RESUMO
Administração pública consensual e a responsabilidade subsidiária da Súmula nº 331 do TST*
Consensual public administration and secondary liability in TST Precedent Nº 331
Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx**
RESUMO
O presente artigo propõe a adoção de instrumentos consensuais de solução de controvérsias, como o termo de ajustamento de conduta e a mediação, por parte da administração pública, para a destinação aos trabalhadores terceirizados das verbas retidas nos contratos de prestação de serviços. Faz uso do método teórico para a análise das fontes bibliográficas sobre o assunto e do método empírico (indutivo) para a análise dos casos concretos. Ao final constata que os instrumentos consensuais propostos oferecem melhor solução para a proteção dos direitos sociais dos trabalhadores envolvidos.
* Artigo recebido em 19 de janeiro de 2015, aprovado em 10 de junho de 2015 e atualizado em
outubro de 2019. DOI: xxxx://xx.xxx.xxx/00.00000/xxx.x000.0000.00000.
* Xxxxxxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxx Xxxxx, Xxx Xxxxx, XX, Xxxxxx. E-mail: xxxxxxx.xxxxxxx@xxxxx.xxx. Doutor e mestre em direito do estado pela Faculdade de Direito da USP. Procurador federal da Advocacia-Geral da União (AGU), onde atualmente ocupa o cargo de subprocurador-
-chefe da Procuradoria Federal na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Professor de direito administrativo no Soluções em Gestão Pública (SGP), na 3eCursos e na Escola da AGU. Xxxxxx estágio doutoral (doutorado sanduíche) na Universidad Autónoma de Madrid (Espanha).
PALAVRAS- CHAVE
Administração pública consensual — responsabilidade subsidiária da admi- nistração pública — contrato administrativo — terceirização.
ABSTRACT
This article proposes the adoption of consensual mechanisms for dispute resolution, such as consent decrees and mediation, by the Public Administration, for the allocation of the monies withheld in services agreements to outsourced workers. It makes use of the theoretical method for analysis of sources on the subject and the empirical (“inductive”) method for the analysis of specific cases. The conclusion is that the proposed consensual mechanisms offer better solutions for the protection of social rights of workers.
KEYWORDS
Consensual public administration — subsidiary liability of the public administration — administrative agreement — outsourcing
1. Introdução
O inadimplemento das obrigações trabalhistas pelas empresas presta- doras de serviços à administração pública tem suscitado uma série de debates e controvérsias jurídicas, merecendo especial atenção devido à natureza dos direitos sociais que são lesados nessas situações.
Como consequência, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) editou a
Súmula nº 331, cuja redação atual1 limita a responsabilidade subsidiária da
1 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) — Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.0.5.2011. I — A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974)
II — A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III — Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
administração pública como tomadora de serviços terceirizados aos casos de culpa in eligendo e culpa in vigilando.
Em outras palavras, caso o Estado realize corretamente o processo lici- tatório para a seleção da empresa terceirizada e fiscalize adequadamente o contrato com ela firmado, ele não poderá ser responsabilizado subsidiariamente pelo inadimplemento das verbas trabalhistas.
Ainda que a escorreita conduta do Estado para evitar sua responsabilidade subsidiária seja, por si só, um efetivo instrumento de proteção e respeito ao trabalhador terceirizado, isso não impede que ele utilize suas prerrogativas contratuais para atuar de maneira mais proativa em favor dos direitos sociais desses trabalhadores.
Entre elas, destaca-se a possibilidade de retenção de verbas contratuais devidas à empresa contratada, caso ela se torne inadimplente no cumprimento de suas obrigações trabalhistas.
O presente estudo tem como objetivo propor o uso de instrumentos consensuais para que essas verbas retidas pela administração pública das empresas prestadoras de serviços terceirizados sejam repassadas aos traba- lhadores vinculados ao contrato de prestação de serviço.
Como será demonstrado, no caso em análise, o uso dos instrumentos con- sensuais propostos, como o termo de ajustamento de conduta e a mediação, é mais eficiente do que as medidas judiciais disponíveis.
Tal solução decorre da presença de uma administração pública consen- sual, que privilegia meios negociais de solução para as situações em que a imperatividade apresenta desvantagens para a adequada solução do conflito.
No caso de negociações envolvendo direitos sociais indisponíveis, como os direitos trabalhistas, o consenso deve ser buscado com a participação dos órgãos e das instituições legitimados para a defesa desses direitos: o Ministério Público do Trabalho, as Secretarias Regionais do Trabalho e os sindicatos.
IV — O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V — Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsi- diariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empre- gadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI — A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decor- rentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
2. Terceirização e responsabilidade subsidiária da administração pública nos termos da Súmula nº 331 do TST
Atualmente, a administração pública brasileira utiliza diversos contratos de prestação de serviço para a execução de atividades em sua área meio.2 Seria o caso dos serviços de limpeza e conservação, vigilância armada e desarmada, jardinagem, recepção, manutenção predial etc.
Tais serviços são executados com dedicação exclusiva de mão de obra pela empresa contratada pela administração pública, que passa a atuar como tomadora de serviço.
Esse fenômeno é denominado de terceirização.3 Trata-se, na verdade, de contratação de terceiros para a prestação de serviços especializados ao contratante que, por sua vez, se eximirá dos ônus da relação justrabalhista com o obreiro.
A terceirização expandiu-se no mercado de trabalho brasileiro nas últimas décadas e vem sendo objeto de severas críticas por parte da doutrina trabalhista, pois implica redução de direitos do trabalhador terceirizado em comparação às regras trabalhistas tradicionais.4
2 Atividade-fim é aquela para a qual a pessoa jurídica foi constituída (causa e objeto). Sem ela, a entidade se esvaziaria. Atividade-meio é aquela que não integra o núcleo fundamental da pessoa jurídica, traduzindo-se em instrumentos de apoio necessários à consecução dos objetivos principais. Como bem observam Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx, essa distinção decorre da jurisprudência, já que não existe diploma legal específico sobre ela, nem mesmo para limitar a terceirização à atividade-meio (XXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Acerca da dicotomia atividade-fim e atividade-meio e suas implicações na ilicitude da terceirização trabalhistas. Revista de Informação Legislativa,
n. 201, p. 182, mar. 2014). Observamos que o STF reconheceu repercussão geral sobre essa
matéria (Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 713211, rel. min. Xxxx Xxx).
3 Para os fins deste trabalho, será considerada a terceirização no sentido estrito, que é aquela “restrita aos mecanismos por meio dos quais a Administração Pública contrata um particular para a realização de certa atividade, que não se configura a principal da Administração Pública (atividades-meio). Assim, em sentido estrito, a terceirização corresponde ao instituto do Direito do Trabalho transplantado para a Administração Pública” (SCHIRATO, Vitor Rhein. Terceirização na administração pública. Fórum de Contratação e Gestão Pública — FCGP, n. 139, jul. 2013. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxx/XXX0000.xxxx?xxxXxxxx00000>. Acesso em: 28 maio 2014).
4 Nesse sentido, convém mencionar o entendimento de Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx: “O modelo trilateral de relação jurídica que surge desse mecanismo é francamente distinto do clássico modelo empregatício, que se funda em relação de caráter essencialmente bilateral (emprega- do e empregador). Chocando-se com a estrutura teórica e normativa original do Direito do Trabalho, esse novo modelo propicia tratamento socioeconômico e jurídico ao prestador de serviços muito inferior ao padrão empregatício tradicional. Em consequência, dá origem ao debate acerca da extensão aos trabalhadores terceirizados dos princípios antidiscriminatórios
Essa prática também se instalou na administração pública brasileira, juntamente com as críticas e com os questionamentos jurídicos correlatos, guardadas, evidentemente, as devidas peculiaridades. Entre elas, a impossibi- lidade de se configurar vínculo empregatício entre o empregado terceirizado e o tomador de mão de obra, pois, no caso, o tomador de serviço seria a admi- nistração pública, à qual se aplica a exigência de concurso público como re- quisito obrigatório para a formação do vínculo laboral (CF, art. 37, II).5
Ao mesmo tempo, o ordenamento jurídico expressamente exime o poder público da responsabilidade trabalhista decorrente de prestação de serviços terceirizados, consoante previsão do art. 71, §1º, da Lei nº 8.666/1993.6
Inicialmente, a Justiça do Trabalho afastou a aplicação do referido dispo- sitivo legal, o que levou à edição da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Segundo essa Súmula, em caso de inadimplemento de verbas trabalhistas pela empresa prestadora de serviços, inobstante a impossibilidade de configuração de vínculo de emprego entre o trabalhador terceirizado e a administração pública, esta teria responsabilidade subsidiária pelas verbas trabalhistas inadimplidas pela empresa prestadora de serviços.
Portanto, a Justiça do Trabalho afastava a aplicação do art. 71, §1º, da Lei nº 8.666/1993 e condenava o poder público, quando tomador de serviços, ao pagamento de verbas trabalhistas inadimplidas pela empresa prestadora de serviços. Tal entendimento consagrou a responsabilidade subsidiária do Estado pelo inadimplemento dessas verbas.
Em razão desse entendimento, consolidado pela Súmula nº 331 do TST, houve o ajuizamento da ADC nº 16/DF,7 na qual o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou constitucional o art. 71, §1º, da Lei nº 8.666/1993.
que presidem a ordem constitucional do país”. XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 755.
5 Tal entendimento encontra-se consolidado por força da Súmula nº 331 do TST, itens I e II: “I — A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II — A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988)”.
6 “Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comer- ciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis” (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995).
7 “RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus
A decisão do STF levou o TST a alterar o enunciado da sua Súmula nº 331, dando nova redação ao item IV e inserindo os itens V e VI:
IV — O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V — Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cum- primento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI — A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
Devido ao entendimento esposado pelo STF e em razão da revisão da Súmula nº 331 do TST, a responsabilidade subsidiária do poder público em razão do inadimplemento de verbas trabalhistas nos contratos de terceirização de mão de obra só ficará configurada nos casos de culpa in eligendo e culpa in vigilando.
Em outras palavras, para que a responsabilidade subsidiária do poder público fique configurada, deverá ficar demonstrado que ele não selecionou bem a empresa contratada, mediante o devido processo licitatório (culpa in eligendo) ou que ele não a fiscalizou corretamente durante a prestação dos serviços, a fim de impedir o descumprimento das obrigações contratuais, inclusive as trabalhistas (culpa in vigilando).8
encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art. 71, §1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, §1o, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995” (STF, Pleno ADC 16, rel. min. Xxxxx Xxxxxx, x. em 24/11/2010, DJe 9/9/2011).
8 Nesse sentido, cf.: “RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. FISCALIZAÇÃO POR PARTE DO
EMPREGADOR. INOCORRÊNCIA. Considerando que a tomadora de serviços demonstrou
O STF anuiu com o entendimento definido pela Súmula nº 331 do TST ao julgar essa matéria com repercussão,9 fixando o Tema 246, segundo o qual: “O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do con- tratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a res- ponsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, §1º, da Lei nº 8.666/93”.
A escolha correta da empresa prestadora de serviços deverá obedecer aos trâmites da Lei nº 8.666/1993. No âmbito da administração pública federal, as regras de escolha e de fiscalização das empresas contratadas para a prestação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra também estão disciplinadas pela Instrução Normativa nº 05/2017, emitida pelo então Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MPDG) e que dispõe sobre regras e diretrizes para a contratação de serviços, continuados ou não.
Referidas regras, desde que devidamente observadas, afastam a caracteri- zação da responsabilidade subsidiária da administração pública nos termos da atual redação da Súmula nº 331 do TST.
No entanto, tal solução não impede o inadimplemento das verbas traba- lhistas devidas aos trabalhadores terceirizados. É certo que existem diversas situações em que os trabalhadores poderão ficar sem receber pelos seus direitos trabalhistas, v.g., nos casos de falência do empregador.
Da mesma forma, conforme será demonstrado, poderão surgir situações em que a administração pública poderá tomar medidas adicionais de proteção ao trabalhador terceirizado, indo além da fiscalização formal e preventiva.
Estamos nos referindo à utilização de conta vinculada para o pagamento de salários; à retenção de valores contratuais quando o contratado for inadim- plente; ao pagamento em juízo de verbas devidas à empresa prestadora de serviços inadimplente; e à possibilidade de pagamento direto aos traba- lhadores terceirizados quando houver previsão contratual nesse sentido.
Todas essas soluções estão previstas na Instrução Normativa nº 05/2017 do então Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MPDG)
através da juntada de documentos que não ocorreu em culpa in vigilando, fiscalizando o cumprimento do contrato de prestação de serviços inclusive quanto ao pagamento dos trabalhadores, aplica-se a novel redação da Súmula 331, IV e V do C. TST, afastando a sua condenação subsidiária pelo inadimplemento das verbas pleiteadas” (TRT 17ª Região, 3ª Turma, RO 0141400-42.2010.5.17.0005, Rel. desembargador Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx, julgado em 21.5.2012, DEJT 11/6/2012).
9 STF, Pleno. RE 603397RG/SC. rel. min. Xxxxx Xxxxxx, x. 4/2/2010, DJe 16/4/2010.
(art. 65 e Anexo XII)10 e constituem instrumento apto para minorar os prejuízos sociais decorrentes do inadimplemento das verbas trabalhistas pela empresa prestadora de serviços.
É certo que a ausência dessas medidas adicionais não implica desrespeito aos preceitos da Súmula nº 331 do TST, pois sempre que houver a escolha e a fiscalização correta da empresa prestadora de serviços pela administração pública, não estará caracterizada a responsabilidade subsidiária do poder público.
Além disso, o fundamento jurídico dessas medidas está no dever do Estado de proteção dos direitos sociais dos trabalhadores e não em suas obrigações contratuais perante a empresa prestadora de serviços.
Por outro lado, existem situações em que mesmo a adoção dessas me- didas adicionais será insuficiente para promover uma adequada proteção ao trabalhador terceirizado lesado pela inadimplência da empresa prestadora de serviços.
Será necessária a adoção de outras formas de resolução da questão, tomadas com base no consenso. Para tanto, deve-se ter em mente a presença de uma administração pública consensual, que vai além do exercício de prer- rogativas para proteção patrimonial do Estado e busca, por meio de instru- mentos democráticos, a satisfação de diversos interesses públicos como, entre eles, os interesses sociais dos trabalhadores.
10 “Art. 65. Até que a contratada comprove o disposto no artigo anterior, o órgão ou entidade contratante deverá reter: I — a garantia contratual, conforme art. 56 da Lei nº 8.666, de 1993, prestada com cobertura para os casos de descumprimento das obrigações de natureza trabalhista e previdenciária pela contratada, que será executada para reembolso dos prejuízos sofridos pela Administração, nos termos da legislação que rege a matéria; e II — os valores das Notas fiscais ou Faturas correspondentes em valor proporcional ao inadimplemento, até que a situação seja regularizada. Parágrafo único. Na hipótese prevista no inciso II do caput, não havendo quitação das obrigações por parte da contratada no prazo de quinze dias, a contratante poderá efetuar o pagamento das obrigações diretamente aos empregados da contratada que tenham participado da execução dos serviços objeto do contrato”. “ANEXO XII. CONTA-DEPÓSITO VINCULADA — BLOQUEADA PARA MOVIMENTAÇÃO.
1. As provisões realizadas pela Administração contratante para o pagamento dos encargos trabalhistas de que trata este Anexo, em relação à mão de obra das empresas contratadas para prestar serviços de forma contínua, por meio de dedicação exclusiva de mão de obra, serão destacadas do valor mensal do contrato e depositadas pela Administração em Conta-Depósito Vinculada — bloqueada para movimentação, aberta em nome do prestador de serviço.
2. O montante dos depósitos da Conta-Depósito Vinculada — bloqueada para movimentação será igual ao somatório dos valores das seguintes provisões: a) 13º (décimo terceiro) salário;
b) férias e ½ (um terço) constitucional de férias; c) multa sobre o FGTS e contribuição social para as rescisões sem justa causa; e d) encargos sobre férias e 13º (décimo terceiro) salário.
3. A movimentação da Conta-Depósito Vinculada — bloqueada para movimentação dependerá de autorização do órgão ou entidade contratante e será feita exclusivamente para o pagamento das obrigações previstas no item 2 acima […]”.
Assim, além das medidas de proteção ao trabalhador terceirizado previstas pela IN MPDG nº 05/2017, haverá necessidade de utilização de medidas consensuais para minorar os prejuízos que o inadimplemento contra- tual da empresa prestadora de serviços acarreta aos trabalhadores terceiri- zados vinculados a esse contrato.
É claro que as medidas adiante comentadas dependem de um compro- misso social do gestor público, que deverá se conscientizar de que a admi- nistração pública também possui o papel de reconhecer os direitos dos cidadãos e garanti-los, servindo como mediadora entre os interesses do Estado e os da sociedade.
3. Retenção de valores contratuais
Todo o raciocínio em desenvolvimento não faria sentido se a administra- ção pública não dispusesse de meios de retenção de valores contratuais devidos ao prestador de serviços em razão de seu inadimplemento contratual, tal como previsto pela IN MPDG nº 05/2017, cuja intenção é minorar os prejuízos dos trabalhadores terceirizados.
É o que dispõe art. 65 desse ato normativo, que possibilita a retenção e/ou a glosa no pagamento devido à empresa prestadora de serviços que deixar de executar os serviços contratados ou de prestá-los sem a qualidade mínima exigida, bem como sem o emprego dos recursos materiais e humanos contratados.11
Além disso, também existem outras verbas decorrentes do contrato de prestação de serviços como as garantias contratuais previstas pela Lei nº 8.666/1993, a possibilidade de exigência de apólice de seguro para garantir eventuais inadimplementos contratuais e os valores devidos em virtude de repactuações contratuais ou reequilíbrio econômico-financeiro em favor do contratado.
11 “Art. 65. Até que a contratada comprove o disposto no artigo anterior, o órgão ou entidade contratante deverá reter: I — a garantia contratual, conforme art. 56 da Lei nº 8.666, de 1993, prestada com cobertura para os casos de descumprimento das obrigações de natureza trabalhista e previdenciária pela contratada, que será executada para reembolso dos prejuízos sofridos pela Administração, nos termos da legislação que rege a matéria; e II — os valores das Notas fiscais ou Faturas correspondentes em valor proporcional ao inadimplemento, até que a situação seja regularizada. Parágrafo único. Na hipótese prevista no inciso II do caput, não havendo quitação das obrigações por parte da contratada no prazo de quinze dias, a contratante poderá efetuar o pagamento das obrigações diretamente aos empregados da contratada que tenham participado da execução dos serviços objeto do contrato.”
Em parte, o destino dessas verbas está previsto pela própria IN MPDG nº 05/2017, conforme será abordado no próximo tópico. No entanto, defen- demos a conjugação de instrumentos consensuais para que essas verbas sejam destinadas de maneira mais eficaz aos trabalhadores terceirizados.
4. Destinação dos valores retidos nos termos da Instrução Normativa MPDG nº 05/2017
A IN MPDG nº 05/2017 prevê a utilização de alguns meios para a desti- nação dos valores retidos: a) o pagamento direto aos trabalhadores; b) a utilização de conta vinculada; c) o pagamento em juízo de verbas devidas à empresa prestadora de serviços inadimplente; e d) o pagamento pelo fato gerador. Essas soluções estão previstas em seu art. 65 e no seu Anexo XII e constituem instrumento apto para minorar os prejuízos sociais decorrentes do inadimplemento das verbas trabalhistas pela empresa prestadora de serviços.
No entanto, conforme se passa a demonstrar, essas soluções podem não ser suficientes para uma adequada destinação dos valores retidos, justificando a adoção de soluções extrajudiciais decorrentes do consenso.
Passa-se, portanto, a discorrer sobre cada um dos meios apontados e
sobre suas respectivas insuficiências para resolver essa questão.
4.1 O pagamento direto aos trabalhadores
O item 1.2, alínea “d” do Anexo VII-B da IN MPDG nº 05/2017, prevê a utilização de cláusula contratual que autorize a Administração “[…] a fazer o desconto nas faturas e realizar os pagamentos dos salários e demais verbas trabalhistas diretamente aos trabalhadores, bem como das contribuições previdenciárias e do FGTS, quando estes não forem adimplidos”.
Nesse caso, a administração pública estaria munida de instrumento de autotutela que lhe permitiria o desconto na fatura de pagamento da empresa prestadora de serviço que deixar de honrar suas obrigações trabalhistas. Os valores descontados seriam usados para o pagamento dos salários dos trabalhadores terceirizados vinculados ao contrato.
Tal medida depende de previsão contratual e editalícia. Caso essa pre-
visão não exista, restará a adoção das medidas adiante comentadas.
4.2 A utilizaęão de conta vinculada
A IN MPDG nº 05/2017, em seu Anexo XII, também prevê a utilização de uma conta vinculada para o pagamento das verbas salariais devidas mensalmente aos trabalhadores vinculados ao contrato. No caso, a empresa prestadora de serviços discriminaria o montante da fatura a ser pago aos trabalhadores terceirizados que, por sua vez, seria pago diretamente a eles pela administração por meio da conta vinculada. Com isso, evitar-se-ia o inadimplemento das verbas trabalhistas.
Tal medida depende de expressa previsão contratual e editalícia, a fim de vincular a contratada a essa obrigação. Além disso, o órgão ou a entidade tomadora do serviço deverá firmar acordo de cooperação com instituição bancária oficial para a abertura da conta-corrente vinculada.
Sem dúvida, as medidas previstas pela IN MPDG nº 05/2017 representam meio idôneo de minorar os impactos negativos do inadimplemento salarial sofrido pelos trabalhadores terceirizados em razão da omissão da empresa prestadora de serviços.
No entanto, caso elas não estejam previstas contratualmente, restará a adoção da medida judicial adiante comentada que, por sua vez, parece não ser o meio mais eficiente para lidar com a questão.
4.3 O pagamento em juízo de verbas devidas à empresa prestadora de servięos inadimplente
O item 1.3 do Anexo VII-B da IN MPDG nº 05/2017 determina que: Quando não for possível a realização dos pagamentos a que se refere o
item “d” do subitem 1.2 acima pela própria Administração, esses valores retidos cautelarmente serão depositados junto à Justiça do Trabalho, com o objetivo de serem utilizados exclusivamente no pagamento de salários e das demais verbas trabalhistas, bem como das contribuições sociais e FGTS.
Nota-se que o normativo menciona que os valores retidos serão deposi- tados na Justiça do Trabalho, a fim de que sejam utilizados exclusivamente para o pagamento dos salários e demais verbas trabalhistas. No entanto, não
menciona nenhuma ação judicial específica e tampouco quem seria o réu da ação do depósito em juízo.
Esse pagamento em juízo só faz sentido se o seu destinatário for o traba- lhador terceirizado cujos direitos trabalhistas em inadimplemento ensejaram a propositura dessa ação. Portanto, a pretensão dessa ação seria destinar as verbas retidas aos trabalhadores terceirizados, a fim de quitar ou compensar os direitos trabalhistas que não lhe foram pagos.
Desse modo, acertada a opção pela Justiça do Trabalho como foro com- petente, pois a causa de pedir a ser formulada em juízo é a proteção dos trabalhadores terceirizados por meio da destinação das verbas retidas a eles.
Deve-se considerar, ademais, que a Emenda Constitucional nº 45/2005 ampliou a competência da Justiça do Trabalho, o que ajuda a definir o foro trabalhista como órgão jurisdicional competente para essas ações.
Além disso, não há que se falar em controvérsia de natureza cível nessa situação, pois a empresa contratada jamais se oporá ao recebimento das parcelas contratuais, o que torna prejudicado o uso da Justiça Comum.
Por outro lado, o meio judicial a ser utilizado para o pagamento das verbas retidas em juízo não parece tão óbvio. Isso porque a ação normalmente utilizada para o pagamento de valores em juízo é a ação de consignação em pagamento, cujos objetivos e hipóteses restritas de cabimento parecem não se aplicar ao caso (ver art. 33512 e ss. do Código Civil).
O uso da ação de consignação em pagamento na Justiça do Trabalho, de acordo com o ensinamento de Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx, é mais comum nas seguintes hipóteses: a) dispensa, com ou sem justa causa; b) morte ou ausência do empregado; c) empregado que se recusa a receber; e d) quando o empregado pretende devolver as ferramentas de trabalho à empresa.13 Mesmo essas hipóteses específicas para a justiça especializada parecem não ser cabíveis para efetuar o pagamento em juízo mencionado pelo item 1.3 do Anexo VII-B da IN MPDG nº 05/2017.
12 “Art. 335. A consignação tem lugar: I — se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma; II — se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos; III — se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil; IV — se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento; V — se pender litígio sobre o objeto do pagamento.”
13 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito processual do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 1341.
Por essa razão, entendemos que não deve ser feito uso de ação típica para o pagamento em juízo das verbas retidas da contratada em razão do inadimplemento de direitos trabalhistas. Parece de melhor técnica o uso de ação ordinária ou cautelar inominada devido à especificidade do objeto em questão.
A referida ação deve indicar o rol de trabalhadores com direito ao recebi- mento da verba depositada, que deverão ser citados para participar da relação processual, o que emprestará caráter coletivo a essa ação. Do mesmo modo, deverá haver a discriminação do que seria devido a cada trabalhador. Caso o montante retido e depositado em juízo não seja suficiente para o pagamento de todos os trabalhadores, caberá ao juiz da causa decidir o que será devido a cada trabalhador vinculado ao contrato.
Nota-se, portanto, que essa solução é deveras custosa e trabalhosa, já que implicaria o patrocínio em juízo de diversos trabalhadores, com várias intimações e defesas diferentes, o que inevitavelmente causará lentidão processual e prolongará a solução de uma causa de natureza alimentar.
Ainda que os trabalhadores envolvidos façam-se representar por um único advogado ou por sindicato, essa ação não perderá sua natureza coletiva, cujo trâmite e solução são sempre custosos nos meios judiciais.
Acrescenta-se que o Poder Judiciário já está sobrecarregado com a solução dos demais litígios, não faltando defensores de soluções extrajudiciais para a resolução de conflitos diferenciados.
Além disso, convém lembrar a existência do princípio da não necessidade da intervenção jurisdicional nas relações de direito público, segundo o qual, em regra, os direitos eventualmente existentes podem e devem ser cumpridos pela administração pública independentemente da instauração de um processo judicial.14
Nesse sentido é que o presente artigo propõe a adoção de meios con- sensuais para a destinação das verbas retidas em favor dos trabalhadores terceirizados vinculados ao contrato administrativo de prestação de serviços. Igualmente, o montante retido pela administração poderá não ser sufi- ciente para o pagamento dos direitos de todos os trabalhadores, restando ao poder público a árdua tarefa de distribuir equitativamente esse montante
entre os trabalhadores lesados.
14 XXXXXXXX, Xxxxxxx. A (in)disponibilidade do interesse público: consequências processuais (composição em juízo, prerrogativas processuais, arbitragem e ação monitória). Revista de Processo, n. 128, p. 61-62, out. 2005.
Por esse motivo é que se defende a adoção de instrumentos consensuais para a solução dessa questão, já que os meios ortodoxos parecem morosos, caros e ineficientes. Do mesmo modo, uma decisão unilateral, seja ela judicial ou administrativa, para a solução desse impasse seria inevitavelmente distante dos anseios dos trabalhadores envolvidos.
Uma solução consensual para casos como esse implicaria envolver os próprios interessados na tomada da decisão, conferindo maior legitimidade e rapidez à medida.
Na sequência, serão propostos alguns métodos consensuais para a solu- ção desse impasse. Antes, no entanto, deve ser feita uma breve nota sobre o consenso na administração pública.
4.4 O pagamento pelo fato gerador
O art. 8º, V, alínea “a” do Decreto nº 9.507/2018, estabelece que os con- tratos administrativos de prestação de serviço com dedicação exclusiva de mão de obra conterão cláusulas que prevejam: “[…] que os valores destinados ao pagamento de férias, décimo terceiro salário, ausências legais e verbas rescisórias dos empregados da contratada que participarem da execução dos serviços contratados serão efetuados pela contratante à contratada somente na ocorrência do fato gerador”.
A exemplo da conta vinculada, a efetividade do pagamento pelo fato gerador depende de previsão contratual e da capacidade operacional por parte da administração pública, o que nem sempre se verifica. Nessa situação, abre-se espaço para a adoção das soluções que se passam a propor.
5. Xxxxx nota sobre a administração pública consensual
A ordem constitucional brasileira elenca uma série de direitos, cuja apli- cação e efetivação desafiam soluções diversas e integradas. Especificamente em relação aos direitos sociais dos trabalhadores, existem diversos órgãos e entidades competentes para a proteção e promoção desses direitos.
A solução de impasses envolvendo a proteção dos trabalhadores pode levar à atuação conjunta desses diversos atores sociais e institucionais, que são preferíveis em relação a qualquer tentativa de solução unilateral por parte de qualquer um deles.
No caso em debate, além da administração pública contratante, o Ministério Público do Trabalho, as Secretarias Regionais do Trabalho e os sindicatos deveriam atuar como partícipes para uma solução consensual envolvendo a repartição das verbas retidas entre os trabalhadores terceirizados. Além, evidentemente, da própria empresa contratada para a prestação de serviços, caso ela ainda exista e se interesse em participar do acordo.
Acrescenta-se que, com a consagração do estado democrático de direito, o cidadão passa a ser partícipe nas decisões administrativas. Essa participação vai além da democracia representativa e implica a adoção de instrumento de participação popular apto à gestão dos diversos interesses públicos presentes na sociedade.15
Essa participação popular não se limita a atuações individuais, abran- gendo entidades da sociedade civil e do meio empresarial. Com isso, cidadãos, sindicatos, empresas e órgãos públicos devem interferir na formação das soluções de conflitos, sobretudo naqueles envolvendo interesses multilaterais. Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx leciona que as técnicas consensuais vêm sendo empregadas como soluções preferenciais aos métodos estatais que veiculam unilateral e impositivamente comandos para os cidadãos, as empresas e as organizações da sociedade civil. Ele ainda acrescenta que a administração pública passa a valorizar e até a privilegiar formas de gestão como o acordo, a cooperação, a colaboração, a conciliação e a transação, mesmo em atividades
reservadas ao tradicional modo impositivo e autoritário de administrar.16
A participação de diversos atores sociais e institucionais e a utilização de métodos negociais pela administração pública para a solução de situações que envolvem diversos interesses públicos levam à consagração de uma admi- nistração pública consensual.
Com isso, opta-se por uma resolução de controvérsias democráticas e conduzida para adotar formas mais dinâmicas de relação entre o poder público e o cidadão. O objetivo é conciliar e equilibrar os interesses do parti- cular e da administração, inclusive os relativos à boa gestão dos contratos
15 Nesse sentido, conferir SCHIRATO, Xxxxx Xxxxx; PALMA, Xxxxxxx Xxxxxxxxx de. Consenso e legalidade: vinculação da atividade administrativa consensual ao Direito. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (Rere), n. 24, dez./jan./fev. 2011. Disponível em: <www.direitodoestado. com/revista/RERE-24-DEZEMBRO-JANEIRO-FEVEREIRO-2011-XXXXX-XXXXXXX.pdf>. Acesso em: 18 out. 2013.
16 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Administração consensual como a nova face da administração pública no século XXI: fundamentos dogmáticos, formas de expressão e instrumentos de ação. In: . Direito administrativo democrático. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 218.
administrativos. Como consequência, haverá o aperfeiçoamento do canal de diálogo e das transações envolvendo a administração, pondo fim a litígios que, em regra, se arrastam por anos até o pronunciamento do Poder Judiciário.17
Tal diapasão é bastante oportuno para solucionar os impasses decorrentes da aplicação da Súmula nº 331 do TST. Mesmo ficando eximida do pagamento dos direitos devidos ao trabalhador terceirizado pela empresa prestadora de serviços inadimplente, a administração pública, muitas vezes, dispõe de valores devidos a essas empresas, seja em razão de reequilíbrios econômico-
-financeiros retroativos, seja em razão da retenção de parcelas contratuais
devidas ao contratado inadimplente ou de garantias prestadas por ele.
Por essa razão é que se propõe a adoção de instrumentos consensuais por parte da administração pública, a fim de que ela possa, em conjunto com outros órgãos e entidades, melhor destinar os valores cautelarmente retidos de empresas prestadoras de serviços inadimplentes, destinando esse mon- tante aos trabalhadores terceirizados lesados. Essa solução consensual, além de legitimar a atuação administrativa, contribuirá para a efetivação dos direi- tos sociais desses trabalhadores.
Cabe ainda esclarecer que os mecanismos de consenso disponíveis para uso da administração pública permitem que ela se submeta a fórmulas alter- nativas de resolução de conflitos ou atue como mediadora de conflitos prota- gonizados entre particulares.18
No caso em análise, a atuação consensual da administração pública será para dirimir conflitos entre terceiros, ou seja, entre os trabalhadores tercei- rizados e a empresa prestadora de serviços, tarefa na qual poderá ser auxiliada pelo Ministério Público do Trabalho, pelas Secretarias Regionais do Trabalho e pelos sindicatos representativos das categorias profissionais envolvidas.
17 XXXXXXXX, Xxxxxxxxx. A processualidade administrativa como instrumento de densificação da Administração Pública Democrática: a conformação da Administração Pública Consensual. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, v. 80, n. 3, p. 83, jul./set. 2011.
18 Sobre essa dupla forma de atuação consensual da administração pública, convém citar a obra de Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx: “De um lado, a Administração Pública submete-se às fórmulas alternativas de resolução de seus próprios conflitos sem o recurso ao Poder Judiciário, como se procede na conciliação e na arbitragem. Por outro lado, é a própria Administração que dirime os conflitos protagonizados entre concessionários ou permissionários dos serviços públicos regulados e os usuários no exercício de sua competência de resolução de conflitos. Em comum, ambos os mecanismos apontam para técnicas mais céleres e eficazes de resolução de conflitos, o que se compatibiliza com o contexto no qual a consensualidade se afirmou com a abertura normativa aos acordos administrativos em sentido estrito”. XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx de. Atuação administrativa consensual: estudo de acordos substitutivos no processo administrativo sancionador. Dissertação (mestrado em direito) — Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. p. 203-204.
Em seguida, serão abordados alguns meios consensuais que podem ser utilizados para a destinação desses valores retidos em favor dos trabalhadores terceirizados.
6. Utilização de meios consensuais para a solução da controvérsia
6.1 Termo de ajustamento de conduta (TAC)
Existe um direito coletivo ou individual homogêneo dos trabalhadores vinculados ao contrato de prestação de serviço terceirizado à administração pública.
O viés coletivo desse direito decorre do art. 81, parágrafo único, II do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que define os interesses coletivos como aqueles “transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”. No caso em discussão, os trabalhadores terceirizados estão ligados por uma mesma relação jurídica base, que é o contrato de prestação de serviços à administração pública com dedicação exclusiva de mão de obra.
O direito individual homogêneo, por sua vez, também estaria caracte- rizado, pois o interesse dos trabalhadores terceirizados em receber os valores retidos tem origem comum (CDC, art. 81, parágrafo único, III),19 ou seja, decorre da prestação de serviços em razão do contrato administrativo descumprido.
Por essa razão é que os órgãos e as entidades legitimados para a defesa dessas espécies de direito devem integrar uma solução consensual para des- tinar os valores retidos nos contratos administrativos de prestação de serviços aos trabalhadores terceirizados a ele vinculados.
Em outras palavras, o Ministério Público do Trabalho, a Secretaria Re- gional do Trabalho e o sindicato representante da respectiva categoria
19 “Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: […]
III — interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”
profissional devem ser chamados, juntamente com a administração pública contratante e com a empresa prestadora de serviços, a mediar a destinação dos valores retidos aos trabalhadores vinculados ao contrato inadimplido.
A ideia é evitar a judicialização dessa questão, evitando o ajuizamento de uma ação civil pública pelo Ministério Público do Trabalho ou de uma ação coletiva pelo sindicato representante da categoria profissional em questão. A preferência é optar por um meio extrajudicial de consenso entre as partes envolvidas.
Dessa forma, o que se propõe é um termo de ajustamento de conduta (TAC) extrajudicial, em que ficariam acertados os compromissos das partes envolvidas em relação à destinação das verbas retidas da empresa contratada em favor dos empregados vinculados ao contrato.
O TAC está definido pelo art. 5º, §6º, da Lei nº 7.347/1985, segundo o qual “os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados com- promisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”.
Dessa forma, tanto a administração pública contratante como o Ministério Público do Trabalho poderiam propor a realização de um termo de ajustamento em que ficariam consignadas as obrigações das partes envolvidas.
Seria preferível, no entanto, que a condução do termo ficasse a cargo do Ministério Público do Trabalho, já que o ajuste implicará obrigações a serem cumpridas pela administração pública. Além disso, a vocação natural do parquet é a defesa dos interesses coletivos dos trabalhadores.20 O sindicato representante da categoria dos trabalhadores envolvidos teria como função liquidar as verbas rescisórias devidas a eles, no que poderia ser auxiliado pela própria empresa contratada e pela Secretaria Regional do Trabalho. A administração pública contratante ficaria com a incumbência de destinar os valores retidos aos trabalhadores vinculados à empresa contratada nos termos definidos pelo TAC.
Essa solução é mais célere e equitativa, sobretudo nas situações em que os valores retidos não forem suficientes para o pagamento de todos os trabalhadores.
20 Ver art. 83, III, da Lei Complementar nº 75/1993:
“Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:
[…]
III — promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos; […].”
Cabe esclarecer que a administração apenas auxiliaria na composição do conflito, sem tomar para si obrigação da contratada, já que a verba utilizada não lhe pertence, mas sim à empresa prestadora de serviços, que não fazia jus ao seu recebimento devido ao inadimplemento das verbas trabalhistas, objeto do TAC.
Além disso, a anuência dos trabalhadores com os termos do TAC não implica renúncia aos direitos que não foram quitados pelas verbas retidas. Essas diferenças poderão ser buscadas com o responsável pelo seu pagamento, ou seja, com a empresa prestadora de serviços.
6.2 Mediaęão
A mediação também pode ser utilizada como meio de solução consen- sual para a destinação das verbas contratuais retidas aos trabalhadores terceirizados.
Por meio dela, as partes envolvidas, trabalhadores vinculados ao contrato administrativo e empresa prestadora de serviços, seriam aproximadas pela própria administração pública contratante e pelo sindicato representante da categoria com a desejável participação do Ministério Público do Trabalho e/ou da Secretaria Regional do Trabalho.
Segundo Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, mediação “é a conduta, pela qual, um terceiro aproxima as partes conflituosas, auxiliando e, até mesmo, instigando a sua composição, que há de ser decidida, porém, pelas próprias partes”.21
Nesse sentido, a administração pública e o Ministério Público do Traba- lho e/ou a Secretaria Regional do Trabalho aproximariam a empresa e os trabalhadores, que seriam assistidos pelo respectivo sindicato. Embora este- jamos diante de mediação, entendemos que os órgãos condutores também podem propor uma solução, que será acatada ou não pelas partes.22 Havendo
21 Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, Curso de direito do trabalho, op. cit., p. 1346.
22 Muito embora exista diferença conceitual entre mediação e conciliação, já que “o conciliador pode sugerir um acordo para as partes”, enquanto “o mediador auxilia no sentido de que as partes assim procedam” (XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. As peculiaridades e os efeitos jurídicos da cláusula escalonada: mediação ou conciliação e arbitragem. In: XXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx (Org.). Arbitragem doméstica e internacional — estudos em homenagem ao professor Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 359-375), entendemos que os órgãos condutores da solução amigável proposta podem, também, propor uma solução, que
acordo, caberia à administração pública destinar os valores retidos em seu poder nos termos do acordo.
Nota-se que o sindicato e a Secretaria Regional do Trabalho podem, desde esse momento, homologar a rescisão do contrato de trabalho, o que simplificaria o término da relação laboral.
Com isso, ter-se-ia uma solução mais célere e eficiente do que pela via judicial, já tão saturada de demandas repetitivas e exorbitantes da situação conflituosa em análise, o que lhe impede de dar uma solução adequada para esses casos.
Do mesmo modo, seria uma forma de buscar o consenso dentro da admi- nistração pública, que propiciaria a satisfação de direitos por meio da parti- cipação dos interessados.
Ocorrendo o inadimplemento de verbas trabalhistas, sobretudo as de natureza salarial, caberia à administração pública iniciar a mediação com a convocação dos interessados ou solicitar ao Ministério Público do Trabalho e/ou a Secretaria Regional do Trabalho que o façam.
Promovida a aproximação das partes na mediação e a respectiva com- posição, restaria à administração pública disponibilizar a verba contratual retida para o cumprimento do acordo pelas partes.
A exemplo do que afirmamos em relação ao TAC, a administração apenas auxiliaria na composição do conflito, sem tomar para si obrigação da contratada, uma vez que a verba utilizada não lhe pertence, mas sim à empresa prestadora de serviços, que não fazia jus ao seu recebimento devido ao inadimplemento das verbas trabalhistas, objeto da mediação.
A quitação seria dada pelos próprios trabalhadores, assistidos ou não por seus advogados, e homologada pelo sindicato da categoria, sempre com a presença e fiscalização do Ministério Público do Trabalho ou da Secretaria Regional do Trabalho.
Caberia à empresa, aos trabalhadores e ao sindicato liquidar as verbas rescisórias e chegar a um consenso.
Cumpre esclarecer que, tal qual afirmamos em relação ao termo de ajustamento de conduta, a anuência dos trabalhadores com a mediação não implica renúncia aos direitos que não foram quitados pelas verbas retidas. Essas diferenças poderão ser buscadas com o responsável pelo seu pagamento, ou seja, com a empresa prestadora de serviços.
será acatada ou não pelas próprias partes. Assim, defendemos, no presente caso, que o acordo a ser perseguido pela mediação não precisa seguir um rigor conceitual, podendo se mesclar com elementos da conciliação.
7. Conclusão
Como demonstrado, os contratos de prestação de serviços terceirizados à administração pública podem acarretar prejuízos aos trabalhadores a eles vinculados. Tais prejuízos decorrem do inadimplemento das verbas salariais. Atualmente, em razão da Súmula nº 331 do TST, a responsabilidade subsidiária da administração pública, como tomadora de serviços, limita-se aos casos de culpa in eligendo e culpa in vigilando, o que implica a impossibilidade, em alguns casos, de os trabalhadores terceirizados obterem ressarcimento do
que lhes é devido, já que a empresa que os contratou está inadimplente.
Ao mesmo tempo, a administração pública contratante pode ter retido pagamentos devidos à empresa contratada, justamente em virtude do inadim- plemento das obrigações trabalhistas. Como os meios judiciais previstos para a destinação dessas verbas aos trabalhadores não se mostram efetivos, a ado- ção de meios consensuais de solução, como a mediação e o termo de ajusta- mento de conduta, é mais proveitosa.
Tal postura decorre da noção de uma administração pública consensual, que privilegia meios negociais de solução para as situações em que a imperatividade não se mostra adequada para a solução do conflito.
De fato, a destinação aos trabalhadores terceirizados das verbas contratuais retidas pela administração pública da empresa que lhe prestou serviços não encontra boa solução nos meios judiciais, devendo ser solucionada por uma administração pública consensual.
Referências
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XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010.
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