A escolha de regras da “UNCITRAL” para reger o procedimento arbitral: quais as implicações?*
A escolha de regras da “UNCITRAL” para reger o procedimento arbitral: quais as implicações?*
Xxxx Xxxxxxxx**
I – Introdução
É prática corrente a designação de regras de arbitragem da CNUDCI1 ou “UNCITRAL2 Arbitration Rules”, nas cláusulas compromissórias de contratos de caráter internacional, negociados por juristas de empresas, advogados e alguns operadores económicos angolanos, como regras processuais para reger o procedimento arbitral em casos de litígios resultantes de tais contratos. Se, nalgumas situações, essas regras são propositadamente escolhidas pelas partes ou pelos seus advogados, nou- tras, a sua indicação resulta de um simples fenómeno de “copy-paste” (copiar-colar), fazendo com que algumas cláusulas constantes de modelos contratuais oriundos de outros países sejam automaticamente repercutidas nos contratos negociados e celebrados em Angola.
No já célebre caso XXXXXXX, Lda vs. ABAMAT-UEE, que constitui a primeira arbitragem em Angola de que resultou uma sentença sobre o mérito da causa, publicada na Revista da Ordem dos Advogados de
* Comunicação apresentada à III Conferência Internacional de Arbitragem de Luanda, realizada no Palácio de Justiça, no dia 20 de novembro de 2014.
** Docente da Faculdade de Direito da Universidade Xxxxxxxxx Xxxx.
1 CNUDCI: Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional.
2 UNCITRAL: United Nations Committee on International Trade Law.
Angola3, a cláusula compromissória4 inserta no contrato de compra e venda internacional de caixas de velocidade automáticas de marca VOITH, celebrado em 1991, previa que: “Esgotadas que sejam todas as possibilidades de acordo com os contratantes, dentro de um espírito de amizade, colaboração e respeito mútuos, fica acordado que todos os litígios que possam surgir serão resolvidos de forma definitiva segundo o Regulamento de Arbitragem da Comissão Internacional de Genève (UNCITRAL Arbitration Rules).”
As partes remeteram a solução dos litígios decorrentes da execução do contrato para o Regulamento de Arbitragem da “Comissão Interna- cional de Genève”. Mas, de que Comissão Internacional de Genève se trata? As UNCITRAL Arbitration Rules não foram elaboradas por uma Comissão Internacional de Genève. No entanto, o tribunal arbitral “ad hoc” constituído para dirimir o litígio surgido na execução do referido contrato de compra e venda, interpretou a vontade das partes, dando um efeito útil à sua declaração negocial. Assim, a cláusula foi interpretada no sentido da aplicação das Regras de arbitragem da UNCITRAL, igno- rando a referência confusa e errónea ao “Regulamento de Arbitragem da Comissão Internacional de Genève”. Este único exemplo tende a ilustrar o desconhecimento que se nota em relação às ditas regras da UNCITRAL. Qual a natureza das regras da UNCITRAL? Quais as implicações decorrentes da escolha dessas regras? Eis duas perguntas a que pre- tendemos responder no âmbito desta comunicação, cingindo a nossa reflexão em torno da problemática da designação e recusa de árbitros na constituição do tribunal arbitral, do direito aplicável à convenção de arbitragem, nomeadamente à arbitrabilidade dos litígios, dos efeitos e da impugnação das sentenças interlocutórias e sobre o fundo da causa proferidas em tais arbitragens, bem como da “nacionalidade” da sentença arbitral sobre o mérito da causa quando foram aplicadas as referidas
regras ao procedimento arbitral.
II – Breve referência histórica
A Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacio-
nal (Comissão) aprovou o seu primeiro “Regulamento de Arbitragem”,
3 In Revista da Ordem dos Advogados de Angola, Ano I, n.º 1, Centro de Documen- tação e Informação da OAA, 1998, p. 283.
4 Cláusula 13.ª do contrato.
em 28 de abril de 1976, o qual foi adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 15 de dezembro de 1976. Na Resolução de adoção, a Assembleia Geral recomendou a aplicação desse texto “para a resolução de litígios resultantes de relações comerciais internacionais, em particular, através da sua menção nos contratos comerciais”5.
Trinta e quatro anos depois, a mesma Assembleia, sob proposta da Comissão, adotou um novo Regulamento de Arbitragem, que entrou em vigor no 6 de dezembro de 20106.
III – Natureza jurídica
Apesar de ter sido elaborado sob os auspícios da ONU, o Regulamento de Arbitragem da CNUDCI tem valor puramente contratual7, vigorando apenas para as partes que convencionaram a sua aplicação. O Regula- mento prevê a possibilidade de as partes acordarem certas modificações das suas disposições, podendo este instrumento processual ser, de alguma forma, amputada (art. 1.º, n.º 1, in fine).
O Regulamento da CNUDCI visa essencialmente a Arbitragem “ad hoc”, embora sejam várias as instituições de arbitragem que aproveitaram o seu modelo para a elaboração dos respetivos Regulamentos. Com a sua elaboração, a Comissão procurou contribuir para o desenvolvimento das relações económicas internacionais8.
A expressão “Regulamento de Arbitragem” deve ser aqui entendida numa aceção material e não formal9. Trata-se de um conjunto de regras que têm por objetivo organizar um mecanismo coerente de resolução arbitral, devendo cobrir todos os aspetos da instância, desde a notificação da arbitragem até à prolação da sentença arbitral.
5 Veja-se: XXXXXXXX, Xxxxxxxx, “Les travaux de la CNUDCI: le reglèment d’arbitrage”, in Écrits – Droit de l’arbitrage, Droit du commerce international, Comité Français de l’Arbitrage, 2007, p. 267.
6 Presume-se que as partes a uma convenção de arbitragem, celebrada depois de 15 de agosto de 2010, quisessem referir-se ao Regulamento em vigor na data de início do procedimento arbitral, a não ser que tenham acordado a aplicação de uma versão diferente do Regulamento.
7 XXXXXXX/XXXXXX, Droit comparé de l’arbitrage international, Bruylant Bru- xelles, LGDJ, Schulthess, 2002, p. 73, n.º 98.
8 KEUTGEN/DAL, L’arbitrage en droit belge et international, Tome II – Le droit international, 2e édition revue et augmentée, Bruylant, 2012, p. 686.
0 XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxxxxx comparatifs des Reglèments d’Arbitrage CIRDI-
-CNUDCI-CCJA, in xxxx://xxx.xxxxxx.xxx/ temp/Mlle.pdf.
O Regulamento de Arbitragem da UNCITRAL é uma “lei proces- sual”, da mesma forma que o é a LAV angolana (Lei sobre a Arbitragem Voluntária, Lei n.º 16/03, de 25 de julho).
Por exemplo, enquanto a LAV, nos seus artigos 3.º, n.º 1, e 4.º, condiciona a realização da arbitragem à existência de uma convenção de arbitragem escrita, sancionando a falta do requisito formal com a nulidade desta, o Regulamento da UNCITRAL (de 2010) reconhece a validade da convenção de arbitragem verbal, aplicando-se desde que as partes tenham acordado sobre a sua utilização.
Enquanto a LAV prevê no seu artigo 19.º, em matéria de representação das partes, que as mesmas possam ser representadas ou assistidas por advogados, o que implica que as partes possam representar-se a si próprias ou fazer-se representar por advogados, o Regulamento da UNCITRAL prevê que as partes podem fazer-se assistir por pessoas de sua escolha. O Regulamento da CNUDCI prevê regras próprias em diversas maté- rias, como a recusa dos árbitros (art. 21.º RAC 1976; 23.º RAC 2010),
as provas, as audiências, etc.
Apesar dessas diferenças, o Regulamento da UNCITRAL não procura o afastamento por completo das legislações nacionais sobre a arbitragem. Aliás, ele prevê expressamente que “rege a arbitragem, contudo, havendo um conflito entre uma das suas disposições e uma disposição da lei aplicável à arbitragem que as partes não possam derrogar, é esta última que prevalece” (art. 1.º, n.º 2, RAC 1976; art. 1.º, n.º 3, RAC 2010).
A ideia central é de que a arbitragem ao abrigo do Regulamento da UNCITRAL sujeita-se, em primeiro lugar, à lei estadual, no mínimo às suas disposições imperativas, e, só em segundo lugar, à vontade das partes. Coloca-se aqui duas questões essenciais: a questão da determina- ção da lei de arbitragem aplicável (a lei designada pelas partes, a lei do lugar-sede da arbitragem ou da lei aplicável ao contrato?), e a de saber quais as disposições dessa lei devem ser consideradas imperativas. Nem sempre, as regras imperativas ou de ordem pública comportam uma etiqueta que as identificam10.
Por exemplo, o Regulamento (art. 32.º, n.º 3, RAC 1976, 34.º, n.º 3, RAC 2010) permite às partes dispensar o árbitro de motivar a sua sen- tença quando a maioria de legislações estaduais impõem a motivação da sentença como norma de ordem pública. Neste caso, os árbitros têm a
10 XXXXXXXX, Xxxxxxxx, “Les travaux de la CNUDCI: le reglèment d’arbitrage”..., pp. 272-273.
obrigação de depois de identificada a lei da arbitragem aplicável e o seu
conteúdo, afastar a aplicação desta disposição do Regulamento.
Com a inserção do n.º 2 do art. 1.º RAC 1976, n.º 3 RAC 2010, a autoridade do Regulamento da UNCITRAL fica limitada à sua confor- midade às disposições imperativas da lei de arbitragem aplicável.
A arbitragem ao abrigo do Regulamento da UNCITRAL é uma arbitragem semiorganizada, a meio caminho entre uma arbitragem ins- titucional e uma arbitragem “ad hoc”. Tendo as partes a maior liberdade na constituição do tribunal arbitral, na fixação do lugar da arbitragem e das regras processuais, o sistema implementado pela CNUDCI aparenta ser uma arbitragem “ad hoc”; por outro, como numa arbitragem institu- cional, as partes, através de uma cláusula compromissória, limitam-se a adotar um Regulamento.
IV – Caso de aplicação
Se uma das partes contestar, v. g., a arbitrabilidade do litígio, o tribunal aprecia a questão tendo em conta a lei de arbitragem aplicável. De acordo com o Regulamento, a sentença interlocutória sobre a competência do Tribunal arbitral é final e vinculativa. O Regulamento prevê que todas as sentenças (incluindo as parciais ou interlocutórias) são finais e vinculativas. As partes obrigam-se a executar qualquer sentença sem demora (art. 32.º, n.º 2, in fine, RAC 1976; art. 34.º RAC 2010). A finalidade da sentença tem um duplo sentido. Por um lado, a sentença é final quando esgota a competência do tribunal arbitral, e, por outro, ela é final quando já não é suscetível de recurso perante os tribunais judiciais, isto é, quando transitou em julgado11. O sentido dado pelo Grupo de Trabalhos encarregue da redação do Regulamento é mais restritivo, isto é, todas as sentenças são finais quando chegam ao conhecimento das partes, não carecendo mais de interpretação ou retificação12. Se a Lei da Arbitragem aplicável é a Lei angolana, a impugnação dessa decisão interlocutória só é possível nos termos do artigo 31.º, n.º 3: “A decisão do Tribunal Arbitral através da qual se declare competente para decidir a questão só pode ser apreciada
11 XXXXX, Xxxxx/XXXXXX, Xxx X., The Uncitral Arbitration Rules – A commen- tary, Second Edition, Xxxxxx, 0000, pp. 738-739.
12 XXXXX, Xxxxx/XXXXXX, Xxx X., The Uncitral Arbitration Rules – A commen- tary..., pp. 738-739.
pelo Tribunal Judicial depois de proferida a decisão arbitral, sem sede de impugnação ou por via de oposição à execução [...].”
Questionar a arbitrabilidade do litígio leva à determinação da lei ou do direito aplicável à convenção de arbitragem. Uma coisa é a determinação do direito aplicável ao fundo da causa, outra coisa é a determinação do direito aplicável à convenção de arbitragem. Estando à arbitragem ao abrigo do Regulamento da UNCITRAL subordinada à lei da arbitragem aplicável, é o critério da arbitrabilidade definida por esta lei que se aplica.
V – O regime da designação e recusa de árbitros nos Regulamentos de 1976 e 2010
Numa arbitragem interna sujeita a uma lei de arbitragem estadual, as questões referentes à recusa de árbitros são apreciadas, em primeira linha, pelo próprio tribunal arbitral. Só em sede de recurso é que as mesmas serão resolvidas pelo tribunal judicial.
Tendo sido o Regulamento de Arbitragem da CNUDCI concebido para as arbitragens “ad hoc”, e não existindo uma “jurisdição internacional de direito privado”, ou um “juiz de apoio internacional” para exercer as funções de assistência desempenhada pelo juiz estadual nas ordens jurídicas internas, uma das questões que mais preocupa tem a ver com o risco de paralisia da arbitragem na fase de constituição do tribunal, se, eventualmente, se verificarem manobras dilatórias de uma das partes.
Para acautelar essa situação, o Regulamento prevê a indicação pelas partes de uma Autoridade de Nomeação para dar assistência às mesmas e aos árbitros, no que respeita à nomeação, recusa e substituição desses mesmos árbitros.
A Autoridade de Nomeação é um terceiro previamente escolhido para exercer esse papel. Pode tratar-se de uma instituição ou de uma pessoa física [art. 6.º, n.º 1, al. b)]. Se, por exemplo, as partes escolhem o Presi- dente do Tribunal Provincial de Luanda como Autoridade de Nomeação, este não exercerá em relação a tal arbitragem funções jurisdicionais. Irá exercer o mesmo papel e terá a mesma qualidade que teria qualquer outra pessoa singular chamada a desempenhar a função de Autoridade de Nomeação. Por conseguinte, não se concebe que uma pessoa singu- lar indicada como Autoridade de Nomeação suspenda o funcionamento de um Tribunal Arbitral. Não poderá também o Presidente do Tribunal Provincial de Luanda exercer tal poder de suspensão.
1.º O Regulamento de Arbitragem da UNCITRAL de 1976
Em princípio, as partes são responsáveis pela escolha dos árbitros. Quando o tribunal arbitral deva ser composto por 3 árbitros, cada parte nomeia um árbitro e os dois árbitros escolhidos escolhem o terceiro que irá exercer as funções de árbitro-presidente do tribunal (art. 7.º, n.º 1).
Quando as partes não chegam a acordo sobre a designação de um árbitro ou uma das partes não nomeia o árbitro que lhe cabe nomear, as partes devem recorrer à Autoridade de Nomeação para que indique o árbitro em falta. Se não haviam indicado previamente qual a Autoridade de Nomeação podem fazê-lo oportunamente.
Nas situações em que o árbitro nomeado por uma das partes é recusado pela outra parte, e se o árbitro recusado não se escusar, a Autoridade de Nomeação irá decidir sobre a recusa do dito árbitro (art. 12.º). Um árbitro só pode ser recusado se existirem circunstâncias que possam levantar dúvidas sérias sobre a sua imparcialidade ou independência (art. 10.º, n.º 1).
Surgindo, pois, uma situação de recusa de um dos árbitros que não seja o árbitro-presidente, as partes deverão acordar oportunamente, por escrito, sobre quem deverá daí em diante exercer tais funções, de acordo com os arts. 12.º, n.º 1, al. c), e 6.º do Regulamento de Arbitra- gem da CNUDCI de 1976. No sistema autónomo da UNCITRAL, não havendo acordo das partes sobre o terceiro a indicar como Autoridade de Nomeação, cada uma delas poderá solicitar ao Secretário Geral da Corte Permanente de Arbitragem de Haia que designe a Autoridade de Nomeação (art. 6.º, n.º 2).
De acordo com o art. 11.º do Regulamento de Arbitragem da UNCI- TRAL, de 1976, a recusa de árbitro opera-se como segue:
a) A parte que deseje recusar um árbitro deve notificar a sua decisão dentro de 15 dias, a contar da data em que a nomeação deste árbitro lhe for notificada ou dentro de 15 dias, a contar da data em que teve conhecimento das circunstâncias visadas pelos arts. 9.º e 10.º
b) A recusa é notificada à outra parte, ao árbitro recusado e aos outros membros do tribunal de arbitragem. A notificação faz-se por escrito e deve ser fundamentada.
c) Quando um árbitro for recusado por uma das partes, a outra parte pode aceitar a recusa; o árbitro recusado pode igualmente renun- ciar a exercer a função de árbitro. Esta renúncia não implica o
reconhecimento dos motivos da recusa. A parte cujo árbitro foi recusado pode ainda nomear outro. Se não o fizer, a outra parte pode recorrer à Autoridade de Nomeação.
2.º O Regulamento de Arbitragem da UNCITRAL de 2010
A nova versão do Regulamento toma em consideração a possibilidade de arbitragens multipartes, reforça o papel da Autoridade de Nomeação nas suas funções de assistência no desenrolar do procedimento arbitral e aumenta as garantias processuais.
Os artigos 11.º a 13.º tratam das declarações dos árbitros e da recusa de árbitros. A Autoridade de Nomeação intervém em todos os casos em que as partes não chegam a acordo quanto à designação ou recusa de árbitros.
No Regulamento de Arbitragem da UNCITRAL de 2010, o regime de impugnação de árbitros consta do art. 11.º, e não difere substancial- mente do regime do Regulamento de 1976. Os seus traços relevantes são os seguintes:
a) A recusa de árbitros fundamenta-se na existência de circunstâncias de natureza a suscitar legítimas dúvidas sobre a sua imparcialidade ou independência;
b) Nas situações de falta, impossibilidade de facto ou de direito para desempenhar o seu cargo ou recusa de árbitro, aplica-se o proce- dimento previsto no art. 13.º:
– A parte que deseje recusar um árbitro notifica a sua decisão no prazo de 15 dias a contar da data em que a indicação desse árbitro lhe foi notificada, ou no prazo de 15 dias, a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de natureza a suscitar legítimas dúvidas sobre a sua independência ou imparcialidade.
– A notificação da recusa é comunicada a todas as demais par- tes, ao árbitro recusado e aos demais árbitros. Deve expor os motivos da recusa.
– Todas as partes envolvidas na arbitragem podem aceitar a recusa. O árbitro recusado pode escusar-se. Tal escusa não significa que reconhece a validade dos motivos da recusa.
– Se, no prazo de 15 dias a contar da data da notificação de recusa,
todas as partes não aceitarem a recusa ou o árbitro recusado
não se escusar, a parte recusante pode requerer à Autoridade de Nomeação a tomada de uma decisão. Tal recurso deve ocorrer no prazo de 30 dias a contar da data da notificação de recusa.
Quando o n.º 3 do art. 13.º do Regulamento de Arbitragem refere que “todas as partes envolvidas na arbitragem podem aceitar a recusa…”, tem em conta a realidade das arbitragens multipartes13. O Regulamento de 1976, o art. 11.º, n.º 3, estatui que “a outra parte pode aceitar a recusa…”.
3.º Apreciação
A Autoridade de Nomeação deve verificar se o procedimento esta- belecido pelo Regulamento da UNCITRAL foi respeitado, para intervir validamente no processo visando a recusa do árbitro. Conforme refere VAN DEN HOUT14, mesmo o Secretário Geral da Corte Permanente de Arbitragem de Haia procede à verificação, com a ajuda dos juristas do Bureau Internacional, que “[…] o procedimento previsto pelo Regu- lamento de Arbitragem foi respeitado”, antes de proceder à designação da Autoridade de Nomeação a pedido de uma das partes à arbitragem.
Uma parte na arbitragem não pode recorrer diretamente à Autoridade de Nomeação sem que notifique a outra parte, ao árbitro recusado e aos demais membros do tribunal sobre a recusa que pretende apresentar (art. 11.º). A Autoridade de Nomeação, que pratica atos tendentes a responder à petição da parte recusante, quando não observar o procedimento previsto no art. 11.º do Regulamento de Arbitragem viola as suas disposições e os atos por ela praticados são ineficazes por terem sido praticados de forma prematura e, por conseguinte, sem poderes para o efeito. Coloca-se aqui o problema da prematuridade da intervenção da Autoridade de Nomeação. No sistema das Regras da UNCITRAL de 1976 e de 2010, não se atribui ao Tribunal Arbitral um poder de apreciação dos motivos em que se baseia a recusa de árbitro pela parte recusante. Todos os árbitros são, no entanto, notificados da decisão de recusa tomada pela parte recusante. A partir daquele momento, a parte contrária pode aceitar a recusa ou o árbitro recusado escusar-se. Se estes não o fizerem dentro do prazo
13 Veja-se XXX XXXXXXXX & XXXXXXXX XXXXXXXXXXX, Revision of the UNCITRAL Arbitration Rules, in xxx.xxxxxxxx.xxx
00 XXXXX X. XXX XXX XXXX, Xx Xxxxxxxxx d’ Arbitrage de la CNUDCI, in
xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxx/xxxx0/Xxx/Xxxxxxxxxx.xxx.
estabelecido, a parte recusante recorre à Autoridade de Nomeação. Con- tudo, parece-nos que o não cumprimento desse procedimento pela parte recusante impede a Autoridade de Nomeação de decidir validamente.
Se a parte recusante nada fizer dentro do prazo que tem para reagir recorrendo à Autoridade de Nomeação, nos casos de indicação de um árbitro pela parte contrária contra quem tenha razões sérias ou legítimas de recusa, do conhecimento de factos de natureza a suscitar na sua pessoa motivos para recusa ou ainda da não aceitação da recusa do árbitro pela parte contrária ou pelos árbitros, opera-se a caducidade do seu direito em relação aos factos (anteriores) que eram suscetíveis de fundamentar o pedido de recusa ou que justificaram a recusa do árbitro em causa perante a parte contrária e os árbitros.
VI – Conclusões
O Regulamento da UNCITRAL tem caráter facultativo, isto é, só se aplica quando as partes assim acordaram, e sujeita-se às regras impera- tivas do direito estadual aplicável.
Tendo as partes escolhido a aplicação de Regras da UNCITRAL, essas regras são diferentes ou distintas em relação às regras da LAV quanto ao afastamento dos árbitros. O tribunal arbitral não tem poder para prosseguir a arbitragem contra a vontade de uma das partes que recuse um árbitro. Não havendo acordo da outra parte ou dos árbitros em relação à recusa proposta pela parte recusante, esta deverá recorrer à Autoridade de Nomeação.
A determinação do direito aplicável à arbitrabilidade dos litígios releva do direito aplicável à convenção de arbitragem. A lei aplicável à convenção de arbitragem será a lei da arbitragem aplicável, tal como poderá resultar da vontade das partes ou da sua determinação pelo Tri- bunal arbitral.
A impugnação de sentenças parciais ou interlocutórias proferidas no âmbito de uma arbitragem realizada com base nas regras da UNCITRAL, junto dos tribunais estaduais, sujeita às disposições da Lei da arbitragem aplicável. Por conseguinte, só é possível depois de proferida a decisão arbitral sendo a LAV aplicável.
É permitido às Partes, segundo a expressão utilizada pelo jurista fran- xxx XXXXXXXX XXXXXXX, “la liberté d’inventer une procédure”15. As Partes podem designar regras processuais da lei de um país mesmo estrangeiro, fazer a combinação de diferentes leis de forma a obter um sistema totalmente original ou fazer referência a um regulamento de arbi- tragem. No caso de as partes designarem o Regulamento da UNCITRAL para se aplicar ao processo, uma vez que se subordina à LAV, a sentença resultante dessa arbitragem é nacional e não estrangeira.
Pode uma parte requerer ao Tribunal judicial, mormente ao Tribunal Supremo, como medida cautelar, a suspensão de um tribunal arbitral por se ter pronunciado competente para decidir sobre determinado litígio considerado inarbitrável por ela? Se a lei da arbitragem aplicável for a lei angolana, tal procedimento cautelar é impossível tendo em conta o disposto no já referido art. 31.º, n.º 3, da LAV.
Uma ação de anulação da decisão interlocutória sobre a competência do Tribunal arbitral é possível com o fundamento da inarbitrabilidade do litígio? Não é possível antes da prolação da sentença sobre o mérito da causa (art. 31.º, n.º 3, da LAV).
15 Veja-se NOUGEIN, Xxxxx-Xxxxxxx/XXXXXXXX, Xxxx/ANCEL, Xxxxxx/XXXXXX, Xxxxx-Xxxxxx/XXXXX, Xxxxx/GENIN, Xxxxxxxx, Guide Pratique de l’Arbitrage et de la Médiation Commerciale…, pp. 131-132; XXXXXXX, Xxxxxxxx, La Volonté des Parties et le rôle de l’Arbitre dans l’Arbitrage International, Rev. Arb. 1981, pp. 469 e ss.