ESCOLA DE DIREITO DA FGV DIREITIO RIO GRADUAÇÃO EM DIREITO
ESCOLA DE DIREITO DA FGV DIREITIO RIO GRADUAÇÃO EM DIREITO
Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx
O Bem de Família do Fiador nos Contratos de Locação: Uma Proposta de Superação do Recurso Extraordinário 407.688.
Rio de Janeiro 2017
FUNDAÇÃO XXXXXXX XXXXXX ESCOLA DE DIREITO DA FGV DIREITIO RIO
GRADUAÇÃO EM DIREITO
Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx
O Bem de Família do Fiador nos Contratos de Locação: Uma Proposta de Superação do Recurso Extraordinário 407.688.
Trabalho de conclusão de curso sob orientação do Professor Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx Neves apresentado à FGV Direito Rio como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito.
Rio de Janeiro 2017
FUNDAÇÃO XXXXXXX XXXXXX ESCOLA DE DIREITO DA FGV DIREITIO RIO
GRADUAÇÃO EM DIREITO
O Bem de Família do Fiador nos Contratos de Locação: Uma Proposta de Superação do Recurso Extraordinário 407.688.
Elaborado por Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx
Trabalho de conclusão de curso sob orientação do Professor Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx Neves apresentado à FGV Direito Rio como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito.
Comissão examinadora:
Nome do Orientador: Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx Neves Nome do Examinador 1: Xxxx Xxxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx
Nome da Examinadora 2: Xxxx Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx
Assinaturas:
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx Xxxxx
Xxxx Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx
Xxxx Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx
Nota Final:
Rio de Janeiro, de de 2017.
Ao meu pai, metade afastada de mim, por me dar forças para ir cada vez mais longe,
A minha mãe, exemplo de resiliência e grandeza de espírito, por me ensinar a encarar os desafios da vida com bravura e leveza,
Às minhas irmãs, extensão do eu, pelo apoio incondicional,
Ao meu sobrinho Gael, pequena fonte inesgotável de alegrias e novidades, por vir sem pedir,
Às amigas, mulheres independentes e inspiradoras, por jamais duvidarem da minha capacidade, e
Ao meu orientador, professor e chefe (ou líder, como de sua preferência), pelo estímulo constante e sincero ao meu desenvolvimento pessoal e profissional,
Meu mais sincero obrigada.
Resumo
O debate acerca da possibilidade de penhora do único imóvel bem de família do fiador em contratos de locação tem sido recorrente na doutrina mesmo após a tomada de decisão, pelo Supremo Tribunal Federal, sobre sua legitimidade. Este trabalho se propõe a analisar a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 407.688, em 2006, que considerou legítima a contrição, sob a ótica da regra da proporcionalidade, a fim de averiguar se os três elementos requeridos para se estabelecer a proporcionalidade de uma medida foram atingidos, bem como a atividade do Poder Legislativo sobre o tema.
Para tanto, será analisado o desenvolvimento histórico do direito à moradia no Brasil, seu escopo de abrangência e conexão com outras garantias fundamentais previstas na Carta Magna, bem como das posições doutrinárias acerca do tema, a partir das bases teóricas e interpretação dos tribunais sobre o bem de família e a fiança locatícia. Em relação à atividade legislativa, realizou-se pesquisa na base de dados do sítio eletrônico do Congresso Nacional, para se averiguar o tratamento conferido ao tema.
Ao fim, é realizada uma proposta aos Poderes Judiciário e Legislativo, para se aperfeiçoar a prática do mercado de locações, garantindo, assim, efetivamente maior acesso à moradia, com o objetivo de se declarar inconstitucional a possibilidade de penhora do imóvel bem de família do fiador e se elaborar, em plano legislativo, novas possibilidades de garantia massificadas e que atendam às necessidades do mercado de locações.
PALAVRAS-CHAVE: Bem de família. Fiador. Garantias. Direito à Moradia. Impenhorabilidade. Overruling.
Abstract
The debate regarding the possibility of judicial constriction upon the homestead property of the guarantor of a leasing contract is still constant even after the Supreme Court’s decision determining its legitimacy. This paper proposes to analyze the subject under the logic of the proportionality rule, analyzing whether the decision fulfilled the three elements required for the rule to be regarded as proportional. It also proposes to analyze the Legislative Power’s approach to the subject.
To do so, the historical development of the right to housing in Brazil, its area of influence and connection with other fundamental rights established in the Constitution, as well as the different academic positions on the subject, using as a starting point the theoretical definitions and interpretation by the jurisprudence regarding homestead and guarantee contracts. Regarding the legislative production, a research was done using the database available in the Congress’ website, analyzing how Congress has been approaching the subject.
Lastly, this paper makes a proposal to the Judicial and Legislative Powers, aiming at improving the practices in the rental industry, effectively assuring better access to housing in society. The proposal done to the Judicial Power is to overrule the decision taken in 2006 that ruled constitutional the norm that permits the judicial constriction upon the homestead property of guarantors in leasing contracts, proposing that the Court declares it unconstitutional. The proposal done to the Legislative Power is that it should work to create new guarantees that attend the necessities of the market without seizing the right to access to housing of the guarantor.
KEY WORDS: Homestead. Guarantor. Guarantees. Right to Access to Housing. Pledge. Overruling.
ÍNDICE
CAPÍTULO 1: O Bem de Família. 3
1.1. Bem de Família Voluntário ou Convencional 4
1.3. As Exceções Previstas no art. 3º da Lei 8.009/90 11
CAPÍTULO 2: O Contrato de Fiança 17
2.1. O Bem de Família do Fiador e a Lei nº 8.245/1991 20
CAPÍTULO 3: Perspectivas de Direito Civil-Constitucional: O Direito à Moradia como Forma de Instrumentalização da Dignidade Humana. 24
3.1. Desenvolvimento Histórico do Direito à Moradia no Cenário Político-Jurídico Brasileiro 30
CAPÍTULO 4: O Desenvolvimento do Entendimento Jurisprudencial 35
CAPÍTULO 5: Tentativas Legislativas de Superação da Questão 46
CAPÍTULO 6: Proposta de Overruling da Decisão Tomada no RE 407.688/SP 49
Em 08 de fevereiro de 2006, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário nº 407.688/SP, situação em que considerou legítima a penhora do bem de família do fiador em contrato de locação, previsto no art. 3º, inciso VII da Lei nº 8.009/90, inserido pelo art. 83 da Lei nº 8.245/91.
A decisão foi tomada após anos de debates doutrinários e jurisprudenciais, que gerou um cenário de insegurança e incerteza no mercado de locações. Após a decisão da Suprema Corte, colocou-se uma pá de cal no assunto e passou a ser admitida a penhora do bem de família do fiador locatício.
No entanto, muitas vozes persistiram na inconstitucionalidade do artigo face a inserção do direito à moradia no caput do art. 6º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, por meio da Emenda Constitucional nº 26/2000. Em sede legislativa, o Congresso Nacional também tem sido palco de tentativas de retirar do ordenamento jurídico a previsão, ou, pelo menos, mitigar seus efeitos.
A questão do acesso à moradia é tema de antigos e recorrentes debates. Nacional e internacionalmente, estudiosos de diversas áreas, bem como governantes e políticos, têm realizado análises acerca do tema sob diferentes enfoques, a fim de ceifar o mal que acomete grande parte da população mundial. Nesse contexto encontra-se a importância da instituição do bem de família, instituto existente em diversos países, com suas semelhanças e particularidades.
Grande parte da irresignação surge da dinâmica da fiança locatícia, exigida na quase totalidade dos contratos de locação sob condições desfavoráveis ao fiador, que, normalmente, aceita ser garante de outrem por pura benevolência, ante o caráter gratuito da fiança prestada. Disposições como a renúncia ao benefício de ordem ou a previsão de solidariedade entre fiador e devedor fazem com que, no fim, o fiador equipare-se ao devedor principal, subvertendo a lógica das garantias.
Hoje, dez anos depois, ainda se discute na doutrina a necessidade (ou não) de revisão do tema. A decisão, tomada sob a sistemática da Repercussão Geral, jamais foi revisitada pelo Supremo Tribunal Federal a fim de se conferir efeito vinculante e
eficácia erga omnes. Os direitos em questão fazem com que o tema seja de extrema relevância, pois trata-se de debate que envolve a definição e limitação de princípios e garantias fundamentais, como a dignidade humana, o direito à moradia, a autonomia da vontade e a isonomia.
A partir da análise da doutrina existente sobre o tema, bem como das decisões judiciais relevantes, este trabalho se propõe e fazer uma análise sobre o binômio possibilidade/necessidade de revisão da decisão tomada em 2006.
Primeiro, serão estabelecidas as bases conceituais sobre dois institutos relevantíssimos para a análise: o bem de família e o contrato de fiança. A conceituação dos temas mostra-se necessária para que, na análise final, tenha-se em mente não somente a definição dos termos, mas também seus objetivos, o histórico de sua evolução e como os institutos operam com o mundo dos fatos, realizando-se uma análise holística que é capaz de aproximar o mundo do Direito do mundo concreto.
Após, será apresentada a dinâmica entre Constituição e legislação infra- constitucional, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, para se estabelecer o modo e grau que as disposições constitucionais devem interferir nas relações privadas regidas pelo Código Civil.
Em um terceiro passo, serão analisados os argumentos suscitados pelos Ministros da Suprema Corte quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 407.688, a fim de se extrair a lógica por trás da decisão. Seguindo, a partir do levantamento de dados junto ao sítio eletrônico do Congresso Nacional, será estudado o tratamento conferido à matéria pelo legislador, a fim de se estabelecer qual das vias, judicial ou legislativa, é mais apropriada e efetiva para analisar a matéria.
Por fim, será realizada a proposta central deste estudo, no sentido de revisão, pelo Supremo Tribunal Federal, do seu entendimento tomado em 2006, para que seja revertido a partir do mecanismo de prospective overrruling de precedentes, tornando ilegítima a penhora do imóvel bem de família do fiador locatício, também realizando algumas propostas no sentido de mitigar os efeitos da decisão.
CAPÍTULO 1: O Bem de Família.
O instituto do bem de família encontra suas bases em momentos históricos remotos, perpassando variadas legislações até ser incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro como o vemos atualmente, sendo que em cada uma delas assume características únicas e diversas. Em diferentes países o bem jurídico que se visa proteger é distinto: por vezes, trata-se de proteção à família, como ocorreu com o homestead nos Estados Unidos; em outras circunstâncias visava a proteção da propriedade em si, como na Alemanha1. No Brasil, sua razão de ser possui a finalidade precípua de proteger o núcleo familiar por meio do patrimônio consubstanciado na moradia, como nos Estados Unidos, advindo daí sua principal influência.
A origem do bem de família americano remonta ao instituto do homestead texano (que, ressalte-se, era parte do México à época, e não dos Estados Unidos), no qual a residência da família era impenhorável e, muitas vezes, inalienável2. Nos Estados Unidos, o instituto foi incorporado como fruto das políticas que visavam a colonização e consolidação de uma sociedade no novo e independente território. Para a caracterização do instituto, a maioria das legislações estaduais americanas prescrevia três fatores: ser o dono da terra um chefe de família (daí extrai-se a característica do instituto de proteção à família), existência de domínio ou direito de domínio sobre o imóvel e, por fim, ocupação do imóvel pela família. Como ressalta Villaça, alguns estados exigiam uma declaração formal para constituição do instituto, assemelhando- o ao bem de família voluntário implementado no Brasil alguns anos depois3.
Também na França discutia-se, desde o fim do século XIX, a necessidade de elaboração de institutos que visavam proteger a família. Os debates culminaram no
1 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Bem de Família, 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2010, p. 28: “O homestead na Alemanha, longe de mostrar-se nos moldes do americano, não protege o trabalhador; muito menos o agrícola, mas a média propriedade”.
2 Idem, p. 11: “O jurista americanos Xxxxx Xxxxxx conceitua o homestead como “a residência de família, possuída, ocupada, consagrada, limitada, impenhorável e, por diversas formas, inalienável, conforme o estatuído na lei.”
3 Idem, p. 20. A necessidade de conferir publicidade ao ato demonstra que o legislador americano busca conferir uma dúplice proteção: à família, mas também ao credor, que poderá realizar análise do risco envolvido e das garantias possíveis quando da concessão do crédito, decidindo, de maneira informada, se firmará relação jurídica com o instituidor do bem de família. “A quarta condição atentava à necessidade de uma declaração, em certos Estados, junto ao registro imobiliário, registrar of deeds, no sentido de dar ciência aos credores, que, conhecedores da situação, não poderiam alegar prejuízos pela impossibilidade de execução do patrimônio do devedor em regime de homestead, quanto aos créditos nascidos após essa declaração. Essa publicidade não permitia ao credor alegar desconhecimento do fato”.
nascimento da lei do bien de famille, em 1909, mesma época em que eclodiam debates em solo brasileiro4. O instituto francês também se assemelha ao bem de família voluntário brasileiro, posto depender de expressão de vontade por parte de quem o institui5. Possível identificar semelhanças, ainda, com a legislação italiana e portuguesa, respectivamente nos institutos do fondo patrimoniale e do “casal de família”.
Deste modo, à mesma época que se travavam debates acerca do bem de família na legislação estrangeira, o legislador brasileiro se preocupava com a proteção da família, ressaltada por Xxxxxxx como o fundamento do Estado, que lhe confere solidez e segurança. Assim, necessário destacar o desenvolvimento do instituto na legislação pátria, que perpassa a análise de dois estatutos: o bem de família voluntário (ou convencional) e o bem de família legal.
1.1. Bem de Família Voluntário ou Convencional
No Direito Brasileiro, o bem de família tem aparições desde o final do século XIX, concomitantemente com o instituto do homestead americano. O Projeto de Código Civil de Xxxxxx Xxxxxxxxx, de 1893, já o previa sob a denominação de “lar de família”, nos artigos 2.079 a 2.090. No entanto, como bem ressalta Marcione Pereira dos Santos6, o lar de família não era impenhorável, apenas inalienável e indivisível durante o matrimônio. O projeto não foi aceito, e o instituto do lar de família nunca chegou a se consagrar no Brasil.
Outros projetos chegaram a ser apresentados perante o Congresso, como o Projeto Malta, de 1903, e o Projeto Esmeraldino Bandeira, de 1910, mas apenas em 1916, com a aprovação da Lei nº 3.071, o Código Civil, a matéria ingressou formalmente na legislação pátria. O Código Beviláqua, como é comumente chamado, em homenagem a seu idealizador, o jurista Xxxxxx Xxxxxxxxx, previu, nos seus artigos 70 a 73, na parte do Livro dos Bens, o instituto.
4 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx (2010), op. cit., p. 37
5 Idem, p. 40.
6 XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx dos. Bem de família: voluntário e legal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 53.
De acordo com o art. 70 do Código Civil de 1916, o bem de família vinha disposto da seguinte forma:
Art. 70. É permitido aos chefes de família destinar um prédio para domicilio desta, com a clausula de ficar isento de execução por dividas, salvo as que provierem de impostos relativos ao mesmo prédio.
Como se depreende da leitura da legislação em comento, não mais se menciona o caráter rural e agrário da propriedade (como se via no instituto do homestead) para que esta possa ser constituída como bem de família, sendo, agora, incidente também sobre imóveis urbanos.
Algumas críticas foram feitas ao instituto tal como adotado na legislação. Marcione Pereira dos Santos traz a irresignação de Xxxxxxx Xxxxxxx dos Reis7 com a ausência de previsão expressa do imóvel rural como passível de ser objeto de bem de família, o que o excluiria do instituto. No entanto, o autor ressalta que a doutrina estendeu o entendimento a imóveis rurais, sob pena de se configurar grande injustiça quando analisada a finalidade do instituto, restando superada a divergência.
O bem de família, conforme se infere dos artigos 70 e 71, quando instituído, torna-se impenhorável (exceto por dívidas existentes antes de sua instituição e as referentes a impostos relativos ao bem) e inalienável.
Em relação a essa última característica, parte da doutrina traz certas críticas a sua existência. Isso porque a inalienabilidade pode, em si, trazer riscos à família, quando a necessidade de consentimento da mãe e filhos menores impede que o valor da alienação seja utilizado para cobrir gastos indispensáveis, como saúde e alimentação. Ressalta Villaça8 que seria necessária a nomeação de curador especial por juiz, bem como a oitiva do Ministério Público, para se alcançar a concordância dos filhos menores acerca da alienação. O processo, certamente demorado, poderia trazer
7 XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx dos. Op. cit., p. 109: “Nesse contexto, por ocasião da edição do Código Civil pátrio, em 1916, este foi duramente criticado por não prever expressamente a possibilidade de o bem de família recair sobre imóvel rural. Revelador desse inconformismo, encontramos no escólio de Xxxxxxx Xxxxxxx dos Reis: “Não deixa de ser isso um desvirtuamento dos fins do instituto, tirando-lhe a maior de suas vantagens que é a de assegurar aos pequenos lavradores a impenhorabilidade do reduzido trato de terra onde, num pelejar continuado, exerce a sua atividade, em prol da família estremecida.”
8 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx (2010), op. cit., p. 117.
mais ônus e prejuízos à família do que os benefícios advindos da inalienabilidade do bem.
Adiante, no art. 73, prevê-se a necessidade de a destinação ser feita mediante escritura pública, instituindo o denominado bem de família voluntário, necessidade essa que foi repetida tanto no Código de Processo Civil de 1939 quanto na Lei de Registros Públicos. Apesar da intenção de proteção do núcleo familiar, alicerce do Estado, muitas críticas foram – e são – feitas à transferência do encargo de constituir o bem de família, por parte da doutrina, como Xxxxxx Xxxxxxx, que expressa sua irresignação:
Ora, não é de aplaudir-se quando, no caso sub examine, o próprio Estado, por força desses dispositivos de lei, transfere ao particular (cônjuges e conviventes) encargo de tamanho realce, como se a vontade e o cuidado particulares se confundissem com o Poder Público.
Ao Estado deve competir a defesa da família, em última análise.
De fato, a transferência do ônus de constituição do bem de família para a família em si fez com que o instituto fosse pouco utilizado pela população brasileira, ainda mais se levado em consideração os custos envolvidos (deslocamento, registro em cartório, tempo). Apesar das boas intenções do legislador, resta a crítica, que merece atenção.
No Código Civil atual, o bem de família não é mais encontrado na parte do Livro dos Bens, mas, sim, no Livro de Direito de Família, entre os artigos 1711 e 1722. Na nova codificação civil, o bem de família pode ser instituído não apenas sobre um imóvel (“prédio”), mas sobre o que se chamou de parte do patrimônio, ou seja, valores mobiliários:
Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.
Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários,
cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.
Como se percebe, o bem de família tomou novos contornos e restrições. Apesar de poder abranger também bem móvel, claro avanço na seara da proteção à entidade familiar, o legislador optou por inserir um teto legal ao seu valor: um terço do patrimônio líquido. Parte da doutrina confecciona críticas a essa nova previsão, que pode impossibilitar a utilização do instituto por algumas famílias. Imagine-se aquele que optasse por instituir o bem de família voluntário sobre seu único bem, um imóvel, digamos, não o poderia fazê-lo, pois este configuraria a integralidade de seu patrimônio. A previsão levantou severas críticas de Xxxxxx Xxxxxxx, que chama a previsão de “verdadeiro absurdo, que possibilita somente aos afortunados sua instituição (do bem de família)”9. Também chama a atenção Zeno Veloso10 sobre a afronta ao princípio da isonomia.
Também se adicionou outra exceção legal àquelas previstas no antigo art. 70, tal qual a previsão contida no art. 1.715, que prevê, além das dívidas anteriores à constituição do bem de família e tributos advindos do imóvel, a possibilidade de penhora do bem de família por execução de despesas condominiais, obrigações estas consideradas como propter rem pela integralidade da doutrina.
A mais, o legislador preocupou-se em deixar expresso que o bem de família voluntário e o bem de família legal não se excluem, podendo a entidade familiar instituir um sem prejuízo da proteção do outro (à época do advento do Novo Código Civil, em 2002, a Lei de Bem de Família já estava em vigor há 12 anos, o que explica dita previsão legal).
Apesar do desenvolvimento legislativo, o instituto do bem de família de convencional continua sendo pouco utilizado, ante o ônus de sua instituição e os trâmites burocráticos. A utilização do instituto do bem de família somente consolidou- se no cotidiano brasileiro a partir da instituição do bem de família legal, que será analisado no item seguinte.
9 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx de (2010). Op. cit., p. 132.
10 XXXXXX, Xxxx. Bem de Família. In Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo, ano 15, v. 55, jan./mar. 1991, p. 117
1.2. Bem de Família Legal
O bem de família legal surgiu a partir da edição da Medida Provisória nº 143, de 1990, posteriormente convertida na Lei 8.009/1990, ou Lei do Bem de Família. Diferentemente do bem de família voluntário, sua instituição independe de expressão de vontade da família ou entidade familiar protegida, operando de ofício a partir da previsão legal.
O contexto político, econômico e social foi fator decisivo na edição da Medida Provisória, transformada em Lei em menos de trinta dias após sua edição. A taxa de inflação, que no ano de 1990 chegou a acumular 1.782,90%11, juntamente com políticas econômicas absurdas (tome-se por exemplo a determinação de Xxxxxxxx Xxxxxx de congelar todas as cadernetas de poupança em março de 1990), levaram o legislador a correr contra o tempo para conferir grau mais elevado de proteção à família, ameaçada pela crescente instabilidade econômica e financeira.
A exposição da relevância e urgência da matéria, que ensejaram a edição da Medida Provisória, foram veiculas no Diário do Congresso Nacional de 14 de março de 1990 (páginas 285 e 286), na qual o Ministro de Estado da Justiça à época, Xxxx Xxxxx Xxxxx, escreveu:
Não se pode igualmente negar a urgência, posto que, em decorrência da inflação e cumulação de juros, centenas de milhares de famílias estão com suas residências ou moradias ameaçadas de execução, ou já em processo executório, para pagar dívidas contraídas no atual sistema financeiro voraz e socialmente injusto, em operações que, por insucesso ou impenhorabilidade, arrastam à ruína todos os bens dos devedores, inclusive o teto que abriga o cônjuge e os filhos.
Dessa forma, apesar de desde meados do século XIX a moradia ser considerada fundamental ao digno desenvolvimento do ser humano, como será melhor explorado no capítulo 3 deste trabalho, o legislador brasileiro apenas adotou o bem de família
11 Informação disponível em xxxx://xxxxxxxxx.xxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx00.xxx. Acesso em 16 de outubro de 2017.
legal no fim do século XX, com a edição da Medida Provisória, quando o instituto passou a surtir efeitos consideráveis e efetivos.
Após a edição da Lei nº 8.009/90, alguns doutrinadores, como Xxxxxx Xxxxxxx, levantaram suspeitas acerca de sua constitucionalidade, em face do princípio da sujeição universal do patrimônio às dívidas. No entanto, a hipótese foi rechaçada tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, como ressalta Villaça12.
Diferentemente do bem de família voluntário, o instituidor do bem de família legal é o próprio Estado, mediante legislação sobre o tema, norma de ordem pública. O bem de família amplia-se aos móveis que guarnecem a residência e opera-se de ofício, sem necessidade de qualquer ato volitivo do protegido.
Para que se institua o bem de família legal, nos moldes do art. 1º da Lei nº 8.009/90, basta que o casal ou entidade familiar resida no imóvel, sendo este único em seu patrimônio:
Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.
O conceito de “entidade familiar” gerou alguns debates doutrinários e jurisprudenciais, no tocante à possibilidade de imóvel de solteiro, viúva (o) e pessoa separada estarem sujeitos ao regramento do bem de família. A discussão foi superada com a elaboração da Súmula 364 do STJ, que versa: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”.
12 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx (2010). Op. cit., p. 188.
Tendo-se em mente que o objetivo do legislador é proteger a família13, uma das bases do Estado, e que o conceito conferido a família e entidade familiar tem se expandido nos últimos anos (exemplo clássico de tal movimento é o julgamento da ADI 4277 pelo STF, que abarcou a união homoafetiva no conceito constitucional de família), justifica-se a interpretação em sentido lato, a abarcar famílias monoparentais, famílias com ou sem filhos, hétero ou homoafetivas, divorciados, solteiros, enfim, toda sorte de família que se possa conceber, dobrando-se o legislador à realidade social. Essa nova concepção distancia-se daquela cunhada no contexto da edição do Código Civil de 1916, época da incorporação do bem de família voluntário no Brasil, quando se tinha em mente a incidência do instituto somente às famílias legítimas e ortodoxas.
Também o requisito da residência tem sido interpretado de forma extensiva, indo contra doutrina defendida por alguns doutrinadores, como J. M. de Carvalho Santos14, que defende ser residência e efetiva ocupação do imóvel, pela família, requisitos indispensáveis à proteção do imóvel. Por exemplo, em 2014, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o EREsp nº 1.216.187-SC, sob relatoria do Ministro Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx, julgou ser irrelevante o fato de imóvel ao qual se alega bem de família estar cedido a outros familiares, bem como, desde 1999, com o julgamento do REsp nº 183.042/AL, sob Relatoria do Ministro Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, mesmo o bem que estiver locado a terceiros deve ser considerado bem de família, excluindo-se a necessidade de a família residir no imóvel de sua propriedade. A interpretação extensiva conferida à constituição do bem de família demonstra que os tribunais têm entendido a proteção à família e/ou à dignidade humana como pauta merecedora de destaque e efetividade.
Não obstante, a lei trouxe, em seu art. 2º, exceções à impenhorabilidade em relação a alguns bens móveis, tais quais veículos, obras de arte e adornos suntuosos, que não estarão protegidos pelo bem de família. A extensão da expressão “adornos
13 Importante ressaltar a existência de doutrina divergente acerca do bem jurídico que se visou proteger por meio da instituição do bem de família, mais especificamente a consubstanciada na tese do atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Xxxx Xxxxx Xxxxxx, que será melhor explorada no item 3.1 deste trabalho. Apenas a título de elucidação, Xxxxxx visualiza no bem de família uma proteção à dignidade humana, por meio da garantia de um patrimônio mínimo. O bem de família, na concepção do autor, é uma das hipóteses nas quais a impossibilidade de a codificação civilista prever todas as hipóteses de exacerbação patrimonial fez com que o legislador as alastrasse para além do Código Civil (FACHIN, Xxxx Xxxxx. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro/São Paulo: Xxxxxxx, 0000, pp. 141 e 142). Apesar de não serem doutrinas excludentes, importante ressaltar sua existência.
14 XXXXXX, X. X. xx Xxxxxxxx. Op. cit., pp. 47-55.
suntuosos” foi bastante debatida em sede jurisprudencial, como ressalta Villaça15. Também trouxe o legislador, quando da elaboração da Lei do Bem de Família, exceções à impenhorabilidade do próprio imóvel, que serão exploradas no item 1.3. Adianta-se que a impenhorabilidade nunca foi entendida como absoluta, uma vez que o próprio Código Civil previa algumas hipóteses de exceção ao bem de família convencional.
Independente desse fato, a jurisprudência interpreta extensivamente as hipóteses de caracterização do bem de família com base na Lei nº 8.009/90, demonstrando o caminho conjunto que legislador e o Poder Judiciário têm tomado em direção à efetividade do direito fundamental à moradia previsto no art. 6º da Constituição Federal, que será melhor explorado no Capítulo 3 do presente trabalho.
1.3. As Exceções Previstas no art. 3º da Lei 8.009/90
Apesar da interpretação extensiva que a jurisprudência vem conferindo à caracterização do bem de família, o legislador optou por determinar algumas circunstâncias nas quais a impenhorabilidade não é oponível, admitindo exceções à regra. Tais exceções estão previstas tanto no Código Civil, em seu artigo 1.71516, e na Lei 8.009/90, em seu artigo 3º. Focaremos nesta última, onde se encontra a previsão legal do objeto de estudo.
O artigo 3º da Lei 8.009/90 nasceu com seis incisos, sendo o sétimo, objeto deste estudo (fiança concedida em contrato de locação), inserido posteriormente pela Lei 8.245/91:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I - (Revogado)
15 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx (2010), op. cit., p. 199-204.
16 Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.
Parágrafo único. No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz.
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
O inciso primeiro, que versava sobre os créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias, foi expressamente revogado pela Lei Complementar nº 150/15, ou Lei dos Trabalhadores Domésticos. O artigo 46 da referida Lei, que revogou o inciso em comento, foi considerada por alguns como inconstitucional, por força do princípio da vedação ao retrocesso social17, alegando-se que não poderia ser retirado do trabalhador uma garantia antes prevista.
Seguindo, os incisos segundo e terceiro tratam sobre créditos para construção e aquisição do imóvel e dívida de pensão alimentícia. Em recente julgado do Superior Tribunal de Justiça18, o Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, ao analisar a possibilidade de penhora de imóvel bem de família para satisfação de crédito de natureza alimentar diverso da pensão alimentícia, reforçou a interpretação restritiva que se conferem às exceções, determinando que somente a espécie pensão alimentícia (decorrente do gênero crédito de natureza alimentar) permite a incidência da exceção.
17 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx da. A inconstitucionalidade ou inconvencionalidade parcial do art. 46 da Lei Complementar 150 de 1º de junho de 2015. In Revista Âmbito Jurídico. Disponível em: xxxx://xxxxxx- xxxxxxxx.xxx.xx/xxxx/?x_xxxxxxxxxxxx_xxxxxxx_xxxxxxx&xxxxxx_xxx00000. Acesso em: 06 de nov. de 2017.
18 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.361.473/DF, Quarta Turma, Relator Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico em 01 de ago. de 2017.
O inciso seguinte, quarto, foi alvo de extensos debates doutrinários e jurisprudenciais no que tange à delimitação do termo “contribuições”. Discutia-se se era legítima a possibilidade de penhora do imóvel bem de família em decorrência de obrigações propter rem, mais especificamente a cota condominial de imóvel constituído em condomínio.
Muito se debateu acerca do tema, especialmente em sede jurisprudencial, onde a matéria não era pacífica por muitos anos. O Superior Tribunal de Justiça evoluiu seu entendimento entre a década de 90 e os anos 2000, inicialmente considerando oponível a impenhorabilidade neste caso (ou seja, ilegítima a penhora para execução de cotas condominiais), como decidido em 1994 no REsp nº 52.156/SP, sob relatoria do Ministro Fontes de Xxxxxxx. No caso, considerou-se que apenas dívidas fiscais ensejariam a incidência da exceção. Também nesse sentido decidiu o Ministro Xxx Xxxxxx no julgamento do REsp nº 82.563/RJ, em 1996.
Nos anos seguintes, em 1997, a Corte mudou seu entendimento, aderindo à tese capitaneada pelo Ministro Xxxxxx Xxxxxxxx na apreciação do REsp nº 150.379/MG. As razões para mudança do entendimento pautaram-se basicamente em dois argumentos: a injustiça em onerar os demais condôminos adimplentes, bem como a natureza propter rem, ou seja, vinculada ao imóvel (ou à coisa) das cotas condominiais.
Por fim, em 2007 o Supremo Tribunal Federal deu um ponto final à questão, quando da análise do Recurso Extraordinário nº 439.003. O Relator, Ministro Xxxx Xxxx, seguido da unanimidade dos Ministros da Segunda Turma, declararam a constitucionalidade do art. 3º, IV da Lei 8.009/90.
Ressalte-se que, neste julgamento, o Ministro Xxxx Xxxx, voto vencido no julgamento do Recurso Extraordinário nº 407.688 (objeto deste estudo), afirmou expressamente que manteve sua posição acerca da impossibilidade de penhora do bem de família do fiador em contrato de locação. Ao expor seus motivos, realizou a distinção entre os dois casos:
Ocorre que a impenhorabilidade protege o titular do bem de família no âmbito da execução das relações de intercâmbio e, no caso destes autos, não há relação de intercâmbio entre os condôminos, porém uma relação de comunhão de escopo.
(...)
Se nos contratos de intercâmbio o elemento fundamental é o sinalagma – vínculo de recíproca dependência entre as obrigações do contrato bilateral – na associação, como na sociedade e no consórcio, o elemento fundamental é o escopo (objetivo) comum.
A partir deste julgamento, restou superada a controvérsia, tendo sido a penhora de imóvel de bem de família para pagamento de despesas condominiais amplamente admitida. Nossa crítica, abordada brevemente nesse trabalho, reside apenas na forma de utilização da possibilidade por parte dos condomínios, que comumente desrespeitam a ordem de preferência das penhoras elencada no Código de Processo Civil, bem como o princípio da menor onerosidade, ao requerer de imediato a penhora do imóvel. A manobra, que funciona como mecanismo de “solução a longo prazo” para o problema do condômino inadimplente, merece atenção do Poder Judiciário, para que se evitem injustiças sociais ao se penhorar o bem de família prima facie em processo de execução de cotas condominiais, sem antes buscar a satisfação do crédito de outras formas.
Adiante, prevê a legislação a possibilidade de penhora do imóvel bem de família por dívida decorrente de crédito hipotecário e aquisição criminosa. A doutrina mostra- se pacifica acerca da possibilidade de penhora por crédito hipotecário. No magistério de Villaça:
Ora, se a situação de bem de família não retira de seu titular a possibilidade de aliená-lo, porque esse imóvel é, somente, impenhorável, nada impede que seja o mesmo oferecido como garantia hipotecária.
A hipoteca é uma das formas de garantias reais, constituindo direito real de garantia que recai expressamente sobre imóvel, a fim de assegurar o cumprimento de obrigação assumida, oponível erga omnes19. Dessa forma, aquele que presta hipoteca deliberadamente dá em garantia seu bem, exercendo sua autonomia de maneira livre e informada. O proprietário de imóvel bem de família que o dá em garantia, por meio
19 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos, 26ª ed., São Paulo: Forense, 2008, p. 629.
de hipoteca, ao cumprimento de alguma obrigação, possui ciência que este imóvel poderá ser executado.
Diferentemente da fiança, que será melhor explorada no Capítulo 2 deste trabalho, apenas o imóvel responde pela dívida, e não a integralidade do patrimônio do garante. Também cumpre destacar que, na maior parte das vezes, aquele que presta hipoteca terá alguma contraprestação, o que normalmente não ocorre na fiança gratuita de contratos de locação.
Partindo dessas premissas, a doutrina e a jurisprudência vêm aceitando a possibilidade de penhora de imóvel bem de família dado em garantia hipotecária.
Já a previsão contida no inciso sexto é decorrente de norma já existente na codificação penal, consoante disposto nos arts. 91, 122, 124 e 779 do Código de Processo Penal, por exemplo. As disposições decorrem da máxima nemo auditur propriam turpitudinem allegans, ou “a ninguém é dado se beneficiar da própria torpeza”.
Por fim, chega-se ao sétimo inciso do artigo 3º da Lei 8.009/90, que prevê a possibilidade de penhor ade imóvel bem de família para a satisfação de crédito de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Acalorados debates surgiram com a entrada em vigor da Lei nº 8.245/91, que acrescentou o inciso VII ao art. 3º da Lei nº 8.009/9020, mais especificamente acerca de sua constitucionalidade face o direito fundamental à moradia.
No entanto, antes de adentrarmos referidos debates, necessário estabelecer as bases teóricas sobre as quais apoiam-se aqueles que advogam a favor da
20 Por aqueles que advogam pela inconstitucionalidade do art. 82 da Lei nº 8.245/91, que inseriu o inciso VII ao art. 3º da Lei nº 8.009/90, podemos citar: XXXX, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx. O fiador e o direito fundamental à moradia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004; SLAIBI FILHO, Xxxxx. Impenhorabilidade do bem do fiador em decorrência do direito à moradia. In Revista da EMERJ, n. 33, p. 117-135, 2006; XXXXXX, Xxxx Xxxxx. Sentidos, transformações e fim. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000; XXXXX, Xxx Xxxxx de. Bem de família do fiador e o direito fundamental à moradia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. Por outro lado, aqueles que advogam pela constitucionalidade do referido artigo são comumente representados por XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx de. Bem de família: penhora em fiança locatícia e direito de moradia. In: XXXX, X. X. X. x XXXXXXX, X. (coord.). Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Xxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009; XXXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxx. O contrato de fiança. In: XXXXX, X. X. X. Direito & Justiça Social: estudos em homenagem ao professor Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. São Paulo: Atlas, 2013.
inconstitucionalidade do referido inciso, a começar pela conceituação e contextualização do contrato de fiança locatícia.
CAPÍTULO 2: O Contrato de Fiança
Grande parte da literatura acerca da impossibilidade de penhora do bem de família do fiador em contratos de locação coloca no cerne da problematização, no seu núcleo, as particularidades legais e fáticas dos contratos de fiança, especialmente nas fianças locatícias21.
Usualmente, o contrato de fiança é classificado como sendo: i) unilateral, visto que somente gera obrigações para o fiador; ii) gratuito, normalmente gerando benefícios apenas para uma das partes, sem nada ganhar o fiador (existem exceções nas quais pode existir remuneração ao fiador, casos nos quais será o contrato caracterizado como oneroso, como ocorre com a fiança bancária); iii) intuitu personae ou personalíssimo, pois se firma em função da confiança depositada no fiador; e iv) acessório, pois depende da existência e validade de obrigação principal22. Por fim, é solene, mediante a prescrição, pela lei, de forma obrigatória, tal qual a escrita (art. 819 do Código Civil23).
A fiança insere-se no rol das garantias fidejussórias ou pessoais, nas quais um terceiro, estranho à relação contratual principal, se obriga a pagar a dívida caso o devedor não o faça. Do outro lado encontram-se as garantias reais, nas quais existe o prévio oferecimento de uma coisa em garantia. Entre as garantias reais encontram- se o penhor, a hipoteca e a anticrese.
As origens da fiança são incertas, mas remontam em grande parte ao Direito Romano, na figura do adpromissio, que se divida em três espécies: sponsio, fidepromisso e fideiussio, a última correspondendo à fiança que conhecemos hoje24.
21 XXXXX, Xxx Xxxxx de. Bem de Família do Fiador e o Direito Humano Fundamental à Moradia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 106; XXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxx de e XXXXXXXX, Xxxxxxx. Ensaio sobre as iniquidades da fiança locatícia gratuita. In Direito das Garantias. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx e Xxxx Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx (coord.). São Paulo: Saraiva, 2017, p. 11-55; XXXX, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx. O Fiador e o Direito à Moradia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, pp. 14 e 15.
22 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx. Instituições de Direito Civil – Volume III – Contratos. 12ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 494.
23 Código Civil Brasileiro, art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.
24 XXXXX, X. X. Xxxxx. Op.cit., p. 24: “(...) a primeira, e mais antiga, reservada apenas aos cidadãos romanos (civis); a outra, aplicável ao esses e aos peregrinos, ou plebeus (non civis), ou entre esses e aqueles em suas
A fiança é regulada pelos artigos 818 a 839 do Código Civil e possui a característica de ser subsidiária, ou seja, existe o que se chama de benefício de ordem, devendo o credor primeiro buscar satisfazer seu crédito ante o devedor e somente após o insucesso buscar a satisfação junto ao fiador. Algumas características da fiança locatícia chamam a atenção daquele com olhar mais atento, sendo alvo de severas críticas da doutrina, bem como uma das bases pelas quais muitos advoga pela inconstitucionalidade da possibilidade de penhora do bem de família do fiador em contrato de locação.
Primeiro, o fato de que se tornou prática a renúncia do fiador do benefício de ordem25, fazendo surgir solidariedade entre fiador e afiançado (conforme jurisprudência do STJ26) ou, até mesmo, a estipulação de que o fiador será o pagador principal27.
No entanto, mesmo quando existe benefício de ordem, os requisitos legais para sua validade o tornam ineficaz. A existência de benefício de ordem deve ser apresentada até a contestação do fiador, devendo este nomear bens do devedor capazes de solver a dívida e estes devem estar situados no mesmo município e livres e desembaraçados28.
Também em relação à possibilidade de purgação de juros de mora (cláusula penal), merecem atenção as considerações feitas por Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx
transações mútuas; e a última, diferençada das demais espécies pelo emprego generalizado a toda sorte de obrigações pessoais, e transmissível aos herdeiros.”
25 XXXXXXX, Xxxxxx. Novos paradigmas ao contrato de fiança locatícia. In Revista do Curso de Direito da FSG, ano 2, nº 4, jul./dez/ 2008, p. 134; XXXXX, Xxx Xxxxx de. Bem de Família do Fiador e o Direito Humano Fundamental à Moradia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009; XXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxx de. Ensaio sobre as iniquidades da fiança locatícia gratuita. In Direito das Garantias. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx e Xxxx Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx (coord.). São Paulo: Saraiva, 2017, p. 29.
26 Superior Tribunal de Justiça, AgRg no REsp 795.731, Xxxxx Xxxxx, Relator Ministro Xxxxx Xxxxxxxx, publicado no Diário de Justiça Eletrônico em 17 de novembro de 2008.
27 Nesse sentido, interessante a colocação de passagem de X. X. Xxxxx sobre a diferença entre a fiança no direito romano e a fiança moderna. Explicita o doutrinador que, naquela, o fiador substitui o devedor, liberando-o, enquanto nesta o fiador “acompanha” o devedor. A prática demonstra que, no entanto, a fiança locatícia mais se aproxima do instituto romano do que do direito moderno, devido à recorrente e inegável tradição da renúncia ao benefício de ordem.
28 Código Civil Brasileiro, art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.
Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito.
e Gabriel Schulman29. Primeiro, ressaltam os doutrinadores que o STJ decidiu, no julgamento do REsp 1.264.820, que os juros incidem contra o fiador na sistemática da mora ex re, ou seja, a partir do vencimento da dívida, na forma do art. 397 do Código Civil. A decisão vai em sentido contrário à disposição legal que determina a incidência de juros contra o fiador apenas a partir de sua citação30. Acrescentando a desnecessidade de notificação do fiador acerca da mora do devedor, reforça-se a realidade de que, nos contratos de fiança locatícia, o fiador é, na verdade, devedor principal, subvertendo a lógica do sistema de garantias.
Nesse sentido, esclarecedora a passagem do texto citado:
À luz do prisma funcional, cumpre ao credor tomar medidas que impeçam o aumento desmedido do débito, a tornar necessário repensar a cobrança de juros moratórios em multa ao fiador que nem sequer sabe do atraso. Haja vista a posição função de garante, a cobrança de multa do fiador sem a correspondente comunicação sobre o débito significa puni-lo por um descumprimento que não lhe é imputável e que o expõe até mesmo à perda do bem de família.31
A necessidade de notificação da inadimplência do fiador é tema de grande relevância, sendo objeto de alguns Projetos de Lei em apreciação pela Câmara dos Deputados (por exemplo, PL 2074/99 e PL 4459/0132).
Outras circunstâncias fáticas também chamam atenção. O contrato de fiança é dito como um ato de liberalidade, normalmente realizado por amigos e familiares que, na maioria das vezes, não possuem consciência das consequências de seu ato, especialmente no tocante à possibilidade de penhora de seu único imóvel33. Muito se
29 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxx de; XXXXXXXX, Xxxxxxx. Ensaio sobre as iniquidades da fiança locatícia gratuita. In Direito das Garantias. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx e Xxxx Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx (coord.). São Paulo: Saraiva, 2017, pp. 11-55.
30 Código Civil Brasileiro, art. 822. Não sendo limitada, a fiança compreenderá todos os acessórios da dívida principal, inclusive as despesas judiciais, desde a citação do fiador.
31 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxx de; XXXXXXXX, Xxxxxxx. Op cit., pp. 32-33.
32 Projeto de Lei nº 2074 de 1999, de autoria do Deputado Xxxxx Xxxxxxx (PFL/MG): “Determina que o locador deverá notificar o fiador, sempre que o locatário deixar de pagar três alugueis, ou acessórios da locação, consecutivos, sob pena de extinção da garantia”.
Projeto de Lei nº 4459 de 2001, de autoria da Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (PPB/RJ): “Dispõe sobre a necessidade de o fiador ser notificado sobre a inadimplência do locatário em tempo hábil, acrescentando dispositivo à Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a ela pertinentes”.
33 XXXXX, Xxx Xxxxx de. Op. cit., p. 106.
fala sobre seu caráter prejudicial ao fiador, desde os tempos bíblicos, passando por Xxxxxxxxxxx e a doutrina moderna de Direito Civil-constitucional34.
Estabelecidas as bases da natureza e prática dos contratos de fiança, cabe analisar a relação existente entre a fiança locatícia e o bem de família, que surgiu com o advento da Lei nº 8.245/91.
2.1. O Bem de Família do Fiador e a Lei nº 8.245/1991.
Diante do caráter prejudicial ao fiador, pergunta-se o motivo pelo qual, em 1991, a fiança foi inserida como garantia possível de ser exigida pelo locador. Mais importante, indaga-se o motivo pelo qual o legislador inseriu mais uma exceção à impenhorabilidade do bem de família, em seu art. 82, que deveria ocorrer somente em circunstâncias excepcionais.
O contexto econômico-social da época é de extrema relevância para a compreensão das inovações trazidas pela Lei nº 8.245/91 (Lei das Locações). A inflação galopante que contorcia a economia brasileira nas décadas de 80 e 90 fazia com que o preço dos aluguéis ficasse rapidamente defasado, quebrando o equilíbrio econômico-financeiro e a comutatividade existentes ao início da relação contratual entre locador e locatário35.
Inúmeras eram as ações de despejo e revisionais submetidas à apreciação do Poder Judiciário, levando o mercado locatício a uma situação de extrema tensão, insegurança e, especialmente, desprestígio. Com base nesse cenário, foi promulgada a Lei nº 8.245/91, trazendo “mudanças que ultrapassaram as expectativas mais otimistas”36.
A Lei, oriunda do Projeto de Lei nº 919/91, teve sua exposição de motivos publicada no Diário do Congresso Nacional em 18 de maio de 1991, cabendo trazer
34 Nesse sentido é o Livro dos Provérbios, 11, 15, citado por Xxx Xxxxx xx Xxxxx (Rio de Janeiro, 2009, p. 101): “Quem fica por fiador certamente sofrerá, mas o que aborrece a fiança estará seguro”. Já nas obras de Xxxxxxxxxxx, a figura da fiança encontra-se em “O Mercador de Veneza”, inserida na relação entre Xxxxxxx, que deposita confiança em Bassânio e figura como garante de seu negócio jurídico com Xxxxxxx.
35 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Da locação do imóvel urbano: direito e processo. Rio de Janeiro: Revista Forense, 2002, pp. 2 e 3.
36 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Idem, p. 3.
alguns trechos do texto do então Ministro da Justiça Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx, Ministra da Economia, Fazenda e Planejamento, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx e a Ministra da Ação Social, Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxx Xxxxxxxx:
Percebeu-se, sem grande dificuldade, que a atual Lei do Inquilinato, ao presumir a hipossuficiência de uma das partes na relação locatícia, restou por inviabilizar a locação de imóveis e os investimentos que tradicionalmente eram destinados à construção civil, especialmente na área de habitação.
(...)
Criou-se, por força da atual Lei de Locações, uma profunda escassez de imóveis residenciais para locação, o que tem levado o mercado a elevar excessivamente o valor inicial do aluguel, gerando, entre outras consequências, a elevação dos índices inflacionários.
E continuam:
Há muito o que fazer até que as necessidades dos brasileiros por moradia sejam definitivamente supridas. O presente projeto de lei do inquilinato, ao buscar o equilíbrio de mercado através da livre negociação e da ausência de regras excessivamente protecionistas, certamente contribuirá para minimizar o grave problema habitacional do País.
Percebe-se que a Lei do Inquilinato veio como mecanismo de assegurar a paridade de armas entre locador e locatário, conferindo mecanismos de defesa para ambos e incentivando o mercado imobiliário, o que, segundo argumentam, reduziria o déficit habitacional existente no país. Os avanços trazidos pela referida lei são amplamente ovacionados na doutrina, e não se nega que o mercado imobiliário se expandiu e consolidou de maneira bastante expressiva a partir da promulgação da lei.
No entanto, bem explicita Xxxxxx Xxxxxxxx que a Lei do Inquilinato não foi o único fator determinante nesse cenário. O advento do Plano Real, com consequente estabilização da moeda, certamente foi fator decisivo no sucesso dos objetivos da Lei, impedindo que os aluguéis se tornassem defasados em decorrência da inflação37. Não se pode, portanto, conferir todos os méritos do crescimento do mercado de locações
37 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Op. cit., pp. 3 a 6.
unicamente à lei, sendo as mudanças no contexto social e econômico fatores tão importantes quanto (se não mais que) a prática legislativa.
A lei funcionou como uma balança entre locador e locatário, sendo benéfica a ambos. Por exemplo, ao inserir a fiança como garantia passível de ser requerida pelo locador, no artigo 37, deu-se mais segurança à satisfação de créditos de locatários inadimplentes. Por outro lado, o limite de três aluguéis para as cauções em dinheiro impôs ao locador limites nas suas exigências, protegendo o locatário de possíveis excessos e abusos.
No entanto, não cuidou a lei de ponderar os interesses do fiador nessa balança, sendo verdadeira traição legislativa ao fiador, que passou a ver seu único imóvel, bem de família, ser penhorado em decorrência de uma garantia unilateral e gratuita prestada em favor de amigos ou familiares, sem lhe ser conferido os mesmos mecanismos de proteção garantidos ao devedor.
A título de exemplo da injustiça cometida, tem-se a hipótese na qual o fiador que satisfez a integralidade da dívida com o dinheiro decorrente da penhora de seu imóvel bem de família e se sub-roga nos direitos do credor, ao tentar executar a quantia que lhe é devida, encontrará óbice porque o devedor poderá, porventura, alegar a impenhorabilidade de seu imóvel, caso o possua (levando-se em consideração que não é incomum locadores possuírem um imóvel próprio).
Levou-se em conta uma balança, entre locador e locatário, sem se atentar à balança existente entre o direito do credor de ter seu crédito satisfeito e o direito do fiador à moradia, consubstanciada no seu bem de família. O legislador pauta sua atuação no incentivo à moradia, mas também o cerceia em relação ao fiador. Ao fim, retorna à estaca zero do problema.
Em 2015, o déficit habitacional seguia crescendo, agravado pelo crescimento de 30% nos lares afetados por comprometimento de renda com aluguel entre 2014 e 201538, levando ao inadimplemento dos locadores. Com a sistemática atual adotada nos contratos de fiança locatícia, as altas taxas de inadimplemento refletirão em mais prejuízos aos fiadores, vez que, como exposto, estes normalmente são devedores
38 FUNDAÇÃO XXXX XXXXXXXX. Déficit habitacional no Brasil. Disponível em xxx.xxx.xxx.xx. Pesquisa realizada em 16 de outubro de 2017.
solidários ou comparados ao devedor principal em decorrência da renúncia ao benefício de ordem.
O contrato de fiança locatício é tão oneroso ao fiador que virou objeto de alguns projetos de Lei que visam excluir sua previsão do rol de garantias passíveis de exigência pelo locador39.
É possível argumentar que a adoção da fiança como meio mais difundido de garantia é prejudicial também aos locadores. Apesar de ser uma garantia gratuita, tornando-a mais acessível aos locatários, seu efetivo valor é difícil de ser apurado. O fiador pode ser solvente e possuir bens suficientes à época da contratação, o que não impede que se torne insolvente após, deixando o locador sem uma real garantia. A fiança confere pouca segurança à satisfação do crédito, pois não pode ser mensurada nem vigiada com baixos custos. Também o fato de ser uma garantia fidejussória, ou seja, um terceiro garantir o pagamento da dívida, o que se executará não será a garantia, mas, sim, o terceiro, o que pode implicar em longos processos de execução, custosos e desgastantes, enquanto a adoção de outra forma de garantia conferiria mais celeridade e segurança ao locador.
Dessa forma, o cenário atual demonstra que existe espaço para a rediscussão não apenas da possibilidade de penhora do bem de família do fiador, instituto criado há quase trinta anos e há mais de dez sem revisão, não obstante as profundas mudanças socioeconômicas ocorridas em solo brasileiro, mas também das bases que sustentam que a fiança seria a melhor forma de garantia para o mercado de locações, demonstrando que o Direito está sempre um passo atrás da realidade.
39 Por exemplo, Projeto de Lei nº 693/99, de autoria do Deputado Xxxx Xxxxxxx (PMDB/PI): “Extingue a exigência de fiador do contrato de locação e transferindo ao locador a responsabilidade de pagamento dos tributos do imóvel locado” e Projeto de Lei 2304/00, de autoria do Deputado Xxxxx Xxxx (PT/RS): “Dispõe sobre a supressão do instituto da fiança nas locações residenciais”.
CAPÍTULO 3: Perspectivas de Direito Civil-Constitucional: O Direito à Moradia como Forma de Instrumentalização da Dignidade Humana.
Tradicionalmente, tem-se o direito civil como instrumento jurídico voltado a reger unicamente as relações entre particulares, consagrando um espaço reservado aos cidadãos onde o Estado teria pouca ou nenhuma influência sobre. A tradição remonta ao direito romano, mas fincou fortes raízes no direito europeu a partir da ascensão da burguesia e do novo regime liberal de proteção da propriedade e da liberdade contratual, possuindo como grande marco o Código Civil napoleônico, de 1804. Conforme bem ressalta Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, “os movimentos liberais, a partir do século XVIII, (...) terminou por deixar ensombrecido o prestígio da Constituição como norma vinculante”40.
Por outro lado, o direito constitucional, mais especificamente a Constituição, era vista como “documento essencialmente político, um convite à atuação dos Poderes Públicos”41. Suas propostas eram submetidas à discricionariedade do legislador, não cabendo ao Poder Judiciário qualquer atuação no sentido de dar concretude a essas disposições. Até o surgimento do que Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx denomina de “novo direito constitucional”, prevalecia na sociedade europeia, bem como em outras, o paradigma do positivismo, anteposto ao jusnaturalismo.
No entanto, a partir do pós-guerra, redefiniu-se o lugar da Constituição nos sistemas e instituições. O cenário de atrocidades cometidas durante o período da guerra, especialmente na Alemanha e na Itália, deixou inquietos os povos que se viram ameaçados pelo próprio direito concebido para lhes proteger, a partir do momento em que regimes autoritários e extremistas galgaram ao poder amparados pela legislação em vigor. A mesma situação pôde ser vista no Brasil durante o período de ditadura militar, na qual mantinha-se vigente a Constituição, mas, como bem
40 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx. Curso de Direito Constitucional. Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx. 4ª ed, São Paulo: Saraiva, 2009, p.215.
41 Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxxx. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. In Revista da EMERJ, v.9, nº 33, 2006, p. 48.
xxxxxxxx Xxxxxxx, “nela se buscava, não o caminho, mas o desvio; não a verdade, mas o disfarce”42.
A necessidade de se conferir uma nova função à Constituição tornou-se patente, dando ensejo ao surgimento dos ideais e teorias comumente denominadas de pós- positivismo, constituindo grande marco na doutrina acerca da aplicação do direito constitucional e a posição das Constituições nos ordenamentos jurídicos. Conforme o magistério de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, três marcos teóricos transformaram esse cenário: o reconhecimento da Constituição como norma jurídica, que conferiu à Carta Magna, entre outros atributos, a imperatividade; a expansão da jurisdição constitucional; e o desenvolvimento da interpretação constitucional.
A partir desses três marcos iniciou-se o processo de constitucionalização do Direito, o qual se associa à irradiação do conteúdo das normas constitucionais, agora dotadas de força normativa, a todo o sistema jurídico. A partir desse movimento os valores insculpidos na Constituição, bem como seus princípios “passaram a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional”43.
Este “novo direito constitucional”, que, ressalte-se, possuía raízes fortes nos Estados Unidos desde o século XIX44, foi incorporado ao direito brasileiro a partir do processo de redemocratização, com seu marco histórico na promulgação da Constituição de 1988. A partir desse momento, transforma-se a interação entre Constituição e Lei, bem como Constituição e indivíduo, surgindo um caráter subordinante entre aquele e este. Tanto o Poder Público quanto os particulares (seja nas relações entre si, ou somente entre particulares) estariam submetidos aos valores, princípios e objetivos da Constituição, estando seus atos condicionados à averiguação
42 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. A doutrina brasileira da efetividade. In: Temas de Direito Constitucional – Tomo III. 2ª ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, pp. 63 e 64.
43 Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxxx (2006). Op. cit., p. 58.
44 Nesse sentido, vale conferir as anotações de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, sobre a cultura norte-americana de “desconfiança” no Parlamento. Segundo o autor, as leis britânicas às quais se submetiam as colônias americanas às vésperas da independência provocavam forte indignação na população (veja-se, por exemplo, o caso da “Festa do Chá de Boston”, famoso episódio de revolta dos colonos com a taxação britânica sobre a indústria do chá), levando à crença de que seriam fruto de um parlamento corrompido e hostil aos ideais de liberdade promovidos na colônia. Por conseguinte, percebeu-se a necessidade de criação de mecanismos que garantissem não apenas a representação no parlamento, obtida por meio do voto, como também de freios à atuação do parlamento eleito, em especial na proteção às minorias. O processo “colaborou para que se encontrasse um valor jurídico único na Constituição, como instrumento de submissão dos poderes a limites. Tornou-se viável a ideia de supremacia da Constituição às leis”. Mais tarde, esses mesmos ideais fariam com que os Estados Unidos capitaneassem o desenvolvimento do controle de constitucionalidade.
de conformidade com os novos ditames constitucionais45. Limites e balizas se impuseram à discricionariedade do legislador e ao exercício da autonomia da vontade, por exemplo, que agora se submetem a valores maiores como a igualdade material, a função social da propriedade e dos contratos e a dignidade da pessoa humana.
Desde a sua consagração como princípio fundamental da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana ocupa espaço de destaque nos debates jurídicos e filosóficos, não sendo uma “jabuticaba”, ou seja, instituto exclusivo pátrio. Constituições como a da Alemanha, que capitaneou a expressão, Portugal e Espanha previram, muito antes de 1988, a dignidade humana como base e valor fundamental de toda a sociedade, positivando o princípio que há muito se discutia em outras áreas de estudo, especialmente o da filosofia46. Sua conceituação perpassa por inúmeros aspectos, não podendo se reduzir a uma explicação una sem se cair em simplismo, ante seu aspecto multifacetado e alto grau de indeterminação se analisado isoladamente.
Não obstante as divergências doutrinárias que discordam sob qual categoria a dignidade humana se insere – se princípio geral do direito, princípio fundamental, valor supremo, fundamento constitucional e outras diversas categorias nas quais o instituto já foi classificado47 – é inconteste que “a evolução que o Direito Constitucional alcançou é fruto, em grande parte, da aceitação dos direitos fundamentais como cerne da proteção da dignidade da pessoa”48.
45 Segundo Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, a constitucionalização do direito possui como seguintes mecanismos de atuação prática: o reconhecimento da revogação de normas anteriores à Constituição (mais conhecido como não recepção de normas); a declaração de inconstitucionalidade de norma posterior à Constituição; a declaração de inconstitucionalidade por omissão, convocando o legislador a atuar na realização de programas institucionais; a interpretação conforme a Constituição, conferindo nova “roupagem” a norma a partir nova leitura ou de declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução do texto, com interpretação alternativa.
46 XXXXX, Xxxx Xxxxxx xx. A dignidade da pessoa humana com valor supremo da democracia. In Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 000, x. 00-00, xxx. 1998. Disponível em: xxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxx/xxxxx.xxx/xxx/xxxxxxx/xxxx/00000 . Acesso em: 20 Nov. 2017.
47 Apenas para ilustrar a controvérsia, veja-se a posição de Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, que considera que a dignidade humana “constitui um valor que atrai a realização dos direitos fundamentais do homem, em todas as suas dimensões, e, como a democracia é o único regime político capaz de propiciar a efetividade desses direitos, o que significa dignificar o homem, é ela que se revela como o seu valor supremo, o valor que a dimensiona e humaniza” (XXXXX, Xxxx Xxxxxx. Op. cit., p. 94). Por outro lado, Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx considera a dignidade da pessoa humana princípio pré-constituinte de natureza supraconstitucional: “sob essa concepção metafísica [referindo-se à classificação conferida por Xxxxxx Xxxxx em Pessoa, Sociedade e História] reputamos adequado analisar a dignidade da pessoa humana como um dos princípios – desde logo considerado de valor pré- constituinte e de hierarquia supraconstitucional – em que se fundamenta a República Federativa do Brasil, nos termos do art. 1º da Carta Política de 1988” (XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx. Op. cit., p. 172)
48 XXXXXX, Xxxxxxxx. Manual de Direito Constitucional. 5ª ed. Xxxxxxxx: JusPODVIM, 2017, p. 201.
Dessa forma, os direitos e garantias fundamentais insculpidos no Título II do Capítulo I da Constituição da República, sejam eles de primeira, segunda ou terceira geração (fala-se atualmente, inclusive, de possíveis quarta e quinta geração dos direitos fundamentais, como professam Norberto Bobbio49 e Paulo Bonavides50, por exemplo), são considerados vetores de operacionalização da dignidade humana, que buscam concretizar o princípio. A dignidade humana torna-se menos abstrata a partir da visualização que esta revela-se no rol de direitos e garantias fundamentais, chegando-se à conclusão que o cidadão digno será aquele com acesso a, pelo menos, os bens primários51.
A exposição inicial deste capítulo volta-se a estabelecer a premissa que norteará todo o presente trabalho: no rol dos direitos e garantias fundamentais, insere-se o direito à moradia como direito social fundamental. Apesar da existência de alguns embates doutrinários acerca da caracterização (ou não) dos direitos sociais como direitos fundamentais, não há como se afastar a íntima ligação entre o direito à moradia e a dignidade humana.
Nessa esteira, bem elucida Eliane Maria Barreiros Aina52 acerca da moradia como locus de desenvolvimento pessoal, objetivo maior da dignidade humana enquanto meio:
A moradia é uma necessidade premente do ser humano, pois precisamos de um local para abrigo das intempéries, descanso da labuta diária, acolher a entidade familiar, guarda dos bens, e que confira a sensação de segurança, enfim, que garanta a sobrevivência com dignidade.
Dessa forma, inconteste que o direito à moradia é uma das formas de instrumentalização da dignidade humana percebida no seu aspecto de conferir ao seu portador a possibilidade de se desenvolver pessoalmente.
Embora excluído inicialmente do texto constitucional, somente sendo incorporada ao caput do art. 6º por meio da Emenda Constitucional nº 26 de 2000, o direito à moradia já era consagrado como direito fundamental implícito em nossa
49 XXXXXX, Xxxxxxxx. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Xxxxxxxx, 0000, p. 6.
50 XXXXXXXXX, Xxxxx. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 580.
51 XXXX, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx. O Direito à Moradia nas Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 105.
52 Idem, p. 67.
Constituição. No momento de sua promulgação, em 05 de outubro de 1988, as palavras proferidas pelo Deputado Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, na solenidade de promulgação, são a primeira referência ao direito de moradia como sendo uma das bases para a existência digna e completo exercício da cidadania:
O Homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto sem cidadania. A Constituição luta contra os bolsões de miséria que envergonham o país. Diferentemente das sete constituições anteriores, começa com o homem. Graficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o homem é seu fim e sua esperança. É a Constituição Cidadã. Cidadão é o que ganha, come, xxxx, mora, pode se curar. (...) A Constituição durará com a democracia e só com a democracia vivem para o povo a dignidade, a liberdade e a justiça. (grifamos)
A moradia, tanto o é essencial à persecução da dignidade, que o próprio legislador, apenas dois anos após a promulgação da Carta Magna, editou a Lei nº 8.009/90 (Lei do Bem de Família). Na concretização de seu dever de atuar em prol da realização de programas e direitos constitucionais, surgido a partir do movimento de constitucionalização do direito, o legislador operou em prol da proteção à morada familiar.
Como visto no capítulo 1, a jurisprudência atua no mesmo sentido do legislador quando, no seu exercício de jurisdição constitucional, interpreta de maneira extensiva a proteção ao bem de família, com mira na proteção ampla de direito intimamente ligado à dignidade humana. Também se coaduna com essa conduta a interpretação restritiva que se dá às exceções à impenhorabilidade do bem de família (como o deve ser).
Desenvolvendo-se o tema do Direito Civil Constitucional e o processo de despatrimonialização do direito civil, desidioso não trazer à análise a tese formulada pelo atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Xxxx Xxxxx Xxxxxx, denominada “Estatuto Jurídico do Xxxxxxxxxx Xxxxxx”.
O autor traz, a partir da conjugação entre o art. 1.175 do Código Civil (que impede a doação universal) e os artigos 5º, caput e 170 da Constituição Federal (princípio da dignidade humana e ordem econômica), a concepção de que existe um “princípio que, também, obsta a instauração de estado de paupérrimo por qualquer meio, voluntário ou forçado, judicial ou extrajudicial, de interesse público ou privado”53.
Inspirada pelo Direito lusitano, no qual considerava-se nula a doação universal “sem reserva de usufruto ou de meios necessários para a subsistência do testador”54, o patrimônio mínimo, segundo o autor, não se confunde com a ideia de propriedade, apesar de esta ser um dos meios pelo qual o estatuto se efetiva. A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, com a constitucionalização da matéria cível, diversos institutos previstos no Código Civil concretizaram a ideia de que, em muitos casos, o direito de crédito deverá ser mitigado em face da dignidade pessoal, mantendo-se na esfera do patrimônio do devedor/executado os “meios indispensáveis à sobrevivência”55.
Nesse sentido, a vedação à doação universal sem reserva de meios que garantam a sobrevivência digna do doador, prevista no artigo 1.175 do Código Civil, ou a figura do pródigo, sustentam a tese de que não é possível, em nosso ordenamento jurídico, levar-se ou ser levado à condição de miséria, ainda que de forma voluntária. A tese é de suma importância para este trabalho neste ponto, uma vez que muitas vozes na doutrina e jurisprudência (como se viu no capítulo 2 e se verá no capítulo 4) ainda se atém à concepção formalista da autonomia da vontade, na qual esta prevalece sobre a pessoa em si.
Adiante na análise do ordenamento jurídico atual, o autor admite a impossibilidade de o direito civil antever todas as possibilidades e hipóteses nas quais a pessoa exacerba o patrimônio56, devendo o Código Civil sempre ser interpretado como fonte mutante e carente de atualização às situações fáticas. Também na legislação extra-Código existem essas hipóteses, sendo o bem de família um dos
53 XXXXXX, Xxxx Xxxxx. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro/São Paulo: Xxxxxxx, 0000, p. 2.
54 Artigo 1.460 do Código Civil Português de 1867.
55 XXXXXX, Xxxx Xxxxx (2001). Op. cit., p. 184
56 Idem., p. 141. Nesse sentido, o autor afirma que “Os limites da codificação, anteriormente expostos, têm na outra face de si próprios a emergência de possibilidades. O Código Civil, como visto, não se reduz a um monumento paralisado quando sobre ele recai a hermenêutica crítica e construtiva. Através dessa viagem de interpretação e recuperação de sentidos, presentifica-se o passado para ser lido à luz do porvir”.
exemplos citados pelo autor. Apesar de o bem de família não se confundir com o estatuto do patrimônio mínimo em si, pois este não equivale à figura da propriedade, o autor reconhece uma “aproximação”57 entre este e aquele. O bem de família, como construção feita a assegurar os interesses da família e a existência de um locus de desenvolvimento digno dos membros dessa família, figura como um dos institutos que resguardam o patrimônio mínimo.
Dessa forma, o bem de família insere-se como peça essencial no desenvolvimento do Direito Civil-Constitucional, buscando sua justificativa na própria Constituição da República, seja no direito à moradia, seja na dignidade da pessoa humana, da proteção à família ou da necessidade de se garantir um meio de vida digno a partir da ordem constitucional. Na visão mais sofisticada, o bem de família possui o condão de atender a todas estas previsões constitucionais concomitantemente, sendo elemento chave no processo de repersonificação do Direito.
3.1. Desenvolvimento Histórico do Direito à Moradia no Cenário Político- Jurídico Brasileiro.
Não obstante a previsão e objetivo constitucional, bem como a atuação dos Três Poderes na garantia do direito à moradia e da existência digna, os números demonstram a distância entre o que se consideraria ideal e o que se apresenta na realidade. Estima-se que, atualmente, o Brasil possua 33 milhões de cidadãos sem- teto, sem abarcar as habitações irregulares, precárias e coabitação58. Estudos mais recentes elaborados pela Fundação Xxxx Xxxxxxxx (FJP) demonstram que, em 2015, o déficit habitacional no Brasil ainda corresponde a 6.186.503 milhões de domicílios59. Conforme as conclusões da pesquisa, o número representa um aumento em relação aos anos anteriores (2013-2014), demonstrando que o problema da habitação no Brasil se agrava e está longe de ser solucionado.
57 XXXXXX, Xxxx Xxxxx (2001). Op. cit., p. 143.
58 FUNDAÇÃO XXXX XXXXXXXX. Déficit habitacional no Brasil. Disponível em xxx.xxx.xxx.xx. Acesso em 16 de outubro de 2017.
59 Idem.
A falta de moradia afeta diretamente as condições de desenvolvimento psíquico e físico da população. Internacionalmente, a questão da falta de moradia foi alçada a problema global de direitos humanos na 31ª Seção do Conselho de Direitos Humanos da ONU. O relatório elaborado60 apontou que pessoas sem teto não são mais vistas e tratadas como indivíduos cujos direitos são sistematicamente violados, mas, sim, como um grupo estigmatizado sujeito à criminalização, discriminação e exclusão social. Pessoas sem acesso à moradia adequada tornam-se invisíveis e sem voz, privadas de qualquer dignidade.
No entanto, nem sempre a moradia foi tratada como questão pública merecedora da atenção estatal. Até galgar ao patamar de direito fundamental, o direito à moradia foi visto sob diferentes óticas, espelhadas na legislação brasileira e na atuação do poder público.
Apesar de menções ao direito à moradia sempre permearem as Constituições brasileiras, no Brasil, como bem explicita Ana Alice de Carli61, somente no final do século XIX e início do século XX a questão tomou espaço na agenda político- governamental. No contexto fático, era possível detectar o agravamento dos problemas relacionados à habitação – tome-se por exemplo uma das primeiras análises literárias sobre o tema no Brasil, consubstanciada no livro O Cortiço, escrito pelo naturalista Xxxxxxx xx Xxxxxxx e publicado pela primeira vez em 1890.
A partir do momento em que a questão da moradia tornou-se vetor de impactos em outras áreas sociais, como a saúde (tome-se por exemplo o episódio da Revolta da Vacina, ocorrido em 1904 na cidade do Rio de Janeiro), o Poder Público adota nova ótica de análise. Durante o período da Xxx Xxxxxx (1939-1945), o Estado brasileiro começou a rechaçar a ideia de que questões atinentes à construção, financiamento, comércio e locação habitacional estariam sujeitas à livre disposição do mercado, ideal de cunho marcantemente liberal62.
A promulgação da Lei nº 3.071/16, mais conhecida como Código Civil de 1916, trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro a figura do bem de família legal, oriundo
60 Disponível em xxxx://xx.xxxxx.xxx/xxxxxxxxx/xxxxx_x.xxxx?xxxX/XXX/00/00. Acesso em 16 de outubro de 2017.
61 XXXXX, Xxx Xxxxx de. Op. cit., p. 12.
62 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. As origens da habitação social no Brasil. In Revista Análise Social, Quarta Série, Vol. 29, No. 127, HABITAÇÃO NA CIDADE INDUSTRIAL 1870 - 1950 (1994), pp. 711-732.
principalmente do instituto norte-americano do homestead, que assegurava a impenhorabilidade e inalienabilidade da residência da família. Como exposto no capítulo 1 do presente trabalho, a instituição do bem de família visou a proteção da família por meio de sua morada, dando concretude à ideia de que a morada é cerne da segurança mínima necessária à proteção dos indivíduos, mas ainda sem existir a concepção expressa de moradia como direito social.
A Constituição de 1934 trouxe a primeira previsão detalhada dos direitos sociais, estabelecendo importantes avanços, como o voto feminino. Dentre as Constituições brasileiras, foi a primeira que trouxe a ideia de uma existência digna, além de normatizar a inviolabilidade do domicílio e a função social da propriedade.
Essa nova ótica entra em substituição à adotada durante o período da República Velha (1889-1930), na qual predominava o ideal liberalista clássico, onde o Estado pouco ou nunca atuava diretamente na questão da moradia63. Especialmente nas relações entre inquilinos e locadores, tome-se de exemplo da nova intervenção direta a promulgação do Decreto-lei do inquilinato, em 1942, e o Decreto-lei 58, que regulava a venda de lotes urbanos.
No entanto, somente após o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945 os direitos sociais fundamentais passaram a ser tema de relevância internacional. Como resposta às atrocidades cometidas durante o período de guerra, o processo de redemocratização dos países afetados pelos regimes políticos autoritários comprometeu-se perante a comunidade internacional. Nesse contexto, aprovou-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, ratificada pelo Brasil no mesmo ano. Pela primeira vez na legislação nacional, o direito à moradia apresentou- se como direito fundamental, exposto no art. XXV sob à forma de direito a um padrão de vida adequado.
Nesse período, a política habitacional brasileira passa a tomar seus contornos com o estabelecimento de políticas específicas voltadas à questão da moradia como, por exemplo, a criação da Fundação Casa Popular, durante o governo de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx. O período do pós-guerra é marcado por uma forte onda migratória, que
63 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Op. cit., pp. 711-732.
causou o crescimento rápido e desordenado das regiões urbanas brasileiras, ressaltando a necessidade de se incrementar as políticas habitacionais pátrias64.
Outros programas seguiram, como a criação do Sistema Financeiro de Habitação juntamente com o Banco Nacional de Habitação (SFH/BNH)65. A atuação do Banco Nacional de Habitação demonstrou-se falha logo nos primeiros anos de funcionamento, sendo fechado, definitivamente, nos anos 80.
No entanto, a história brasileira atravessou grave período de atrocidades em decorrência do regime ditatorial militar que se instaurou em 1964. Apesar de vigorar no ordenamento jurídico pátrio Constituição garantidora de diversos direitos sociais, promulgada em 1967, as constantes e recorrentes violações a direitos políticos, sociais e econômicos tornou a previsão mera letra morta, sem efetividade.
Não obstante, em 1976, já em vias de iniciar sua redemocratização, o Brasil assina o Pacto Internacional dos direitos econômicos, políticos e sociais, que buscou reafirmar os preceitos trazidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de forma jurídica e vinculante aos seus signatários. Em seu artigo 11, elenca explicitamente o direito à moradia como direito humano, bem como estabelece a responsabilidade dos Estados-partes de promover medidas que assegurem referido direito.
Implementando efetivamente a ideia de progressividade da atuação estatal na garantia da moradia e da existência dignas, promulgou-se a Constituição de 1988, denominada por Xxxxxxx Xxxxxxxxx de “Constituição cidadã”. O texto constitucional reconheceu a necessidade de erradicação da miséria e redução das desigualdades sociais, que se alcançaria por meio da garantia de direitos fundamentais, entendidos como um “conjunto mínimo de direitos subjetivos considerados essenciais para que o indivíduo da era contemporânea possa viver com padrão aceitável de dignidade, ainda que seja o ideal” 66.
Dessa forma, alcançou-se no Brasil o que Ingo Wolfgang Sarlet67 ao mencionar
K. Stern, denomina de terceira etapa de desenvolvimentos dos direitos fundamentais,
64 XXXXX, Xxx Xxxxx de. Op. cit., p. 12.
65 XXXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxx. Xx Xxxxxx a Collor: urbanização e política habitacional no Brasil. In Revista Espaço Plural. Ano VIII, nº 17, 2º Semestre 2007, pp. 66-72.
66 XXXX, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx (2009). Op. cit., p. 39.
67 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 37.
consubstanciada da constitucionalização de tais direitos. Afastou-se por completo, portanto, a concepção de que direitos sociais não seriam espécie de direitos fundamentais. No entanto, não havia no texto constitucional menção expressa ao direito de moradia, apesar de este antigamente ser entendido como direito atípico e implícito68.
No tocante às políticas governamentais, relevante a atuação estatal durante o governo de Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx, quando se criou o Plano de Ação Imediata para a Habitação (PAIH), que, como diversas políticas aqui já citadas, se alongou no tempo e não alcançou seus objetivos. Percebe-se, portanto, o histórico de falhas nas políticas brasileiras habitacionais.
Já no âmbito jurídico-normativo, na década de 90, visando dar concretude e operacionalização ao instituto do bem de família, inseriu-se no ordenamento jurídico a Medida Provisória nº 143, convertida na Lei nº 8.009/90, conhecida como Lei do Bem de Família. Referida lei trouxe o conceito de bem de família legal, o qual se opera de pleno direito independente da vontade do proprietário ou possuidor. Também trouxe referida lei as exceções à característica da impenhorabilidade do bem de família sendo que, ressalte-se, o objeto do presente estudo (bem de família do fiador no contrato de locação) não figurava originariamente como exceção à regra, somente sendo inserida por meio da Lei nº 8245/91 (Lei do Inquilinato), que adicionou o inciso VII ao art. 3º da Lei de Bem de Família, como exposto no capítulo 1.
A evolução da nova perspectiva intervencionista sobre o problema da habitação culminou, finalmente, na Emenda Constitucional nº 26 de 2000, que inseriu expressamente o direito à moradia no rol dos direitos e garantias fundamentais da Constituição da República Brasileira de 1988.
A partir da promulgação da referida emenda constitucional, iniciaram-se extensos debates entre os estudiosos do Direito Civil e Direito Civil-Constitucional acerca da possibilidade de não-recepção (e até mesmo de inconstitucionalidade) das exceções previstas no art. 3º da Lei de Bem de Família, especialmente no que tange ao inscrito no inciso VII acerca da possibilidade de penhora do bem de família do fiador em contrato de locação.
68 XXXX, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx (2009). Op. cit., p. 65.
CAPÍTULO 4: O Desenvolvimento do Entendimento Jurisprudencial.
As discussões acerca da possibilidade de penhora do bem de família do fiador chegaram aos Tribunais logo após o ingresso do art. 82 da Lei nº 8.245/91, que alterou a redação do art. 3º da Lei nº 8.009/90, no sistema jurídico brasileiro. Apesar de aqui se advogar pela existência do direito à moradia como pressuposto de efetivação da dignidade humana independente da previsão expressa, a jurisprudência anterior à edição da Emenda Constitucional nº 26 era predominantemente composta de decisões, concessa venia¸ simplistas, que admitiam a penhora do imóvel bem de família do fiador “pelo simples fato de que a lei infraconstitucional assim o determina”69.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o método de subsunção do fato à norma também prevalecia, demonstrando o afastamento da Corte dos paradigmas de direito civil constitucional adotados pela Constituição de 1988 e pelo Código Civil de 2002.
O Supremo Tribunal Federal começou a se debruçar sobre o tema no ano de 2005, com o julgamento do Recurso Extraordinário nº 352.940, sob Relatoria do Ministro Xxxxxx Xxxxxxx, ementado da seguinte maneira:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. CIVIL. FIADOR: BEM DE FAMÍLIA: IMÓVEL RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR: IMPENHORABILIDADE. Lei nº 8.009/90, arts. 1º e 3º. Lei 8.245, de
1991, que acrescentou o inciso VII, ao art. 3º, ressalvando a penhora "por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação": sua não- recepção pelo art. 6º, C.F., com a redação da EC 26/2000. Aplicabilidade do princípio isonômico e do princípio de hermenêutica: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Recurso extraordinário conhecido e provido.
69 XXXXX, Xxx Xxxxx de. Op. cit., p. 142.
O Ministro proferiu o mesmo voto em outras oportunidades, tais quais durante o julgamento do Recursos Extraordinários nº 449.657, 415.563, 349.370, 415.626 e 165.571, ementados da mesma maneira e invocando as mesmas razões de decidir.
As decisões proferidas foram ovacionadas por alguns doutrinadores, ele eles Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que comenta acerca da decisão nos autos do RE nº 415.563:
Tais condições do mercado [imobiliário] indicam que a respeitável decisão monocrática deu a interpretação devida em tema de forte fundamento social, e sua orientação conduz todos os juízes, senão por disciplina judiciária, a respeitar os seus efeitos porque expressivos do conteúdo atual da Constituição, suprema manifestação da vontade popular no Estado Democrático de Direito instaurado em 05 de outubro de 1988.70
O Tribunal parecia estar caminhando nos trilhos da sistemática implementada pela nova ordem constitucional, na qual o valor máximo se expressa através do art. 1º, III da Constituição Federal, na dignidade da pessoa humana, que irradia seus efeitos à legislação infraconstitucional, como o é a Lei de Locações. No caso, funciona o precedente judicial como mecanismo de “antecipação à lei e quebra dos paradigmas”71, nas palavras de Xxxx Xxxxxxx Xxxx e Xxxxx. Pelo andar da jurisprudência, esperava-se que em pouco tempo o legislador, ou até mesmo o Poder Judiciário, declarassem que a norma contida art. 3º, VII da Lei nº 8.009/90 não foi recebida pela Emenda Constitucional nº 26/00.
No entanto, quando a questão é levada ao Plenário do STF por meio do Recurso Extraordinário nº 407.688, sob Relatoria do Ministro Xxxxx Xxxxxx, a situação é outra. O Plenário, por maioria de votos (7 a 3), declarou constitucional a previsão de penhora do imóvel bem de família do fiador, com sob fundamentos que vale explorar neste trabalho.
A começar pelo voto do Relator, que capitaneou a tese vencedora. De face, o Ministro antecipa sua conclusão, iniciando seu voto com a seguinte sentença: “tenho
70 FILHO, Xxxxx Xxxxxx. Impenhorabilidade de Bem do Fiador em Decorrência do Direito à Moradia. In Revista da EMERJ. v. 9, nº 33, 2006, pp. 117-135.
71 XXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxx x. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 287.
por inconsistente o recurso”. De forma acertada, expõe serem diversas as modalidades pelas quais o Estado dá concretude ao direito à moradia, classificado por ele como “direito a prestação” segundo a teoria de X. X. Xxxxx Xxxxxxxxx. Também expõe bem o Ministro acerca da impossibilidade de confusão entre direito à moradia e direito à propriedade, visto que o primeiro, como dito, pode se concretizar de variadas maneiras, dentre elas mediante a locação.
No entanto, ao buscar preencher o requisito de proporcionalidade da norma, o Ministro adota bases puramente econômicas72, afirmando que o direito à moradia:
Pode, sem prejuízo doutras alternativas conformadoras, reputar-se, em certo sentido, implementado por norma jurídica que estimule ou favoreça o incremento da oferta de imóveis para fins de locação habitacional, mediante previsão de reforço das garantias contratuais dos locadores.
(...)
Castrar essa técnica legislativa, que não pré-exclui ações estatais concorrentes doutra ordem, romperia o equilíbrio do mercado, despertando exigência sistemática de garantias mais custosas para as locações residenciais, com consequente desfalque do campo de abrangência do próprio direito constitucional à moradia.
Neste ponto reside forte crítica feita pela doutrina73 à alegação genérica de que o mercado de locação seria estimulado pela possibilidade de penhora do único bem imóvel do fiador, seu bem de família. Nesse sentido, a irresignação de Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx merece comento:
(...) em se cuidando do único imóvel do fiador e servindo este de residência para aquele e/ou sua família, em princípio, não se pode simplesmente admitir o sacrifício do direito fundamental (e, no caso, possivelmente até mesmo uma violação da própria dignidade da pessoa humana) por conta de uma alegação genérica e ainda por cima
72 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Supremo Tribunal Federal, o direito à moradia e a discussão em torno da penhora do imóvel do fiador. In Revista da AJURIS. v. 37, n. 107, setembro/2007, pp. 124-144.
73 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Supremo Tribunal Federal, o direito à moradia e a discussão em torno da penhora do imóvel do fiador. In Revista da AJURIS. v. 37, n. 107, setembro/2007, pp. 124-144; XXXX, Xxxx Xxxx. O bem de família, a fiança locatícia e o direito à moradia. In Revista da ESMESE. N. 9, 2006, pp. 15-55; XXXXX, Xxx Xxxxx de. Bem de Família do Fiador e o Direito Fundamental à Moradia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 158.
desacompanhada até mesmo de dados comprobatórios, de uma tutela do direito à moradia de um conjunto maior de pessoas.74
De fato, a despeito da efetiva expansão do mercado locatício após o advento da Lei nº 8.245/91, não há como se estabelecer nexo de causalidade direto entre o fomento e o aumento das garantias passíveis de serem exigidas pelo locador. Como já foi ressaltado neste trabalho, outros fatores de ordem econômico-social, como o advento do Plano Real e a estabilização da moeda brasileira, e todas as outras medidas presentes na Lei de Locações, como a mudança no rito da ação de despejo e as hipóteses de prorrogação do contrato, impactaram diretamente a relação entre locadores e locatários.
O Ministro fundamenta seu argumento, também, na ausência, insuficiência ou onerosidade das garantias licitamente exigíveis pelos locadores. Expõe ao final de seu voto:
Não admira, portanto, que, no registro e na modelação concreta do mesmo direito social, se preordene a norma subalterna a tutelar, mediante estimulo do acesso à habitação arrendada – para usar os mesmos termos da Constituição lusitana -, o direito de moradia de uma classe ampla de pessoas (interessadas na locação), em dano de outra de menor espectro (a dos fiadores proprietários de um único imóvel, enquanto bem de família, os quais não são obrigados a prestar fiança).
Tendo o Ministro determinado que o direito à moradia depende de prestações estatais, também se encontra na esfera de deveres do Poder Público a melhor regulamentação da matéria referente às garantias existentes no ordenamento brasileiro. Xxxx Xxxx Xxxx, por exemplo, propõe a revitalização do seguro fiança locatícia75. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx também protesta contra esse argumento, afirmando
74 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx (2007). Op. cit., p. 140.
75 XXXX, Xxxx Xxxx. Op. cit., p. 50. Neste artigo, o autor formaliza sua proposta de repensar o seguro de fiança locatícia como uma das formas de, ao mesmo tempo, incentivar o mercado locatício e retomar a proteção do bem de família do fiador. O autor explicita muito bem a realidade atual na qual a maior parte das locações é feita com intermédio das imobiliárias, deixando o locatário em posição desvantajosa e de hipossuficiência. O autor, inclusive, caracteriza o contrato de locação como de adesão e sujeito ao regramento do Código de Defesa do Consumidor. Essa tese demonstra que o tratamento conferido ao locatário antes do advento da Lei nº 8.245/91 era, de certo modo, acertado, ao pressupor a hipossuficiência de uma das partes, devendo a máxima, nos tempos atuais, ser mitigada e analisada conforme os fatos do caso.
que “a não-utilização das alternativas referidas (...) não significa que não estejam disponíveis e que, portanto, não possam ser levadas em conta”76.
Pelas passagens expostas, é possível extrair algumas premissas que nortearam o voto do Relator. A primeira delas, que a possibilidade de penhora do bem de família do fiador expandirá o grau de proteção conferido ao locador, fazendo com que mais proprietários de imóveis os coloquem para locação, estimulando o mercado locatício. Segundo, o Ministro também parte do pressuposto que o fomento ao mercado de locação é uma das formas de garantia do direito à moradia. A mais, em breve passagem (“os quais não são obrigados a prestar fiança”) percebe-se que o relator parte da premissa que os fiadores prestam a fiança de maneira livre e informada, sob o véu da autonomia da vontade.
Apesar de não ser expressamente mencionado no voto vencedor, o Ministro realiza uma análise de ponderação para solução do conflito entre princípios (no caso, o mesmo princípio, o direito à moradia)77 para solucionar a questão debatida. Nesse sentido, não se discute aqui que o elemento da adequação foi preenchido, pois se concorda com a premissa de que conferir maiores garantias aos locadores estimulará o mercado imobiliário de locação, garantindo maior acesso à moradia a setores da sociedade. No entanto, resta a crítica em relação ao elemento da necessidade da medida. Tem-se que o requisito da necessidade prescreve que a medida será necessária quando o mesmo resultado não puder ser atingido por outro ato que limite menos o direito fundamental.
Algumas observações devem ser feitas: não se sabe em que medida a possibilidade de penhora do bem de família do fiador aumenta a proteção conferida aos locadores, e em que medida esse aumento de proteção os estimula a entrar ou continuar no mercado.
76 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx (2007). Op. cit., p. 141.
77 A teoria da ponderação de princípios, explicada por Xxxxxxxx Xxxxxx, traz que a análise da proporcionalidade se divide em três elementos: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Nas palavras de Xxxxxx (pp. 218 e 219): “A adequação está presente quando o meio escolhido permite que um objetivo pretendido seja alcançado ou, ao menos, fomentado (promovido). Por seu turno, a necessidade é comprovada quando a realização do objetivo pretendido não pode ser promovida, com igual intensidade, por intermédio de outro ato que limite o direito fundamental em menor medida, isto é, de forma menos impactante. Por proporcionalidade em sentido estrito, entende-se ser “o sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva”.
No entanto, sabe-se que a expropriação do único imóvel bem de família do fiador é medida drástica no ordenamento jurídico, que causa impacto não somente na esfera patrimonial do devedor, mas também na sua saúde mental, ainda mais levando-se em consideração os preços praticados no mercado de leilões, que são muito aquém dos preços de mercado. Dessa forma, o fiador que tiver seu bem expropriado, além de suportar o fardo psicológico de se ver sua única morada, provavelmente não terá condições de arcar com novo imóvel a partir do montante que restar da venda de seu bem de família. Em outras palavras: o imóvel será leiloado a preço muito abaixo do preço de mercado (isso porque, conforme o art. 891 do Código de Processo Civil, na segunda praça qualquer preço acima de 50% do valor da avaliação deixa de ser considerado preço vil), e o montante que restar após o pagamento da dívida não será suficiente para que o fiador arque com novo imóvel. Provavelmente, inclusive, este fiador terá que ingressar no mercado de locação (o que, de certa e irônica forma, é mais um estímulo a este mercado trazido pela Lei nº 8.245/91).
Dessa forma, percebe-se que a penhora do bem de família do fiador constitui medida de grave impacto ao direito fundamental à moradia. Se a ratio da medida é conferir maior proteção à persecução do crédito do locador para que se estimule o mercado, outras medidas de menor impacto poderiam ter sido escolhidas pelo legislador, como a possibilidade de reanálise e nova regulamentação da fiança bancária, proposta trazida por Xxxx Xxxx Xxxx, e o aumento do valor da caução prevista no art. 37, I da Lei nº 8.245/91.
Finda a exposição do Ministro Relator, o Ministro Xxxx Xxxx pede vênia para abrir divergência. Primeiramente, ressalta a existência de precedentes da própria Corte acerca do tema e, apesar de se saber que as decisões do STF em sede de controle difuso não possuem efeitos erga omnes, pode-se dizer que já existia jurisprudência em certo sentido, devendo isto ser levado em conta pelo Tribunal que, querendo afastar as decisões anteriores, possuía o ônus de rebater diretamente o precedente.
Após, invoca, implicitamente, o princípio da isonomia, ao levantar a hipótese de o locatário inadimplente, que tem sua dívida paga pelo fiador, às custas do imóvel bem de família, gozar da proteção caso adquira uma casa própria ou, até mesmo, já fosse proprietário de imóvel.
Levanta interessante discussão, também, sobre a terminologia “normas programáticas”. Vale a leitura do trecho do voto:
Já é mesmo tempo de abandonarmos o uso da expressão “normas programáticas”, que aparece nos autos, não no voto de Vossa Excelência (referindo-se ao Ministro Xxxxx Xxxxxx), porque essa expressão porta em si vícios ideológicos perniciosos. (...) Porque bastaria a omissão do Poder Legislativo, para que o preceito constitucional fosse retirado de vigência.
Por fim, endereça o argumento econômico levantado pelo Relator. Neste ponto reside o maior acerto do voto, que, implicitamente, traz a noção de inadequação da norma ao requisito da necessidade:
Por fim, no que concerne ao argumento enunciado no sentido de afirmar que a impenhorabilidade do bem de família causará forte impacto no mercado das locações imobiliárias, não me parece possa ser esgrimido para o efeito de afastar a incidência de preceitos constitucionais (...). Não hão de faltar políticas públicas, adequadas à fluência desse mercado, sem comprometimento do direito social e da garantia constitucional.
Em seguida, o Ministro Xxxxxxx Xxxxxxx expõe os motivos pelos quais acompanha o voto do Relator. Seu voto recebeu duras críticas de diversos juristas, com fundamento, eis que ao afirmar que examinará o problema “em termos objetivos”
– para usar as próprias palavras do Ministro – mostra que grande parte do Poder Judiciário ainda está preso aos ideais burgueses de liberdade contratual, existentes no ordenamento brasileiro à época do Código Bevilácqua.
No caso em comento, entender que o fiador, ao aceitar ser garante de outrem, oferece por liberalidade seu único imóvel, é dizer que o fiador deliberadamente renuncia a direito fundamental, tal qual o direito à moradia. Nesse sentido, bem explicita Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx ao afirmar que “há muito a liberdade formal
isoladamente considerada (...) deixou de ser apta a explicar (e conferir legitimidade constitucional) aos contratos”78.
O movimento de constitucionalização do direito, explorado no Capítulo 3 do presente trabalho, trouxe novas perspectivas à relação entre autonomia privada e dignidade humana. Grande exemplo dessa nova relação é a previsão contida no art.
548 do Código Civil, que proíbe uma pessoa de doar todo o seu patrimônio79, existindo, na atual ordem constitucional, um “dever de proteção da pessoa contra si mesma”80.
Não se contesta a possiblidade de disposição de direito fundamentais, especialmente aqueles atinentes à dignidade humana. O tema é objeto central de longos debates81, não se olvidando que em certos casos a autonomia privada prevaleça sobre a proteção conferida à pessoa humana. No entanto, a análise deve perpassar as peculiaridades do caso, para não se emitir juízos generalistas e simplificados sobre as questões.
O contrato de fiança locatícia foi explorado no Capítulo 2 deste trabalho, onde se viu que, muitas vezes, os fiadores não possuem consciência de estarem colocando em risco seu imóvel bem de família. Por mais que não se possa opor o desconhecimento da lei para se escusar de obrigações, também não é requerido da sociedade em geral o conhecimento detalhado dos institutos jurídicos que regem a vida cotidiana. Por esses motivos, o argumento da autonomia privada deve sofrer mitigações na sua análise, pois este pressupõe uma escolha consciente e informada acerca dos resultados da conduta praticada, o que, indiscutivelmente, não ocorre no momento de celebração dos contratos de fiança locatícia82.
78 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxx de e XXXXXXXX, Xxxxxxx. Op. cit., p. 22.
79 Cabe ressaltar, apenas a título educativo, a recente decisão tomada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que admitiu a doação universal no caso de o doador possuir finte de renda periódica para sua subsistência. Ressalte-se, aqui, que a decisão solidifica o entendimento de que a legislação contemporânea estabelece a necessidade de existência de um patrimônio mínimo como vetor de instrumentalização da dignidade humana, tese capitaneada pelo atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Xxxxx Xxxxxx, em seu livro “Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo”.
80 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx (2007). Op. cit., p. 142.
81 Grande exemplo deste embate são as discussões entre Xxxx Xxxxxx Xxxx e Xxxx Xxxxxxxx, a longa discussão sobre Liberalismo e Paternalismo, abordando, dentre as discussões, a possibilidade de causar dano a si mesmo (XXXXXXXX, Xxxx. The Moral Limits of the Criminal Law Volume 3: Harm to Self. Oxford: 1998) e a liberdade de se “vender” como escravo (MILL, Xxxx X. On Liberty. Primeiramente publicado em 1859).
82 Nesse sentido interessante trazer passagem do texto de Xxxx Xxxx Xxxx, na qual expõe “(...) a posição do Supremo afastou-se deveras de tal perspectiva civil-constitucional, centrada numa tese de um mero positivismo
Dessa forma, analisar a questão em debate unicamente sobre o prisma da autonomia privada é, nos dizeres de Xxxx Xxxx Xxxx, conferir “ênfase exagerada ao princípio da irretratabilidade das convenções ou do pacta sunt servanda”, que “fez prevalecer, por maioria de votos, a tese do positivismo extremado, do legalismo pelo legalismo”.83
Na esteira do mesmo entendimento seguiram os Ministros Xxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx. Em sentido contrário, acompanhando o voto do Ministro Xxxx Xxxx, encontram-se os Ministros Xxxxx xx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx.
Xxxx também ressaltar que os Ministros pouco adentraram a proporcionalidade em sentido estrito da medida, passo necessário caso sejam preenchidos os requisitos da adequação e necessidade.84 Em outras palavras, entendendo der adequada e necessária a medida, os Ministros devem analisar se a medida é proporcional. Somente superando-se os três elementos, a medida pode ser considerada constitucional.
Dessa forma, apesar de se defender neste trabalho que o problema da análise da constitucionalidade da regra inserida no art. 82 da Lei 8.245/91, que adicionou o inciso VII ao art. 3º da Lei 8.009/90, ter sido solucionado no elemento da necessidade e, portanto, prescindir de análise da proporcionalidade em sentido estrito, cabe realizar esta análise de forma teórica neste trabalho, a fim de conferir mais solidez à proposta realizada no Capítulo 6.
romântico, de um liberalismo econômico incipiente, historicamente distante do Brasil de hoje, do século XXI – uma das dez maiores economias do mundo – como se os contratantes de uma locação residencial sentassem num banco de uma bucólica praça pública ou mesmo em calçadas interioranas tranquilas e nesses locais discutissem, frente a frente, passo a passo, detalhe por detalhe, a locação a ser consumada”. (p. 48)
83 XXXX, Xxxx Xxxx. Op. cit., p. 47.
84 Nesse sentido, traz-se a crítica de Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx quanto à aplicação da regra da proporcionalidade pela jurisprudência brasileira, que muitas vezes ocorre de forma desordenada e pouco transparente: “A subdivisão da regra da proporcionalidade em três sub-regras, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, conquanto praticamente ignorada pelo STF, é bem salientada pela doutrina pátria. Algumas vezes, contudo, a análise dessas sub-regras não tem sido feita de maneira a torná-las compreensíveis e aplicáveis na prática jurisprudencial. Muitas vezes é fornecido apenas um conceito sintético de cada uma delas, sem que se analise, no entanto, a relação entre elas, nem a forma de aplicá-las. Com isso, são ignoradas algumas regras importantes da aplicação da regra da proporcionalidade, impossibilitando sua correta aplicação pelos tribunais brasileiros. Uma dessas regras, trivial à primeira vista, mas com importantes consequências, é a ordem pré- definida em que as sub-regras se relacionam”. (XXXXX, X. X. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, 2002, pp. 23-58. Disponível em xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx/00_XXXXX,%00Xxxxxxxx%00Xxxxxx%00xx%00-
%20O%20proporcional%20e%20o%20razoavel.pdf. Acesso em 19 de novembro de 2017.
A análise da proporcionalidade em sentido estrido no caso em questão deve ser feita nos moldes tradicionais, onde se analisa o peso dos motivos que fundamentaram a adoção da medida85, conferindo-se se os motivos para supressão do direito à moradia pela Lei nº 8.245/91 (estimular o mercado de locações) possuem peso o suficiente para a restrição direta ao direito à moradia.
Há que se estabelecer a digressão necessária para que se chegue à conclusão de que a medida fomenta o acesso à moradia: ao garantir-se maior proteção à satisfação do crédito dos possíveis locadores, por meio da possibilidade de penhora do imóvel bem de família do garante, os proprietários de imóveis possuirão mais incentivos para colocar seus imóveis no mercado de locações. O maior número de imóveis à disposição dos possíveis locatários estimula o mercado de locações, fazendo com que mais pessoas acessem a moradia mediante a locação.
Não se olvida que o caminho percorrido é portador de uma lógica. Afinal, antes do advento da Lei de Locações, a balança entre os direitos dos locadores e locatários era desproporcional, pendendo na maior parte das vezes à proteção do locatário, fato que desencorajava os proprietários de imóveis a se aventurar no mercado locatício.
No entanto, no outro lado da análise tem-se uma restrição direta, por meio da penhora, ao direito de moradia do fiador. Nesse ponto reside a desproporcionalidade da medida: ao passo que a medida é capaz de promover o direito à moradia, sua consequência certamente ceifará o direito à moradia, fazendo com que o último elemento da regra da proporcionalidade não seja atendido e a medida deva ser considerada desproporcional.
Conclui-se, portanto, que os votos, apesar de fundamentados, demonstram que o Supremo Tribunal Federal se afastou (em muito) do movimento iniciado em 1988 de conferir efetiva força normativa à Constituição, com efeitos que se irradiam e modificam o prisma pelo qual os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem analisar as condutas sociais e sua própria atuação. A mais, os Ministros descuidaram na análise da regra da proporcionalidade, pela qual a medida não seria considerada constitucional em dois dos três elementos que devem ser explorados. A aplicação
85 SILVA. V.A. Op. cit., 41: “Para que ela [a medida] seja considerada desproporcional em sentido estrito, basta que os motivos que fundamentam a adoção da medida não tenham peso suficiente para justificar a restrição ao direito fundamental atingido”.
mais atenta da regra cunhada por Xxxxx levaria a conclusões diversas, outro motivo que fundamenta a adoção da proposta realizada no Capítulo 6 deste trabalho.
CAPÍTULO 5: Tentativas Legislativas de Superação da Questão
Não se ignora que a interferência do Poder Judiciário em matérias legislativas é medida excepcional, ante a sistemática da divisão de três poderes adotada pelo Brasil (art. 2º da Constituição Federal). Dessa forma, buscou-se identificar os Projetos de lei em andamento ou encerrados no Congresso Nacional referentes à matéria, analisando o entendimento do Legislativo em relação à possibilidade de penhora do bem de família do fiador.
Como a matéria trata de Direito Civil, a competência legislativa é privativa da União, nos moldes do art. 22, I da CF/8886. Dessa forma, projeto de lei que vise regular a matéria é de iniciativa do Congresso Nacional, conforme dispõe o art. 48 da CF/8887.
Dessa forma, a partir da procura pelas palavras “fiança” e “fiador” nos mecanismos de busca da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ao todo foram identificados 28 (vinte e oito) projetos de lei nas duas Casas88 que visem modificar ou regular a matéria, seja para excluir a fiança do rol de garantias exigíveis pelo locatário, para revogar o art. 82 da Lei nº 8.245/91 e art. 3º, VII da Lei nº 8.009/90 ou outras medidas (Anexo A).
Do total, apenas nove projetos ainda estão em trâmite (PLS nº 987/11, 297/12 e 170/03, que tratam da Revogação no inciso VII do art. 3º da Lei nº 8.009/90 e supressão da fugida do fiados em contratos locatícios; e PL nº 693/99, 6413/09, 1358/11, 6096/13, 6155/13 e 2976/15, que propõem a revogação do mesmo inciso, a supressão da fiança como garantia passível de ser exigida pelo locador, a condicionalidade da possibilidade de penhora à notificação prévia do fiador e a exclusão de idosos e deficientes da incidência do art. 3º, VII da Lei nº 8.009/90).
86 Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988, artigo. 22, I: Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
87 Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 48, caput: Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: (...).
88 Referentes aos Projetos de Lei em tramitação perante o Senado Federal, temos: Projetos de Lei do Senado nº 29/2003, 105/2009, 114/2016, 163/2005, 408/2008, 29/2003, 199/2007, 297/2012, 170/2003 e 74/2006, e
Projetos de Lei da Câmara nº 140/2009 e 151/2009, 94/2006. Em trâmite ou encerradas na Câmara dos Deputados, existem os Projetos de Lei 2304/2000, 987/2011, 6096/2013, 6155/2013, 6413/2009, 693/1999, 2796/2015, 1358/2011, 3452/2004, 3889/2004, 4296/2004, 1458/2003, 434/1991, 1477/1991 e 1622/1996.
Percebe-se que o Congresso Nacional já é familiarizado com o debate, tendo diversas oportunidades para apreciar a questão. No entanto, segundo os dados levantados, mais de 60% dos projetos de lei que visavam mitigar ou impedir a penhora do bem de família foram arquivados após o final da legislatura (art. 332 do Regimento Interno do Senado Federal e art. 105, §2º do Regimento Interno da Câmara dos Deputados89). Apenas 13 projetos, ou seja, metade, teve parecer da Comissão de Constituição e Justiça (se em trâmite no Senado Federal) ou da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (se em trâmite na Câmara dos Deputados). Do total de 13 pareceres, dez foram no sentido de aprovar as medidas, sendo que um (PLC 105/2009), após mudança de Relator, modificou o entendimento e concluiu pela rejeição da proposta de se revogar o dispositivo que permite a penhora do bem de família do fiador. Nos outros três houve parecer pela rejeição da medida.
Dessa forma, tem-se que as Comissões com competência para opinar sobre o mérito de propostas legislativas no âmbito do Direito Civil possuem entendimento contrário ao do Supremo Tribunal Federal, no sentido de ser necessário mitigar ou excluir a possibilidade de penhora do bem de família do fiador. No entanto, todas as propostas foram arquivadas em decorrência do final da legislatura, sem sequer chegar a serem votados.
A pesquisa também trouxe algumas possibilidades criativas. Por exemplo, o PL 6096/2013, em trâmite na Câmara dos Deputados (ainda sem parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania), propõe “vedar a penhora do bem de família se o fiador não for previamente notificado do inadimplemento dos alugueres no prazo de sessenta dias da mora”. O PLS 163/2005, por sua vez, visou inserir no ordenamento jurídico a possibilidade de o locatário optar pelo seguro fiança locatícia, sendo vedado ao locador recusar a garantia. Por fim, o XX 0000/0000 almejou proibir a concessão de fiança por pessoa física.
Apesar das diversas oportunidades que o legislador teve de confrontar o debate que se alonga por décadas, até o presente ano, 26 anos após a promulgação da Lei nº 8.245, não foi capaz de entregar sua resposta. Seria possível argumentar que o
89 Regimento Interno do Senado Federal, artigo 332: Art. 332. Ao final da legislatura serão arquivadas todas as proposições em tramitação no Senado, exceto: (...);
Regimento Interno da Câmara dos Deputados, artigo 105: Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as: (...).
silêncio legislativo configura concordância com o status quo. No entanto, o fato de mais da metade das propostas terem sido arquivadas sem apreciação de seu conteúdo pelo Plenário, apenas pelo fato de a legislatura se finalizar, demonstra que o Legislador não tem tido a oportunidade de decidir a questão em definitivo.
Dessa forma, ante a mora legislativa, torna-se necessária a interferência do Poder Judiciário, para que se garanta a efetividade dos dispositivos constitucionais, solucionando o entrave criado em 1991 que, como defendido anteriormente, não condiz com o momento atual do Direito, no qual a Constituição rege não somente a interpretação das regras, mas também sua elaboração e manutenção no sistema jurídico.
A atuação do Poder Judiciário, no entanto, não impede que o Poder Legislativo trabalhe para mitigar os efeitos da decisão, ao regulamentar ou inserir novas formas de garantia, como o fez com a inserção do seguro fiança locatícia e a cessão fiduciária de quotas em fundo de investimento (art. 37, III e IV da Lei nº 8.245/91). Como dito anteriormente, a fiança não configura a garantia mais segura ao locador, sendo de interesse de todas as partes envolvidas na locação que se tenha padronização e efetividade das garantias prestadas.
CAPÍTULO 6: Proposta de Overruling da Decisão Tomada no RE 407.688/SP
Expostas todas as considerações acerca das premissas teóricas sobre o instituto do bem de família, dos contratos de fiança locatícia, e analisando o enfoque conferido ao objeto pelo Supremo Tribunal Federal, cumpre expor a proposta do atual trabalho. Antes, entretanto, necessário analisar rapidamente a sistemática sob a qual o Recurso Extraordinário 407.688 foi submetido.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 45/04 e da Lei nº 11.418/06, inseriu- se no ordenamento brasileiro a figura da repercussão geral no Recurso Extraordinário, que nada mais é do que um “filtro” criado para se decidir quais casos serão excluídos da apreciação pelo Supremo Tribunal Federal90. Dessa forma, como requisito ao conhecimento do recurso extraordinário, passou-se a exigir a comprovação de “questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa” (art. 2º da Lei nº 11.418/06).
Existe divergência quanto à vinculação horizontal dos casos julgados pelo STF em sede de repercussão geral: por um lado, há aqueles que advogam pela inexistência de vinculação legal das instâncias inferiores, como Xxxxxxxx Xxxxxxx, que explicita ser a repercussão geral apenas um impedimento de recurso para a mesma Corte91. Por outro lado, os que argumentam pela existência de vinculação horizontal quando for possível identificar a ratio decidendi utilizada, como Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx e Daniel Mitidiero92.
O tema é de relevância para este estudo para se estabelecer que tipo de força normativa possui o precedente em estudo, para se estabelecer que tipo de fonte de Direito se trata. Xxxxxx xx Xxxx xx Xxxxxxxxxx, após ajustar a teoria de Xxxxxxxx, para adequar à teoria de Xxxxxx acerca das fontes de Direito, chega à existência de três classificações distintas para analisar a força vinculante de um precedente: i) os precedentes vinculantes em sentido forte, que são formalmente dotados de força
90 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx e XXXXXXXXX, Xxxxxx. Repercussão geral no recurso extraordinário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, pp. 36-37.
91 XXXXXXX, Xxxxxxxx. Crítica à aplicação de precedentes no Direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 89.
92 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx e XXXXXXXXX, Xxxxxx. Op. cit., p. 74.
vinculante e devem ser observados pelas instâncias inferiores. Um exemplo de precedente vinculante em sentido forte são as súmulas vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal; ii) precedentes vinculantes em sentido frágil, entendidos como aqueles que, apesar de carecedores de vinculação formal, devem ser levados em consideração pelo Tribunal de instância inferior, expondo seus motivos para não o aplicar; e iii) precedentes persuasivos, no qual não há qualquer dever formal de obediência, servindo como “fontes de direito permitidas”93. Exemplo desse tipo de precedente seriam as decisões anteriormente tomadas pelo mesmo julgador ou as decisões tomadas por órgãos de mesma hierarquia, como os Tribunais Estaduais.
Ao que nos parece, as decisões do Plenário da Corte Suprema, apesar de inexistência de previsão legal que conceda efeitos erga omnes à repercussão geral, são seguidas nas instâncias inferiores, ante a previsão legal de sua necessidade para manifestação da Corte. Dessa forma, não se trata de precedente vinculante em sentido forte, podendo se enquadrar tanto como precedente vinculante em sentido frágil, quanto em precedente meramente persuasivo.
A depender da classificação adotada, modificam-se as hipóteses nas quais o precedente pode ser superado. Para os precedentes meramente persuasivos, segundo Xxxxxx xx Xxxx xx Xxxxxxxxxx, “irá depender (...) de uma ponderação entre as razões que justificam o precedente judicial e as que tenham sido aduzidas para sua modificação”94. Por outro lado, os precedentes vinculantes em sentido frágil, embora não exista constrição institucional que o impeça ou guie, deve seguir critérios que levam em consideração a segurança, imparcialidade e justiça. Xxxxxx xx Xxxx xx Xxxxxxxxxx estabelece a necessidade de, no mínimo, um fato novo, que pode exsurgir a partir da “evolução dos fatos e valores dominantes na sociedade”95 para que seja autorizada a superação do precedente.
Os métodos de superação de precedentes, comumente consubstanciados no overruling, o overriding e o distinguishing, são formas de afastamento de um precedente judicial. O primeiro consubstancia-se no afastamento integral de um precedente, enquanto no segundo o afastamento é parcial. De acordo com a definição
93 XXXXXXXXXX, Xxxxxx xx Xxxx de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, pp. 284-391.
94 Idem, p. 391.
95 Idem, p. 412.
trazida pelo dicionário jurídico Black’s Law96, o overrule consiste em “to overturn or set aside (a precedent) by expressly deciding that it should no longer be controling law”97 Por fim, o último não trata da superação de um precedente, mas, sim, da inaplicabilidade do mesmo a um caso concreto, decorrente da diferença entre os fatos do caso que gerou o precedente e do caso em análise98.
Também é possível identificar a figura do prospective overruling, nascida da necessidade de se manter certo grau de segurança nas novas decisões. Levando-se em consideração que o overruling tradicional possui efeitos retroativos, a técnica de julgamento do prospective overruling afasta essa característica, postergando os efeitos do novo precedente99. No direito pátrio, assemelha-se à figura da modulação temporal dos efeitos das decisões, que podem ser ex tunc ou ex nunc100.
Isto posto, necessário analisar a presença de fatos novos na sociedade que justifiquem a superação do precedente estabelecido no RE 407.688, onze anos depois de seu julgamento. A maior parte deles foi apresentada ao longo do desenvolvimento do presente trabalho, mas cabe sumarizá-los e explicitar os que ainda não foram apresentados.
Primeiro, o desenvolvimento da jurisprudência extensiva em relação à caracterização do bem de família, que hoje abarca, inclusive, o único imóvel de residência da pessoa solteira, demonstra que, de 1990 até o momento, a jurisprudência, atendendo às demandas da sociedade, busca cada vez mais concretizar o direito à moradia e a existência de um patrimônio mínimo que resguarde a dignidade humana, na esteira do processo de constitucionalização do direito que se iniciou no Brasil a partir de 1988.
No cenário internacional, o mesmo processo pode ser visto ao se colocar a questão da habitação como problema global de direitos humanos, pelo qual os Estados são diretamente responsáveis. Apesar de se ter a locação como uma das
96 XXXXXX, Xxxxx. Black’s Law Dictionary. 9th edition, p. 1213.
97 Em tradução livre, derrubar ou rejeitar um precedente ao expressamente se decidir que este não mais controla o direito aplicado.
98 LEGALE, Siddharta. Superprecedentes. In Revista GV Online, vol.12 no.3. São Paulo Set./Dec. 2016. Disponível em xxxx://xx.xxx.xxx/00.0000/0000-0000000000. Acesso em 19 de novembro de 2017.
99 PINHO, Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx xx x XXXXXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxxx. O microssistema de formação de precedentes judiciais vinculantes previsto no novo CPC. In Revista de Processo, vol. 259, setembro/2016.
100 XXXXXXXXXX, Xxxxxx xx Xxxx de. Op. cit., pp. 449 e 450.
formas de concretização da moradia, não se admite, seja no âmbito nacional ou internacional, que seja ceifado o direito à moradia de outrem, devendo os Estados trabalhar de forma criativa e eficiente para atender a esse direito de maneira efetiva.
Adiante, o rumo tomado pelo mercado de locações, que passou a exigir a presença de fiador em quase todos os contratos, tornou extremamente oneroso ao locatário encontrar um garante. Difundiu-se na sociedade o ideário de prejudicialidade da fiança locatícia, e dificilmente aceita-se ser fiador de outrem, a não ser por laços de amizade ou parentesco. A fiança segue como demanda nos contratos de locação por mero hábito. Diz-se que as outras garantias são onerosas em demasiado, mas seu próprio desuso colabora para sua onerosidade. Pela lei da oferta e da demanda, o uso recorrente de outras formas de garantia não apenas abaixará os preços, mas também incentivará a criação de novas modalidades que atendam melhor as demandas do mercado.
No entanto, os dados demonstram a maior mudança que deve ser levada em consideração. O déficit habitacional no Brasil reduziu em velocidade insatisfatória, estimando-se que, atualmente, seja de 6,186 milhões, de acordo com as pesquisas da Fundação João Pinheiro101. O resultado é apenas pouco abaixo dos resultados de 2007, dez anos atrás e logo após a decisão da Suprema Corte, que estimou um déficit habitacional de 6,273 milhões102.
Importante ressaltar que o atual déficit habitacional é composto, em mais da sua metade (exatamente 51,5%) do componente do ônus excessivo com aluguel urbano, que se constitui a partir da análise de famílias com renda familiar de até três salários mínimos que comprometam mais de 30% de sua renda com aluguel. Em 2007 o percentual era de 32,2%, demonstrando um aumento expressivo no fator.
Com o advento da Lei nº 8.245/91, estimulou-se o mercado de locações, aumentando o número de pessoas residentes em imóveis alugados. No entanto, esse aumento não veio acompanhado da concretização da paridade entre locadores e locatários, tornando o aluguel um ônus excessivo a grande parte da população
101 FUNDAÇÃO XXXX XXXXXXXX. Déficit habitacional no Brasil. Disponível em xxxx://xxx.xxx.xx.xxx.xx/xxxxx.xxx/xxxxxx/xxx/000-xxxxxxxxxxxx-xxxxxxxxxxx-0-xxxxxxx-xxxxxxxxxxxx-00-00- 2017versao-site/file. Pesquisa realizada em 12/11/2017.
102 FUNDAÇÃO XXXX XXXXXXXX. Déficit habitacional no Brasil. Disponível em xxxx://xxx.xxx.xx.xxx.xx/xxxxx.xxx/xxxxxx/xxx/xxxxxxx-xxxxxxxxxxxx/000-xxxxxxx-xxxxxxxxxxxx-xx-xxxxxx- 2007/file. Pesquisa realizada em 12/11/2017.
brasileira. Como ressaltado no Capítulo 4, o fiador que tem seu imóvel bem de família penhorado muito provavelmente será obrigado a ingressar no mercado de locações, contribuindo para agravar, ainda mais, o déficit habitacional existente.
O fomento do mercado de locações a partir da possibilidade de penhora do imóvel bem de família do fiador também parece não ter surtido os efeitos desejados, ante a diminuta redução do déficit habitacional entre 2007 e 2017, forte indicador da concretização do direito à moradia.
Por fim, necessário analisar também os movimentos migratórios ocorridos no Brasil. Como exposto no Capítulo 2, os movimentos migratórios do século XIX e XX foram um dos fatores determinantes para fazer galgar o direito à moradia como tema de debates na esfera do Poder Público. Nesse sentido, destaca-se que o número de imigrantes registrados pela Polícia Federal aumentou 160% em dez anos (e estes dados contém apenas, ressalte-se, os imigrantes registrados).
Percebe-se que os fatos sociais demonstram mudanças (ou a ausência delas) que tornam sem embasamento as premissas adotadas pelo Ministro Xxxxx Xxxxxx e os que seguiram seu voto no julgamento do RE 407.688, retificando a tese de que a medida legislativa adotada em 1991 encontra uma barreira no elemento da necessidade, pois configura grave consequência cujos resultados, na prática, não se tornaram tão expressivos.
Quando da análise, em 2006, dos direitos envolvidos na regra do art. 82 da Lei de Locações (ou art. 3º, VII da Lei de Bem de Família), muito se discutiu acerca do fomento ao mercado de locações em decorrência do aumento das garantias conferidas ao locador, consequentemente conferindo maior efetividade ao direito à moradia. Passados 26 anos da edição da referida lei, os índices demonstram que as razões invocadas se mostraram desprovidas de resultados fáticos e concretos que tornassem fundamentada a previsão legislativa.
Não se pode olvidar que a previsão legal é, em última análise, a redução de garantia conferida anteriormente ao proprietário do bem de família, o que, ao final, resulta em redução do escopo de efetividade da norma inserta no art. 6º da Constituição Federal – o direito fundamental à moradia.
Dessa forma, propõe-se a Corte Constitucional revise o seu entendimento acerca da norma insculpida no art. 3º, VII da Lei nº 8.009/90, retirando-a do sistema jurídico mediante o mecanismo de superação dos precedentes judiciais. Concomitantemente, necessário o esforço legislativo para revisão das formas de garantia já previstas em lei ou a elaboração de novas formas de garantir os créditos decorrentes de locação (em um esforço criativo que não deixa de ser obrigação do legislador), para que se estimule ainda mais o mercado de locações, sem a necessidade de ceifar o direito à moradia de outrem, ou seja, com menor impacto e, portanto, mais necessária e proporcional.
Para mitigar os efeitos de mercado da medida, pois não se pode olvidar que existirão (apesar de não justificarem a manutenção da exceção legal) é possível a modulação temporal dos efeitos da decisão (utilizando-se do mecanismo de prospective overruling), para que as constrições realizadas anteriormente ao sobrestamento dos processos de execução em instâncias inferiores não sejam desfeitas, obstando-se apenas a realização de novas penhoras sobre imóvel bem de família após a superação do precedente.
CONCLUSÃO
As controvérsias originadas a partir da previsão legal de penhora do bem de família do fiador locatício não são poucas e fáceis de solucionar. Perpassam áreas distintas e, ao mesmo tempo, intimamente conexas, desde a lógica do mercado de locações e de garantias, até a erradicação do problema da falta de moradia no Brasil.
Neste sentido, foi visto que o objetivo inicial do legislador, ao fazer inserir o art. 82 na Lei 8.245/91 foi de estimular o mercado de locações, que passava por tempos árduas no final da década de 80 e início dos anos 90. O legislador fez uma ponderação, e entendeu ser proporcional a limitação ao direito de garantia do fiador para o garantir em outra ponta, aumentando a oferta e demanda de locações.
No entanto, a prática do mercado em exigir um fiador a todo e qualquer contrato de locação mostrou-se equivocada, no sentido de possuir como único benefício ser gratuita na sua origem. Em todos os outros aspectos (liquidez, previsibilidade, operacionalidade), a fiança locatícia aparenta ser pouco atraente ao locador que busca garantir seu crédito.
A prática, fruto de uma tradição difícil de explicar, faz com que locatários tenham que recorrer a amigos e familiares para poder ter acesso à moradia, dependendo primeiro de sua boa vontade e, segundo, de seu patrimônio, pois aquele sem patrimônio não irá prestar a fiança em primeiro lugar. Configura-se uma situação de pouca igualdade entre locadores, na qual aquele que tem sorte em encontrar um indivíduo propenso a ser fiador e com patrimônio suficiente para tal possui mais facilidade em locar um imóvel.
Por outro lado, aquele que presta a fiança na maior parte das vezes não espera por algo em troca, configurando-se uma situação de “benevolência” (ou constrangimento – afinal, a negativa em prestar fiança a um conhecido ou familiar pode ser vista com maus olhos). E, ao realizar um ato de benevolência, sem querer encontra-se numa possível encurralada, podendo chegar a perder seu único bem imóvel que lhe serve de residência.
O cenário parece pouco condizente com os objetivos de justiça e erradicação da pobreza nascidos a partir da promulgação da Carta Constitucional de 1988. O peso conferido à autonomia da vontade na decisão do Recurso Extraordinário nº 407.688
pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, como visto no Capítulo 4, não coadunam com a nova ordem constitucional explorada no Capítulo 3. Além, chegou- se à conclusão que os motivos expostos pelos Ministros em seus votos não se mostraram suficientes para justificar medida de tamanho impacto, que envolve diversos princípios constitucionais e garantias fundamentais.
Não se pode olvidar que, como visto no Capítulo 5, o legislador buscou, diversas vezes, eliminar a situação de “estaca zero” criada pela Lei nº 8.245/91, na qual se suprime um direito de um lado para o garantir do outro. No entanto, foi visto que, ao buscar mitigar seus efeitos, com a criação e regulamentação de novas formas de garantia, ou conferir mais segurança ao fiador, obteve mais sucesso. A inserção, no art. 37 da Lei de Locações, da possibilidade de se dar em garantia cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento é um dos exemplos da atividade criativa requerida do legislador. Dessa forma, atribui-se a ele a missão de estimular novas formas onerosas e simples de garantia, que possam ser massificadas.
A fiança não é benéfica ao locador, apesar de ser gratuita. A onerosidade das outras formas de garantia não se torna óbice à sua utilização a partir do momento que o preço pago é razoável, o que somente se alcançará com a sua utilização recorrente. Na maior parte dos mercados, e aqui se insere o mercado de garantias, o aumento na demanda causa aumento na oferta, e o preço se estabelecerá de forma razoável.
Além, como mencionado no Capítulo 6, o argumento utilizado para justificar a possibilidade de penhora do bem de família do fiador mostrou-se pouco passível de averiguação e, até mesmo, pouco eficiente, uma vez que o cenário da moradia no país não se desenvolveu junto com o mercado de locação.
Enquanto o mercado não exclui, por si só, a tradição da figura do fiador como meio massificado de garantia locatícia, cabe ao Poder Judiciário a limitação dos efeitos da prestação da fiança, para tornar novamente impenhorável o bem de família do locador.
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ANEXO A:
Projeto | Nº | Ano | Ementa | Situação | Parecer CCJ |
PL | 434 | 1991 | Xxxxxxxx a fiança | Arquivado 332 RISN | Rejeição. |
PL | 1477 | 1991 | Xxxxxxxx a fiança | Arquivado 332 RISN | Não houve parecer. |
PL | 1622 | 1996 | Revogar | Arquivado 332 RISN | Rejeitado pelo primeiro relator, aprovado pelo segundo. |
PL | 2368 | 1996 | Revogar | Arquivado 332 RISN | Não houve parecer. |
PL | 693 | 1999 | Xxxxxxxx a fiança | Aguardando parecer da CCJ. | Rejeitado pela CDEIC, pela CDC e pela CCJ, mas com propostas. |
PLS | 2304 | 2000 | Suprimir a fiança | Arquivado 332 RISN | Não houve parecer. |
PLC | 151 | 2001 | Revogar | Arquivado 332 RISN | Aprovação. |
PLS | 29 | 2003 | Xxxxxxxx a fiança | Arquivado 332 RISN | Rejeição. |
PLS | 179 | 2003 | Revogar | Retirada. | Não houve parecer. |
PL | 1458 | 2003 | Xxxxxxxx a fiança | Arquivado 332 RISN | Não houve parecer. |
PLS | 329 | 2004 | Suprimir a fiança | Arquivado 332 RISN | Aprovação. |
PL | 3889 | 2004 | Proibir a concessão de fiança por pessoa física. | Arquivado 332 RISN | Aprovação. |
PL | 4296 | 2004 | Xxxxxxxx a fiança | Arquivado 332 RISN | Não houve parecer. |
PLS | 163 | 2005 | Possibilitar a escolha, pelo locatário, do seguro fiança locatícia, vedando ao locador recursar a garantia. | Arquivado 332 RISN | Aprovação. |
PLS | 74 | 2006 | Revogar | Arquivado 332 RISN | Aprovação. |
PLS | 199 | 2007 | Suprimir a fiança | Arquivado 332 RISN | Aprovação do PLC 63 (apenso sobre a mesma matéria). |
PLS | 408 | 2008 | Revogar | Arquivado 332 RISN | Aprovação. |
PLC | 105 | 2009 | Revogar | Arquivado 332 RISN | Aprovação, modificada pelo segundo relator. |
PL | 6413 | 2009 | Revogar | Em trâmite | Não houve parecer. |
PLS | 987 | 2011 | Revogar | Aguardando parecer da CCJ. | Aprovação pela Comissão de Seguridade Social e Família. |
PL | 1358 | 2011 | Revogar | Em trâmite | Não houve parecer. |
PLS | 297 | 2012 | Revogar | Aguardando parecer da CCJ. | Rejeição pela Comissão de Direitos Humanos. |
PL | 6096 | 2013 | Condicionar a possibilidade de penhora à notificação prévia da inadimplência. | Apensado. | Não houve parecer. |
PL | 6155 | 2013 | Revogar | Apensado. | Não houve parecer. |
PL | 3452 | 2014 | Revogar | Arquivado 332 RISN. | Aprovação. |
PL | 2976 | 2015 | Excetuar a exceção para deficientes degenerativos ou idoso com renda de até 02 salários mínimos. | Apensado.. | Não houve parecer. |
PLS | 114 | 2016 | Xxxxxxxx a fiança | Aguardando parecer da Comissão de Assuntos Econômicos. | Não houve parecer. |