para a despesa pública autárquica e que se apresentava assim: «As despesas de investimento consistem na criação, ou na aquisição, de bens produtivos duradouros, que aumentam o património produtivo do Estado» (cfr. Manual de Finanças Públicas e Direito Financeiro, volume I, FDL, Lisboa, 1974, p. 362). O conceito foi retomado pelo mesmo autor com igual configuração no posterior Finanças Públicas e Direito Financeiro, volume II, 4.ª edição, 15.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2015 (na p. 2).
6 In Lições de Finanças Públicas, Coimbra Editora, Coimbra, 1977, p. 129.
7 In Finanças Públicas e Direito Financeiro – Noções Fundamentais, 2.ª reimpressão, AAFDL, Lisboa, 2016, p. 215.
ser qualificada como bem de investimento e a sua compra como despesa de investimento, já concita todas as reservas. Por mais hábil que seja a argumentação tendente a demonstrar que a massa asfáltica também é um bem de investimento porque se destina a ser aplicada noutro bem de investimento, a mesma não consegue contrariar a evidência – constatada pela decisão recorrida (cfr. §§ 23 e 24) – de que «o conceito de investimento está associado a […] xxxx xxxxxxxxxx» e de que «as massas asfálticas […] não desempenham qualquer finalidade em si mesma, tendo apenas por finalidade a sua incorporação noutro bem, esse sim, considerado bem de investimento». Ainda que a caracterização contabilística não seja conceptualmente decisiva, como se demonstrou, também o SNC-AP – como fez questão de salientar a instância a quo – define atividades de investimento como «atividades relacionadas com a aquisição e a alienação de ativos de longo prazo e de outros investimentos não incluídos em equivalentes de caixa» (cfr. § 12). E certamente sem que tal definição seja contrariada por outros enunciados desse mesmo SNC-AP, antes devendo com aquela ser harmonizados, desde logo por motivos de coerência sistemática, de modo a que essa noção de investimento não seja colocada em crise por eventuais regras práticas de contabilização que façam aplicar a certos bens ou equipamentos de substituição soluções contabilísticas próprias dos bens em que sejam integrados (como pretendia o recorrente extrair para o caso presente dos pontos 11, 12, 15 e 16 da NCP 5 do Anexo II). Acresce igualmente ser irrelevante para a conformação do conceito de investimento o entendimento que técnicos de contabilidade possam ter formado sobre o mesmo, provavelmente a partir da mesma abordagem contabilística que o recorrente procurou fundar nos indicados pontos do SNC-AP, dada a sua óbvia inconsistência jurídica.
16. Tendo, pois, presente o conceito jurídico-económico de investimento supra demarcado, entende-se não merecer censura o entendimento vertido na decisão recorrida no sentido de que a aquisição de massas asfálticas aqui em causa não integra aquele conceito e de que o empréstimo contraído para financiar tal aquisição não se enquadra no disposto no artigo 51.º, n.º 1, do RFALEI (quando alude à «aplicação em investimentos») – e daí decorre a inelutável desconformidade legal do presente contrato submetido a fiscalização prévia.
17. Complementarmente, resulta de igual modo evidente que ocorre uma descontinuidade entre os prazos dos contratos correlacionados de empréstimo (20 anos) e de aquisição (a executar em 6 meses), a qual não satisfaz a exigência do n.º 7 do artigo 51.º do RFALEI, quando estabelece que «os empréstimos têm um prazo de vencimento adequado à natureza das operações que visam financiar, não podendo exceder a vida útil do respetivo investimento» – pelo que se afigura artificioso o argumento de que o prazo efetivo do contrato de aquisição deve ser aferido pelo prolongamento da vida útil da rede viária (em 20 anos) decorrente da aplicação das massas asfálticas objeto desse contrato. E, por isso, também neste ponto se acompanha o entendimento acolhido na decisão recorrida.
18. Ainda uma última observação se impõe sobre o argumento da entidade recorrente de que a decisão recorrida teria o efeito de obstar à aplicação das massas asfálticas por administração direta da própria autarquia, condicionando a celebração de um contrato de empreitada, necessariamente mais oneroso. Trata-se, porém, de uma imputação desajustada do real alcance da decisão sob recurso: esta apenas deu cumprimento às limitações legais pretendidas estabelecer pelo legislador do RFALEI ao endividamento das autarquias locais por via de empréstimos; e sem criar qualquer impedimento a que o município realize a obra pretendida com uso dos seus próprios meios financeiros, apenas determinando uma adequada gestão dos seus recursos, sempre em ordem à realização dos princípios fundamentais ordenadores da sua atividade financeira (cfr. artigos 3.º, 5.º, 6.º e 9.º do RFALEI).
C) Das consequências decorrentes das ilegalidades verificadas:
19. Posto isto, confiramos as consequências das desconformidades legais apontadas. Como já se assinalou na decisão recorrida – à qual, como se viu, concedemos plena adesão na sustentação das enunciadas ilegalidades –, constata-se uma dupla verificação de fundamentos determinantes de recusa de visto.
20. Com efeito, mostra-se evidenciada, por um lado, a ocorrência de ilegalidade na celebração do contrato de empréstimo em apreço, atento o disposto nos n.os 1 e 7 do artigo
51.º do RFALEI, os quais, ao regerem sobre a atividade financeira das autarquias locais, constituem normas de marcada índole financeira – o que configura violação direta de normas financeiras, com a consequência de recusa de visto, ao abrigo do artigo 44.º, n.º 3, alínea b), da LOPTC. E, por outro lado, verifica-se a ocorrência de prolação ilegal de decisões dos órgãos deliberativo e executivo da respetiva autarquia local, na aprovação da celebração do referido contrato de empréstimo, por efeito do preenchimento da previsão do n.º 2 do artigo 4.º do RFALEI, na parte em que comina com a nulidade as «deliberações de qualquer órgão das autarquias locais […] que determinem ou autorizem a realização de despesas não permitidas por lei» (norma essa que surge ainda replicada, em termos idênticos quanto a esse segmento, no artigo 59.º, n.º 2, alínea c), do RJAL) – o que determina a nulidade do próprio contrato, com a consequência de recusa de visto, ao abrigo do artigo 44.º, n.º 3, alínea a), da LOPTC.
21. Sendo assim, forçoso é concluir que não poderia ser outra a decisão proferida pela instância a quo: estavam verificados ilícitos integradores dos fundamentos de recusa de visto inscritos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC, pelo que teria tal recusa de ser decretada. E, nessa medida, confirma-se plenamente a decisão recorrida, com a consequente improcedência do presente recurso.
*
III – DECISÃO:
Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente o presente recurso, confirmando a decisão de recusa de visto ao contrato supra identificado, ao abrigo do artigo 44.º, n.º 3, alíneas a) e b), da LOPTC.
Emolumentos pelo recorrente, nos termos do artigo 16.º, n.os 1, alínea b), e 2, do Decreto-Lei n.º 66/96, de 31/5 (Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas)8.
8 Alterado pelas Leis n.os 139/99, de 28/8, e 3-B/2000, de 4/4.
Lisboa, 9 de dezembro de 2020
Os Juízes Conselheiros,
(Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx - Relator)
(Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx)
[votou vencida, conforme declaração de voto que fez juntar, participando na sessão por videoconferência]
(Xxxxxx Xxxxx Xxxxx)
Processo de fiscalização prévia: 1390/2020
Voto vencida, considerando que o recurso merece provimento pelas razões constantes das alegações e conclusões do recorrente e ainda pelo seguinte:
a) A aquisição das massas asfálticas em causa tem como destino único a repavimentação total das estradas municipais identificadas no quadro constante da cláusula 1.ª do contrato.
b) Como se afirma no acórdão, a despesa e os custos de investimento são todos aqueles que contribuem para a formação de capital ou de bens duradouros da entidade pública. As despesas que se apliquem em bens duradouros ou que aumentem o valor do património duradouro são despesas de capital e não despesas correntes.
Ora, para efeitos da classificação dos respetivos custos e despesas, não se pode afirmar que uma infraestrutura é autónoma dos materiais nela incorporadas.
Estando em causa infraestruturas rodoviárias (estradas), e acrescendo que as mesmas não se adquirem prontas, os custos e despesas que contribuem para a sua formação incluem os materiais necessários e aplicados na sua construção. As massas asfálticas são essenciais à construção de uma estrada e fazem parte da infraestrutura em que se vão incorporar e, de facto, não têm utilidade de per si, tanto mais que não podem ser conservadas ou desviadas para outros fins. A sua aquisição e os respetivos custos e despesas só se podem destinar à formação do bem duradouro de capital em cuja construção se integram.
Assim, as despesas e custos com a aquisição das massas asfálticas, contribuindo para a formação de bens duradouros de capital, são conceptualmente despesas de capital e custos do investimento a que se destinam.
c) As Normas de Contabilidade Pública (NCP) constantes do SNC-AP foram aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 192/2015 e fazem dele parte integrante (cf. o seu artigo 2.º). São ainda complementadas pelas normas constantes da Portaria 189/2016, de 14 de julho, que integra notas de enquadramento do plano de contas multidimensional do SNC-AP.
Nessa medida, as qualificações contabilísticas constantes destes diplomas têm natureza jurídica, são fundadas na natureza jurídico-económica das despesas e custos e devem ser utilizadas para integrar os conceitos jurídico-financeiros utilizados pela Lei n.º 73/2013, tanto para efeitos do artigo 51.º como para efeitos do artigo 52.º.
d) De acordo com essas normas, os custos de aquisição das massas asfálticas não são classificáveis como aquisição de bens de consumo:
• Os materiais betuminosos para aplicação a quente em asfaltos, para além de não poderem ser mantidos como existências para outras utilizações, têm, uma vez aplicados, uma vida útil de 20 anos (vide notas finais ao quadro constante do n.º 7 do Anexo III ao Decreto-Lei n.º 192/2015);
• Esses materiais, no SNC-AP, não são caracterizáveis na classe 3 como bens de consumo (nem como matérias-primas nem como materiais utilizados em trabalhos de reparação, conservação e beneficiação), nem na classe 6 (como materiais de conservação e reparação ou como materiais de consumo), porquanto:
o Não são adquiridos para serem transformados ou utilizados em atividades produtivas da entidade;
o Não têm, no máximo, um ano de duração (bens consumíveis);
o A Portaria n.º 189/2016 estabelece que “em caso de serem materialmente relevantes e contribuírem para o aumento da vida útil do bem e da sua capacidade de prestação de serviço, devem ser registados na conta 437 Outros ativos fixos tangíveis”; e que
o “Conforme a NCP 5 — Ativos Fixos Tangíveis, tratando -se de «grandes reparações» levadas a efeito em edifícios, habitações e equipamentos, as inerentes despesas não devem ser classificadas como «conservação de bens», mas devem ser reconhecidas nas contas da Classe 4” (cf. fls.2177 e 2191 do Diário da República 1.ª série, n.º 134, de 14 de julho de 2016);
e) Nos termos das mesmas normas, em especial dos pontos 12 a 16 da NCP 5, os custos de aquisição das massas asfálticas em apreço são contabilisticamente classificados como custos com ativos fixos tangíveis, sendo considerados como custo acrescido dos ativos ou infraestruturas a cuja substituição/reabilitação se destinam. A conta de ativos fixos tangíveis pertence à Classe 4 «Investimentos».
f) Financeiramente, tanto os custos da aquisição ou construção de uma infraestrutura como os custos da respetiva reparação que se repercutam no prolongamento da sua vida útil devem ser considerados como custos e despesas desse equipamento.
De acordo com o ponto 12 da NCP 5, os custos dos ativos fixos tangíveis “incluem custos suportados inicialmente para adquirir ou construir um bem do ativo fixo tangível, e custos suportados subsequentemente para adicionar, substituir uma parte ou prestar assistência técnica a esse ativo”.
Como se refere na Portaria n.º 189/2016, a Classe 4 inclui as grandes reparações dos ativos, não só em virtude do custo das correspondentes obras, mas também atendendo ao acréscimo de vida útil ou de produtividade dos bens de investimento em causa (cf. fls. 2179 do Diário da República, 1.ª série, n.º 134, de 14 de julho de 2016).
Também nos termos do Decreto-Lei n.º 26/2002 de 14 de fevereiro, que aprova os códigos de classificação económica das receitas e das despesas públicas, se compreendem no código 07.01.00 «Investimentos» as despesas quer com a aquisição quer com as grandes reparações dos bens que contribuam para a formação de capital fixo (máquinas, equipamentos, material de transporte, edifícios, outras construções, etc.). Aí se refere que o conceito de «grande reparação» está associado não só ao maior ou menor custo das obras a realizar, mas às razões subjacentes às mesmas onde, necessariamente, terão de constar objetivos de acréscimo de duração ou de produtividade dos bens de capital em causa.
g) Assim, os custos com a aquisição das massas asfálticas a financiar são também contabilística e legalmente considerados como despesas a aplicar em investimento na reabilitação das infraestruturas em que as massas serão incorporadas.
h) De acordo com o ponto 27 da NCP 5, é indiferente o facto de a construção ou reabilitação do equipamento ser feita pela própria entidade: “O custo de um ativo construído para a própria entidade é determinado aplicando os mesmos princípios relativos a um ativo adquirido”.
Destinando-se as massas a ser aplicadas em investimento, estando esse investimento claramente identificado no contrato, sendo a vida útil quer das massas asfálticas quer da infraestrutura em que serão aplicadas de 20 anos (cf. quadro constante do n.º 7 do Anexo III ao Decreto-Lei n.º 192/2015), considero que está respeitado o estabelecido nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 51.º da Lei n.º 73/2013, nas vertentes abrangidas pela decisão recorrida.
9 de dezembro de 2020