Parecer Jurídico SMLC/DJ nº 444/2023
Parecer Jurídico SMLC/DJ nº 444/2023
EMENTA. TERMO ADITIVO AO CONTRATO Nº 283/2022. ALTERAÇÃO DE PROJETO. ACRÉSCIMO DE PRAZO E VALORES. IDEA ENGENHARIA E CONSTRUTORA LTDA. E MUNICÍPIO DE CANOAS/RS. RESTAURO IMÓVEL TOMBADO. CONVÊNIO FPE 76/2022, ENTRE O MUNICÍPIO E O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PARA IMPLANTAÇÃO DO MUSEU MUNICIPAL XXXX XXXXXX LAGRANHA: UNIDADE VILLA NENÊ. SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA. ARTIGOS 57, §1º, I E ART. 65, I, E SEU
§1º DA LEI Nº 8.666/93. ILEGALIDADE FLAGRANTE. PARECER DESFAVORÁVEL.
I. DO RELATÓRIO
1. Trata-se de processo administrativo protocolado sob o SEI nº 23.0.000018144-7, contendo pedido de aditivo ao contrato nº 283/22, onde figura como contratada a empresa Idea Engenharia e Construtora Ltda., possuindo como objeto a execução de obras de restauro de imóvel tombado como patrimônio cultural, via Convênio FPE 76/2022, entre o Município de Canoas e o Estado do Rio Grande do Sul, para implantação do Museu Municipal Xxxx Xxxxxx Lagranha: Unidade Villa Nenê, suprindo demanda de Secretaria Municipal de Cultura.
2. Verifica-se que o processo foi instruído, entre outros, com os documentos abaixo listados, sendo recomendável a apresentação, se necessário, de certidões negativas ou positivas com efeito de negativas devidamente atualizadas. Segue a lista de documentos essenciais que instruem o presente processo:
• PA – Pedido e Autorização
• Justificativa do ordenador de despesas
• Certidões de Regularidade Fiscal
• Manifestação da Contratada
• Manifestação da área técnica
• Análise Técnica
3. Na Justificativa (0174501), assim se manifesta a autoridade competente:
4. Na “Análise Técnica” – doc. 0212549 – o técnico responsável apresenta as seguintes informações principais:
➔ alteração da tecnologia construtiva, verbis:
➔ atesta que o valor da avença sofrerá acréscimo e supressão de valores e prorrogação de prazo de execução, não respeitados, todavia, os limites percentuais de acréscimo do artigo 65, § 1º da Lei 8.666/93, verbis:
5. Em prosseguimento da análise, o técnico apresenta nova tabela. Confira-se:
6. E conclui o servidor pela inviabilidade legal do aditivo, indicando, apesar de inexistente sua qualificação jurídica, possível solução para o imbróglio, forte em jurisprudência do TCU. Confira-se:
7. Veja-se, portanto, que nos termos consignados nos documentos indicados:
a) houve profunda alteração da tecnologia construtiva empregada, justificando- a a área técnica, genericamente, em suposta impossibilidade de “constatar com exatidão o estado estrutural da edificação antes destes trabalhos.” Noutros termos, a paralisação da obra e o termo aditivo pleiteado não derivariam de eventual erro no projeto elaborado pela área técnica do Município. Todavia, não fundamenta o alegado.
b) o valor dos acréscimos alcança quase 70% do valor original do contrato,
muito acima do limite legal de 50% previsto no art. 65, §1º da Lei 8.666/93.
É o relatório.
II. DA ABRANGÊNCIA DA ANÁLISE JURÍDICA
8. Consigne-se que a presente análise considerará tão somente os aspectos estritamente jurídicos da questão trazida ao exame desta assessoria jurídica, partindo-se da premissa básica de que, ao propor a solução administrativa ora analisada, o administrador público se certificou quanto às possibilidades orçamentárias, financeiras, organizacionais e administrativas, levando em consideração as análises econômicas e sociais de sua competência.
9. Isso porque, nos termos da Lei nº 6.627/2023, que dispõe sobre a estrutura, organização e funcionamento do Poder Executivo Municipal de Canoas, compete à Secretaria Municipal de Licitações e Contratos, entre outras atribuições, proceder com o assessoramento jurídico em questões de licitações e contratações em geral:
Art. 11. As competências das Secretarias de Natureza Instrumental compreendem: (…)
c) compete à Secretaria Municipal de Licitações e Contratos (SMLC):
2. planejar, dirigir, executar, controlar e assessorar, material, técnica e juridicamente, todas as fases e procedimentos de formação e execução do processo licitatório e dos procedimentos de seleção e formação de parcerias da administração direta; (grifei)
10. Desta feita, verifica-se que a atividade dos procuradores e assessores jurídicos atuantes junto à Secretaria Municipal de Licitações e Contratos – assim como ocorre com a atividade advocatícia de maneira geral – se limita à análise da compatibilidade jurídica da matéria trazida a exame, sem prejuízo de, eventualmente, sugerir soluções vislumbradas por esta unidade de assessoramento jurídico, que devem ser objeto de consideração por parte do gestor, que detém, no
entanto, a palavra final sobre a implementação de políticas públicas no âmbito municipal, nos limites do seu juízo de mérito.
III. DA ILEGALIDADE DO PERCENTUAL DE ACRÉSCIMOS
11. Assim, como já indicado, o aditivo pleiteado engloba, além da prorrogação de prazo de execução da obra, também o acréscimo de serviços, materiais e valores. A Lei 8.666/93, em seu artigo 65, §§ 1º e 2º, assim prevê (grifos nossos):
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I - unilateralmente pela Administração:
a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;
b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei; (grifo nosso)
§ 1o O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.
§ 2o Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior,
salvo: (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)
I - (VETADO) (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)
II - as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes.
12. Xxxxxxxx, considerando-se que o valor pretendido de acréscimo ao Contrato perfaz a porcentagem de 67,99% (sessenta e sete vírgula noventa e nove por cento), tem-se por legalmente impossível o aditivo pleiteado.
IV. DO TERMO FINAL DO CONTRATO
13. O artigo 57 da Lei n. 8.666/93 estabelece, como regra geral, a adstrição da duração dos contratos à vigência dos respectivos créditos orçamentários. No entanto, ante a eventual impossibilidade de o Estado cumprir suas funções com a aplicação estrita da regra, foram previstas algumas ressalvas. Uma dessas ressalvas encontra-se no do art. 57, § 1º, I e IV, segundo o qual os contratos de podem ter a sua duração prorrogada quando da alteração de projeto ou especificações por parte da Administração ou aumento de quantitativos inicialmente previstos, verbis:
Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:
(…)
§ 1o Os prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega admitem prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, desde que ocorra algum dos seguintes motivos, devidamente autuados em processo:
I - alteração do projeto ou especificações, pela Administração;
II - superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato;
III - interrupção da execução do contrato ou diminuição do ritmo de trabalho por ordem e no interesse da Administração;
IV - aumento das quantidades inicialmente previstas no contrato, nos limites permitidos por esta Lei; (...)
14. Nesses termos, considerando o pleito de 3 (três) meses adicionais ao prazo inicialmente firmado e que os serviços se encontram paralisados por razões alheias à vontade da Contratada, afigurar-se-ia plenamente legal o acréscimo solicitado se fundamentado fosse o pedido.
15. Todavia, a adição de prazo não se mostra possível, uma vez que o processo não se encontra instruído com justificativa idônea a fundamentar a necessidade de 3 (três) meses adicionais ao prazo inicialmente estipulado. Confira-se:
V. DA NATUREZA DOS ADITIVOS EM TELA
16. Conforme manifestação 0174501 e 0212549, a necessária alteração contratual, em síntese, dá-se nos termos do art. 65, I, em virtude de:
➔ alteração substancial do projeto e inclusão de serviços e materiais que deveriam estar previstos no orçamento e projeto que instruíram o processo licitatório, mas não foram nele devidamente contemplados.
17. Portanto, relevante ressaltar que
a) alterações de projeto durante sua execução devem ser expedientes excepcionais, posto que, ao modificarem o projeto básico original no qual se baseou o processo licitatório, poderiam ter causado fuga de potenciais licitantes, restringindo o caráter competitivo do certame. Assim, recomenda-se que o administrador ateste que a alteração do projeto não inibiu a participação de outros interessados;
b) a área técnica da Administração Municipal competente para elaborar e fiscalizar projetos e obras civis deve aperfeiçoar e ampliar sua capacidade operacional a fim de evitar os problemas apontados nos documentos indicados, sob risco de responsabilização funcional, conforme alude o art. 28 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (DL 4.657/42) e artigos 9º a 11 da Lei 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa.
VI. DA ANÁLISE DO TERMO ADITIVO EM QUESTÃO À LUZ DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO – LINDB, DOS PRINCÍPIOS QUE REGEM AS LICITAÇÕES E DA RESPONSABILIZAÇÃO FUNCIONAL
18. Ressalte-se que o ordenamento jurídico brasileiro sofreu relevante inovação com a inclusão de novos dispositivos na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro - LINDB – DL 4.657/42 - através da Lei nº 13.655/18, atribuindo relevante papel ao pragmatismo jurídico, o qual vem ganhando destaque no cenário brasileiro, mormente ao tratar de consequências advindas de decisões judiciais e controladoras em relação às políticas públicas a cargo dos gestores.
19. O pragmatismo jurídico, dessarte, pode ser entendido, em apertada síntese, como a orientação no sentido de que a tomada de decisões, sobretudo no âmbito judicial, deve se pautar não só pela análise “fria” da lei e da jurisprudência, mas também pelas consequências práticas de determinada tomada de decisão, considerando-se uma perspectiva sistêmica e de longo prazo.
20. Acerca do tema o legislador acresceu à LINDB os dispositivos a seguir expostos, contendo verdadeiros postulados normativos acerca da aplicação do direito público.
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.
Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.
Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos.
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.
§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.
§ 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.
§ 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato. (grifei)
21. Consigne-se, por oportuno, o que consta em comentário ao novel art. 22 da LINDB feito por grandes nomes do direito administrativo brasileiro (Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx, Xxxxxx Xxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, entre outros de igual renome) no bojo de parecer jurídico conjunto em resposta à consultoria jurídica do TCU:
“A premissa é de que as decisões na gestão pública não são tomadas em um mundo abstrato de sonhos, mas de forma concreta, para resolver problemas e necessidades reais. Mais do que isso, a norma em questão reconhece que os diversos órgãos de cada ente da Federação possuem realidades próprias que não podem ser ignoradas. A realidade de gestor da União evidentemente é distinta da realidade de gestor em um pequeno e remoto município. A gestão pública envolve especificidades que têm de ser consideradas pelo julgador para a produção de decisões justas, corretas.
As condicionantes envolvem considerar (i) os obstáculos e a realidade fática do gestor; (ii) as políticas públicas acaso existentes; e (iii) o direito dos administrados envolvidos. Seria pouco razoável admitir que as normas pudessem ser ignoradas ou lidas em descompasso com o contexto fático em que a gestão pública a ela submetida se insere. E neste contexto, reconheça-se, a consideração da situação fática é uma premissa elementar da aplicação de qualquer norma jurídica.”1 (grifei)
22. Verifica-se, portanto, que a análise das consequências práticas da conduta do administrador, com o advento da reforma da LINDB operada pela Lei nº 13.655/2018, deixou de ser um argumento metajurídico para encontrar fundamento expresso no ordenamento jurídico, motivo pelo qual, caso o administrador entenda que o caso em concreto representa um risco à própria continuidade do serviço público, bem como às políticas públicas de sua responsabilidade, poderá se utilizar de uma análise consequencial para adotar determinada conduta.
23. Como já referido, dispõe o caput do art. 22 da LINDB que “serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem
1 XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx et al. Resposta aos comentários tecidos pela Consultoria Jurídica do TCU ao PL 7.448/2017. Revista Brasileira da Advocacia. vol. 9. Ano 3. P. 289-312. São Paulo: Ed. RT, abr-jun. 2018.
prejuízo dos direitos dos administrados” e “serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.”
24. Sobre o tema, o hodierno entendimento do Tribunal de Contas da União vai ao encontro do disposto no diploma ligal supra. Confira-se:
Na aplicação de sanções, o TCU deve considerar os obstáculos e as dificuldades reais enfrentadas pelo gestor, bem como ponderar se as circunstâncias do caso concreto limitaram ou condicionaram a ação do agente (art. 22 do Decreto-lei 4.657/1942 – Lindb). Acórdão 60/2020-Plenário | Relator: XXX XXXXXX
O fiscal do contrato não pode ser responsabilizado caso não lhe sejam oferecidas condições apropriadas para o desempenho de suas atribuições. Na interpretação das normas de gestão pública, deverão ser considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo (art. 22, caput, do Decreto- lei 4.657/1942 - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Acórdão 2973/2019- Segunda Câmara | Relator: XXX XXXXXX
25. Pela relevância do tema, cumpre expor parte final do voto condutos do Acórdão 60/2020,
verbis:
O fiscal do contrato não pode ser responsabilizado caso não lhe sejam oferecidas condições apropriadas para o desempenho de suas atribuições. Na interpretação das normas de gestão pública, deverão ser considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo (art. 22, caput, do Decreto- lei 4.657/1942 - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Acórdão 2973/2019- Segunda Câmara | Relator: XXX XXXXXX
26. No ponto, observe-se as justificativas apontadas pelo gestor (doc. 0174501) a fundamentar as alterações em tela:
27. Nos termos da Análise Técnica:
28. Conforme Termo de Paralisação dos Serviços (0172758):
29. Assim, no processo em tela, como já observado, vê-se que o aditivo contratual envolve fundamentalmente a alteração de natureza qualitativa e quantitativa de materiais e serviços que deveriam ter sido contemplados no projeto e orçamento que inicialmente instruíram o certame. Portanto, nos termos consignados na Justificativa e Análise Técnica, tal omissão se deu em função de projeto deficiente, ou seja, imprestável para a elaboração de elementos essenciais ao processo licitatório. Sobre o tema, confira-se entendimentos do TCU:
O orçamento detalhado do custo global da obra é elemento integrante do projeto básico. (Acórdão 2884/2009-Plenário )
Na contratação de obras e serviços, o objeto a ser contratado deve ser adequadamente especificado em projeto básico que contenha, além de memorial descritivo do objeto, orçamento detalhado do custo global da obra ou serviço, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos devidamente avaliados. (Acórdão 2012/2007-Plenário )
Impõe-se ao gestor especificar os itens componentes do objeto licitado, em nível de detalhamento que garanta a satisfação das necessidades da Administração, da forma menos onerosa possível. (Xxxxxxx 1932/2012-Plenário )
30. Dessarte, as deficiências percebidas no projeto deveriam ter sido observadas pelos servidores da área técnica do Município e retificadas ou complementadas para a competente realização de licitação e posterior execução da obra.
31. Assim, especialmente considerando-se a recorrência de problemas, equívocos e defeitos envolvendo os projetos, orçamentos e instrução processual de obras e serviços de engenharia no âmbito deste Município (vide MVP´s nº 36.847/23, 25.241/23, 75.040/23 e SEI 23.0.00000.4545- 4/23), os erros, omissões e as limitações técnicas que por ventura atinjam o setor competente devem ser levadas ao conhecimento da alta gestão Municipal a fim de que sejam paulatinamente eliminadas, tornando as atividades de projeto, orçamentação e fiscalização de obras e serviços de engenharia no âmbito do Município de Canoas mais eficazes, eficientes e efetivas, reduzindo os custos ao erário, os prazos de obra e os aditivos contratuais, redundando, assim, em maiores benefícios ao contribuinte.
32. Na mesma toada, relevante apontar que, uma vez conhecida pelo agente as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado sua ação e que possam redundar em potencial prejuízo ou dano ao erário, é seu dever informar os gestores competentes e consignar tais
circunstâncias pelas vias pertinentes, sob pena de responsabilização solidária. Nesse sentido, Lei 8429/93 – Lei de Improbidade Administrativa:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (…)
33. No mesmo sentido o já mencionado art. 28 da LINDB:
Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
34. Ainda sobre o tema, TCU:
Para aplicação de sanções pelo TCU, deve-se caracterizar a ocorrência de culpa grave ou dolo na conduta do administrador público. Acórdão 1691/2020-Plenário | Relator: XXXXXXX XXXXXX
35. Abaixo, entendimento do TCU sobre o conceito de erro grosseiro:
Para fins de responsabilização perante o TCU, considera-se erro grosseiro aquele que pode ser percebido por pessoa com diligência abaixo do normal ou que pode ser evitado por pessoa com nível de atenção aquém do ordinário, decorrente de grave inobservância de dever de cuidado. Acórdão 3327/2019-Primeira Câmara | Relator: VITAL DO RÊGO
36. Assim, tendo-se em vista a Justificativa e Parecer Técnico não exporem as circunstâncias práticas que condicionam sua atuação funcional, os dispositivos legais pertinentes já citados, bem como a jurisprudência colacionada, tem-se que tais erros envolvendo o orçamento e o projeto podem ser considerados pelo órgão de controle como erro grosseiro dos servidores responsáveis.
VII. DA DECISÃO 215/1999 (PLENÁRIO) DA CORTE DE CONTAS FEDERAL – TCU
37. Como indicado alhures, o servidor técnico responsável, ao elaborar a Análise Técnica (doc. 0212549) imiscui-se em matéria jurídica, realizando juízo de valor acerca da possibilidade jurídica do aditivo ilegal pretendido, forte em jurisprudência minoritária do Tribunal de Contas da União, litteris:
38. Em prosseguimento, segue abaixo a transcrição do teor de maior relevância da decisão (grifos nossos):
O Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo Relator, DECIDE:
8.1. com fundamento no art. 1º, inciso XVII, § 2º da Lei nº 8.443/92, e no art. 216, inciso II, do Regimento Interno deste Tribunal, responder
à Consulta formulada pelo ex-Ministro de Estado de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx, nos seguintes termos:
a) tanto as alterações contratuais quantitativas - que modificam a dimensão do objeto - quanto as unilaterais qualitativas - que mantêm intangível o objeto, em natureza e em dimensão, estão sujeitas aos limites preestabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666/93, em face do respeito aos direitos do contratado, prescrito no art. 58, I, da mesma Lei, do princípio da proporcionalidade e da necessidade de esses limites serem obrigatoriamente fixados em lei;
b) nas hipóteses de alterações contratuais consensuais, qualitativas e excepcionalíssimas de contratos de obras e serviços, é facultado à Administração ultrapassar os limites aludidos no item anterior, observados os princípios da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, além dos direitos patrimoniais do contratante privado, desde que satisfeitos cumulativamente os seguintes pressupostos:
I - não acarretar para a Administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório;
II - não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado;
III - decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial;
IV - não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos;
V - ser necessárias à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes;
VI - demonstrar-se - na motivação do ato que autorizar o aditamento contratual que extrapole os limites legais mencionados na alínea "a", supra - que as conseqüências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável ao interesse público primário (interesse coletivo) a ser atendido pela obra ou serviço, ou seja gravíssimas a esse interesse; inclusive quanto à sua urgência e emergência;
39. Portanto, in casu, percebe-se claramente que os requisitos acima NÃO se encontram cumulativamente satisfeitos. Veja-se:
• Requisito I: não aplicável ao caso em tela. Veja-se que os trabalhos de restauro ainda não foram iniciados e os pouco trabalhos efetuados estão contemplados em nota de empenho (MVP 56.062/2022). Portanto, a rescisão contratual não traria necessariamente custos mais elevados ao Município. Ademais, considerando que atualmente a Administração possui novos projetos, já atualizados e adequados à execução do objeto, seria razoável supor que novo processo licitatório atraísse novos interessados, ensejando potencialmente propostas mais vantajosas ao Ente contratante;
• Requisito II: não aplicável ao caso em tela. Os trabalhos de restauro ainda não foram iniciados.
• Requisito III: o ponto é questionável, uma vez que, em tese, os elementos fáticos que condicionam a elaboração de projeto básico seriam cognoscíveis pela Administração e pelo próprio licitante, dado que a este é possibilitada a vistoria técnica do objeto antes da apresentação de sua proposta;
• Requisito IV: aplicável ao caso em tela;
• Requisito V: não aplicável ao caso tela, posto que a obra de restauro ainda não começou e o imóvel, conforme consta na Justificativa (doc. 0174501), encontra-se desde 2014 em posse do Município, em situação de quase abandono e precária conservação. Nesse sentido, o lapso necessário para efetivação de novo processo licitatório teria impacto mínimo no início de fruição do bem por parte da comunidade. Ademais, confrontando-se os benefícios da licitação (competitividade, proposta mais vantajosa, isonomia, entre outros) e o custo de alguns meses a mais de espera por parte da população, parece razoável a escolha pela nova licitação.
• Requisito VI: definitivamente não se aplica ao caso em tela. Veja-se que a alternativa, qual seja, rescisão contratual e abertura de novo processo licitatório, não importa “sacrifício insuportável ao interesse público primário”. Ao contrário. Eventual procedimento licitatório redundaria em postergação de poucos meses e teria o potencial de atrair licitantes interessados e qualificados a executar o objeto conforme a nova tecnologia construtiva indicada, em observância aos princípios licitatórios esposados no art. 3º da Lei 8.666/93.
40. Por conseguinte, a jurisprudência indicada não é aplicável ao caso em epígrafe. Por oportuno, confira-se outras decisões do egrégio Tribunal de Contas da União em sentido semelhante (grifos nossos):
A extrapolação excepcionalíssima dos limites estabelecidos no art. 65, §§ 1º e 2º, da Lei 8.666/1993 para alterações consensuais qualitativas de contratos de obras e serviços somente é possível se satisfeitas cumulativamente as seguintes exigências estabelecidas na Decisão 215/1999-Plenário: a) não acarretar para a Administração encargos contratuais superiores àqueles oriundos de uma eventual rescisão contratual por razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório; b) não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado; c) decorrer de fatos supervenientes que impliquem dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial; d) não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos; e) ser necessária para a completa execução do objeto original do contrato, para a otimização do cronograma de execução e para a antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes; f) restar demonstrado, na motivação do ato de alteração do contrato, que as consequências da rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação, importariam sacrifício insuportável ao interesse público a ser atendido pela obra ou serviço, inclusive quanto à sua urgência e emergência. Acórdão 781/2021-Plenário | Relator: XXXXXX XXXXXXX XXXXXXXXX
O limite para alteração contratual de 25% (ou de 50%, no caso de reforma de edifício ou de equipamento) refere-se, individualmente, às supressões e aos acréscimos e não comporta compensação entre um e outro percentual para cômputo da máxima alteração permitida por lei (art. 65, da Lei 8.666/1993) . A extrapolação desses limites só é aceitável em situações
excepcionalíssimas, permeadas de imprevisibilidade, e, ainda, quando atendidos os requisitos definidos na Decisão 215/1999-Plenário. Acórdão 2157/2013-Plenário | Relator: XXX XXXXXX
41. Por derradeiro, nos termos até aqui esposados, tem-se que o valor pleiteado a título de aditivo contratual supera o máximo previsto pela legislação, portanto, ilegal e não encontrando guarida na jurisprudência pertinente.
VIII. DO NOVO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO – DA PROPORCIONALIDADE E PROMOÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS CORRELATOS
42. A Constituição Federal, em seu artigo 37, estabelece os principais princípios que regem a administração pública, prevendo, em seu inciso XXI, a licitação como regra geral para contratações públicas, litteris:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:(grifo nosso)
(...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (grifo nosso)
43. A Lei 8.666/93, ainda em vigor, em seu art. 3º, dando concretude ao comando constitucional acima, explicita:
Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.(grifo nosso)
44. No caso em epígrafe, a partir dos documentos que instruem os autos do processo administrativo em tela, resta clara a profunda mudança do projeto a ser executado, envolvendo, além da tecnologia construtiva a ser empregada, também materiais, serviços. Dessarte, são alterações relevantes e que redundaram em completa descaracterização do projeto original.
45. Na mesma toada, apenas para argumentar, mesmo se legalmente viável o aditivo pleiteado, o que já foi demostrado que não é, dada a radical alteração do projeto original, seria recomendável, à luz dos princípios constitucionais mencionados, a rescisão do contrato atual e a realização de novo procedimento licitatório, sendo esta a alternativa que mais minimiza riscos jurídicos ao gestor e corpo técnico envolvidos.
46. Ademais, também perceptível a proporcionalidade da medida. Sobre o ponto Marçal Justen Filho2:
“A proporcionalidade norteia a atividade administrativa de modo genérico e apresenta extraordinária relevância no âmbito das licitações pública.”
47. Veja-se que, conforme abalizada doutrina, o princípio, ou postulado, da proporcionalidade envolve três elementos, quais sejam:
➔ adequação;
➔ necessidade;
➔ proporcionalidade em sentido estrito.
2 Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos - Ed. 2019 Autor: Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx Editor: Revista dos Tribunais
3 XXXXX, Xxxxxxxx. Teoria do Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 18ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2018.
49. Portanto, o prazo demandado para a realização de novo processo licitatório, s.m.j, é alternativa adequada, porque promove o fim desejado (entre outros, isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa, igualdade, vinculação ao instrumento convocatório); é necessária, porque promove os princípios constitucionais apontados, ao passo que eventual aditivo os restringiria; é proporcional em sentido estrito, porque promove os princípios indicados em intensidade maior do que eventual restrição da justa expectativa da Licitante vencedora em executar o objeto para qual foi contratada.
50. Por conseguinte, mesmo se possível fosse eventual aditivo, ainda assim parece razoável supor eu não seria a melhor opção ao caso concreto em análise. Contudo, considerando-se que o aditivo pleiteado supera em muito os limites legais, não se subsumindo nas hipóteses jurisprudenciais que permitem eventual exceção, o aditivo se configura em expediente absolutamente ilegal.
IX. DA CONCLUSÃO
51. Dessarte, tendo em vista a instrução do feito e o exposto neste Parecer, não se encontra viabilidade jurídica para o aditamento pretendido, opinando-se pela rescisão do Contrato 283/2022 e realização de novo procedimento licitatório.
51. Por fim, reitera-se o já exposto, ressaltando mais uma vez:
➔ o dever do gestor público em aperfeiçoar e ampliar sua capacidade operacional a fim evitar os recorrentes erros apontados nos documentos que instruem o presente processo;
➔ a necessidade do corpo técnico do Município, em especial os integrantes do Escritório de Projetos e fiscais de contrato de informar a alta administração do Poder Executivo sobre eventuais limitações operacionais, sob pena de responsabilização funcional solidária, conforme legislação indicada;
É o parecer. À ciência da unidade consulente. Canoas, 23 de agosto de 2023.
Xxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx
Procurador do Município – Diretoria Jurídica/SMLC OAB RS 58.768
Matrícula 126031