Processo nº 02/99 Contrato de arrendamento
Processo nº 02/99 Contrato de arrendamento
Transferência da titularidade do contrato de arrendamento; inclusão de cláusulas limitativas ao
contrato de arrendamento; omissão do acto previsto no nº 1, do art.º 508º, do C. de Processo Civil; momento de arguir a nulidade prevista no nº 1, do art.º 201º, do C. P. C.
Sumário:
1. As relações jurídicas emergentes dos contratos de arrendamento dos imóveis do Estado são reguladas pela Lei nº 8/79, de 3 de Julho (Lei do Arrendamento) e Diploma Ministerial nº 71/80 de 30 de Julho (Regulamento da Lei do Arrendamento).
2. Ao se extinguir o contrato de arrendamento por vontade do inquilino, ou seja, na forma prevista no artigo 19º, nº 3, da Lei nº 8/79, de 3 de Julho, o locador, proprietário do imóvel, tem o direito de arrendá-lo a outrem, desde que observe as formalidades legais.
3. Os contratos de arrendamento devem ser reduzidos a escrito, com assinaturas das partes, de acordo com os artigos 6º e 7º, do Regulamento da Lei do Arrendamento.
4. Findos os articulados se ao juiz se afigurar possível conhecer do pedido sem necessidade de mais provas, designa, para dentro de dez dias uma audiência de discussão, de acordo com o nº 1, do art.º 508º, do C. de Processo Civil.
5. Aberta a audiência, se não se conseguir a conciliação, o juiz dá a palavra ao advogado do autor e, em seguida ao do réu, quando se trate de discutir o pedido, ou primeiro ao advogado do réu e depois ao do autor, quando se trate de discutir excepções ou a acção seja de simples apreciação negativa, de acordo com o art.º 509º, nº 1, do C. de Processo Civil.
6. A omissão da audiência prevista no nº 1, do artigo 508º, do Código de Processo Civil, determina uma nulidade com virtualidade para influir na decisão da causa, de acordo com o nº 1, do artigo 201º, do Código de Processo Civil.
7. A nulidade prevista no nº 1, do art.º 201º deve ser arguida dentro do prazo previsto no art.º 153º, do C. de Processo Civil, a contar do dia em que a parte foi notificada da sentença, de acordo com o art.º 205º, nº 1, do C. de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Xxxxxx Xxxxxx, com os demais sinais de identificação nos autos, propôs junto da 4ª Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, uma acção declarativa visando a anulação de um contrato de arrendamento, contra Xxxxxx Xxx Mainga e Administração do Parque Imobiliário do Estado (APIE), com sede nesta cidade.
Na sua petição de folhas 2 e 3 dos autos, o autor alega ter sido ilegalmente desprovido da titularidade do contrato de arrendamento do imóvel sito na Avenida Emília Dausse nº 1533, 10º Andar Dtº.
Juntou os documentos constantes de folhas 4 a 8 dos autos.
Citados regularmente, os réus deduziram, por impugnação, as contestações constantes de folhas 13 a 14 e 18 a 19 dos autos, tendo junto os documentos de folhas 16 a 17 e 20 a 22.
Findos os articulados, o juiz da causa proferiu o saneador-sentença, no qual absolveu os réus do pedido e condenou o autor no pagamento de uma indemnização a favor dos réus, por litigância de má-fé.
Inconformado com a decisão tomada, o autor interpôs o competente recurso de apelação. Fundamentando o recurso, o recorrente sustenta, em síntese o seguinte:
• o tribunal recorrido violou, de entre outros, os artigos 508º, nº1, 510º, 511º e 647º, todos do Código de Processo Civil por não ter realizado a audiência preparatória, nem os despachos saneador e de condensação, que no caso se impunham, com vista ao julgamento;
• a APIE e o recorrido Xxxxxx confessaram reconhecer a verdade dos factos articulados nos nºs 1, 2 e 3 da petição, pelo que o tribunal a quo deveria ter tirado as consequências legais desse facto;
• cedeu, temporariamente, a sua posição contratual de arrendatário a Xxxxxx Xxx Xxxxxx, sua sobrinha, e esta por sua vez, cedeu a mesma posição ao recorrido Xxxxxx Xxx Xxxxxx, irmão dela, sem que para tanto tivesse legitimidade ou poderes, o que se traduz na nulidade do contrato celebrado entre a APIE e o recorrido;
• ele, recorrente, é o verdadeiro titular do contrato de arrendamento, sendo que a Xxxxxx Xxxxxx, sua sobrinha, não era senão mero representante seu;
• o recorrido e sua irmã Xxxxxx Xxxxxx detinham apenas o direito de uso e habitação no imóvel em questão, sendo que nos termos do artigo 1488º, do Código Civil, tal direito é intransmissível;
• o juiz da primeira instância violou o disposto no nº 1, do artigo 456º, do Código de Processo Civil ao condenar o recorrente no pagamento de uma indemnização a favor dos réus, sem provar a alegada má fé e sem que estes tivessem formulado o pedido nesse sentido;
O recorrente pede, em conclusão, que a sentença recorrida seja revogada e que seja reconhecido como titular originário do contrato de arrendamento sobre o imóvel em questão, com a consequente anulação dos contratos posteriores.
Na sua contra-alegação, Xxxxxx Xxx Xxxxxx defende-se nos termos seguintes:
• o recorrente transferiu a titularidade do contrato a favor da sua sobrinha Lorena de livre vontade e sem qualquer cláusula condicionante que pudesse dar azo a que aquele reassumisse a posição de arrendatário;
• como nova locatária, a Xxxxxx Xxxxxx possuía poderes plenos para ceder a sua posição contratual a favor de terceiros;
Concluindo, o recorrido pede a manutenção da decisão recorrida. A APIE não apresentou nenhuma alegação em sede de recurso.
O digníssimo representante do Ministério Público nesta instância apenas se opôs à condenação do recorrente por litigância de má-fé.
Corridos os vistos legais cumpre-nos apreciar:
As questões que nos são postas são essencialmente de direito. É-nos pedido responder, em primeiro lugar, se a opção pelo disposto no artigo 510º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil, logo que findaram os articulados, constitui uma irregularidade com influência na decisão da causa; em segundo lugar e dependendo da posição a tomar em relação à primeira questão, importará decidir sobre a legalidade dos contratos de arrendamento que sucederam o contrato primitivo celebrado entre o recorrente e a locadora APIE, relativos ao imóvel em apreço.
Comecemos pela alegada violação do artigo 508º, nº1 e seguintes, do Código de Processo Civil, invocada nesta sede pelo recorrente:
Dispõe o nº 1, do artigo 508º, do Código de Processo Civil, que se ao juiz se afigurar possível conhecer do pedido sem necessidade de mais provas, realizará uma audiência de discussão.
Como acima o afirmamos, as questões aqui reportadas são essencialmente de direito e qualquer matéria de facto que eventualmente venha a ser suscitada será sempre resolvida com recurso à prova documental junta aos autos pelas partes, por se tratar de uma causa respeitante a contratos de natureza formal. Pelo exposto, temos a firme convicção de que os autos contêm elementos suficientes para uma decisão conscienciosa, sendo de afastar a necessidade dos actos previstos nos artigos 511º e seguintes do Código de Processo Civil.
Mas, se não se mostra necessário organizar a especificação e questionário preparatórios da audiência de julgamento relativo à matéria de facto, já o mesmo não se pode dizer em relação à audiência de discussão prevista no citado nº 1, do artigo 508º, do Código de Processo Civil, que deveria ter tido lugar, pelo menos para os termos do disposto no nº 2, do artigo 509º do mesmo código de processo, por ser certo que ao juiz já se afigurara possível conhecer do pedido – com inteira razão – sem necessidade de mais provas.
Ao omitir o acto previsto no dispositivo do nº 1, do artigo 508º, do Código de Processo Civil, o meritíssimo juiz a quo cometeu uma irregularidade com virtualidade para influir na decisão da causa, como previsto no nº 1, do artigo 201º, do Código de Processo Civil. Mas, para que tal nulidade procedesse, impunha-se que a parte interessada a arguisse no prazo previsto nos
artigos 153º e segunda parte do nº 1, do artigo 205º, ambos do Código de Processo Civil, ou seja, cinco dias depois da data da notificação da sentença recorrida.
Perculdido o prazo da arguição das irregularidades invocadas, não há como o tribunal delas se ocupar.
Quanto à alegada confissão do conteúdo do nº 3 da petição inicial, pelos recorridos:
Naquela parte da sua petição, o recorrente diz que foi transferido para Gaza e para não perder a casa pediu que o contrato fosse transferido para a sua sobrinha Xxxxxx Xxx Xxxxxx... pois ficara assente que voltaria à titularidade quando regressasse (sic)...
Está patente nos articulados dos réus que aceitam ser verdade apenas, que o autor, ora recorrente, em 1985 foi transferido para Gaza e nessa altura passou a titularidade do controverso contrato de arrendamento para Xxxxxx Xxx Xxxxxx, sua sobrinha. Assim o afirmamos porque a pretensa aceitação de todo o conteúdo do nº 3 da petição pelos recorridos está em manifesta oposição com o conteúdo das contestações, consideradas no seu conjunto, como se alcança, em particular, de folhas 13, verso, nºs 5 e seguintes e 18, verso, nºs 4 e 5.
Como tal, fica afastada a hipótese de confissão, nos termos do nº 1, do artigo 490º, do Código de Processo Civil.
Quanto ao mais do mérito:
Antes de mais, convém referir que as relações jurídicas emergentes dos contratos de arrendamento dos imóveis do Estado são reguladas pela Lei nº 8/79, de 3 de Julho (Lei do Arrendamento) e Diploma Ministerial nº 71/80 de 30 de Julho (Regulamento da Lei do Arrendamento), complementados mais tarde por outros diplomas legais. Em face do interesse social em causa, a legislação sobre o arrendamento dos imóveis pertencentes ao Estado prevê um regime próprio, diferente do regime geral vigente no âmbito do direito privado (em parte revogada no período pós-independência e hoje repristinada).
De acordo com o Regulamento da Lei do Arrendamento, aprovado pelo citado Diploma Ministerial nº 71/80, de 30 de Julho, o inquilino que se ausente do imóvel por mais de três meses deve usar do mecanismo previsto no artigo 16º; de acordo com o dispositivo legal aqui citado, a ausência, com direito à substituição por outra pessoa, não pode ser superior a doze meses, salvo tratando-se de missão de serviço ou curso realizados fora do país.
Como se pode ver, as providências impostas por lei para os casos de ausência do inquilino por períodos longos não se confundem com a transmissão da posição de arrendatário a favor de outrem, ainda que este seja membro do agregado familiar.
Cabe, também, dizer que, de acordo com os artigos 6º e 7º, do citado Regulamento da Lei do Arrendamento, os contratos de arrendamento devem ser reduzidos a escrito, com assinaturas das partes. Assim sendo, se existissem cláusulas limitativas dos direitos da cessionária (Xxxxxx Xxx Xxxxxx), impostas pelo cedente do direito (o recorrente), elas deviam constar do próprio
contrato ou de outro documento assinado pelas partes, nas quais se inclui, pela natureza do negócio, o locador.
Não existindo documento escrito ou confissão expressa constante de documento de igual força probatória, conclui-se pela inexistência de prova da declaração negocial invocada pelo recorrente em defesa da sua tese, atento o disposto no artigo 364º, do Código Civil.
Finalmente, cumpre-nos dizer que ao se extinguir o contrato de arrendamento por vontade do inquilino, ou seja, na forma prevista no artigo 19º, nº 3, da Lei nº 8/79, de 3 de Julho o locador, proprietário do imóvel, tem o direito de arrendá-lo a outrem, desde que observe as formalidades da lei aqui citada.
Quanto à conclusão de ter havido má fé do recorrente, como expresso na sentença recorrida, cabe-nos dizer, em primeiro lugar, que a simples impossibilidade de produzir prova dos factos alegados na acção não consubstancia de per si uma situação de litigância de má fé; em segundo lugar, importa reter que o direito à indemnização a favor da parte só tem lugar quando constar do pedido, de acordo com os ditames dos artigos 3º, nº 1, 467º, nº1, alínea d), 456º, nº1 e 661º, nº 1, todos do Código de Processo Civil.
Pelos fundamentos de direito aqui expostos, os juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal Supremo, reunidos em Conferência, acordam em considerar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a douta sentença recorrida, à excepção da condenação do recorrente por litigância de má fé por esta se mostrar contrária à lei.
Custas pelo recorrente.
Maputo, 02 de Dezembro de 2009
Ass.) Xxxxx Xxxxxxx e Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxxx