O CONTRATO DE SOCIEDADE NO DIREITO ROMANO
O CONTRATO DE SOCIEDADE NO DIREITO ROMANO
(BREVE REFERÊNCIA AO DIREITO PORTUGUÊS)
Xxxxxxx xxx Xxxxxx Xxxxx 1
Resumo: O contrato de sociedade foi, no direito romano, um acordo entre duas ou mais pessoas que se obrigavam reciprocamente a pôr em comum determinados bens ou trabalho, com vista à obtenção de um fim patrimonial comum. 2. Devia respeitar as exigências de licitude e os sócios podiam acordar a distribuição diferente de ganhos e perdas. Mas não podia onerar um dos sócios excluvivamente com as perdas, privando-o dos ganhos. Na falta de acordo, a distribuição era igual.
3. A sua origem remonta provavelmente ao consortium ercto non cito, património herdados pelos filhos e conservado indiviso com vista à prossecução da actividade já desenvolvida pelo falecido paterfamilias. 4. As suas espécies podem reconduzir-se à sociedade de todos os bens e à sociedade questuária, constituída para a trealização de certas operações ou para determinado negócio jurídico ou obra. 5. Merecem especialmente destaque a sociedade bancária e a sociedade de publicanos: aquela, constituída para o exereício da actividade bancária, com um regime específico; esta, em regra criada por grandes capitalistas para a realização de actividades diversificadas. Gozava provavelmente de persolanidade jurídica. 6. Não tendo (em regra) personalidade jurídica, os sócios adquiriam para si e respondiam perante terceiros e estes perante aqueles pelas obrigações provenientes dos negócios jurídicos realizados. E posteriormente prestavam contas aos demais sócios. 7. Os sócios respondiam por gestão dolosa ou culposa e o risco, onerava, em regra, todos os sócios. 8. A relação de amizade entre os sócios que está na base do contrato de sociedade, influencia o seu regime jurídico, tem reflexos importantes no beneficium competentiae e determina as causas de extinção. 9. A tutela das relações entre os sócios cabe à acção de sociedade (actio pro socio), à acção de divisão de coisa comum (actio communi dividundo) e outras acções. A actio pro socio cumulava-se, enquanto reipersecutória, com as acções penais (v.g., a acção de furto). 10. O Código Civil português consagra o contrato de sociedade e é evidente a influência romana que o percorre em diversos aspectos.
1 Prof. Catedrático da Universidade de Coimbra e da Universidade Lusíada do Porto
Palavras-chave: Sociedade (societas). Sociedade de todos os bens. Sociedade questuária. Sociedade bancária. Sociedade de publicanos. Beneficium competentiae. Acção de sociedade (actio pro socio). Acção de divisão de coisa comum (actio communi dividundo).
Abstract: The partnership contract in Roman Law was an agreement between two or more people reciprocally undertaking to pool certain goods or labour with a view to achieving a common purpose in terms of assets. 2. This contract had to comply with the requirements of legality, and the partners could agree on a different distribution of gains and losses, though one of them could not alone bear the losses and be deprived of the gains. If an agreement could not be reached, the distribution had to be even among all partners. 3. The origins of this type of contract can probably be traced to the consortium ercto non cito, the assets inherited by sons and kept intact in order to continue an activity already carried by the late paterfamilias. 4. Their types can be traced to the partnership encompassing all assets and to the quaestuary partnership, set up to perform certain transactions or a specific legal business or task.
5. Especially noteworthy are the banking companies and the publicans partnerships. The former were set up to handle banking activities, under a specific legal framework, while the latter were generally created by great capitalists for diverse activities, and they probably had their own legal personality. 6. The partners did not (as a rule) have legal personality. They acquired assets for themselves and were accountable to third parties, and vice versa, for the obligations arising from legal transactions, having afterwards also to account to the other partners. 7. The partners were held liable for deliberately negligent or risky management and, as a rule, they shared liability for its consequences. 8. The friendship bonds among partners which lie at the basis of the partnership contract determine its legal framework and has important repercussions upon the beneficium competentiae, determining as well the causes for its extinction. 9. The supervision of the relationships between partners is carried out through the action of a partner to compel his co-partners (actio pro socio), the action to procure a judicial division of joint property (actio communi dividundo) and other actions. The actio pro socio had a cumulative effect, as rei persecutoris, with the criminal actions (for instance, the theft action). 10. The Portuguese Civil Code enshrines the partnership contract and the Roman influence that pervades several of its aspects is clearly recognizable.
Key-words: Society (societas); society of all goods (societas omnium bonorum); societas quaestus; banky society; society of publicans; beneficium competentiae; board action (actio pro socio); common thing division action (actio communi dividundo).
I. Antelóquio
O contrato de sociedade consagrado no direito romano tem reflexos significativos na sociedade que o Código Civil português recolhe como contrato nominado2.
2 Cf. arts. 890ºe ss.
Por isso, a sua boa interpretação não dispensa o estudo da figura romana que lhe deu origem.
Eis o propósito que nos anima, oferecendo ao leitor não romanista conhecimentos que lhe permitam ter um conhecimento mais completo do nosso direito.
II. O contrato de sociedade (societas)
1. Definição. Caracterização
O contrato de sociedade pode definir-se como o acordo em que duas ou mais pessoas (socii) se obrigam reciprocamente a pôr em comum determinados bens ou trabalho com vista à obtenção de um fim patrimonial comum.
Trata-se dum contrato consensual, bilateral ou plurilateral, de boa fé, que se inspira na fraternitas que influencia o seu regime jurídico3. Consensual, porque não é necessária nenhuma formalidade, podendo a vontade das partes comunicar-se de qualquer modo4. Bilateral ou plurilateral, porque as obrigações surgem para todos os sócios5. E de boa fé, porque os sócios devem actuar com fidelidade, considerando os interesses alheios como próprios e, por isso, é tutelado por uma acção de boa fé (a actio pro socio)6.
Ademais, o consenso deve ser continuado7 e, por isso, a societas extingue-se se a vontade de qualquer dos sócios faltar, como observa GAIO:
3,151: “A sociedade perdura sem interrupção enquanto os sócios mantiverem este acordo. Pois bem, quando algum sócio renuncia, a sociedade dissolve-se…”8.
3 Com efeito, a fraternitas cria um vínculo de confiança que justifica que a societas seja incomunicável (“o sócio do meu sócio não é meu sócio”: D. 17,2,20; -50,17,47,1). E justifica igualmente que qualquer sócio a possa revogar e se extinga com a sua morte ou capitis deminutio, etc. Vide SANTOS JUSTO, Direito privado romano – II (direito das obrigações)4 em Studia Xxxxxxxx 00, Xxxxxxx 0000 pp. 72-73; Xxxxxxx XXXXXXXX, Società em NNDI XVII,1970, p.496; e Xxxxxx XXXXX, Istituzioni di diritto romano. II. Parte prima, Pádua, 1962, pp. 254 e 256.
4 Cf. D. 2,14,2pr.; -17,2,4; e GAIO, 3,136. Vide SANTOS JUSTO, ibidem 48; Xxxxxxxx XXXXXXX-
XXXX, La società in diritto romano, Nápoles, 1950, pp. 35 e 63; CANCELLI, Società, cit., p. 496; Xxxxxxx XXXXXXX, Manual de derecho romano, Zaragoza, 1991, p. 434; e Xxxxx Xxxxxxxx XXXX, El contrato de sociedad. La casuística jurisprudencial clásica, Madrid, 1992, pp. 32-34.
5 Vide ARANGIO-RUIZ, La società, cit., p. 73; e TORRENT, Manual, cit., pp. 434-435.
6 Vide infra, nº. 7.2; XXXXX, Istituzioni, cit., p. 256; XXXXXXXX, Società, cit. p. 499 e 500; e SANTOS JUSTO, Direito privado romano – I. Parte geral (Introdução. Relação jurídica. Defesa dos direitos)5 em Xxxxxx Xxxxxxxx 00, Xxxxxxx, 0000, pp. 247-249.
7 Vide Xxxxx XXXXXXXXX, Società in generale (diritto romano) em ED XLII,1990, pp. 81, 838 e 844; TORRENT, o.c. 435-436; e Xxxxx xxx XXXXXX, Le contrat de société en droit privé romain sous la République e au temps des jurisconsultes classiques, Paris, 1928, p. 290.
8 GAIO 3,151: “Manet utem societas eo usque, donec in eodem sensu perseverant. At cum aliquis renuntiaverit societati, societas solvitur…”. No mesmo sentido, cf. C. 4,37,5.
Esta persistência afirma-se na expressão affectio societatis9, sem a qual não existe sociedade, como observamos em ULPIANO:
D. 17,2,44: “.. se isto tiver sido feito com o ânimo de contrair sociedade, há
actio pro socio…”10.
2. Requisitos
Como qualquer contrato, também a societas deve obedecer a determinados requisitos legais, de que destacamos:
1. Licitude: os jurisconsultos insistem que a actividade e a finalidade da sociedade (o seu objecto) devem ser lícitas11. Um fragmento de ULPIANO é claro:
D. 17,2,57: “..se se tiver constituído a sociedade para um delito, é constante que é nula, porque, em geral, diz-se que é nula a sociedade para coisas não honestas”12.
Fixado este princípio, observamos a sua aplicação em diversos aspectos que afastam a actividade duma societas. GAIO é consequente:
D. 18,1,35,2: “Alguns opinam que não se realiza compra e venda de venenos maus, porque nem a sociedade nem o mandato para coisa criminosa tem força alguma; cuja opinião pode certamente considerar-se verdadeira relativamente à aquisição daquelas coisas que de nenhum modo podemos usar…”13.
Tratando-se de algo adquirido por um dos sócios em consequência de delito, esta aquisição é estranha à sociedade, como refere XXXXXXX:
D. 17,2,53: “Mas o que se adquiriu por furto ou outro delito é manifesto que não deve aportar-se à sociedade, porque é torpe e feia a comunhão do adquirido por delitos…”14.
9 Cf. D. 17,2,31. Vide CANCELLI, Società, cit., pp. 500-501.
10 D. 17,2,44: “… si animo contrahendae societatis id actum sit, pro socio esse actionem…”.
11 Vide CANCELLI, Società, cit., p. 501; XXXXXXX-XXXX, La società, cit. p. 116; Xxxx XXXXXXXX, Profili giuridici delle attività e dell’organizzazione delle banche romane,Turim, 2002, pp. 157 e 161; e TORRENT, Manual, cit. p. 436.
12 D. 12,2,57: “… Ceterum si maleficii societas coita sit, constat nullam esse societatem; generaliter enim traditur, rerum inhonestarum nullam esse societatem”. Cf. também D. 18,1,35,2; -27,3,1,14; -46,1,70,5. Vide XXXXXXX-XXXX, La società, cit., p. 116.
13 D. 18,1,35,2: “Veneni mal quidam putant non contrahi emptionem, quia nec societas, aut mandatum flagitiosae rei xxxxx vires habet; quae sententia potest sane vera videri de his, quae nullo modo adiectione alterius materiar usu nobis esse possunt…”. Vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 82290.
14 D. 17,2,53: “Quod autem ex furto vel ex alio maleficio quaesitum est, in societatem non oportere conferri palam est, quia delictorum turpis atque foeda communio est…”. Cf. ainda: D. 17,2,52,17.
E mesmo que, entrando no património comum, se considere lucro (comum)15, esta res deve ser recuperada pelo sócio se for condenado, como refere XXXXXXXX:
D. 17,2,54: “Porque o que, em virtude de delito, tiver sido aportado a um sócio, não deve recuperá-lo a não ser que tenha sido condenado”16.
Do mesmo modo, os jurisconsultos debateram o problema de saber se, na sociedade de todos os bens (societas ominum bonorum), o sócio pode imputar aos outros o que houver pago a título de pena. XXXXXXX fala deste debate e manifesta o seu ponto de vista:
D. 17,2,52,18: “Ao contrário, os antigos discutiram se o sócio de todos os bens que tivesse devido algo em virtude de condenação na acção de injúrias conseguiria o reembolso do fundo comum. Xxxxxxxxxx, Xxxxxx e Xxxxxx responderam que, se tivesse sido condenado por injustiça do juiz, deverá consegui-lo; mas se fosse condenado por delito próprio, só ele deve suportar o prejuízo…”17.
Este debate revela-nos o princípio de que os delitos praticados por qualquer dos sócios não oneram os outros, a menos que o sócio tenha sido injustamente condenado. Nesta hipótese, deve ser ressarcido da condenação injusta porque, verdadeiramente, não cometeu delito algum18.
Relativamente à constituição duma sociedade com vínculo eterno, XXXXX sustenta que:
D. 17,2,70: “É nula a sociedade constituída para sempre”19.
Já quanto à sociedade constituída sob condição, Xxxxxxxxxx dá-nos conta da dúvida entre os jurisconsultos antigos (clássicos) e afasta-a, determinando a sua validade, respeitando a vontade dos sócios:
C. 4,37,6: “Relativamente à sociedade, duvidou-se, entre os antigos, se se podia constituir sob condição, v.g., “se aquele tiver sido cônsul”, fique
15 Cf. D. 17,2,53 in fine.
16 D. 17,2,54: “Quod enim ex maleficio contulerit socius, non aliter recipere debet, quam si damnatus sit”. Vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 826.
17 D. 17,2,52,18: “Per contrarium quoque apud veteres tractatur, an socius omnium bonorum, si quid ob iniuriarum actionem damnatus praestiterit, ex communi consequatur, ut praestet. Et Atilicinus, Xxxxxxx, Xxxxxxx responderunt, si iniuria iudicis damnatus sit, consecuturum, si ob maleficium suum, ipsum tantum damnum sentire debere…”.
18 Vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 826.
19 D. 17,2,70: “Nulla societatis in aeternum coitio est”.
constituída a sociedade. Mas para que do mesmo modo não se discuta posteriormente, como na antiguidade, semelhante questão, mandamos que se possa constituir a sociedade não só puramente, mas também sob condição. Porque de todos os modos se tem de conservar a vontade dos que legitimamente contrataram”20.
2. Repartição de ganhos e perdas: os sócios podem acordar, na distribuição, diferentes ganhos e perdas, sobretudo atendendo à diferente participação na sociedade, como sustentou XXXXXX XXXXXXXX, opondo-se à opinião de XXXXXX XXXXX. GAIO dá-nos conhecimento desta divergência entre dois dos maiores jurisconsultos romanos:
3,149: “Tem havido grande discussão sobre se se podia constituir uma sociedade de maneira a que um sócio obtivesse a maior parte dos benefícios e responda por uma parte menor das dívidas. Xxxxxx Xxxxx pensou que isto era contrário á natureza da sociedade. Mas Xxxxxx Xxxxxxxx, cuja opinião prevaleceu, estimou que se podia constituir a sociedade desta maneira até ao ponto de defender que também se podia constituir de modo a que um sócio não responda em absoluto por perdas, mas perceba parte do benefício se os seus trabalhos são considerados tão valiosos que é equitativo admiti-lo na sociedade com este acordo…”21.
Como observamos, enquanto XXXXXX XXXXX recusava uma sociedade em que os sócios tivessem acordado participação diferente nos ganhos e perdas, SÉRVIO SULPÍCIO admitia esta possibilidade e ia mais longe: tratando-se duma sociedade em que um dos sócios participasse com trabalho valioso22. Assim se estimulava a constituição de sociedades em que alguns sócios participassem com bens e outros, com trabalho23.
Exemplo de sociedade em que um dos sócios participa com trabalho especializado (ou precioso) e outro com capital é reportado por XXXXXXX, invocando o pensamento de XXXXXXXXX:
20 C. 4,37,6: “De societate apud veteres debitarum est, si sub conditione contrahi potest, puta “si ille cônsul fuerit”, societatem esse contractam. Sed ne simili modo apud posteritatem, sicut apud antiquitatem huiusmodi causa ventiletur, sancimus, societatem contrahi posse non solum puré, sed etiam sub conditione. Voluntates etenim legitime contrahentium omnímodo conservandae sunt”. Vide CANCELLI, Società, cit., p.501.
21 GAIO 3,149: “Magna autem quaestio fuit, an ita coiri possit societas, ut quis maiorem partem lucretur, minorem damni praestet. Quod Xxxxxxx Xxxxxx contra naturam societatis esse sensit. Sed Xxxxxxx Xxxxxxxxx cuius etiam praevaluit sententia, adeo ita coiri posse societatem existimavit, ut dixerit illo quoque modo coiri posse, ut quis nihil omnino damni praestet, sed lucri partem capiat, si modo eius tam pretiosa videatur, ut aequum site um cum hac pactione in societatem admiti…”. Cf. também D. 17,2,29,1; e I. 3,15,2.
22 Vide CANCELLI, Società, cit. p. 502; TORRENT, Manual de derecho romano, cit. 442; e Xxxxx Xxxxxxxx XXXX, El contrato de sociedad. La casuística jurisprudencial clássica, Madrid, 1992, p. 113.
23 Xxxxxxx XXXXXX, a opinião serviana traduz a mais alta conquista da jurisprudência do seu tempo. Vide KOHLER apud CANCELLI, Società, cit., p. 502.
D. 17,2,52,7: “(Papiniano) diz também (…) que, consultado sobre um facto, respondeu: Tinha-se pactuado entre Flávio Vítor e Vélico Asiano que, nos lugares comprados com o dinheiro de Vítor, fossem feitos monumentos com o trabalho e inteligência de Asiano, vendidos os quais Vítor receberia o seu dinheiro com certa quantidade e Asiano, que pôs o seu trabalho na sociedade, perceberia o resto…”24.
Quanto a saber quem valora a preciosidade do trabalho, SÉRVIO defende que devem ser as partes, no respeito pela sua autonomia (privada)25. É claro que nesta sociedade em que um dos sócios participa com dinheiro e outro com trabalho, as perdas são distribuídas pelos dois: aquele perde o capital; este, a retribuição do trabalho.
Todavia, na falta de acordo, a distribuição de ganhos e perdas é igual, como assinala GAIO:
3,150: “É certo que, se nada foi acordado entre os sócios sobre a repartição de ganhos e perdas, são comuns, em partes iguais, os ganhos e as perdas; mas se as partes se tivessem manifestado num sentido, v.g., nos ganhos, mas não no outro, também naquilo que foi omitido, têm partes iguais”26.
GAIO mostra o regime supletivo: na ausência de acordo diferente, a distribuição dos ganhos e das perdas é igual; e mesmo que as partes tenham previsto a distribuição apenas dos ganhos ou das perdas, vale também para a distribuição omitida27.
O que não pode haver é uma sociedade em que algum sócio seja excluído dos ganhos e onerado com as perdas28. Segundo XXXXXX, esta sociedade dita leonina não pode ser contraída e, se o for, é nula, na opinião de XXXXXXX:
17,2,29,2: “Aristão refere que Xxxxxx respondeu não se pode contrair uma
24 D. 17,2,52,7: “Item ex facto consultum respondesse se ait (…): inter Flavium Xxxxxxxx et Vellicum, Asianum placuerat, ut locis emptis pecunia Victoris monumenta fierent opera et peritia Asiani, quibus distractis pecuniam Xxxxxx cum certa quantitate reciperet, superfluum Asianus acciperet, qui operam in societatem contulit…”.
25 Vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., pp. 837 e 838.
26 GAIO 3,150: “Et illud certum est, si de partibus lucri et damni nihil inter eos convenerit, tamen aequis ex partibus commodum et incommodum inter eos commune esse; sed si in altero partes expressae fuerint, velut in lucro, in altero vero omissae, in eo quoque quod omissum est, símiles partes erunt”. Cf. ainda: D. 17,2,19pr.-1.
27 Vide CANCELLI, Società, cit., p. 501; TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., pp. 836; DEL CHIARO, Le contrat de société en droit privé romain sous la République e au temps des jurisconsultes classiques, cit., p. 291; e LERA, El contrato de sociedad. La casuística jurisprudencial clássica, cit., p. 116.
28 Vide XXXXXXX-XXXX, La società, cit., p.11; e TORRENT, Manual de derecho romano, cit. 436.
sociedade em que um sócio obtenha o lucro e outro o prejuízo e que este sociedade costuma chamar-se leonina; também nós estamos de acordo em que é nula a sociedade em que um sócio obtém um ganho e outro nenhum lucro, mas o prejuízo; pois é do género mais injusto aquela sociedade em que corresponde a algum sócio o prejuízo e não o ganho”29.
Ainda segundo XXXXXXX, estaríamos prante uma sociedade dita leonina, se a sua constituição fosse permitida30.
3. Origem
Via de regra, a origem duma figura jurídica perde-se na longa noite do tempo e, por isso, em vão se procurará situá-la com a necessária veracidade. Nas palavras sábias de Xxxxxx X’XXX, em “cuestiones de orígenes, debemos practicar la ars ignorandi”31.
Todavia, não se afasta a hipótese de a societas ter, como antecedente, a figura arcaica do consortium dito ercto non cito, património herdado por filhos e conservado indiviso32, como observamos em GAIO:
3,154a: “Todavia, há outro tipo de sociedade própria dos cidadãos romanos. Pois antigamente, quando o paterfamilias morria, havia entre os seus herdeiros uma certa sociedade legítima e natural que se chamava ercto non cito, isto é, de domínio não dividido, pois erctum é o domínio e daí que se chame erus o proprietário; e ciere é dividir, donde dizemos caedere por cortar (e dividir)”33.
Tratava-se duma comunhão dinâmica que não se limitava aos bens herdados e se dissolvia, provavelmente, na sequência da morte (ou da capitis deminutio) de
29 D. 17,2,29,2: “Aristo refert Cassium respondesse, societate, talem coiri non posse, ut alter lucrum tantum, alter damnum sentiret, et hanc societatem leoninam solitum appellare: et nos consentimus, talem societatem nullam esse, ut alter lucrum sentiret, alter vero nullum lucrum, sed damnum sentiret; iniquissimum enim genus societatis est, ex qua quis damnum, non etiam lucrum spectet”.
30 Vide TALAMANCA, o.c. 836239.
31 Vide Alvaro D’ORS em XXXX 00, 0000, x. 000. No mesmo sentido, vide Xxxxxxxxx XXXX, Da “Solutio” I, Coimbra, 1962, p. 173.
32 Cf. GAIO 3,154a. Vide XXXXXXX-XXXX, La società, cot., pp. 3-22 e 32; BETTI, Istituzioni, cit., pp. 255-256; TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., pp 817 e 823-824; TORRENT, Manual de derecho romano, cit. 436-437; e LERA, El contrato de sociedad. La casuística jurisprudencial clássica, cit., pp. 18-19.
33 GAIO 3,154a: “Esta utem aliud genus societatis proprium civium Romanorum. Olim enim, mortuo patre familias, inter suos heredes quaedam erat legitima simul et naturalis societas, quae appellalabur ercto non cito, id est dominio non diviso; erctum enim dominium est, unde erus dominus dicitur; ciere autem dividere est, unde caedere et secare (et dividire) dicimus”. Ff. ainda: D. 17,2,,2; -17,2,3pr.; -17,2,11
qualquer dos consortes34.
Esta figura correspondia às condições sócio-económicas da Roma monárquica e alto-republicana, habitada por comunidades de agricultores e pastores, cuja fraternitas, que as ligava, se perpetuava no consortium35. A sua presença é ainda assinalada nos tempos do jurisconsulto XXXXXX XXXXX (séculos II e I a.C.)36, mas estava condenada à extinção quando a economia romana quase exclusivamente agrícola perdeu importância37.
4. Espécies
4.1 Considerações gerais
A sociedade podia ser constituída para fins muito diversos e através de contributos diferenciados. Por isso, têm sido propostas várias classificações, de que destacamos38:
1. Sociedade de todos os bens (societas omnium bonorum): é uma sociedade universal, porque os sócios contribuem com todos os bens bens presentes e futuros;
2. Sociedade questuária (societas quaestuaria): é constituída para certa actividade profissional ou económica dos sócios e compreende a:
I – sociedade de certas operações (societas alicuius negotiationis): ocupa-se de determinada espécie de operações, como, v.g., o cultivo de um terreno (fundus), o comércio de escravos, de géneros alimentícios, a actividade bancária, etc.
II – sociedade de determinado negócio (societas unius rei): é constituída para a realização de um negócio determinado ou de certa obra.
4.2 Sociedade de todos os bens
A sociedade de todos os bens (societas omnium bonorum) é, como referimos, uma sociedade que recolhe todos os bens presentes e futuros dos sócios. Na sua base encontra-se a fraternitas que une os sócios39 e assinala-se, como antecedente, o consortium ercto non cito” 40
34 Neste sentido, vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 816; e TORRENT,
Manual de derecho romano, cit., pp. 437-438.
35 Vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit.,p. 817.
36 Neste sentido, vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 81734. 37 Neste sentido, vide TORRENT, Manual de derecho romano, cit., pp. 438.
38 Fala-se também de sociedade de coisas, de trabalho e mistas, consoante os sócios contribuam só com res, com trabalho e com coisas e trabalho. Vide SANTOS JUSTO, Direito privado romano – II (direito das obrigações), cit., p.p. 74 e 75.
39 Cf. D. 17,2,63pr.
40 Vide supra, nº. 2.3; LERA, El contrato de sociedad. La casuística jurisprudencial clássica, cit., p. 134; e TORRENT, Consideraciones sobre la societas omnium bonorum em RISG XCIV,1963-1967, p. 205.
No momento da sua constituição, os bens de cada sócio tornam-se comuns41, assim como os que, posteriormente, venha a adquirir seja a título oneroso seja a título gratuito, como observamos nos seguintes textos de XXXXX e de ULPIANO:
D. 17,2,3,1: “Quando especialmente se contraiu sociedade de todos os bens, adquirir-se-á então para a comunhão assim a herança como o legado e o que se doou ou por qualquer razão se adquiriu”42.
D. 17,2,52,16: “Xxxxxxx diz que o sócio, se for sócio de todos os bens, deve aportar tudo à sociedade; e por isto respondeu que deve aportar à sociedade o adquirido ou por injúria a ele feita ou pela lei Aquília, quer se tenha causado dano à sua pessoa quer à de seu filho”43.
No entanto, embora as fontes não refiram, é provável que, por efeito da liberdade contratual, os sócios pudessem excluir alguns bens da comunhão societária44.
Do mesmo modo, o sócio que tenha adquirido alguma coisa por causa proibida não é obrigado a conferi-la ao património comum, como vemos em ULPIANO:
D. 17,2,52,17: “Diz o mesmo (Xxxxxxx) que o sócio de todos os bens não está obrigado a aportar o que tiver adquirido por causas proibidas”45.
E o mesmo jurisconsulto justifica: “porque é torpe e feia a comunhão do adquirido por delitos”46. Se, eventualmente, a aquisição por efeito dum delito tiver ingressado no património comum, o sócio somente pode recuperar a coisa assim adquirida se tiver sido condenado47. Mas se o delito tiver sido praticado com conhecimento do outro sócio, este deve pagar também a pena, “porque é justo que quem participou no lucro participe também no dano”, justifica ULPIANO48.
41 Constitui problema ainda em aberto saber se os bens de um dos sócios se tornam compropriedade dos demais, por efeito do simples consentimento ou se era necessário recorrer aos modos normais de aquisição da propriedade consagrados no direito romano (mancipatio, in iure cessio
, traditio). Sobre esta temática, a que os jurisconsultos medievais chamaram transitus legalis, vide TORRENT, Consideraciones …, cit., pp. 206-210.
42 D. 17,2,3,1: “Cum specialiter omnium bonorum societas coita est, tunc et hereditas, et legatum, et quod donatum est, aut quaqua ratione aequisitum, communioni acquiretur”.
43 D. 17,2,52,16: “Socium universa in societatem confere debere Xxxxxxxx ait, si omnium bonorum socius sit; et ideo, sive ob iniuriam sibi facta, vele x lege Aquilia sive ipsius, sive filii corpori nocitum sit, confere debere respondit”.
44 Neste sentido, vide CANCELLI, Società, cit., p. 504.
45 D. 17,2,5,1: “Ibidem ait, socium omnium bonorum non cogi confere, quae ex prohibitis causis acquisierit”. Cf. igualmente: D. 17,2,52,18.
46 D. 17,2,53: “… quia delictorum turpis atque foeda communio est”.
47 Cf. D. 17,2,54.
48 D. 17,2,55: “quodsi sciente, etiam poenam socium agnoscere oportet, aequum est enim, ut cuius participavit lucrum, participet et damnum”.
Podem constituir esta sociedade pessoas de diferentes fortunas, como refere XXXXXXX:
D. 17,2,5,1: “Mas pode contrair-se a sociedade e é válida, mesmo entre aqueles que não têm patrimónios iguais, porque as mais das vezes o mais pobre supre, com o seu trabalho, o que lhe falta comparando o seu património”49.
Relativamente às despesas feitas por um dos sócios ou família, devem ser atribuídas ao património comum. Afastam-se, no entanto, as despesas feitas em jogo de azar ou na condenação por adultério, que estão a cargo do sócio e serão descontadas na sua quota ou nos dividendos periódicos ou no acto da liquidação da sociedade. O seguinte texto de XXXXXXXX é claro:
D. 17,2,59,1: “O que um sócio tiver perdido em jogo ou por adultério, não deve retirá-lo do capital social…”50.
4.3 Sociedade de certas operações I – Preliminares
Esta espécie de sociedade (societas alicuius negotiationis) constituía-se para o exercício de determinado ramo de negócios ou realização de certas actividades51. Constituem exemplos as sociedades destinadas à actividade bancária (societates argentariae) e ao tráfico de escravos (societates venaliciariae)52. Já a sociedade de publicanos (societas publicanorum) tinha por objecto a prática de diversos negócios, como, v.g., a cobrança de impostos, a empreitada de grandes obras, fornecimentos públicos, etc.53.
II – Societas argentaria
A sociedade bancária (societas argentaria) é uma sociedade de banqueiros e, portanto, constituída para o exercício da actividade bancária. ULPIANO fala-nos deste tipo de sociedade:
49 D. 17,2,5,1: “Societas autem coiri potest et valet etiam inter eos, qui non sunt aequis facultatibus, cum plerumque pauperior opera suppleat, quantum ei per comparationem patrimonii deest”.
50 D. 17,2,59,1: “Quod in alea aut adulterio perdiderit socius, ex medio non est laturus…”.
51 Cf. D. 14,4,5,15; GAIO 4,71. Vide CANCELLI, Società, cit., p. 507; e TORRENT, Manual de derecho romano, cit., p. 441.
52 Vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 822; XXXXXXX-XXXX, La società, cit., p. 141; e TORRENT, Manual de derecho romano, cit., p. 441.
53 Vide XXXXXXX-XXXX, La società, cit., p. 27.
D. 17,2,52,5: “Sendo sócios dois banqueiros e um deles tinha adquirido, em separado, alguma coisa e obtido ganho, perguntava-se se o ganho devia ser comum. E o Imperador Xxxxxx respondeu por rescrito a Xxxxxx Xxxxx nestes termos: “Ainda que a sociedade tenha sido constituída especialmente para o câmbio de prata, todavia, o que cada um dos sócios adquiriu não por causa do câmbio de prata, é de direito definido que não pertence à comunhão””54.
A opinião de XXXXXXX é clara e juridicamente correcta: pela actividade de um sócio desenvolvida no âmbito da actividade societária, deve prestar contas aos demais sócios; não assim, se a sua actividade não corresponde ao exercício da banca.
Todavia, se esta sociedade não passa duma societas alicuius negotiationis, importa ter presente que os sócios são solidários entre si e, por isso, os clientes tanto podem demandar o sócio com quem agiram, como os outros; e podem ser demandados por qualquer dos sócios. Ou seja, estamos perante a solidariedade activa e passiva que produz uma limitada relevância externa da relação social determinada pela necessidade de tutelar a confiança que une banqueiros e clientes55.
A solidariedade passiva, que permite a um cliente demandar os sócios não intervenientes, terá sido introduzida por costume ou prática bancária. Mostram- na os seguintes textos de XXXXX, que se complementam56:
D. 2,14,24: “Mas se um fiador prometeu como em coisa própria, neste caso o fiador deve ser considerado como devedor solidário e o pacto feito com ele considera-se como feito com o outro devedor”57.
D. 2,14,25: “O mesmo ocorre no caso dos devedores solidários ou dos banqueiros em sociedade”58.
54 D. 17,2,52,5: “Cum duo erant argentarii socii, alter eorum aliquid separatim quaesierat, et lucri senserat, quaerebatur, an commune esse lucrum oporteret; et Imperator Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx in haec verba rescripsit: “Etiamsi maxime argentariae societas inita est, quod quisque tamen socius non ex argentaria causa quaesiit, id ad communionem non pertinere, explorati iuris est”.
55 Vide CANCELLI, Società, cit., pp. 498 e 507; TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 830; XXXXXXXX, Profili giuridici delle attività e dell’organizzazione delle banche romane, cit., pp. 128, 130 e 133-135; XXXXXX XXXXXXX, El comercio, los negocios y las finanzas en el mundo romano, cit., p. 54 e La sociedaded de los banqueiros, cit., pp. 378-380; Del CHIARO, Le contrat de société en droit privé romain sous la République e au temps des jurisconsultes classiques, cit., p. 232; e LERA, El contrato de sociedad. La casuística jurisprudencial clássica, cit., pp. 54 e 146-147.
56 A romanística apoia-se, sobretudo, nestes textos. Vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., pp. 822 e 830177; e XXXXXX XXXXXXX, La sociedad de los banqueros, cit., pp. 378- 379, que refere ainda a posição de SAVIGNY: “Savigny afirmaba que, independentemente de la solidariad derivada da la stipulatio ou expensilatio, por el hecho mismo de la existencia de la sociedad, cada uno de los banqueros associados reponde del total de la deuda y podía demandar al deudor”.
57 D. 2,14,24: “Sed si fideiussor in rem suam spopondit, hoc casu fideiussor pro reo accipiendus est, et pactum cum eo gactum cum reo factum esse videtur”.
58 D. 2,14,25: “Idem in duobus reis promittendi, et duobus argentariis sociis”.
Relativamente à solidariedade activa, observa-se no seguinte fragmento também de XXXXX:
D. 2,14,27pr.: “Se um dos sócios banqueiros tiver pactuado com um devedor, prejudicará acaso também ao outro a excepção ? Xxxxxxx, Xxxxxxxxxx e Xxxxxxx dizem que nem ainda que se tivesse pactuado sobre uma coisa prejudica ao outro…”59.
E, de uma e de outra, de novo PAULO se ocupa simultaneamente:
D. 4,8,34pr.: “Se, de dois credores ou devedores solidários, um só tivesse feito o compromisso e tivesse sido excluído que o credor reclame judicialmente
o que reclama ao devedor, deve ver-se se não incorrerá na pena no caso de reclamar o outro credor ou de que se reclame do outro devedor. O mesmo, relativamente a dois banqueiros associados. E quiçá poderíamos acrescentar isto mesmo para os fiadores quando são sócios. Fora destes casos (de solidariedade, não se pode dizer que) se reclama de ti (quando) eu reclamo (do outro), nem que se reclama em meu nome quando (o outro) reclama de ti”60.
A responsabilidade individual de cada sócio perante o cliente com quem realizou um negócio bancário exclui que a societas argentaria seja uma pessoa jurídica, mas a solidariedade activa e passiva dos sócios, determinada pelo interesse público reconhecido à actividade bancária, leva os romanistas, na sequência de CUJÁCIO, a falar de um regime específico, quiçá dum ius singulare61.
O interesse público reconhecido à actividade bancária faz-se sentir também nos privilégios de que gozam alguns depositantes no caso de falência da banca. Destacamos os seguintes fragmentos de ULPIANO:
D. 16,3,7,2 (ULPIANO): “Sempre que os banqueiros se apresentem em falência, é costume, em primeiro lugar, ter em conta os depositários, ou seja, aqueles que tiveram quantias depositadas, não as que empregavam com juros em poder dos banqueiros ou com os banqueiros ou por si mesmos; e assim, pois, se os bens tiverem sido vendidos, antes dos privilégios têm-se em conta os depositários, com tal que não se tenham em conta os que depois receberão juros, como se tivessem renunciado ao depósito”62.
59 D. 2,14,27pr.: “Argentariis sociis cum debitore pactus sit, an etiam alteri noceat exceptio ? Xxxxxxxx, Atilicinus, Xxxxxxxx, nec si in rem pactus sit, alteri nocere…”.
60 D. 4,8,34pr.: “Si duo rei sunt aut credendi, aut xxxxxxx, et unus compromiserit, isque vetitus sit petere, aut ne abe o petatur, videndum est, an, si alius petat, vela b xxxx xxxxxxx, poena committatur. Idem in duobus argentariis, quorum nomina simul eunt. Et fortasse poterimus ita fideiussoribus coniungere, si socii sunt; alias nec a te petitur, nec ego peto, nec meo nomine petitur, licet a te petatur”.
61 Vide XXXXXX XXXXXXX, La sociedad de los banqueiros, cit., 374-375, que, neste sentido (de um
ius singulare), refere a posição de CUJÁCIO.
62 D. 16,3,7,2: “Quoties foro cedunt numularii, solet primo loco ratio haberi depositariorum, hoc est eorum, qui depositas pecunias habuerunt, non quas foenore apud numularios, vel cum numulariis, vel per ipsos
D. 16,3,8 (PAPINIANO): “Cujo privilégio se exercita não só em relação àquela quantia que do dinheiro depositado se encontrou nos bens do banqueiro, mas relativamente a todos os bens do defraudador; e isto se admite por utilidade pública por causa do uso necessário dos banqueiros…”63.
No primeiro fragmento, os depositantes gozam de preferência, mesmo perante os credores privilegiados. Mas somente os depositantes cujos depósitos não vencem juros (depósitos improdutivos). E, no segundo, o privilégio dos depositantes (sem juros) executa-se não só sobre o dinheiro depositado, mas também sobre todos os bens do banqueiro em cuja falência haja fraude64. É curiosa a protecção dos depositários cujos depósitos não vencem juros. XXXXXXX justifica “como se tivessem renunciado ao depósito”65 ou seja, deixaram de ser depositários para, quiçá, se tornarem mutuários e, nesta condição, não ser justo que sofram o risco da insolvência.
Há, no entanto, um fragmento de XXXXXXX que coloca a preferência do depositante (sem juros) depois dos credores privilegiados. Vejamos:
D. 42,5,24,2: “Determinou-se que, na venda de bens de um banqueiro, seja preferente, depois dos privilégios, a condição de quem, atendendo à fé pública, depositou dinheiro no banco. Mas se separam dos demais credores os que receberam dos banqueiros juros pelo dinheiro depositado. E com razão, porque uma coisa é dar a crédito, e outra depositar. Mas se existisse dinheiro, opino que pode ser reivindicado por quem o depositou, e quem o reivindica será preferente aos privilegiados”66.
Este texto permite algumas conclusões: 1ª.- os depositantes com juros não gozam de nenhum privilégio, no concurso com os demais credores; 2ª.- os depositantes sem juros gozam de preferência, porque mais do que de depósitos, trata-se de mútuos; 3ª.- se o dinheiro depositado ainda está em poder do argentarius, o depositante pode reivindicá-lo. Este direito só se entende se esse dinheiro consistir em moedas guardadas em saquinhas (ou outra embalagem), cujos depósitos são regulares; e sendo perfeitamente identificadas, o depositante, que é proprietário, pode reivindicá-las.
exercebant; et ante privilegia igitur, si bona venierint, depositariorum ratio habetur, dummodo eorum, qui vel postea usuras acceperunt, ratio non habeatur, quasi renuntiaverint deposito”.
63 D. 16,3,8: “Quod privilegium exercetur non in ea tantum quantitate, quae in bonis argentarii ex pecunia deposita reperta est, sed in omnibus frausatoris facultatibus; idque propter necessarium usum argentariorum ex utilitate publica receptum est…”.
64 Vide XXXXXX XXXXXXX, La sociedad de los banqueiros, cit., pp. 380-381.
65 Neste sentido, cf. D. 42,5,24,2, que distingue: “uma coisa é dar a crédito, outra depositar”.
66 D. 42,5,24,2: “In bonis mensularii vendundis post privilegia potiorem eorum causam esse placuit, qui pecunias apud mensam fidem publicam secuti deposuerunt. Sed enim qui depositis numis usuras a mensulariis acceperunt, a ceteris creditoribus non separantur; et merito, aliud est enim credere, aliud deponere. Si tamen numi extent, vindicari eso posse puto a depositariis, et futurum eum, qui vindicat, ante privilegia”.
Relativamente à primeira parte que diz “seja (o depositante) preferente depois dos privilégios”, tem-se observado uma antinomia com o texto primeiramente transcrito (D. 16,3,7,2) que põe os depositantes (sem juros) à frente dos credores privilegiados. Segundo XXXXXX XXXXXXX, “la contradición nos parece mas aparente que real”, porque, relativamente ao depósito sem juros – a respeito do qual a contradição se observa --, se “el banquero ha invertido las sumas depositadas, todo su patrimonio responde primero ante los acredores privilegiados y después ante los depositantes que tienem preferência sobre los demás acreedores”67.
Duvidamos desta opinião porque, tratando-se de depósito irregular, não se vê como o dinheiro depositado (sem juros) possa permanecer isolado dos restantes valores pecuniários sem entrar no activo do argentarius. E, tendo entrado, o primeiro texto é claro, dando preferência ao depositante. Parece- nos, assim, que subjacente a esta contradição existe uma deficiente alteração do segundo fragmento própria da época de vulgarismo.
Outro problema que suscita algumas dificuldades relaciona-se com a posição de os banqueiros pretenderem substituir os compradores na titularidade da propriedade das coisas adquiridas com dinheiro mutuado para, assim, evitarem o concurso com os demais credores dos clientes68.
Como observou XXXX-XXXXXXXX, “la argumentación de los banqueros responde a la tendencia del vulgarismo postclásico que enfoca los problemas desde la perspectiva económica, sin importarle demasiado el respecto por las categorias jurídicas”69.
E, na verdade, o afastamento dos princípios jurídicos é flagrante: é o comprador, e não quem lhe mutuou o dinheiro, que se torna proprietário depois de o vendedor cumprir a obrigação assumida no contrato de compra e venda70. O banco que tenha mutuado a pecunia paga a título de preço não passa de simples credor, embora possa beneficiar de garantia real (v.g., penhor ou hipoteca) se devidamente constituída.
Havia hipotecas constituídas a favor de mutuantes sobre bens adquiridos com dinheiro mutuado, como vemos nos seguintes textos:
C. 8,17(18),7: “Ainda que tenham sido dados os mesmos penhores em diversos tempos, sejam considerados preferentes os primeiros; todavia, declara-se, por autoridade do direito, que se anteponham a todos aquele (credor) com cujo dinheiro se prova que se comprou o prédio, que desde logo se acordou que o tivesse especialmente em penhor”71.
67 Transcrevemos XXXXXX XXXXXXX, La sociedade de los banqueiros, cit., p. 382.
68 Xxxx XXXX-XXXXXXXX, Estudios sobre la banca bizantina (negocios bancarios xx xx xxxxxxxxxxx xx Xxxxxxxxxx, Xxxxxx, 0000, pp. 60-62 e 76-79.
69 Xxxx XXXX-XXXXXXXX, ibidem, 62.
70 Sobre este contrato e seus efeitos, vide XXXXXX XXXXX,
Direito privado romano – II (direito das obrigações), cit. pp. 49-63.
71 C. 8,17(18),7: “Licet iisdem pignoribus multis creditoribus diversis temporibus datis, priores habeantur potiores, tamen eum, cujus pedunia praedium comparatum probatus, quod ei pignori esse specialiter
N. 97,3: “ … Sabemos que algumas hipotecas que são mais recentes se antepõem ainda a credores mais antigos por virtude de privilégios dados por leis, como sucede no caso em que alguém tenha facilitado que, com o seu próprio dinheiro, se compre, construa ou repare um navio, ou quiçá, edifique uma casa …”72.
Todavia, a hipoteca mesmo privilegiada pressupõe que os bens, adquiridos com o dinheiro dos credores, não deixavam de se tornar propriedade dos mutuários e não dos mutuantes.
No entanto, os banqueiros não queriam estas garantias reais (penhor ou hipoteca), mas, sim, tornar-se proprietários de bens que não adquiriam. Segundo XXXX-XXXXXXXX, na base do desvio aos princípios romanos, está a influência do direito grego, segundo o qual, observa, “no se transmitia xx xxxxxxxxxxx xx xxxxxxxxxxx xx xx xxxxxxxx”00; a compra e venda considerava-se perfeita “quando se pagaba el precio o se llenaba la forma escrita”74; e o preço era entregue pelo cliente mutuário, mas com dinheiro do banco.
E, dando um passo mais, Xxxxxxxxxx promulgou, no ano 531, uma novela que transcrevemos no essencial:
N. 136,3:“E certamente não parece que disseram sem razão que se a alguém prestassem ou antes tivessem prestado dinheiro para comprar alguns bens móveis ou imóveis e lhe tivessem dado quantia certa e com o dinheiro prestado tiver sido adquirida a coisa, deveriam ter contra todos os direitos preferentes sobre a mesma coisa e não sofrer prejuízo algum, mas que se certamente probarem que a coisa foi comprada com dinheiro deles e que os devedores não podiam satisfazer-lhes o dinheiro, se lhes adjudicaria a mesma coisa comprada com o dinheiro deles, como se na realidade a coisa tivesse sido comprada por eles (…) Porque não é justo que os que gastam dinheiro seu não tenham também primeiro e indubitável lugar em relação às coisas compradas se nos contratos escritos se tiver feito menção da hipoteca. Mas se tiverem observado isto, conseguirão tudo o que nos rogaram e ainda mais do que nos pediram, posto que lhes damos direitos preferentes a todos sobre as coisas que se prove foram compradas com dinheiro deles…”75.
statim convenit, omnibus anteferri, iuris auctoritat declaratur”.
72 N. 97,3: “… Novimus et antiquioribus creditoribus aliquas hypothecas praeponi iuniores existentes ex privilegiis a legibus datis, quale est, quando aliquis propriis pecuniis procuraverit navem comparare, aut fabricare, aut reparare, aut domum forsam aedificare…”.
73 Xxxxxxxxxxxxx XXXX-XXXXXXXX, Estudios sobre la banca bizantina (negocios bancarios en la legislación de Xxxxxxxxxx, cit., pp. 66-67.
74 Voltamos a xxxxxxxxxxx XXXX-XXXXXXXX, Estudios sobre la banca bizantina (negocios bancarios en la legislación de Xxxxxxxxxx, cit., p. 86.
75 N. 136,3: “Atque illud profecto non alienum a ratione dicere visi sunt, si cuidam ad res quasdam mobiles val immobiles emendas pecuniam credant vel antea crediderint, et certam pecuniam dedirnt, et ex nummis creditis res acquisita sit, omnium se in ipsa re precipua habere iura neque debere ullum pati damnum, sed si plena probent,
Em conclusão: os banqueiros queriam ter a primeira preferência sobre os bens comprados com dinheiro que mutuassem e, se fossem titulares de hipotecas, nem sempre ocupariam o primeiro lugar. Basta pensar no fisco, credor privilegiado acima de qualquer hipoteca76. Xxxxxxxxxx concedeu-lhes a possibilidade de, provando esta aquisição com o seu dinheiro, adquirirem a coisa comprada e, assim, satisfazerem o seu crédito77.
No entanto, a referência à coisa comprada com o dinheiro mutuado pelo banqueiro que ser-lhe-ia adjudicada implica que Xxxxxxxxxx não esqueceu o princípio romano de que as coisas são adquiridas pelos compradores e não pelos seus credores. Se o banqueiro se tornasse imediatamente proprietário não seria necessária a adjudicação.
De todo o modo, a adjudicação põe os banqueiros numa posição mais forte porque evitam o concurso com os demais credores. Junta-se a faculdade de demandarem os devedores dos seus devedores com as mesmas acções com que estes os podiam demandar; e a possibilidade de, sendo mutuantes, gozarem de hipoteca tácita sobre os bens adquiridos com o dinheiro mutuado, nos termos gerais78.
Os banqueiros também procuraram afastar o beneficium excussionis, queixando-se de que este benefício os obrigava a demandar primeiro o devedor principal e só depois o garante que, via de regra, oferecia maior condição de solvência79. De novo, Xxxxxxxxxx acedeu ao seu pedido e, pouco depois, no ano 541, promulgou uma nova constitutio, onde determina o seguinte:
N. 136,1: “Assim, pois, ordenamos que, se alguns dos que estão à frente dum estabelecimento bancário derem a alguém dinheiro em mútuo e receberem (…) ou fiadores, ou mandantes e se opuserem aos mesmos a constituição e a ordem por ela introduzida, tenha também lugar em relação a eles a constituição, se não tiverem feito pacto especial para que seja lícito aos credores dirigirem-se contra o devedor principal e contra o mandante e o fiador sem atender à ordem da constituição. Pois por razão do cuidado dos banqueiros relativamente aos contratos comuns admitimos tais pactos, que
pecuniis suis rem comparatam esse, neque illis debeitores pecunia satisfacere possint, ipsa res pecunia eorum empta eis addicatur, quasi revera ab illis empta (…) Neque enim iustum est, eos, qui sua expedunt, non etiam primum et indubitatum locum in rebus emptis habere, si modo in scriptis contractibus hypothecae mentio facta fuerit. Nam si hoc observaverint, omne id consequentur, quod nos rogarunt, immo vero plus quam petierunt, siquidem potiora ipsis iura prae omnibus damus in iis rebus, quae ex eorum pecunia empta probantur…”.
76 Cf. D. 42,5,38,1; PS. V,12,10.
77 Xxxx XXXX-XXXXXXXX, Estudios sobre la banca bizantina (negocios bancarios xx xx xxxxxxxxxxx xx Xxxxxxxxxx, xxx., xx. 000 x 000-000.
78 Xxxx XXXX-XXXXXXXX, Estudios sobre la banca bizantina (negocios bancarios en la legislación de Xxxxxxxxxx, cit., pp. 106, 115 e 133, para quem o Imperador teria repelido esta hipoteca, mas posteriormente concedido “por la presión de la corporación bancaria y por la grave crisis del año 542”. Ainda segundo este Autor (o.c. 140), é provável que se trate de hipoteca geral.
79 Xxxx XXXX-XXXXXXXX, Estudios sobre la banca bizantina (negocios bancarios en la legislación de Xxxxxxxxxx, cit., pp. 142-157.
não parece que sejam contra a lei, porque a cada qual é lícito prescindir do que pelas leis se lhe deu. Mas se se fizer tal pacto, seja-lhes lícito dirigirem-se assim contra o primeiro mandante, como contra o primeiro fiador e contra as demais pessoas, de sorte que se verdadeiramente no há pacto escrito, tenha lugar de todos os modos também em relação a eles a constituição, mas se se tiver escrito o pacto, seja por ele regido o contrato…”80.
O Imperador não aboliu o beneficium excussionis, mas permitiu aos banqueiros que negociassem com os seus clientes o seu afastamento81.
III – Societas publicanorum
Esta sociedade era constituída por capitalistas (ditos publicanos)82 com vista ao exercício de diversas actividades, como empreitadas de obras públicas e cobrança de impostos83.
Trata-se de grandes companhias de que temos notícias já no ano 215 a.C., quando três sociedades de 19 homens responderam ao apelo do Estado então exausto nas suas reservas erárias e assumiram a empreitada de fornecerem equipamento e víveres ao exército que operava em Espanha84.
A sua organização, determinada pela existência de grandes capitais, permite falar de pessoas jurídicas, como observamos em GAIO:
D. 3,4,1pr.: “Não se concede indistintamente a todos que se constitua sociedade nem colégio nem outra corporação semelhante; porque isto está restringido por leis, senatusconsultos e constituições dos Príncipes. Para muito poucas coisas se têm permitido semelhantes corporações, como, v.g., se permitiu formar corpo aos consócios locatários dos impostos públicos ou
80 N. 136,1: “Sancimus igitur, si quidam ex illis, qui mensae argentariae praesunt, alicui mutuam pecuniam dent, et vel (…) fideiussores, vel mandadores accipiant. Ipsis vero constitutivo e tordo per eam introductus opponatur, ut tum etiam in illis constitutivo obtineat, nisi pactum feceritn, licere creditori contra principalem debitorem et contra mandatorem et fideiussorem venire, non exspectato constitutionis ordine. Propter studium enim argentariorum circa communes contractus eiusmodi pacta admittimus, quae non videntur contra legam esse, quonam unicuiaue ea, quae a legibus ipsi data sunt, contemnere licet. Sed si eiusmodi pactum fiat, liceat illis et contra primum mandatorem, et contra primum fideiussorem, et contra ceteras personas venire, ut si quidem pactum scriptum non est, etiam in illis constitutivo omnino obtineat, sina utem scriptum sit pactum, contractus rem regat…”.
81 Xxxx XXXX-XXXXXXXX, Estudios sobre la banca bizantina (negocios bancarios en la legislación de Xxxxxxxxxx, cit., pp. 159-160, para quem “la Nov. 136 había cambiado la naturaleza imperativa del sistema de excusión previsto por la N. 4 al permitir en su cap. 1 el pacto previo en contrario”.
82 Nas palavras de XXXX (D. 50,16,16), os que têm tomados em locação os tributos do povo romano são chamados publicanos…”.
83 Vide XXXXXXX-XXXX, La società, cit., p. 27.
84 Cf. XXXX XXXXX, 23,48,10-11; XXXXXXX, 6,17,32-4. Vide CANCELLI, Società, cit., p. 497; e TORRENT, Manual de derecho romano, cit., p. 439.
de minas de ouro ou de prata e de salinas…”85.
Esta posição é quase pacífica entre os romanistas, como assinala Xxxxxxx XXXXXXX00.
5. Regime jurídico
5.1 Responsabilidade para com terceiro(s)
Afastada, como regra, a personalidade das sociedades, os negócios jurídicos realizados por cada sócio produzem efeitos na sua esfera jurídica, embora posteriormente deva prestar contas aos outros87. O seguinte fragmento de XXXXX confirma esta ideia:
D. 17,2,74: “Se alguém tiver contraído sociedade, o que comprou torna-se dele mesmo, não comum; mas pela acção de sociedade é obrigado a fazer a coisa comum”88.
Fiel a este princípio, os débitos contraídos por um dos sócios só ele vinculam, como observamos em PAPINIANO:
D. 17,2,82: “Por direito de sociedade, um sócio não se obriga por outro sócio a uma dívida, se as quantidades não ingressarem na caixa comum”89.
A reserva “nisi in communem arcam pecuniae versae sunt”, que é considerada interpolada90, ressalva as sociedades personificadas e, por isso, impõe-se a regra da responsabilidade de cada sócio para com o terceiro com quem realizou o
85 D. 3,4,1pr.: “Neque societas, neque collegium, neque huiusmodi corpus passim omnibus haberi conseditur; nam el Legibus, et Senatusconsultis, et Principalibus Constitutionibus e ares coercetur. Paucis admodum in causis concessa sunt huiusmodi corpora, ut ecce vectigalium publicanorum sociis permissum est corpus habere, vel aurifodinarum, vel argentifodinarum, et salinarum…”. Vide CANCELLI, Società, cit. p. 497; XXXXXXX-XXXX, La società, cit. pp. 80-81; TORRENT, Manual de derecho romano, cit., pp. 440-441; BETTI, Istituzioni, cit., p. 265; Xxxxxxxxx XXXXXX, Sulla rilevanza esterna del rapposrto di società in diritto romano em Studi in onore di Xxxxxxx Xxxxxxxx XX, Milão, 1971, p. 743, máxime p. 7431; Xxxxx Xxx XXXXXX, Le contrat de société en droit pruvé romain sous la République e au temps des jurisconsultes classiques, cit.,
p. 2221; e TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., pp. 831-883, para quem, no entanto, há um quadro de contornos incertos sobre a autonomia patrimonial e gestacional destas sociedades.
86 Vide CANCELLI, Società, cit., p. 497; XXXXXXX-XXXX, La società, cit., pp. 78 e 84; e TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., pp. 814, 819-820 e 827.
87 Vide CANCELLI, Società, cit., p. 510.
88 D. 17,2,74: “Si quis societatem contraxerit, quod emit, ipsius fit, non commune; sed societatis iudicio cogitur rem communicare”. Cf. igualmente: D. 17,2,67pr.
89 D. 17,2,82: “Iure societatis per socium aere alieno socius non obligatur, nisi in communem arcam pecuniae versae sunt”.
90 Neste sentido, vide CANCELLI, Società, cit., p.509.
negócio jurídico.
5.2 Prestação de contas
Embora responda perante o terceiro e este responda para com o sócio autor do negócio jurídico, este deve prestar posteriormente contas aos seus consócios, como refere XXXXX:
D. 17,2,28: “Se somos sócios e um de nós deve dinheiro a prazo e a sociedade se divide, o sócio não deve deduzir isto como se fosse uma dívida presente e sem prazo, mas dividir todas (as outras coisas) e garantir que, cumprindo- se o prazo, se indemnizará o sócio (que pague)91.
D. 17,2,38,1: “Se tenho uma sociedade contigo e coisas em comum por esta sociedade, Xxxxxxx diz que devo obter o reembolso dos gastos que tenha feito ou dos frutos que tenhas recolhido, mediante a acção de sócio ou de divisão de coisa comum e que uma acção exclui a outra”92
D, 17,2,67,2: “Se algum dos sócios teve necessidade de gastar, num negócio comum, algo seu, recuperá-lo-á pela acção de sociedade e os juros também, se acaso deu uma quantidade (de dinheiro) que tinha recebido emprestado e juros. Mas também se deu dinheiro seu, dir-se-á com razão que pode igualmente perceber os juros que podia ter se o tivesse emprestado a outra pessoa”93.
Enquanto no primeiro texto a prestação de contas é abordada directamente, no segundo dá-se ao sócio a faculdade de demandar o outro por gastos feitos e frutos que este colheu na coisa comum.
Finalmente, não é de estranhar que os sócios recorressem a estipulações (stipulationes) para regulamentarem as suas relações internas e que ocasionalmente estipulassem cláusulas penais94, como observamos no seguinte texto de XXXXX:
D. 17,2,71pr.: “Duas pessoas constituíram uma sociedade para ensinar gramática e o ganho obtido nesta actividade se tornasse comum (…) E depois fizeram uma estipulação com as seguintes palavras: “Prometes que se dará ou fará como fica escrito, e que nada se fará contra, e se assim não
91 D. 17,1,28: “Si socii sumus, et unus ex die pecuniam debeat, et dividatur societas, non debet hoc deducere socius, quaemadmodum praesens debet, sed omnes dividere et cavere, cum dies venerit, defensum iri socium”. Vide XXXXXXX-XXXX, La società, cit. p. 87.
92 D. 17,2,38,1: “Si tecum societas mihi sitm et res ex societate communes, quam impensam in eas fecero, quosve fructus ex his rebus ceperis, vel pro socio, vel communi dividundo me consecuturum, et altera actione alteram tolli Proculus ait”.
93 D. 17,2,67,2: “Si unus ex sociis, qui non totorum bonorum socii erant, communem pecuniam foeneraverit, usurasque perceperit, ita demum usuras partiri debet, si societatis nomine foeneraverit; nam si suo nomine, quoniam sortis perticulum ad eum pertinerit, usuras ipsum retinere oportet”.
94 Vide LERA, o.c. 39.
se fizer, que se darão vinte mil sestércios ?...”95.
5.3 Responsabilidade do sócio para com os consócios
Constitui problema que ainda não foi definitivamente afastado, saber se a responsabilidade do sócio relativamente aos seus consócios dependia ou não de dolo e de culpa.
Com efeito, depois do ano 1900, os romanistas, seguindo a orientação histórico-crítica, sustentaram que o relevo conferido à voluntas nos negócios jurídicos era produto da especulação das escolas orientais, influenciadas pelas doutrinas filosóficas gregas. Neste contexto, XXXXXXX declarou guerra ao dogma da vontade, chegando mesmo a afirmar que “in principio erat verbum”96.
No entanto, as críticas dirigidas àquele orientação chamaram a atenção para a necessidade de repensar a função da vontade, voltando a questionar- se, como antes de 1900, a relação voluntas – verba, primeiro nos negócios mortis causa e posteriormente nos negócios inter vivos. E hoje, esta nova (melhor, renovada) atitude vem crescendo, sendo perfilhada por romanistas cada vez mais numerosos97.
Compreende-se, assim, que as divergências ainda persistam, embora menos intensamente, sobre a responsabilidade subjectiva (dependente de dolo ou de culpa) de um sócio em relação aos demais por danos causados na gestão da sociedade98.
XXXXXXX fala-nos da culpa nos seguintes fragmentos:
D. 17,2,23pr.: “Pompónio duvida se basta que ele ceda a sua acção aos sócios, de modo a que se o outro não puder pagar, nada tenha que responder perante os sócios, ou se deve garantir-lhes a indemnização. E opino que que aquele sócio responde em todo o caso por aquele a quem só ele admitiu, porque é difícil negar que foi admitido por sua culpa”99.
D. 17,2,23,1: “O mesmo (Pompónio) pergunta se o benefício que se alcançou graças a novo sócio admitido deve ser compensado com o dano que causou por sua culpa e diz que deve ser compensado. O que não é verdade, pois
95 D. 17,2,71pr.: “Duo societatem coierunt, ut grammatica docerent, et quod exe o artificio quaestus fecissent, commune eorum esset (…) deinde inter se his verbis stipulati sunt: “haec, quae supra scripta sunt, ea ita dari, fieri, neque adversus ea fieri; si ea ita data, facta, non erunt, tum viginti millia dari”…”.
96 Vide Xxxxxxx Xxx XXXXXXX, El espíritu del derecho romano en las diversas fases de su desarrollo, trad. espanhola de Xxxxxxx Xxxxxxxx y Xxxxxxxx, Granada, 1998, p. 619.
97 Vide A. XXXXXX XXXXX, A vontade e o negócio jurídico no direito romano. Breve referência aos direitos português e brasileiro em Anais do V Congreso Internacional y VIII Iberoamericano de Derecho Romano. A autonomia da vontade e as condições gerais do contrato. De Roma ao direito actual, Fortaleza, 2003, pp. 59-84.
98 Vide CANCELLI, Società, cit., p.513.
99 D. 17,2,23pr.: “De illo Pomponius dubiat, utrum actionem eum mandare sociis sufficiat, ut, se facere ille non possit, nihil ultra sociis praestet, an vero indemnes eos praestare debeta; et puto, omnímodo eum teneri eius nomine, quem ipse solus admisit, quia difficile est negare, culpa ipsius admissum”.
também Xxxxxxx (…) escreve que se o escravo de um dos sócios colocado à frente da sociedade pelo seu dono tivesse causado danos negligentemente, o dono que o colocou deverá responder perante a sociedade e não devem ser compensados os benefícios alcançados pela sociedade graças ao escravo com os danos e que assim foi declarado pelo Imperador Xxxxx Xxxxxxx de consagrada memória, porque não se pode dizer a um sócio: “abstém-te do benefício que chega através do escravo se reclamas o dano”100.
D. 17,2,26: “Em consequência, se um sócio tivesse agido em algo com negligência, mas noutras coisas tivesse incrementado o património social, não se compensa o aumento com a negligência, como escreve Xxxxxxx”.
No primeiro texto, XXXXXXX afasta a dúvida de XXXXXXXX, referindo que o sócio responde por actos danosos praticados por quem encarregou (filho, escravo ou liberto), porque é culpado da sua admissão (culpa in elegendo).
No segundo, contrapõe XXXXXXX a XXXXXXXX e considera que, pelo dano causado culposamente por escravo de um dos sócios, responde este totalmente, sem deduzir o seu valor aos ganhos obtidos.
E no terceiro, volta a invocar XXXXXXX, recusando a compensação do benefício com o dano causado com negligência. Em qualquer dos casos, a referência à culpa é inequívoca e a citação de XXXXXXX a POMPÓNIO e a XXXXXXX constitui razão suficiente em abono da autenticidade destes textos: se os compiladores os quisessem alterar, não conservariam citações de opiniões contrárias às suas.
Há também outros fragmentos que justificam uma referência. Vejamos, de novo, ULPIANO:
D. 17,2,52,4: “… também se algo pereceu num naufrágio, sempre que as mercadorias fossem ordinariamente transportadas por mar, o dano afectará ambos, pois o assim com o lucro, também deve ser comum o dano que não acontece por culpa do sócio”101.
D. 17,2,52,11: “Se alguém tivesse contraído uma sociedade para comprar algo e depois a coisa não é comprada por xxxx ou culpa de alguns deles, consta que se dá a acção de sócio. Claro que se se acrescentou a condição “se se vender dentro de tal prazo” e o termo tiver passado sem culpa do sócio, cessará a acção de sócio”102.
100 D. 17,2,23,1: “Idem quaerit, an commodum, quod propter admissum socium accessit, compensari cum damno, quod culpa parebuit, debeat; et ait, compensandum. Quod non est verum, nam et Xxxxxxxxx (…) scribit, si servus unius ex sociis societati a domino praepositus negligenter versatus sit, dominum societati, qui praeposuerit, praestiturum, nec compensandum commodum, quod per servum societati accessit, cum damno; et ita Divum Marcum pronuntiasse, nec posse dici socio: “abstine commodo, quod per servum accessit, (si) damnum petis”.
101 D. 17,2,52,4: “…proinde et si naufrágio quid periit, cum non alias merces, quam navi solerent advehi, damnum ambo sentient; nam sicuti lucrum, ita damnum quoque commune esse oportet, quod non culpa socii contingit”.
102 D. 17,2,52,11: “Si qui societatem ad emendum coierint, deinde res alterius dolo vel culpa empta non
Nos dois textos, a referência a dolo e a culpa é pressuposto indispensável da responsabilidade do sócio que, com a sua conduta, tenha causado dano ao património comum dos sócios103.
Mas que tipo de culpa ?
Um fragmento de GAIO fala-nos da culpa in concreto:
D. 17,2,72: “O sócio obriga-se perante o outro por culpa, ou seja, por abandono e negligência, mas a culpa não tem de alcançar uma exactíssima diligência; pois basta que ponha nas coisas comuns a diligência que costuma pôr nas suas, porque quem procura um sócio pouco diligente deve culpar-se a si mesmo”104.
Voltamos a observar, como pressuposto da responsabilidade do sócio a culpa, agora definida como desvio da sua actividade habitual. Apenas duvidamos da sua origem justinianeia, como pensa CANCELLI105. Mas vejamos o seguinte texto das Institutiones de Xxxxxxxxxx:
3,25,9: “Tem-se questionado sobre se um sócio está obrigado para com o seu consócio pela acção pro socio somente no caso de ter feito algo com dolo ou se também o está por razão de culpa, isto é, por incúria e negligência; prevaleceu que está obrigado também por causa de culpa. Todavia, esta não deve referir-se à mais exacta diligência, pois basta que ponha o sócio nas coisas da sociedade a mesma diligência que emprega nas suas particulares. Porque quem elegeu um sócio pouco diligente, deve queixar-se de si mesmo”106.
Xxxxxxxxxx refere que a base dolosa ou culposa da responsabilidade do sócio era, no seu tempo, questão controversa, cuja origem não identifica. Por isso, a doutrina
sit, pro socio esse actionem constat. Plane si conditio sit adiecta “si intra illum diem veniret”, et dies sine culpa socii praeterierit, cessabit actio pro socio”.
103 Vide LERA, El contrato de sociedad. La casuística jurisprudencial clássica, cit., pp. 60-65, 106 e 277; e Del CHIARO, Le contrat de société en droit pruvé romain sous la République e au temps des jurisconsultes classiques, cit., p. 295.
104 D. 17,2,72: “Socius socio etiam culpae nomine tenetur, id est desidiae atque negligentiae. Culpa autem non ad axectissimam diligentiam dirigenda est; sufficit etentim talem diligentiam communibus rebus adhibere, qualem suis rebus adhibere solet, quia qui parum diligentem sibi socium acquirit, de se queri debet”.
105 Segundo CANCELLI, Società, cit., p. 514, “sembra comunque pacifico che ai giustinianei si debba la rigorosa applicazione della diligentia quam suis cioè della culpa in concreto dei dottori medieval, perche è con tutta precisione dichiarata nella Istituzioni imperial e probabilmente in conformità ad esse sono state accomodate le parallele dichiariazioni di Gaio (I. 3,25,9)”.
106 I. 3,25,9: “Socius socio utrum eo nomine tamen teneatur pro socio actione, si quid dolo commiserit, sicut is qui deponi apud se passus est, an etiam culpae, id est desidiae atque nglegentia nomine, quaesitum est: praevaluit tamen etiam culpae nomine teneri eum. Culpa autem non ad exactissimam diligentiam dirigenda est: sufficit enim talem diligentiam in communibus rebua adhibere socium, qualem suis rebus adhibere solet. Nam qui parum diligentem socium sibi adsumit, de se queri debet”.
tem oscilado em a considerar ora clássica ora pós-clássica, ora justinianeia107. Parece- nos, no entanto, que a opinião de XXXXXXXXX não andará muito distante da verdade. Com efeito, refere que “nella compilazione non si riscontra una prova sicura che la responsabilità del socio fosse, di regole, limitata al dolo, mentre troviamo una serie di passi che danno per sontata la responsabilità per colpa, e che non possono apparire solo per ciò sospetti”108; e a solução de atribuir aos compiladores justinianeus a limitação a culpa in concreto “sarebbe, però, un po’ semplicistica, in vista dei passi – di per si sé non sospettabili – affermando la respsonsabilità per colpa nell’àmbito della società”109.
5.4 Risco
Relativamente ao risco (periculum), os jurisconsultos pronunciaram- se analisando casos práticos, seguindo a metodologia casuística que lhes é reconhecida110. Vejamos os seguintes textos:
D. 17,2,52,3 (ULPIANO): “Os sócios não devem responder por danos imprevisíveis, ou seja, fatais e, por isso, se foi dado gado com a sua estimação e tivesse perecido por roubo ou incêndio, o dano é comum se nada tiver ocorrido por dolo ou culpa daquele que tenha recebido o gado estimado; mas se foi subtraído por ladrões, sofrerá o dano, porque deve responder por custódia quem recebeu o gado com estimação…”111.
XXXXXXX refere o seguinte princípio: os danos imprevisíveis, a que também chama fatais, oneram todos os sócios, excepto se houve conduta dolosa ou culposa de algum deles, incluindo a falta de custódia.
D. 17,2,24 (XXXXXXX): “Mas se ambos os sócios tivessem posto à frente o escravo de outro, não ficará obrigado em seu nome o dono, mas somente em relação ao pecúlio; porque o risco deve ser comum quando ambos ponham o (escravo) à frente”112.
107 Vide Del CHIARO, Le contrat de société en droit pruvé romain sous la République e au temps des jurisconsultes classiques, cit., pp. 295-297.
108 Transcrevemos TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 855.
109 Vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 856. Vide também XXXXXXX- XXXX, La società, cit., p. 192, para quem os compiladores alteraram a responsabilidade com base no dolo, substituindo-a pela responsabilidade com base na culpa e cita os Basílicos (12,1,52) que falam só de dolo. Vide ainda: LERA, El contrato de sociedad. La casuística jurisprudencial clássica, cit., pp. 58-65.
110 Vide CANCELLI, Società, cit., p. 514.
111 D. 17,2,52,3: “Damna, quae imprudentibus accidunt, hoc est damna fatalia, socii non cogentur praestare; ideoque ai pecus aestimatum datum sit, et id latrocínio aut incêndio perierit, commune damnum est, si nihil dolo aut culpa acciderit esius, qui aestimatum pecus acceperit; qiodsi a furibus surreptum sit, proprium eius setrimentum est, quia custodiam praestare debuit, qui aestimatum accepit…”.
112 D. 17,2,24: “Plane si ambo socii servum alterius praeposuerint, non tenebitur dominus eius nomine, nisi duntaxat de pecúlio; commune enim periculum esse oportet, cum ambo cum praeponamus”.
E, fixado aquele princípio, aprecia a conduta de um escravo propriedade de um dos sócios encarregado por todos da gestão da sociedade e decide que o risco é comum.
D. 17,2,25 (PAULO): “… noutras muitas coisas, tivesse com a sua indústria fomentado a sociedade, corresponde menos ao risco do sócio o que por sua negligência tivesse perecido; e isto foi declarado pelo Imperador em virtude de uma apelação”113.
Também XXXXX entende que a negligência afasta o risco e, portanto, responsabiliza apenas o sócio negligente. Reforça a sua opinião com uma decisão do Imperador, mostrando, assim, que se trata dum princípio legalmente consolidado.
D. 17,2,58,1 (XXXXXXX): “Xxxxx trata também do caso de que tivéssemos aportado dinheiro para comprar alguma mercadoria e o meu dinheiro perdeu- se, para quem se terá perdido ? E diz que se depois da aportação o dinheiro se perdeu, o que não sucederia se não se tivesse constituído a sociedade, se perdia para ambos, v.g., se se perdeu o dinheiro levado em viagem para comprar mercadoria; mas se se tivesse perdido antes da aportação e depois de o ter destinado, diz que por este motivo nada conseguirás, porque não se perdeu para a sociedade”114.
XXXXXXX cita XXXXX que defende o mesmo princípio: o dinheiro aportado à sociedade torna-se comum e, neste caso, o risco onera todos os sócios. Compreensivelmente, a perda do dinheiro que não entrou na sociedade só prejudica o seu proprietário.
D. 17,2,60,1 (POMPÓNIO): “Um sócio foi ferido ao conter escravos comuns destinados a venda, que se lançaram em fuga; Xxxxxx diz que não receberá com a acção de sociedade o gasto que tivesse feito para se curar, porque não se gastou para a sociedade, embora por causa da sociedade…”115.
XXXXXXXX dá-nos conhecimento da opinião contrária de LABEÃO: pelos danos causados para evitar a fuga de escravos não respondem os outros sócios,
113 D. 17,2,25: “…minus ad periculum sociii pertinet, quod negligentia eius periisset, quod in plerisque aliis industria eius societas aucta fuisset; et hoc ex appellatione Imperator pronuntiavit”.
114 D. 17,2,58,1: “Item Celsus tractat, si pecuniam contulissemus ad mercem emendam, at mea pecunia periiset, cui perierit ea ? Et ait, si post collationem evenit, ut pecunia periret, quod non fieret, nisi societas coita esset, utrique perire, utputa si pecunia, cum peregre portaretur ad merce, emendam, periit; si vere ante collationem, posteaquam eam destinasses, tunc perierit, nihil eo nomine consequeris, inquit, quia non societati periit”.
115 D. 17,2,60,1: “Socius, cum resisteret communibus servis venalibus ad fugam erumpentibus, vulneratus est; impensam, quam in curando se fecerit, non consecuturum pro socio actione, Labeo ait, quia id non in societatem, quamvis propter societatem impensam sit…”.
curiosamente, porque, embora feitos por causa da sociedade, não foram despesas para a sociedade. Esta situação, que mostra algum desencontro e terá levado o Imperador a intervir como vimos, foi, no entanto, afastada por Xxxxxxx, como refere XXXXXXX:
D. 17,2,61: “Não obstante, segundo Xxxxxxx pode recuperar o que pagou aos médicos; o que é certo”116.
D. 17,2,52,4 : “Duas pessoas contraíram sociedade para um negócio de confecção de roupa e um deles, deslocando-se para comprar mercadorias, foi assaltado por ladrões, perdeu o seu dinheiro, os seus escravos ficaram feridos e perdeu objectos da sua propriedade. Xxxxxxx diz que o dano é comum e que, portanto, deve sofrer, mediante a acção de sócio, metade do dano tanto do dinheiro como das demais coisas (…) Mas também se algo gastou em médicos, Xxxxxxx aprova mui justamente que deve ser abonado em parte pelo outro sócio. Do mesmo modo, também se algo pereceu em naufrágio, sempre que as mercadorias fossem ordinariamente transportadas por mar, o dano afectará ambos, pois, assim como o lucro, também o dano, que não acontece por culpa do sócio, deve ser comum”117.
Em conclusão, as dúvidas afastadas pelo Imperador e a firme orientação que se fixou, com destaque para XXXXXXX, mostram que o risco está excluído quando um dos sócios age com dolo ou culpa. E revelam também que o dolo e a culpa já eram considerados como pressuposto da responsabilidade na época clássica118.
5.6 Beneficium competentiae
O benefício de competência (beneficium competentiae) pode definir-se como a faculdade concedida a um devedor de ser condenado nos limites das suas possibilidades económicas (in id quod quantum facere potest)119. Ademais, permitia
116 D. 17,2,61: “Secundum Iuliuanum tamen et quod medicis pro sedatum est, recipere potest; quod verum est”.
117 D. 17,2,52,4: “Quidam sagariam negotiationem coierunt, alter ex his ad merces comparandas profectus in latrones incidit suamque pecuniam perdidit; servi eius vulnerati sunt, resque próprias perdidit; dicit Iulianus, damnum esse commune, ideoque actione pro socio damni partem dimidiamagnoscere debere tam pecuniae, quam rerum ceterarum, quas secum non tulisset socius, nisi ad merces communi nomine comparandas profiscisceretus. Sed et si quid in medicos impensum est, pro parte socium agnoescere debere, rectissime Iulianus probat; proinde et si naufragio quid periit, cum non alias merces, quam navi solerent advehi, damnum ambo sentient; nam sicuti lucrum, ita damnum quoque commune esse oportet, quod non culpa socii contingit”.
118 Vide, supra, 5.3. Vide também: CANCELLI, Società, cit.., p. 514; TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 857; e XXXXXXX-XXXX, La società, cit., p. 194.
119 Sobre o beneficium competentiae na relação inter sócios, vide CANCELLI, Società, cit.,. pp. 515- 516; XXXXXXXXX, Società in generale (diritto romano), cit., pp. 825 e 853; XXXXXXX-XXXX, La società, cit., pp. 31 e 183-185; Del CHIARO, Le contrat de société en droit pruvé romain sous la République e au temps des jurisconsultes classiques, cit., p. 297; e TORRENT, Manual de derecho romano, cit., p. 443.
evitar a infamia, efeito da condenação120.
Na sua base está uma relação de confiança e, por isso, não surpreende que seja concedido ao sócio demandado por dano causado ao património comum121
Vejamos ULPIANO:
D. 17,2,63pr.: “É certo o que Xxxxxx diz de que, mesmo que não sejam sócios de todos os bens, mas de uma só coisa, devem, não obstante, ser condenados tão-só na medida em que podem pagar o teriam podido pagar se não tivessem actuado com dolo; isto tem muita razão, implicando, como implica, a sociedade uma relação de certo modo de fraternidade”122.
Na estimação do que o sócio pode fazer só se deduzem as dívidas relacionadas com a sociedade, como refere XXXXXXX, citando XXXXXXX:
D. 17,2,63,3: “De que modo deve estimar-se o que o sócio pode fazer ? E pareceu bem que não se devem deduzir as dívidas que sejam devidas pelo sócio. Assim escreveu também Xxxxxxx (…), a não ser acaso, diz, que sejam devidas em virtude da própria sociedade”123.
Trata-se, no entanto, dum benefício pessoal, como observamos em:
D. 17,2,63,1: “Deve ver-se se isto deverá ser concedido também ao fiador do sócio ou se será um benefício pessoal; o que é mais certo. Mas se este fiador tiver aceitado o iudicium como defensor de um sócio, aproveitará também a ele; porque Xxxxxxx escreveu (…) que o defensor de um sócio deve ser condenado no que o sócio pode fazer…”124.
120 Vide XXXXXXX-XXXX, La società, cit., p. 185; e TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 853.
121 Além do sócio, o beneficium competentiae contempla também: o doador a quem se exija o pagamento da doação prometida, enquanto não tiver pago outras dívidas; o marido a quem se pede a restituição do dote e, em geral, qualquer cônjuge demandado pelo outro; o filiusfamilias que deixou de estar sujeito à patria potestas, quando seja demandado por contratos celebrados antes, no caso de ainda não ter recebido a herança do pai; o devedor, cujos bens foram vendidos em processo executivo (bonorum venditio), quando seja novamente demandado pelos credores dentro do ano seguinte à execução, no caso de não ter feito a bonorum cessio; e os militares. Vide SANTOS JUSTO, Direito privado romano – I. Parte geral, cit., pp. 317-318.
122 D. 17,2,63pr.: “Verum est, quod Sabino videtur, etiamsi non universorum bonorum socii sunt, sed unius rei, attamen in id, quod facere possunt, quodve dolo malo fecerint, quominus possint, condemnari oportere; hoc enim summam rationem habet, cum societas ius quodammodo fraternitatis in se habeat”. Cf. também: D. 42,1,16.
123 D. 17,2,63,3: “Id, quod facere socius potest, quemadmodum aestimandum sit ? Et placuit, non debere deduci aes alienum, quod debetur a socio. Ita et Xxxxxxxxx (…) scripsit, nisi forte, inquit, ex ipsa societate debeatur”. 124 D. 17,2,63,1: “Videndum est, an et fideiussori socii id praestari debeat, an vero personale beneficium
sit; quod magis verum est. Sed si hic fideiussor quasi defensor socii iudicium susceperit, proderit sibi; manque Xxxxxxxx (…) scripsit, defensorem socii in id, quod socius facere potest, condemnari oportere…”.
Não goza deste beneficium o sócio que actua negando ser sócio ou agindo dolosamente, como POMPÓNIO refere:
D. 42,1,22,1: “Mas o que se diz em relação aos sócios que também são condenados no que podem satisfazer, diz o pretor que o fará com conhecimento de causa; mas o conhecimento de causa versará sobre isto, para que não se auxilie quem nega que é sócio ou quem está obrigado por virtude de cláusula de dolo”125.
Esta recusa compreende-se porque quem age dolosamente trai a relação de confiança que une os sócios.
6. Extinção
6.1 Considerações preliminares
Tendo na sua base a confiança recíproca dos sócios assente na fraternitas que os une, compreende-se que esta justifique também a sua extinção126. Assim sucede, relativamente a cada sócio, com a sua morte, capitis deminutio, renúncia, execução patrimonial ou confisco e má condição económica127.
Segundo XXXXXXX, a societas dissolve-se “pelas pessoas, pelas coisas, pela vontade e por acção; e, portanto, se tiverem perecido ou as pessoas ou as coisas, a vontade ou a acção, considera-se que a sociedade se dissolve”128.
Na análise separada de cada causa, destacamos:
6.2 Morte de um dos sócios
A sociedade dissolve-se naturalmente com a morte dos sócios. Mas XXXX afirma também que que se “dissolve pela morte de um sócio, já que quem contrai a sociedade elege uma pessoa determinada”129. Esta é também a opinião de XXXXX:
D. 17,2,65,9: “A sociedade dissolve-se pela morte de um só, ainda que tenha sido constituída com o consentimento de todos e sobrevivam vários,
125 D. 42,1,22,1: “Quod autem de sociis dictum est, ut et hi, in quantum facere possint, condemnentur, causa cognita se facturum Praetor edicit; causae cognitio autem in hoc erit, ut neganti se socium esse, aut ex doli clausula obligatio non succurratur”.
126 Vide TALAMANCA, o.c. 840.
127 Vide SANTOS JUSTO, Direito privado romano – II (direito das obrigações), cit., pp. 78-79.
128 D. 17,2,63.10: “Societas solvitur ex personis, ex rebus, ex voluntate, ex actione; ideoque sive homines, sive res, sive voluntate, sive actio interierit, distrahi videtur societas…”.
129 GAIO 3,152: “Solvitur adhuc societas etiam morte socii, quia qui societatem contrahit certam personam sibi eligit”.
salvo se, ao contrair-se, se tivesse acordado de outro modo. Não sucede o herdeiro do sócio, mas do que se logrou depois com a coisa comum e mesmo por dolo e culpa dependente da gestão anterior deve responder-se a favor ou contra o herdeiro”.
Trata-se, no entanto, duma opinião contestada por quem entende que tanto XXXX como XXXXX referem, como simples exemplo, a sociedade constituída por dois sócios, sem excluírem a possibilidade de os jurisconsultos clássicos manterem a sociedade após a morte de um de vários sócios130.
Sobre a possibilidade de, num pactum adiectum, os sócios transmitirem as suas posições aos herdeiros, as fontes são aparentemente contraditórias, como observamos em:
D. 17,2,59pr. (POMPÓNIO): “De tal modo a sociedade se dissolve por morte de um sócio, que nem, ainda no princípio, podemos pactuar que o seu herdeiro lhe suceda também na sociedade. Diz-se que isto é assim nas sociedades privadas; mas que nas sociedades de concessões públicas, a sociedade perdura também depois da morte de algum dos sócios…”131.
D. 17,2,65,9 (PAULO): “Dissolve-se a sociedade por morte de um só, ainda que se tenha constituído com o consentimento de todos e sobrevivam muitos, salvo se outra coisa se tiver acordado ao constituir-se a sociedade… ”132.
Para afastar esta contradição, tem-se sustentado que o segundo fragmento está interpolado, recorrendo a um texto das Institutiones de Xxxxxxxxxx que consagram a mesma possibilidade133. E há quem entenda que o pacto não se refere à extensão da sociedade ao herdeiro, mas à sua continuação entre os sócios supérstites134. Esta opinião parece-nos convincente.
Diferente é a questão, naturalmente admitida, de os herdeiros dum sócio falecido poderem contrair nova sociedade com os outros sócios, como observamos em POMPÓNIO:
D. 17,2,37: “Claro que se aqueles que ficaram como herdeiros dos sócios tiverem aceitado a herança com o ânimo de constituir sociedade, com o novo consentimento logra-se que o que tenha sido gerido depois se compreenda
130 Neste sentido, vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 840.
131 D. 17,2,59pr.: “Adeo morte socii solvitur societas, ut neca b initio pacisci possimus, ut heres etiam succedat societati. Haec ita in privatis societatibus ait; in societate vectigalium nihilominus manet societas et post mortem alicuius…”. Cf. igualmente ULPIANO (D. 17,2,35).
132 D. 17,2,65,9: “Morte unius societatis dissolvitur, etsi consensu omnium coita sit, plures vero supersint, nisi in coeunda societate aliter convenerit…”.
133 Cf. I. 3,25,5.
134 Neste sentido, vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 841.
na acção de sócio”135.
6.3 Capitis deminutio de um dos sócios
A capitis deminutio é a mudança de status duma pessoa que pode reflectir- se no aumento, na diminuição e na extinção da capacidade jurídica. E pode ser maxima (resulta da perda da liberdade e, em consequência, da cidadania e da situação familiar), media (deriva da perda da cidadania, mantendo-se a liberdade) e minima (quando ocorre uma mudança no status familiae, não envolvendo a perda da liberdade nem da cidadania)136.
A capitis deminutio maxima dissolve a societas constituída por um sócio que a sofre, por envolver a perda da libertas e, portanto, a negação como pessoa. GAIO é claro:
3,153: “Diz-se que também se dissolve uma sociedade por capitis deminutio, já que no direito civil a capitis deminutio se equipara à morte…”137.
Quanto à capitis deminutio media, é provável que não extinguisse a sociedade, por pertencer ao direito das gentes138. Todavia, as preocupações dos jurisconsultos romanos relacionam-se com a mudança de status familiae, ou seja, com a capitis deminutio minima. Vejamos as fontes:
D. 17,2,65,11 (PAULO): “Assim como a sociedade não passa aos herdeiros do sócio, assim tão-pouco passa ao arrogador para que de outra sorte ninguém se faça, contra a sua vontade, sócio de quem não quer; mas o próprio arrogado permanece sócio, porque também se o filho de família tiver sido emancipado, permanecerá sócio”139.
A adrogatio é o instituto que permite a uma pessoa independente de qualquer poder (marital, paternal ou dominical), ou seja, sui iuris, ser adoptada por outra pessoa sui iuris (ad-rogante), de quem se torna filiusfamilias (xx-xxxxxx). Perde, portanto, o status de sui iuris e torna-se alieni iuris do ad-rogante, que absorve
135 D. 17,2,37: “Plane si hi, qui sociis heredes extiterint, animum inierint societatis in ea hereditate, novo consensu, quod postea gesserint, efficitur, ut in pro socio actionem deducatur”. Vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 841.
136 Vide SANTOS JUSTO, Direito privado romano – I. Parte geral, cit., pp. 138-140.
137 GAIO 3,153: “Dicitur etiam capitis deminutione solvi societatem, quia civili ratione capitis deminutio morti coaequatur…”.
138 Cf. GAIO 3,154. Vide, no entanto, LERA, El contrato de sociedad. La casuística jurisprudencial clássica, cit., p. 178.
139 D. 17,2,65,11: “Societas quemadmodum ad heredes socii non transit, ita nec ad arrogatorem, ne alioquin invitus socius efficiatur, cui non vult; ipser autem arrogatus socius permanet, nem et si filiusfamilias emancipatus fuerit, permenabit socius”.
a família daquele e adquire também os direitos do adrogatus susceptíveis de transmissão. Era assim na época clássica, enquanto no direito justinianeu o ad- rogante adquire o direito de usufruto de bens cuja propriedade é conservada pelo ad-rogado140.
A aproximação do status do adrogado à do filiusfamilias justifica que o ad- rogador não o substitua na sociedade constituída pelo ad-rogado. Todavia, a sociedade não se exingue, porque o ad-rogado permanece sócio, assim como o filho de família que tenha sido emancipado tornando-se, portanto, sui iuris, também conserva a sua posição de sócio, como observamos no seguinte texto de XXXXXXX:
D. 17,2,58,2: “Se um filho de família tivesse constituído sociedade e depois tivesse sido emancipado pelo seu pai, Xxxxxxx pergunta se a mesma sociedade subsistirá ou se será outra, se acaso permaneceu na sociedade depois da emancipação. Xxxxxxx escreveu (…) que a mesma sociedade subsistia, porque nestes contratos deve olhar-se ao seu princípio; mas devem intentar-se duas acções, uma contra o pai e outra contra o filho; contra o pai por xxxxxx cujo termo começou a correr antes da emancipação – porque daquele tempo que a sociedade subsistiu depois da emancipação de nada deve o pai responder --, contra o filho, em relação a um e outro tempo, isto é, relativamente a toda a duração da sociedade; porque diz que também se o sócio do filho tiver feito alguma coisa com dolo depois da emancipação do filho, não se deve dar a acção ao pai, mas ao filho”141.
XXXXXXX recolhe a opinião de XXXXXXX para quem a sociedade subsiste depois da emancipação do filiusfamilias. Todavia, distingue: antes da emancipação, responde o paterfamilias; antes e depois, o filiusfamilias. Ou seja, até à emancipação, o paterfamilias responde solidariamente com o seu xxxxxx000.
6.4 Renúncia
A renúncia de um dos sócios é outra causa que extingue a sociedade porque, segundo XXXX, “a sociedade perdura sem interrupção enquanto os sócios mantiveram
140 Vide SANTOS JUSTO, Direito privado romano – IV (direito da família) em Studia Xxxxxxxx 00, Xxxxxxx, 0000, pp. 37-43.
141 D. 17,2,58,2: “Si filiusfamilias societatem coierit, deinde emancipatus a patre fuerit, apud Iulianum quaeritur an eadem societas duret, an vero alia sit, si forte post emancipationem in societate duratum est. Xxxxxxxx scripsit (…) eandem societatem durare, initium enim in his contractibus inspiciendum; duabus autem actionibus agendum esse, una adversus patrem, altera adversus filium; cum patre de eo, cuius dies ante emancipationem cessit – nam eius temporis, quo post amencipationem societas duravit, nihil praestare patrem oportet --, cum filio autem de utroque tempore, id est de tota societate; nam et si quid, inquit, socius filii post emancipationem filii dolo fecerit, eius non patri, sed filio actio danda est”.
142 Vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., pp. 842-843.
este acordo”143.
Todavia, importa considerar a intenção (animus) que leva um sócio a renunciar. Vejamos as fontes:
GAIO, 3,151: .. Quando algum sócio renuncia à sociedade para só ele obter algum ganho que se anuncia, v.g., se o meu sócio de todos os bens ao ser instituído herdeiro por alguém renuncia à sociedade por este motivo para só ele lucrar com a herança, está obrigado a compartir este ganho; pelo contrário, se obtivesse outro ganho que não procurasse, pertence-lhe unicamente a ele…”144.
XXXXX (D. 17,2,65,3): “… Xxxxxx escreveu que quem tiver renunciado à sociedade libera certamente de si os outros, mas não se libera deles. O que certamente se deve observar se a renúncia tiver sido feita com dolo mau, v.g., se, tendo constituído nós sociedade de todos os bens, depois, tendo correspondido a um uma herança, renunciou a esta; e, portanto, se verdadeiramente a herança tivesse causado dano, este pertencerá a quem renunciou, mas será obrigado com a acção de sociedade a fazer comum o ganho…”145.
Observa-se claramente que qualquer sócio pode afastar-se e, em consequência, extinguir a sociedade. Todavia, responde para com os demais se a renúncia foi dolosa, ou seja, visou afastá-los de ganhos146.
Do mesmo modo, incorre em obrigação no dano causado quem intempestivamente renunciou, como refere XXXXXX citado por XXXXX:
D. 17,2,65,5: “Xxx Xxxxxx escreveu (…) que se um dos sócios tiver renunciado à sociedade no tempo em que ao seu sócio a sociedade não se devia dissolver, obriga-se com a acção de sociedade; porque se, iniciada a sociedade, compramos escravos e depois renuncias à sociedade comigo no tempo em que não convém verder os escravos, neste caso obrigas-te pela
143 GAIO 3,151: “Manet autem societas eo usque, donec in eodem sensu perseverant…”. Cf. também: C. 4,37,5.
144 GAIO 3,151: “ …Sed plane si quis in hoc renuntiaverit societati, ut obveniens aliquod lucrum solus habeat, veluti si mihi totorum bonorum socius, cum ab aliquo heres esset relictus, in hoc renuntiaverit societati, ut hereditatem solus lucri faciat, cogetur hoc lucrum communicare; si quid vero aliud lucri fecerit quod non captaverit, ad ipsum solum pertintet…”.
145 D. 17,2,65,3: “… Xxxxxxx scripsit, eum, qui renuntiaverit societati, a se quidem liberare socios suos, se autem ab illis non liberare. Quod utique observandum est, si dolo malo renuntiatio facta sit, veluti si, cum omnium bonorum societatem inissemus, deinde cum obvenisset uni hereditas, propter hoc renuntiavit; ideoque si quidem damnum attulerit hereditas, hoc ad eum, qui renuntiavit, pertinebit, coomodum autem communicare cogetur actione pro socio…”.
146 Vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., pp. 844 e 846; e LERA, El contrato de sociedad. La casuística jurisprudencial clássica, cit., pp. 199-206.
acção de sociedade porque pioras a minha causa…”147.
Finalmente, a renúncia deve ser levada ao conhecimento dos outros sócios, ou seja, trata-se duma declaração receptícia148. Se a renúncia for feita a um sócio ausente, a sociedade dissolve-se para o renunciante no momento em que emite a declaração e, para o ausente, no momento em que a conhece149.
6.5 Outras causas
O confisco em que um dos sócios incorra implica a dissolução da sociedade, como observamos nas Institutiones de Xxxxxxxxxx:
3,25,7: “É evidente que também se dissolve a sociedade por confisco, se forem confiscados todos os bens do sócio; porque, como sucede outro no seu lugar, considera-se como morto”150.
E também se extingue a sociedade quando um dos sócios, não podendo pagar as suas dívidas, cede os seus bens que serão vendidos, como referem as Institutiones de GAIO e de Xxxxxxxxxx:
GAIO 3,154: “Do mesmo modo, dissolve-se a sociedade quando o património de um dos sócios é vendido pública ou privadamente”151.
3,25,8: “Também se dissolve a sociedade quando algum dos sócios, sobrecarregado pelo peso de dívidas, faz cessão dos seus bens e, em consequência, o seu património é vendido por causa das dívidas públicas ou privadas que tiver”…152.
Em qualquer destas hipóteses (o confisco ou a impossibilidade de satisfazer os seus débitos que leva um dos sócios a ceder os seus bens aos credores para promoverem a sua venda), a sociedade dissolve-se por efeito da confiança que une os sócios numa relação jurídica que assenta na fraternitas. Quebrada aquela,
147 D. 17,2,65,5: “Labeo autem (…) scripsit , si renuntiaverit societati unus ex sociis eo tempore, quo interfuit socii non dirimi societatem, committere eum in pro socio actione; nam si emimus mancipia inita societate, deinde renunties mihi eo tempore, quo vendere mancipia non expedit, hoc casu, quia deteriorem causam meam facis, teneri te pro socio iudicio…”. Cf. também: D. 17,2,14. Vide TALAMANCA, o.c. 846- 847; e LERA, El contrato de sociedad. La casuística jurisprudencial clássica, cit., pp. 206-210.
148 Cf. D. 17,2,65,8. Vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 848.
149 Cf. D. 17,2,17,1. Vide LERA, El contrato de sociedad. La casuística jurisprudencial clássica, cit., pp. 210-213.
150 I. 3,25,7: “Publicatione quoque distrahi manifestum est, scilicet si universa bona socii publicentur: nam cum in eius locum alius succedit, pro mortuo habetur”. Cf. também: D. 17,2,65,12.
151 GAIO 3,154: “Item si cuius ex sociis bona publice aut privatim venierint, solvitur societas”.
152 I. 3,25,8: “Item si quis ex sociis mole debiti praegravatus bonis suis cesserit et ideo propter publica aut propter privata debita substantia eius veneat, solvitur societas…”. Cf. também: D. 17,2,4,1; -17,2,65,1.
seja por confisco, seja por execução, a sociedade perde a sua base de sustentação e, por isso, extingue-se.
Depois, quer no confisco quer na execução por dívidas, o adquirente do património do sócio é naturalmente estranho à sociedade e, por isso, justifica-se que não o substitua. É curioso que tanto Xxxxxxxxxx como XXXXX justifiquem afirmando que, “sucedendo outro no seu lugar, (o sócio) é tido como morto”153.
7. Tutela
7.1 Considerações preliminares
Não sendo a sociedade, via de regra, uma pessoa jurídica, os débitos e créditos provenientes de negócios jurídicos realizados por cada sócio só a este dizem respeito. Por isso, os terceiros só podem demandar o sócio com quem negociaram, assim como só este os pode demandar. Em qualquer das hipóteses, a tutela está confiada às acções resultantes dos negócios efectuados154.
Todavia, os sócios devem prestar contas entre si e, havendo incumprimento desta obrigação, impõe-se a sua tutela processual de que destacamos a actio pro socio, a actio communi dividundo e outras acções.
7.2 A actio pro socio
Esta acção, que CÍCERO inclui entre os iudicia bonae fidei155, produzia a liquidação definitiva da gestão social, pressupondo ou produzindo a dissolução da sociedade156. Com ou sem liquidação das sociedade157, o sócio incumpridor das suas obrigações incorria na condenação para com os demais, como observamos no seguinte fragmento de PAULO que refere a opinião de XXXXXXX:
D. 17,2,38,1: “Se tiver sociedade contigo e coisas comuns em virtude da sociedade, Xxxxxxx diz que os gastos que nelas eu tiver feito ou os frutos de que destas coisas tiveres percebido, os obterei ou pela acção de sociedade ou pela divisão de coisa comum e que por uma acção se extingue a outra”158.
153 Cf. a nota 148.
154 Vide supra, 5.1.
155 Cf. CÍCERO, De off. 3,17,70. Sobre a sua eventual fórmula, vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 852; e XXXXXXX-XXXX, La società in diritto romano, cit., p. 29.
156 Vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 852.
157 Segundo TORRENT, Manual de derecho romano, cit., p. 443, “durante mucho tiempo el ejercicio de la acción tenía una función liquidadora en el sentido de que disolvía la sociedad”. Todavia, “en la propia época clásica se admitió que por el solo ejercicio de la acción no se llegaba a la ruptura de la sociedad, permitiendo la acción resolver las controversias entre los socios sin liquidar a sociedad”.
158 D. 17,2,38,1: “Si tecum societas mihi sit, et res ex societate communes, quam impensam in eas fecero, quosve fructus ex his rebus ceperis, vel pro socio, vel communi dividundo me consecuturum, et altera actione alteram tolli Proculus ait”.
Pondo agora de parte a acção de divisão de coisa comum, não há dúvidas de que os débitos e créditos entre os sócios podiam ser reclamados na actio pro socio159. Sem a pretensão de sermos exaustivos, destacamos os seguintes textos:
POMPÓNIO (D. 17,2,39): “Se tiver um fundo em comum contigo e nele tiveres enterrado um morto, exercitarei contra ti a acção de sociedade”160. ULPIANO (D. 17,2,69): “Se se constituísse uma sociedade para comprar algo e se acordasse que um sócio pagaria aos demais as “férias”, isto é, os alimentos e ficaria dispensado deste gasto se não as tivesse pago, pode ser demandado tanto pela acção de sócio como pela de venda”161.
XXXXXXX (D. 17,2,52,11): “se alguns tivessem constituído sociedade para comprar uma coisa e depois não foi comprada por xxxx ou culpa de um, consta que há a acção de sociedade…”162.
ULPIANO (D. 17,2,52,4): “Duas pessoas contraíram um negócio de confecção de roupa e um deles, caminhando para comprar mercadorias, foi assaltado por ladrões, perdeu o seu dinheiro, os seus escravos ficaram feridos e perdeu objectos da sua propriedade. Xxxxxxx diz que o dano é comum e, portanto, deve sofrer, mediante a acção de sócio, a metade do dano, tanto do dinheiro como das demais coisas que o sócio não teria levado consido se não se tivesse deslocado para comprar mercadorias para a sociedade…”163.
ULPIANO (D. 17,2,52,3): “Dos danos imprevisíveis, isto é, dos danos fatais, não devem responder os sócios e, por isso, se houve gado com a sua estimação e tivesse perecido por assalto ou incêndio, o dano é comum, se nada tiver ocorrido por dolo ou culpa de quem recebeu o gado estimado; mas se fosse subtraído por ladrões, sofrerá o dano porque devia responder por custódia quem recebeu o gado com estimação…”164.
socio”.
159 Vide LERA, El contrato de sociedad. La casuística jurisprudencial clássica, cit., pp. 232-243.
160 D. 17,2,39: “Si fundus mihi tecum communis sit, et in eum mortuum intuleris, agam tecum pro
161 D. 17,2,69: “Cum societas ad emendum coiretur, et conveniret, ut unus reliquis nundinas, id est
epulas, praestaret, eosque a negotio dimitteres, si eas iis non solverit, et pro socio, et ex vendito cum eo agendum est”.
162 D. 17,2,52,11: “Si qui societatem ad emendum coierint, deinde res alterius dolo vel culpa empta non sit, pro socio esse actionem constat…”.
163 D. 17,2,52,4: “Quidam sagariam negotiatuonem coierunt, alter ex his ad merces comparandas profectus in latrones incidit suamque pecuniam perdidit; servi eius vulnerati sunt, resque proprias perdidit; dicit Iulianus, damnum esse communem, ideoque actione pro socio damni partem dimidiam agnoscere debere tam pecuniae, quam rerum ceterarum, quas secum non tulisset socius, nisi ad merces communi nomine comparandas proficisceretur…”.
164 D. 17,2,52,3: “Damna, quae imprudentibus accidunt, hocest damna fatalia, socii non cogentur praestare; ideoque si pecus aestimatum datum sit, et id latrocinio aut incendio perierit, commune damnum est, si nihil dolo aut culpa acciderit eius, quis aestimatum pecus acceperit; quoasi a furibus surreptum sit, proprium eius detrimentum est, quia custodiam praestare debuit, qui aestimatum accepit…”.
A casuística aqui seleccionada mostra claramente que: 1) o sócio que causou dano aos outros, responde pelo prejuízo causado; 2) pelas despesas feitas por um dos sócios respondem os outros, desde que tenham ocorrido no âmbito da gestão da sociedade; 3) no entanto, os sócios não respondem por danos causados por dolo ou culpa do sócio encarregado de determinado negócio; 4) havendo danos causados a um sócio ao serviço da sociedade, serão distribuídos pelos demais segundo as suas quotas; 5) tratando-se de danos imprevisíveis, respondem todos os sócios, salvo se houve dolo ou culpa de algum; 6) o dano causado a coisa cuja guarda foi confiada a um dos sócios só onera este sócio: não observou o dever de vigilância (custodia) que assumiu para com os demais sócios.
Como referimos, a actio pro socio é uma acção de boa fé165 e, porque tutelava as relações entre pessoas (socii) unidas numa relação de fraternidade, justifica-se que a actuação do sócio que a desrespeitasse fosse acessoriamente punida com a nota de infamia166 que degradava gravemente a sua honra civil, limitando a sua capacidade jurídica167.
Mas, por outro lado, a fraternitas não deixa de estar presente impedindo o sócio condenado de ficar sem os bens estritamente necessários à sua sobrevivência168.
7.3 Outras acções
A actio pro socio não é a única acção que tutela os sócios entre si. Se algum (ou alguns) tivessem contribuído com bens que se tornaram comuns, a dissolução da sociedade implicava que esta communio fosse desfeita, adquirindo cada sócio a parte que lhe pertencia.
Para este efeito dever-se-ia recorrer à actio communi dividundo, como observamos no seguinte texto de XXXXXXX:
D. 17,2,43: “Se se demandou pela acção de divisão de coisa comum, não se exclui a acção de sócio, porque esta acção compreende a conta dos créditos e não admite adjudicação…”169.
Embora na acção de divisão da coisa comum seja também possível condenar o demandado por incumprimento das suas obrigações, substituindo a actio pro socio, esta acção não permite adjudicar a coisa comum a um dos sócios e, portanto, se aquela praticamente pode absorver a actio pro socio, esta não substitui a actio
165 Vide também DEL CHIARO, Le contrat de société en droit pruvé romain sous la République e au temps des jurisconsultes classiques, cit., p. 88.
166 Cf. GAIO 4,182; I. 4,16,2; C. 2,11,22.
167 Vide SANTOS JUSTO, Direito privado romano – I. Parte geral, cit., pp. 145-147.
168 Vide supra, 5.6.
169 D. 17,2,43: “Si actum sit communi dividundo, non tollitur pro socio actio, quoniam pro socio et nominum rationem habet, et adiudicationem non admittit…”.
communi dividundo170. Apesar de dúvidas que persistem, pensamos que o texto de XXXXXXX refe o princípio que permite recorrer a uma ou a outra acção171.
Relativamente às acções penais, podem cumular-se com as acções reipersecutórias, como observa TALAMANCA172. Por isso, qualquer dos sócios pode ser também demandado pela actio furti, como refere XXXXXXX:
D. 17,2,45: “Por razão de uma coisa comum pode intentar-se contra o sócio a acção de furto se, por falácia ou dolo mau, a removeu ou se tocasse numa coisa comum com o com a intenção de a ocultar; mas também fica obrigado pela acção de sociedade, sem que uma acção quite a outra….”173.
Quanto à actio legis Aquiliae, é contemplada nos seguintes fragmentos:
D. 17,2,47,1 (XXXXXXX).: “Se um sócio causou dano numa coisa comum, Xxxxx, Xxxxxxx e Xxxxxxxx escrevem que fica obrigado pela lei Aquília”174.
D. 17,2,48 (PAULO): “Mas que, não obstante, está obrigado também pela acção de sociedade”175.
D. 17,2,49 (ULPIANO): “Se com este facto prejudicou a sociedade, v.g.,
se tiver ferido ou se matou um escravo negociante”176.
D. 17,2,50 (PAULO): “Mas com a acção de sociedade consegue-se que deve conformar-se com a outra acção, porque ambas as acções tendem à reclamação da coisa e não somente à pena como a acção de furto”177
No primeiro fragmento, XXXXXXX refere as opiniões de CELSO, XXXXXXX e XXXXXXXX, permitindo afirmar que a possibilidade de recurso à actio legis
170 Vide XXXXXXX-XXXX, La società, cit., pp. 196-199; e LERA, El contrato de sociedad. La casuística jurisprudencial clássica, cit., pp. 253-260.
171 Vide CANCELLI, Società, cit., p. 515.
172 Segundo TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 853, a actio pro socio é reipersecutória. Por isso, o concurso com outras acções é cumulativo, se penais; e alternativo, se reipersecutórias. Sobre as acções penais e reipersecuorias, vide SANTOS JUSTO, Direito privado romano – I. Parte geral, cit., pp. 244-246.
173 D. 17,2,45: “Rei communis nomine cum socio furti agi potest, si per fallaciam dolove malo amovit, vel rem communem celandi animo contrectet; sed et pro socio actione obstrictus est, nec altera actio alteram tollet….”. Cf. também: D. 17,2,51pr. Diferente é o regime da condictio ex causa furtiva que, uma vez intentada, afasta a actio pro socio ( D. 17,2,47pr.). A explicação reside no facto de se tratar duma actio reipersecutoria. Vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 853; e XXXXXXX-XXXX, La società, cit., p. 195.
174 D. 17,2,47,1: “Si damnum in re communi socius dedit, Aquilia teneri eum, et Xxxxxx, et Xxxxxxxx, et Xxxxxxxxx scribunt”.
175 D. 17,2,48: “Sed nihilominus et pro socio tenetur”.
176 D. 17,2,49: “Si hoc facto societatem laesit, si verbi gratia negotiatorem servum vulneraverit vel occidit”.
177 D. 17,2,50: “Sed actione pro socio consequitur, ut altera actione contentus esse debeat, quia utraque actio ad rei persecutionem respicit, non, ut furti, ad poenam duntaxat”.
Aquiliae era opinio communis. E nos restantes, XXXXX e XXXXXXX e sobretudo XXXXX mostram que a actio legis Aquiliae afasta a possibilidade de a actio pro socio também ser intentada por se tratar duma actio mixta e, portanto, também reipersecutória178. O que não afasta a possibilidade de os sócios poderem demandar o outro com a actio pro socio depois de terem intentado a actio legis Aquiliae quando haja pretensões não contempladas nesta acção: nesta hipótese, sendo a actio pro socio uma actio bonae fidei, o juiz não deixaria de deduzir, na segunda condenação, o que já fora obtido na primeira condenação179.
Finalmente, se, juntamente com o contrato de sociedade, os sócios tivessem acordado uma cláusula penal (realizando uma stipulatio poenae), a actio (penal) ex stipulatu afastava a actio pro socio, como refere XXXXXXX:
D. 17,2,41: “Quando alguém estipulou, do seu sócio, uma quantia a título de pena, se o seu interesse não exceder a pena estipulada, não poderá demandá-lo com a acção de sócio”180.
Esta solução justifica-se porque se trata duma cláusula penal, em que a pena fixada ultrapassa o dano causado181.
III - DIREITO (CIVIL) PORTUGUÊS
Observando agora o regime jurídico do contrato de sociedade consagrado no Código Civil português, encontramos algumas marcas romanas que mostram a grande influência do direito romano182.
Desde logo, este contrato não está sujeito a forma especial e produz efeitos obrigacionais, embora não se afaste a possibilidade de transferir imediatamente a propriedade de um dos sócios para a esfera comum183. No direito romano o transitus legalis ia no mesmo sentido.
Depois, a noção do contrato de sociedade revela imediatamente os seus requisitos essenciais: a contribuição dos sócios; o exercício em comum de certa actividade económica, não de mera fruição; e a repartição dos lucros184.
178 Vide TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., pp. 853-854; XXXXXXX-XXXX, La società, cit., pp. 95-196; e LERA, El contrato de sociedad. La casuística jurisprudencial clássica, cit., pp. 265-267.
179 Neste sentido, vide LERA, El contrato de sociedad. La casuística jurisprudencial clássica, cit., p. 269; e TALAMANCA, Società in generale (diritto romano), cit., p. 854.
180 D. 17,2,41: “Si quis a socio poenam stipulatus sit, pro socio non aget, si tantundem in poena sit, quantum eius interfuit”.
181 Vide CANCELLI, Società, cit.,. p. 514.
182 Seguimos de perto PIRES DE LIMA e XXXXXXX XXXXXX, Código civil anotado II4, reimpressão, / Xxxxxxx, 0000, arts. 980º. e ss.
183 Cf. arts. 981º. e 980º.
184 Cf. art. 980º.
Quanto aos seus efeitos, é criada uma comunhão de pessoas, com interesses comuns, embora despida de personalidade jurídica. Não há órgãos com funções administrativas determinadas185 e a unidade que por vezes o Código revela nas relações da sociedade com terceiros186 resulta da lei e não da essência da sociedade ou da sua organização intrínseca187.
Recusa-se também o pacto leonino, ou seja, a exclusão de qualquer sócio dos lucros e a isenção das perdas, embora se admita o afastamento das perdas dos sócios de indústria188. A solução romana não é diferente.
E relativamente ao falecimento de um dos sócios, admite-se a possibilidade de os sócios supérstites dissolverem a sociedade ou de a continuarem com os herdeiros do falecido189. Esta solução afasta-se ligeiramente do direito romano, segundo o qual a morte de um dos sócios dissolvia a sociedade, sem prejuízo de os seus herdeiros poderem constituir nova sociedade com os restantes sócios.
ABREVIATURAS
AHDE Anuario de Historia del Derecho Español (Madrid)
C. Código (Codex) de Xxxxxxxxx (Corpus Iuris Civilis)
D. Digesto (Corpus Iuris Civilis)
ED Enciclopedia del Diritto (Milão)
Gaio Instituições de Gaio
I. Instituições de Xxxxxxxxxx (Corpus Iuris Civilis) NND Novissimo Digesto Italiano (Turim)
RISG Rivista Italiana per le Scienze Giuridiche (Milão)
185 Cf. art. 985º.
186 Cf., v.g., art. 997º.
187 Cf. art. 996º. 188 Cf. art. 994º. 189 Cf. art. 1001º.