CONTRATO PSICOLÓGICO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PORTUGUESA: TERMOS DO SEU CONTEÚDO
CONTRATO PSICOLÓGICO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PORTUGUESA: TERMOS DO SEU CONTEÚDO
Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx, Xxxx Xxxxxxxx Xxxx, Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
Doutoranda em Psicologia na Universidade de Extremadura Xxx xx Xxxx Xxxxxx, x.x 000 - Xxxxx
0000-000 Xxxxxx – Portugal xxxxxxxxxxxxx@xxxxx.xxx
x000000000000
Fecha de recepción: 12 de febrero de 2012 Fecha de admisión: 15 de marzo de 2012
RESUMO
Se houve épocas em que os colaboradores da Administração Pública viviam em ambientes de relativa estabilidade laboral, a globalização económica, as profundas inovações tecnológicas opera- das, e as mais recentes pressões dos mercados financeiros sobre as dívidas soberanas, provoca- ram um clima de imprevisibilidade e incerteza.
Com o presente artigo é nosso propósito contribuir para o desenvolvimento da investigação acerca da relação psicossocial de trabalho entre a Administração Pública e os seus colaboradores. Inicialmente, apresentamos uma breve revisão literária assente em dois pólos teóricos: (1) a orgânica e a relação laboral na Administração Pública; e (2) conceptualização do contrato psicoló-
gico: definição, função e conteúdo.
Sob o desígnio de uma abordagem qualitativa, construímos um inquérito por questionário, des- tinado aos colaboradores da Administração Central do Estado. Os dados recolhidos permitiram a elaboração de quadros de referência de resultados que, por meio da análise de conteúdo, nos pro- porcionaram identificar novos termos do conteúdo do contrato psicológico, ainda não citados na literatura. Concluímos, ainda, que os sujeitos desta pesquisa identificam a organização enquanto a outra parte representativa desse contrato.
Palavras-chave: Administração Pública, Recursos Humanos, Contrato Psicológico, Conteúdo do Contrato Psicológico.
ABSTRACT
If there were times when Public Administration employees lived in environments of relative job stability, now with economic globalization, profound technological innovations, and the latest financial market pressures on sovereign debt, have led to a climate of unpredictability and uncertainty.
In this article our purpose is to contribute to research development on the psychosocial work relationship between Public Administration and its employees.
Initially, we present a brief review of literature based on two theoretical poles: (1) the organic and the employment relationship in Public Administration, and (2) conceptualization of the psychological contract: definition, function and content.
In a qualitative approach, we carried out a survey using a questionnaire for employees of the Central State Administration. The data collected allowed for the elaboration of reference tables of results which, through content analysis, enabled us to identify new content terms of the psychological contract, which had not yet been cited in the existing literature. We also concluded that the subjects of this study identify the organization as the other representative part of that contract.
Keywords: Public Administration, Human Resources, Psychological Contract, Content of the Psychological Contract.
1. INTRODUÇÃO
Desde o final do século XX que o quotidiano das organizações vive em constante processo de mudança. Se umas vezes com origem em fatores endógenos outras por fatores exógenos, certo é que as organizações, de modo geral, respiram um clima de incerteza, instabilidade e variabilidade de uma economia globalizada. Estecenário, transversal à gestão pública e privada, é propício a uma atividadeem palcos vulneráveis a rápidas transformações políticas, económicas e sociais com gran- de impacto no ambiente organizacional, bem como nas relações de emprego entre os indivíduos e as instituições.
1.1 O papel do Estado e da Administração Pública Portuguesa
Frequentemente, são proferidas referências ao Estado como setor público ou administração pública. Não são, na verdade, realidades xxxxxxxxx.Xx acordo com Xxxxxxx (2007), a administração pública é uma atividade desenvolvida não só pelo Estado, mas também “por outras entidades públi- cas que dele são juridicamente distintas e, em casos especiais previstos porlei, por entidades par- ticulares.Uma maior ênfase à função administrativa do Estado justifica-se apenas pela maior importância que atualmente reveste e pelas suas dimensões macroscópias.
Nas últimas décadas, a ação da Administração Pública respondeu a dois grandes desafios: a emergência de políticas para diminuição do aparelho estatal com o objectivo de reduzir o deficit orçamental, e assim a despesa pública, e a consequente necessidade de introduzir novos métodos de gestão e a transformação da forma de emprego público.
No discurso político ou programas de governação é clara a relevância atribuída aos fatores de ordem económica. Questiona-se quanto custa o Estado?sem se perceber quanto vale o Estado? E, não obstante, em nome de uma modernização administrativa ou de uma reforma em prol do inter- esse público, reduzem-se orçamentos e eliminam-se Serviços.
O atual contexto económico e financeiro tem marcado, ao nível internacional, a imperativa necessidade de contenção dos défices públicos e a implementação de medidas de austeridade por parte de vários países da União Europeia, a que Portugal não foi alheio.
Durante muito tempo, as políticas instituídas no setor público diferenciavam, de modo prenun- ciado, um vínculo especial com os seus funcionários ou agentes, comparativamente com a prática do setor privado. Em troca de vantagens na relação formal de emprego (e.g. proteção social e maior estabilidade), os funcionários públicos estavam obrigados a respeitar regimes especiais de trabal- ho, assim como códigos de ética e disciplinares que orientam a função pública.
1.2 A relação de emprego diferenciada na Administração Pública
A Constituição da República Portuguesa, na sua redação inicial, distinguia, no regime da função pública, a figura de funcionários e agentes do Estado (Viana, 2007). Esta distinção sustentava-se, segundo a doutrina do Professor Xxxxxxxx Xxxxxxx (2007), na designação de agentes administra- tivos para “os indivíduos que por qualquer título exerçam actividade ao serviço das pessoas colec- tivas de direito público, sob a orientação dos respectivos órgãos” (p.641). Já o funcionário público seria “o agente administrativo provido por nomeação vitalícia voluntária aceite ou por contrato indefinidamente renovável, para servir por tempo completo em determinado lugar criado por lei com carácter permanente, segundo o regime legal próprio da função pública” (Xxxxxxxx Xxxxxxx, citado por Xxxxx, 2007, p.13). A expressão funcionário público transmitia de modo mais intenso a vincu- lação da relação comparativamente com a de agente, uma relação de natureza profissional e de sujeição a um estatuto específico regulado pela legislação do direito administrativo (Viana, 2007).
A individualidade do funcionário dilui-se, como refere Xxxxx (2004), no seio da estrutura orgânica que integra, representa e com a qual se confunde de tal modo que é impensável que sus- tente interesses distintos do interesse coletivo. Mais, a satisfação do interesse geral levará à real- ização dos interesses do próprio trabalhador. Como observa o autor, o servidor é uma “espécie de ‘bem da Administração’, que ela usa como instrumento para a prossecução do interesse colectivo e a quem se reconhece um conjunto de prerrogativas que não correspondem a interesses seus mas sim do serviço público” (pp. 30-31). Mais considera o autor uma efetiva diferenciação na relação de emprego na função pública que decorre da própria natureza das funções exercidas e que reconhece, aos servidores do Estado, aspetos distintos do regime laboral comum.
A reforma do regime de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores daAdministração Pública, teve como objetivo primordial a criação de um novo modelo de organiza- ção e gestão dos serviços públicos, reduzindo radicalmente o número de carreiras, em muitos casos com conteúdos funcionais idênticos, e onde a progressão conhecia procedimentos automatizados suportados mais na antiguidade do que num desempenho com distinção e mérito (Busto, 2009). Alterações que se asseguram justas e meritórias. Porém, a lei também introduz a generalização da figura de contrato de trabalhonuma lógica de modelo gestionário de âmbito privado, expropriando- se direitos e o regime jurídico em que estavam providos os funcionários e agentes (Xxxxx & Arrimar, 2008).
Ao longo da reflexão que os autores aduzem ao diploma questiona-se a constitucionalidade de algumas normas introduzidas pela lei porviolação do princípio da proteção da confiança sobre direi- tos e interesses legalmente protegidos.
1.3 Contrato psicológico – conceito e funções
A relação contratual é um elemento fundamental no processo de ajustamento entre as pessoas e as organizações. Não apenas no momento de socialização dos indivíduos mas também no senti- do instrumental que dispõe para o futuro, onde, hoje, “functionalflexibilityisthe rule ofthe game” (Xxxxx&Xxxxxxx, 2010, p.382).
O modo como os indivíduos atuam e se relacionam em contexto organizacional não se circun- screve exclusivamente aos contratos formais. Da revisão da literatura efetuada vimos que o contra- to de trabalho não é um instrumento próximo da relação do trabalho. E, em bom rigor, certo é que aquele não é invocado na relação diária entre o colaborador e os demais atores organizacionais, mas apenas em situações suscetíveis de rutura.
A relação quotidiana é orientada pelo contrato psicossociológico, definido como um conjunto de expetativas recíprocas relativas às obrigações mútuas entre cada indivíduo e a organização, assente, essencialmente, sobre três elementos: promessa, retribuição e aceitação xxxxxxxxxx.Xx promessas não são necessariamente explícitas nem os deveres necessariamente escritos pelas
partes. Antes, são compreendidas num contexto desvinculado do contrato formal. Neste sentido, o contrato psicológico é percetivo - natureza que lhe confere um carácter subjetivo e idiossincrático -
, frequentemente definido como um acordo implícito, não formal, baseado em promessas, resul- tantes de crenças individuais, cruciais na moldagem das atitudes e dos comportamentos, em geral, dos sujeitos nas suas relações com a organização à qual estão vinculados (Xxxxxxxx, 1989; Xxxxxx&Xxxxxx, 2005; Xxxxxxxx, 2009; Xxxxx&Xxxxxxx, 2010).
São, essencialmente, três as funções do contrato psicológico (Leiria, Palma, & Pina e Cunha, 2006; Correia &Mainardes, 2010): (1) Redução da insegurança- ao atenuar o nível de insegurança decorrente de omissões ou ambiguidades não clarificadas pelo contrato formal (Chambel& Fontinha, 2009); (2) Sentido orientador do comportamento dos indivíduos na organização - na relação de trabalho, os indivíduos tendem a comparar as obrigações e as compensações entre as partes, adequando o seu comportamento em função dessa avaliação que faz desses outcomes (Leiria et al., 2006); (3) Promoção do desenvolvimento de um sentimento de influência dos indiví- duos sobre a organização – ao despertar nos sujeitos, um sentimento de que podem, enquanto atores, influenciar o seu próprio destino na organização com um papel ativo e decisivo sobre o cumprimento das suas obrigações (Leiria et al., 2006).
1.4 Contrato psicológico na Administração Pública – a outra parte da relação
Aliteratura tem concetualizado mais o contrato psicológico na perspetiva do colaborador, con- siderando-se, por vezes, o empregador como a parte esquecida da relação (Leiria et al., 2006).Ideia que é corroboradapor Xxxxxx (2009) quandoafirma “the organizational agent with whom the work- er holds a contract is not clear… psychological contracts are held by individuals with respect to the employing organization in the abstract” (p.10).
Autores como Guest e Xxxxxx (2002), citados por Xxxxxx e Xxxxx, 2006, contestam a ideia de unilateralidade do contrato psicológico. Antes, compreendem-no no âmago das perceções do indi- víduo e da própria organização acerca das promessas e obrigações recíprocas decorrentes da relação de trabalho.
De acordo com Xxxxxxxx, Xxx e Xxx (2004), e Xxxxxxx eFeldman (2000) citados por Leiria et al. (2006), os gestores intermédios são os representantes da entidade empregadora, por serem estes que geram o desempenho dos trabalhadores e, como tal, os colaboradores tendem a identificar as ações daqueles como ações da própria organização. Porém, este não é um preceito consensual. Tendo como referência o modelo de Guest (2004) verifica-se que os dirigentes intermédios não têm, assim, uma influência tão significativa no contrato psicológico dos seus colaboradores, porquanto não são estes os responsáveis pela definição da estratégia de negócio ou das práticas de gestão (Leiria et al., 2006), remetendo esse papel para os presidentes e diretores institucionais.
Também este não é um desígnio totalmente consensual. E em bom rigor, nem sempre os órgãos executivos são titulares de um poder discricionário absoluto da gestão organizacional. Refiram-se, a propósito, as organizações da Administração Pública com dependência direta ou indireta dos órgãos de soberania do Estado de ondem provêm regras de vinculação e de práticas que aquelas devem observar na relação que estabelecerem com os seus colaboradores.
1.5 Contrato psicológico na Administração Pública – termos do seu conteúdo
O trabalho que encontrámos mais próximo do nosso objeto de estudo foi desenvolvido por Xxxxxx, Peiró e Mañas(2007)numa organização da Administração Pública de Espanha. O estudo teve como primeiro objetivo conhecer o conjunto de obrigações que, na perceção do sujeito, a organiza- ção deverá ter em relação aos seus colaboradores e destes para com a entidade empregadora.
De acordo com os autores a abordagem da temática no âmbito da esfera pública obriga a uma extensão importante daquele que se tornou o entendimento convencional do contrato psicológico, bem como atender ao facto de que a natureza do trabalho no setor público é diferente do setor pri-
vado. Mais referem, que os resultados obtidos em estudos empíricos com amostras em organiza- ções de âmbito privado podem não ser generalizáveis ao setor público.
Como resultado da pesquisa, na perspetiva do colaborador, as obrigações mais frequentemente cometidas às organizações são: (1)proporcionar um trabalho razoavelmente estável; (2) tratamento justopor parte da direção e dos superiores hierárquicos diretos; e (3) promoção de um clima de tra- balho harmonioso. Entre as menos frequentesos autores registaram: (4) proporcionar um trabalho desafiante; (5) ajuda para lidar com problemas fora do trabalho (no âmbito da esfera privada do indi- víduo); e (6) permitir a participação dos colaboradores nas decisões importantes na vida e gestão organizacional.
No que respeita aos aspetos que os empregados percebem com mais frequência como parte das suas obrigações, Xxxxxx et al. (2007), indicam as seguintes: (1) pontualidade; (2) ser um bom ele- mento na equipa; e (3) interajuda entre os colegas.Sendo que, relativamente aos aspetos em que se sentem com menor obrigação são: (4) executar com entusiasmo tarefas que lhe sejam menos agradáveis; (5) apresentar-se ao trabalho se não se encontra bem; e (6) realizar voluntariamente tarefas que não integrem as competências do cargo que exerce.
De um modo geral os compromissos que os colaboradores sentem como obrigações da orga- nização integram-se, essencialmente, nos aspetos que envolvem a estabilidade de emprego, salário competitivo e bem-estar laboral. Apenas o cumprimento do horário de trabalho se entende integra- do no papel formal e, assim, inerente à responsabilidade do posto de trabalho. Os outros aspetos invocados apontam para uma predisposição do colaborador para uma conduta extrapapel, i.e., com- portamentos que vão além do que é exigido pelo contrato formal, emergem de forma espontânea e voluntária em benefício da organização. A que mais se evidencia no estudo de Xxxxxx e seus colab- oradores é o altruísmo.
A mudança de paradigma emergente nas relações de emprego, sugere-nos que, em teoria, os contratos psicológicos possam estar em sucessiva rutura, não havendo porém registo de fenó- menos de abandono organizacional massivo pelos colaboradores.Poderá colocar-se a questão de se saber se há um esgotamento dos modelos, um esvaziamento dos conceitos anteriormente aborda- dos ou se, por dinâmicas transformacionais, estamos perante um novo perfil de colaboradores, de valores pessoais distintos dos de outrora de onde emerge um novo estágio de criação e desen- volvimento dos termos do contrato psicológico.
2. MÉTODO
2.1 Objetivos
Os contornos das mudanças levadas a cabo nos últimos tempos imprimem consequências determinantes na velha e estável relação de emprego. É objetivo principal deste estudo identificar quais os termos do conteúdo do contrato psicológico dos colaboradores da Administração Pública Portuguesa (no sentido de deveres/obrigações da organização percecionadas pelo sujeito). Parece- nos, porém, que subjacente a este propósito importa saber quem, na perceção dos respondentes, representa a outra partenesta relação. Atentos os objetivos anteriores definimos as seguintes pro- posições:
P 1a - Na relação de trabalho o colaborador da Administração Pública perceciona o Estado como o representante da outra parte no seu contrato psicológico;
P 1b - Na relação de trabalho o colaborador da Administração Pública perceciona a sua organi- zação como o representante da outra parte no seu contrato psicológico;
P 1c - Na relação de trabalho o colaborador da Administração Pública perceciona o seu superi- or hierárquico como o representante da outra parte no seu contrato psicológico.
P 2 – Os termos do contrato psicológico dos colaboradores da Administração Pública integra novas cláusulas para além das que já estão genericamente identificadas na literatura.
2.2 População do estudo
Entre o ensejo de chegar a um campo tão vasto quanto nos fosse permitido e a vontade de rea- lizar uma análise tão profunda quanto possível, foi nossa opção que o universo populacional que pretendemos alcançar com esta pesquisa integrasse os colaboradores da Administração Central do Estado (administração direta e indireta) em funções em cargos de direção intermédia ou superior, e nas carreiras gerais de técnico superior, assistente técnico ou operacional (ou noutra carreira/cate- goria equivalente), independentemente da relação jurídica de emprego.
O número total da nossa amostra é de cento e oitenta e seis indivíduos (n=186). O género pre- dominante é o feminino com 61% do universo dos respondentes; 53% das idades variam entre os 36 e os 50 anos; 85% são titulares de um curso de superior (6% de doutoramento; 24% de mes- trado e 55% de licenciatura); quanto ao tempo de serviços na Administração Pública (em anos com- pletos), 24% contam entre 10 e 15 anos e 29% mais de 25 anos;49% dos participantes exercem funções na carreira de técnico superior e 25% estão providos em cargos de direção intermédia; rela- tivamente à relação jurídica de emprego 47% são titulares de um contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, e 24% de nomeação definitiva; 54% dos sujeitos do estudo exercem funções em organizações cujo número total de colaboradores oscila entre 20 e 150. Finalmente, de registar que os sujeitos que mais participaram neste estudo pertencem ao setor da Educação, com 42% de respostas, seguindo-se o setor da Justiça com 18%.
2.3 Instrumento
Elegemos como principal fonte de dados desta investigação o inquérito por questionário desen- volvido no âmbito do Programa de Doutoramento em Psicologia que estamos a realizar.
Muito embora a literatura existente apresente um leque vastíssimo de escalas para o estudo das variáveis que identificámos naquele projetoe que, de resto, poderiam ter constituído, no todo ou em parte, a nossa opção, houve a necessidade de construirmos um novo instrumento de medida, essencialmente, pelo facto do quadro legal e a conjuntura social, política e económica que vivemos hoje constituir um todo único que, no passado (ainda que recente), não era expectável e que os autores pudessem prever nas suas escalas de medida.
O questionário para a recolha de dados na fase empírica, cuja apresentação integral não cabe neste trabalho, foi elaborado com base nos construtos das respetivas literaturas de referência, em entrevistas exploratórias que realizámos, na análise crítica que fixemos das escalas existentes e na experiência profissional e académica da autora do estudo.
O questionário é composto por duas partes. A primeira, que designámos por Questionário Sociodemográfico, tem como objetivo primordial a caracterização dos sujeitos participantes no estudo: género, idade, habilitações académicas, tempo de serviço na Administração Pública e na instituição onde se encontra (à data do preenchimento do questionário), categoria profissional, relação jurídica de emprego, dimensão da organização onde exerce funções (expressa em número aproximado de colaboradores) e, finalmente, setor de atividade a que pertence.
A segunda parte, intitulada O Indivíduo na Organização, apresenta vinte questões de natureza aberta que percorrem transversalmente todas as variáveis daquela investigação. Iremos, apenas, enunciar aquelas que usámos no presente trabalho:
Se para além do contrato formal de trabalho pudesse estabelecer outro contrato com o objeti- vo de regular a relação de trabalho:
1.1. Quais os aspetos que, na sua opinião, deveriam integrar esse contrato?
1.2. Com quem assinaria esse contrato:
Com um membro do Governo
Com o presidente/diretor da organização onde exerce funções Com o seu superior hierárquico
Justifique a sua resposta
A consulta de especialistas e investigadores experientes na área é, para nós, uma norma impe- rativa na fase de construção de uma nova ferramenta de pesquisa. Com este procedimento importa- va assegurar a convergência de opiniões (Xxxxxxx & Xxxxxx, 2008) quanto à relevância das questões que integravam a versão inicial do inquérito face à temática da investigação. A resposta obtida foi favorável permitindo-nos avançar para o momento seguinte – fase do pré-teste. Este exercício con- sistiu numa consulta a elementos próximos dos destinatários do estudo para validação semântica e determinação do tempo aproximado de preenchimento do questionário. Para a participação no pré- teste selecionámos indivíduos que nos sugerem elevada maturidade psicológica e no trabalho.
2.4 Procedimento
Inicialmente, solicitámos ao Presidente do Conselho Diretivo do Instituto Nacional de Administração, I.P. (INA), autorização para que os questionários fossem distribuídos, por interlocu- tores desta Instituição, aos colaboradores da Administração Pública, que nos meses de março a maio realizassem ações de formação promovidas pela Unidade de Formação em Gestão e Administração Pública. Atento o número de respostas que estávamos a recolher e por se revelar manifestamente insuficiente, num segundo momento, solicitámos, via e-mail, a colaboração das instituições públicas da Administração Central do Estado para divulgação, junto dos seus colabo- radores, do link para o sitio da internet onde disponibilizámos o questionário. Na parte introdutória ao questionário é declarado formalmente, pela autora do estudo, que toda a informação será trata- da de modo confidencial garantindo-se o anonimato de todos os participantes.
Seguindo um raciocínio indutivo, a investigação interpretativa subscreve as convicções que prosseguimos: compreender a realidade dinâmica e diversificada em contexto natural, i.e., tal qual é percecionada pelos atores do sistema em estudo (Xxxxxxxx,1986), capaz de “elucidar e conhecer os complexos processos de constituição da subjetividade [a que XxxxxxxxXxx (1999) chama de ‘caráter oculto’ da evidência], valorizando a compreensão e a explicação, diferentemente dos pres- supostos ‘quantitativos’ de predição, descrição e controle” (Holanda, 2006, p. 364), ainda que pos- samos recorrer a algum expediente quantitativo para melhor organização e interpretação dos resul- tados.
Era imperativo que atendêssemos não apenas a informação explícita nas mensagens e as condições de produção desse texto, como também a distinção entre o significado subjetivo e obje- tivo de uma resposta (pela contextualização no todo respondido), e, ainda, a realização de uma análise semiológica pela continuidade e descontinuidade semântica.
A informação recolhida foi interpretada através da análise de conteúdo das respostas. Seguimos, para o efeito, as etapas definidas por Xxxxxx (2011), realizadas em conformidade com três pólos cronológicos distintos, que compreendem: (1) pré-análise; (2) exploração do material; (3) tratamento dos resultados - a inferência e a interpretação.
As regras e análise de codificação e categorização foram submetidas à apreciação de obser- vadores independentes - Acordo inter-juízes - para avaliarem a fiabilidade dos resultados da prova. (Fortin, 2009), registando-se um excelente grau de concordância com o nosso trabalho.
Os dados da pesquisa foram codificados e agregados em categorias com o auxílio da aplicação informática NVivo 9.2
3. RESULTADOS
3.1 A outra parte do contrato psicológico
O Gráfico 1 expressa de forma clara e inequívoca que a maioria – 63% dos respondentes -, comete à figura do Presidente/Diretor da organização onde exercem funções o papel de represen- tante da outra parte de um contrato que celebrariam, para além do contrato formal de trabalho.
Importa, agora, percebermos quais os fatores, segundo os sujeitos, que sustentam a sua opção. A leitura da Xxxxxx 1 aponta, numa primeira instância, para o reconhecimento do poder discricioná- rio de gestão e administração, o qual percebemos atenta a natureza jurídica de muitas organizações que, embora dependentes da tutela do Governo, são dotadas de autonomia estatutária, administra- tiva, financeira, patrimonial e disciplinar.
Gráfico 1. O representante da outra parte do contrato psicológico na perceção dos sujeitos do estudo.
Tabela 1. A outra parte do contrato psicológico
Mas não apenas pela razão que alegámos anteriormente. Como justificam os participantes do estudo, “o Governo é toda a gente e não é ninguém e o superior hierárquico não tem grandes com- petências conferidas por Lei”; “porque sou funcionário de um organismo do Estado e não do gov- erno”; ou ainda, “dentro da responsabilidade social e até moral dos responsáveis máximos da insti- tuição seria com eles que assinaria, sem dúvida, o contrato”.
De salientar também o apelo que os sujeitos fazem à relação de proximidade com os superiores institucionais. Nas suas palavras, “(…)faz sentido ser o seu dirigente máximo a [assumir os termos do contrato] com os colaboradores que dirige e de que é responsável, reforçando essa ação com (ou através dos) dirigentes intermédios, que seriam os responsáveis operacionais pela (proposta,) gestão e controlo destes objetivos”, ou ainda pela resposta, “o meu superior hierárquico, poderia não ter essa legitimidade a nível contratual, embora houvesse ajustamentos tácitos. Quanto ao membro do Governo, nem pondero essa possibilidade pois é uma zona da estratosfera”.
A relação de proximidade é, igualmente, invocada para justificar uma relação do contrato psicológi- co com o superior hierárquico imediato. Muito embora, este âmbito, com contornos diferenciados dos que se indicaram anteriormente. Como assinalam os respondentes, é a “pessoa mais próxima e a que está mais a par dos nossos problemas e necessidades”; que tem “melhor conhecimento e especificidade do trabalho interno e externo”, ou porque “é quem influi diretamente nas condições de trabalho”.
No caso dos sujeitos que elegem o membro do Governo para esta relação contratual justificam- no sob um desígnio investido desoberania: “por causa do poder de influência” ou porque “são eles que tem autonomia para fazer este tipo de alterações. Pois se o governo disser que está congelado mais ninguém pode fazer nada”.
3.2 Termos do conteúdo do contrato psicológico
A Tabela 2, que seguidamente apresentamos, indica, por ordem decrescente de referências obti- das, os termos do conteúdo de um contrato psicossocial valorizados pelos colaboradores da Administração Pública.
Concluída a fase de codificação para todas as questões do nosso instrumento de avaliação, tín- hamos alcançado um conhecimento acerca de alguns traços de personalidade, contextos sociais, motivações, interesses, expetativas dos sujeitos que nos permitiu uma reorganização, por fusão, de categorias de proximidade, igualmente, representadas na Tabela 2.
Fazemos, simultaneamente, uma breve leitura dos resultados expressos nesta tabela justifica- dos pelas palavras dos sujeitos da investigação.
A primeira categoria, a que corresponde 24% das referências totais, integra aspetos relacionados com a remuneração (e.g., “impossibilidade de corte parcial de vencimento”, “pagamento de horas extraordinárias em dinheiro ou tempo”), incentivos (e.g., “mecanismo de compensações e recom- pensas associado à qualidade e quantidade do trabalho produzido”), benefícios (e.g., “existência de medicina no trabalho”), e reconhecimento social e material (e.g., “valorização do esforço individual”).
A segunda categoria mais referenciada, com 16% das respostas, inclui itens relativos a justiça e equidade, seja ao nível dos procedimentos seja nos relacionamento do dia a dia (e.g., “garantia de equidade na distribuição de trabalho”; “respeito pelos termos do contrato, sem alterações injustas a qualquer tempo”, ou ainda, “respeito no tratamento como pessoas que somos”). Segue-se, com 15% de referências, a categoria que aponta para a necessidade de clarificação e operacionalização dos termos do contrato formal -, cujo teor não encontrámos em qualquer trabalho já realizado den- tro deste marco teórico; compreende a necessidade dos sujeitos perceberem com maior clareza e especificação o conteúdo funcional do seu posto de trabalho (e.g., “um contrato relacionado com o desempenho efetivo, no qual constassem os objetivos a atingir e o respetivo sistema de incentivos e penalizações”; “é muito importante sabermos o que se espera de nós”; “responsabilidades sub- stantivas e formais devidamente definidas na área”).
Tabela 2. Termos do conteúdo do contrato psicológico na Administração Pública.
A categoria que se segue, com 14% das respostas, concerne a estabilidade na relação formal de emprego, seja pela cessação de alegadas “situações de prestações de serviço ilegais” ou pelo facto de a “atual mescla de regime jurídico público com laivos privados e com regimes diversos em vigor proteger menos os trabalhadores e a própria Administração Pública”.
Uma nova categoria que não tínhamos, igualmente, encontrado na literatura da área como obri- gação da entidade empregadora refere-se à flexibilidade funcional e de horário laboral – com 11% de referências. Por diversas vezes os sujeitos apelam a uma “maior flexibilidade de horário” a esta- belecer através de processo de acordo (negociação) entre a organização e os próprios colabo- radores (e.g., “conciliação trabalho-família” e “previsão de teletrabalho”).
Com menor frequência, 9% das respostas, são invocados aspetos relativos a oportunidades de formação (e.g., “competências profissionais a desenvolver para as funções em causa”), e desenvolvi- mento profissional (e.g., “critérios consubstanciados numa avaliação de desempenho diferente da que temos e que me parece estribada em critérios meramente economicistas que visam impedir o mais possível a progressão nas carreiras”). Também com 9% de referências os indivíduos rogam um maior apoio colaborativo (e.g., “dar ênfase à família de forma a não penalizar os funcionários que têm obri- gações que não são resolvidas pela sociedade”; “questões relacionadas com cidadania e ética”) e ade- quadas condições laborais (e.g., “acompanhamento na área da higiene e segurança no trabalho”).
Finalmente apresentam-se as categorias relativas à qualificação e competências dos superiores hierárquicos (e.g., “dirigentes/responsáveis mais capacitados para a função que desempenham”), igualmente inédita neste campo de estudo, e envolvimento dos colaboradores na política e vida organizacional (e.g., “os funcionários devem ser incluídos, com os seus deveres e direitos, na políti- ca de desenvolvimento da instituição”), com 1% das referências totais, respetivamente.
4. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Sob uma grande pressão de índole económica e social exercida na envolvente organizacional, as relações de trabalho, têm sofrido transformações ímpares (Leiria, et al., 2006). Nos últimos anos tem-se assistido, nos diversos domínios de atividade, a uma tendência generalizada marcada por uma
redução de contratos formais e duradouros, dando lugar a outras formas de compromisso e relação de troca entre os sujeitos e as organizações. Emerge, assim, a necessidade de entender os mecanis- mos que as sustentam e que interferem no seu processo de construção e desenvolvimento.
Como registámos na parte introdutória ao presente artigo, a literatura remete para duas cor- rentes, no que concerne à identificação do representante da outra parte do contrato psicológico, uma que considera que os colaboradores tendem a ver as ações dos gestores intermédios como ações da própria organização, outra que a contraria pelo facto de que não são estes os responsáveis pela definição da estratégia de negócio ou das práticas de gestão. Ora, considerando que as orga- nizações onde os sujeitos participantes neste estudo trabalham dependem da Administração Central do Estado [sendo que as entidades da Administração direta do Estado estão hierarquicamente sub- ordinadas ao Governo (poder de direção) e as entidades da Administração indireta do Estado estão sujeitas à sua superintendência e tutela (poderes de orientação e de fiscalização e controlo)], parece- nos que os resultados obtidos não sustentam nem uma tese nem a outra, mas apontam para uma realidade diferente, ou seja, tendencialmente os sujeitos percebem a organização (entenda-se: o(s) representante(s) máximo(s) daentidade) como a outra partelegítima do contrato psicológico, con- firmando-sepositivamente a proposição - P 1b- definida anteriormente.
No que respeita à segunda proposição: conteúdo percebido pelos colaboradores como obri- gações da organização, se atendermos à data em que o questionário foi preenchido – entre março e maio de 2011 - é compreensível a necessidade dos sujeitos integrarem cláusulas no contrato psi- cológico que estão perfeitamente estatuídas por normativos legais, como sejam, a título de exemp- lo, a remuneração, caracterização do posto de trabalho, formação ou programa de higiene e saúde do trabalho. Tal necessidade decorre do sentimento de perda causado pelas medidas de austeridade a que funcionários e organizações ficaram sujeitos, com implicações várias a diversos níveis da sua prática e gestão.
Dos resultados apresentados há duas categorias que nos oferecem uma reflexão particular. A primeira respeita à falta de clarificação de funções e objetivos que os sujeitos sugerem inexistentes ou pouco claros. Não seria previsível que viéssemos a obter tal resultado. Com efeito, o Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública (SIADAP) foi concebido para integrar o sistema de planeamento e o ciclo de gestão de cada organismo e avaliar a con- formidade com os objetivos estratégicos plurianuais (Azevedo, 2007). Significa, pois, de acordo com o normativo legal, que as instituições estão obrigadas ao cumprimento de uma metodologia de definição de objetivos em cascata, do topo à base. A ausência de especificação dos termos da relação de trabalho ou de uma clara definição de funções ou metas de serviço poderá remeter para um território de frustração ou conflito interior no sujeito.
A segunda reflexão no sentido em que percebemos o apelo a uma certa desvinculação (afasta- mento físico e de envolvimento) para com a organização. Entendimento corroborado, desde logo, pela parca manifestação de interesse dos sujeitos por uma participação ativa na tomada de decisão e na vida política da organização. Depois, pela forma com que tão veemente apelam para a previsão de teletrabalho.
Outros resultados deste estudo corroboram a pesquisa de Xxxxxx et al. (2007), como sejam, um tratamento justo por parte da direção e dos superiores hierárquicos diretos, promoção de um clima de trabalho harmonioso e apoio colaborativo no âmbito da esfera privada do indivíduo.
No contexto atual, não é expectável uma redução positiva do ritmo de influências várias e impre- visíveis nos ambientes organizacionais. A complexidade das situações será cada vez maior e obrigará a atitudes mais proactivas, mas que não se compadecem apenas pelo mero cumprimento de regras economicistas. Como afirma Xxxxx (2010), “a Administração vai ter de encontrar no seu interior, sem prejuízo de contributos externos, capacidade para assumir uma postura de responsabilização estratégica na intermediação entre necessidades, objectivos e recursos disponíveis” (p. 126).
Como noutros setores de atividade, a competitividade das organizações públicas está no seu ativo intangível. Qualquer processo de intervenção na estrutura ou na organização da Administração terá, necessariamente, que ser feito com as pessoas e não apenas substituindo ou limitando a sua ação como um “encargo pesado” a todo o custo minimizar.
ComoMurteira (2008), cremos que nos encontramos perante “um processo, ou uma deriva, de cujo sentido e direcção não estarmos seguros” (p.137). Uma certeza temos: gerir pessoas não se compagina com a aplicação cega de políticas defensivas ou de mera sobrevivência, tomadas per- ante cenários prospetivos de pura ignorância, para enfrentar a forte visão de incerteza económica.
Esta pesquisaintroduz alguns contributos para o desenvolvimento da literatura no que respeita àrelação e conteúdo do contrato psicológico dos colaboradores da Administração Pública. Os resul- tados obtidos evidenciam, ainda, uma série de aspetos que nos permitirão acaracterização de um perfil do funcionário público de hoje, matéria que será objeto de estudo num próximo trabalho.
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