Manuel Maria Santos Carvalho Sobral Martins
O CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA NO PROCESSO INSOLVENCIAL
Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx
Dissertação de Mestrado Conducente à Obtenção do Grau de Mestre em Direito na vertente Ciências Jurídico-Privatísticas sob a Orientação do Exmo. Senhor
Professor Doutor Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxx
Faculdade de Direito da Universidade do Porto
Porto 2017
Agradecimentos
Ao docente orientador desta dissertação, Senhor Professor Doutor Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxx, sobretudo pelo incentivo e amparo: todas as deficiências são-me, no entanto, exclusivamente imputáveis; à Faculdade de Direito da Universidade do Porto, pela excelência do ambiente intelectual e acolhimento que me deu, pelo júbilo que me proporcionou neste percurso académico, gratificante; aos meus colegas pelo frutuoso percurso de juventude que tem sido o nosso, na busca de um saber para a Justiça.
Resumo
A reforma do direito civil a que deram lugar os Decretos-Lei de 1980 e 1986 cristalizou na criação de um direito real de garantia novo, o direito de retenção do promitente-adquirente imobiliário, dedicado à proteção do adquirente (normalmente de casa de habitação própria), em ordem a que obtenha a satisfação pelo apuro executivo do bem retido, do crédito do incumprimento correspetivo. A exegese legal, decorrente de um intenso debate doutrinário e jurisprudencial, culminou nos motivos do acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2014, de 19/05/2014: no âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente- adquirente em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador de insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigoº 755.º, n.º 1, al. f), do Código Civil. Critica-se a solução legal, na aplicação a que dá lugar esta jurisprudência obrigatória, em ordem ao aperfeiçoamento do conceito deste direito de retenção como não prevalecendo sobre a hipoteca anteriormente constituída e registada, a não ser o promitente- adquirente a que tenha acrescido no valor do imóvel para efeitos da remoção patrimonial correspondente.
Palavras-chave: contrato-promessa, promitente-adquirente, credor hipotecário, retentor, eficácia real, eficácia obrigacional, sinal, traditio, prevalência, preterição, insolvência, graduação de créditos.
Abstract
The reform of the civil law that led to the decrees of 1980 and 1986 crystallized in the creation of a new right of guarantee, the right of retention of the real estate by the promissory buyer that aims to protect the buyer (usually a house to be occupied by the buyer), in order that this obtains the accomplishment of the executive value of the retained asset and the correspondent credit of the non-compliance. The legal exegesis, resulting from an intense doctrinal and jurisprudential debate, culminated in the grounds of the uniform ruling of the case law no. 4/2014, of 05/19/2014: in the scope of the credits graduation in insolvency, the consumer or promissory-buyer in contract, even though under a signed obligation to the delivery, which has not been fulfilled by the insolvency administrator, enjoys the right of retention in accordance to the provisions of Article 755 (1) f) of the Civil Code. The legal solution in the application of this mandatory jurisprudence is criticized to refine the concept of this right of retention as not to prevail over the mortgage previously constituted and registered, other than the promissory-buyer to whom it has accrued the value of the property for the corresponding equity removal purposes.
Keywords: promise to purchase, promissory contract, promissory-buyer, mortgage creditor, retainer, credit graduation, real effectiveness, compulsory effectiveness, earnest money, deposit, delivery, prevailing, pretermission, insolvency, graduation credits.
Sumário
1. Introdução 6
2. Insolvência e o princípio par conditio creditorum 7
3. Eficácia real como fundamento de tratamento diferenciado 13
4. Contrato-promessa meramente obrigacional com tradição da coisa 15
5. Direito de retenção 16
6. O sinal 24
7. Conteúdo indemnizatório 29
8. Preterição da hipoteca 34
9. A (In)constitucionalidade 42
10. Conclusões 52
Bibliografia 54
Lista de Jurisprudência 56
*** *** ***
LISTA DE ABREVIATURAS
A.I Administrador de Insolvência
X.X.X Xxxxxxx de Uniformização de Jurisprudência
Ac Acórdão
B.M.J Boletim do Ministério da Justiça
C.C Código Civil
C.I.R.E Código da Insolvência e Recuperação de Empresas
C.P.E.R.E.F. ....................... Código dos Processos Especiais de Recuperação de
Empresa e Falência
C.R.P Constituição da República Portuguesa
D.L Decreto-Lei
S.T.J Supremo Tribunal de Justiça
T.C Tribunal Constitucional
T.R.C Tribunal da Relação de Coimbra
T.R.G Tribunal da Relação de Guimarães
T.R.L Tribunal da Relação de Lisboa
T.R.P Tribunal da Relação do Porto
1. Introdução
O direito da insolvência vem sendo objeto de tratamento por parte do nosso ordenamento jurídico desde, pelo menos, há mais de meio século, tendo desde então sido implementadas, com variados graus de sucesso, diferentes formas e regimes falimentares. Todavia mantém-se sempre a mesma: encontrar uma solução e saída jurídica do devedor, que pode ser ou não comerciante, e que se vê a si próprio e perante os credores impossibilitado de cumprir com as suas obrigações vencidas1. Neste sentido, de modo a consolidar a figura ou entidade a quem viesse a caber a gestão equilibrada dos desígnios legais, mas também dos interesses patrimoniais do insolvente, ao contrário do que anteriormente foi previsto no C.P.E.R.E.F., introduziu a lei vigente no C.I.R.E. o cargo do Administrador de Insolvência, cunhadas nos artigoº 52.º e seguintes as modalidades específicas aplicáveis e dirigentes à sua atuação2.
O A.I. pode, entre outras atribuições legais, decidir sobre o cumprimento de qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte […]3.
Ora, torna-se importante saber como é que esta disposição legal se articula com o regime do contrato-promessa nas suas próprias e diferentes modalidades, segundo a especificidade concetual com que se nos apresenta. No âmbito e alcance da promessa de contrato, certo é que nos encontramos perante um contrato de natureza bilateral cujo objeto ainda não foi atingido, não obstante o prometimento. Notemos que, ao contrário de praticamente toda a restante realidade contratual, o contrato-promessa existe especificamente para dispor sobre prestações não realizadas, ou até mesmo sobre realidades não emergentes: deve, pois, ser compreendido, o contrato-promessa, de forma autónoma.
Entretanto, a insolvência, dando origem à liquidação geral do património do visado, garantia este das dívidas incumpríveis de moto próprio pelo insolvente, simultâneas e concorrentes, sublinha o interesse do estudo dos contratos-promessa patrimoniais e, de entre estes, o contrato-promessa de compra e venda de habitação própria, como modalidade mais premente do comércio jurídico nestas circunstâncias de crise económico-financeira geral.
1 Vd. art.º 3.º, n.º 1. Esta é, aliás, a definição dada pela lei para se considerar alguém em situação de insolvência, sem prejuízo da regra contida no n.º 2 para as pessoas coletivas e os patrimónios autónomos considerados insolventes, quando possuidores de um passivo manifestamente superior ao ativo.
2 Devemos ter em conta todavia que com a aprovação da Lei n.º 22/2013, e que versa sobre o Estatuto do Administrador Judicial, entrou em vigor, relativamente, a ele, ao administrador de insolvência, um corpo de disposições de caráter especial, para além do que já estava previsto no C.I.R.E.
3 Vd. art.º 102, n.º 3, do C.I.R.E..
6
Importa pois debruçarmo-nos sob o destino a dar ao contrato-promessa de compra e venda e suas consequências, no âmbito do processo de insolvência, com um olhar com repouso especial: (i) na posição do insolvente, quer seja como promitente-adquirente ou como promitente-vendedor; (ii) na existência de eficácia real como condicionante do regime a aplicar;
(iii) na emergência, por fim, e em caso de recusa de cumprimento por parte do A.I., de créditos graduados decorrentes do contrato-promessa.
2. Insolvência e o princípio par conditio creditorum
Antes, porém, importa referir que o escopo principal do processo de insolvência é a satisfação paritária4 dos credores, cuja defesa de interesses tem papel normativo hegemónico no âmbito e no contexto do C.I.R.E. Tal como se refere ab initio no preâmbulo no D.L. 53/2004, de 18/03, que institui o Código atrás mencionado, ressalta evidente que o paradigma se modificou perante o antigo direito falimentar, regulado pelo então C.P.E.R.E.F.. E fazendo apelo, aqui, às palavras de XXXXXXX XX XXXXXXXXXXX, certo é que com este diploma se produziu um profundo corte em muitas matérias com o direito anterior, alterando-se múltiplos regimes e mesmo noções básicas5. Em todo o caso, não são só os interesses dos credores que têm uma proteção legal forte, porque, ainda assim, também, os interesses privados do próprio devedor ou o interesse público, obtêm uma tutela adequada.
Mas voltando ao tema, no preâmbulo do D.L. n.º 53/2004, de 18/03, logo ficou escrito:
[a] primazia que efetivamente existe […] é da vontade dos credores, enquanto titulares do principal interesse que o direito concursal visa acautelar – o pagamento dos respetivos créditos em condições de igualdade quanto ao prejuízo decorrente de o património do devedor não ser à partida e na generalidade dos casos suficiente para satisfazer os seus direitos de forma integral6/7. Nesta funcionalidade, a lei adota uma noção ampla de credor – qualquer pessoa que se arrogue titular de um direito de crédito sobre o devedor8 - e que diverge de qualquer equivalência com a posição executiva: o credor que requeira a declaração de insolvência não
4 Xxxxx, Xxxxxxxx, O Regime Português da Insolvência, 5.ª Ed., Coimbra, Almedina, 2012, p. 56.
5 Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, O Novo Regime Insolvencial da Compra e Venda, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2006, p. 523.
6 Porém, o poder de iniciativa do processo de insolvência não cabe exclusivamente aos credores; é, pelo contrário, conferida, legitimidade processual a outros sujeitos, quer a certos responsáveis legais pelas dívidas de credores, quer ao Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, e sobretudo ao próprio devedor.
7 Preâmbulo, ponto 6.
8 Serra, Xxxxxxxx, A Falência no Quadro Jurisdicional dos Direitos de Crédito – O Problema da Natureza Jurídica do Processo de Liquidação Aplicável à Insolvência no Direito Português, Coimbra Editora, 2009, pp. 387-389.
tem de ser titular de um crédito reconhecido judicialmente, ou de dispor de um título executivo, nem sequer tem de ser titular de um crédito vencido ou em situação de incumprimento temporário ou definitivo9.
Na situação especial que desta maneira se inscreve na insolvência não se pode ter em cuidado apenas a relação singular credor/devedor: trata-se de uma situação plurisubjetiva que inclui os credores, quer num relacionamento solidário (interesses comuns), quer também concorrente (concurso de credores) e o devedor que se lhes contrapõe, regulada por um ideal de justiça distributiva sob a ideia de proporcionalidade que aqui substitui a meta da justiça comutativa (pagamento integral)10. Esta direção e posicionamento emergiram do princípio da igualdade dos credores ou par conditio creditorum11, como regra da tutela judicial falimentar. Tem como histórico corolário visar no processo de insolvência a hegemonia de um pagamento proporcional, por rateio, do montante dos créditos respetivos e não necessariamente segundo uma regra de prioridade12. Dito de outro modo, citaremos NUNO XXXXXX XXXXX XX XXXXXXXX e CATARINA SERRA13 - todos os efeitos da declaração de insolvência são instrumentais ao processo de insolvência, devendo seguir o seu fim, o que equivale a dizer que se destinam a tornar mais fácil a satisfação paritária dos interesses dos credores ou pela negativa a impedir que, após, a declaração de insolvência, algum credor possa obter uma satisfação mais eficaz (mais rápida ou mais completa) do que - e em prejuízo de - dos restantes credores.
Mas, o princípio par conditio creditorum sofreu limitações, deixando de alcançar os créditos privilegiados. Refere GISELA CÉSAR14, com apoio em XXXXXXX DOS REIS15 e XXXXXXXX XXXXX 16 : a escolha, no processo de insolvência, do critério da proporcionalidade em detrimento do critério da graduação, é orientada pela ideia base de que
9 Xxxxx, Xxxxxx, Os Efeitos da Insolvência Sobre o Contrato-Promessa em Curso, em Particular o Contrato- Promessa Sinalizado no Caso de Insolvência do Promitente-Vendedor, Almedina, 2015, p. 36 (nota 80).
10 Xxxxx xx Xxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx/Xxxxx, Xxxxxxxx, Insolvência e Contrato Promessa, Revista Ordem Advogados, janeiro-dezembro 2010: o processo de insolvência – ou, mais exatamente, a sentença de declaração de insolvência
– não faz mais do que reconhecer uma situação de facto – a impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações – e desencadear a aplicação das providências adequada; é nesta situação de facto que se encontra a razão de ser de todas as especialidades de regimes, nela se reconstitui “ a solidariedade económica natural entre os credores”… [que] são chamados a assumir no plano jurídico as consequências desta sua posição, reunindo-se como que numa consciência e numa preocupação comuns: uma vez verificada a condição que desencadeia o concurso de credores… está definitivamente delimitado o alcance da responsabilidade patrimonial do devedor.
11No círculo jurídico de língua alemã: Grundstaz der gleichmäbigen Behandlung ou Prinzip der Gleichbehandlung.
12 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxxx Xxxxx de, Direito da Insolvência, Almedina, 2015, 6.ª Ed., pp. 27-31.
13 Xxxxx xx Xxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx/Xxxxx, Xxxxxxxx, ob.cit..
14 Xxxxx, Xxxxxx, ob.cit., p. 54.
15 Xxxx, Xxxxxxx dos, Processo de Execução, Vol. II, Coimbra Editora, Reimpressão, p. 248.
16 Xxxxx, Xxxxxxxx, ob.cit., p. 153.
não sendo o património do devedor suficiente para a satisfação completa de todos os credores, se mostra necessário proceder à sua repartição proporcional, evitados os tratamentos injustos. Integra o interesse público na justa composição dos conflitos17. No seguimento, é apontado pela doutrina como corolário deste princípio o sistema de graduação de créditos, ao considerar as diferentes causas de preferência e privilégio e ainda os instrumentos de defesa dos credores contra os atos do devedor que lhe sejam prejudiciais18. Porém, é referida na literatura jurídica a crise do princípio par conditio creditorum, a partir, por exemplo, da importância atribuída a certas classes de credores, como é o caso dos trabalhadores, com expansão da tutela dos interesses laborais a par com novos privilégios creditórios19.
Este princípio tende assim para uma relevância residual, como sugere PESTANA DE VASCONCELOS20. Escreveu: O seu alcance [é] fortemente restringido pela existência de créditos com preferências quer de base legal, quer de base convencional, a cuja criação tanto a lei como as partes recorrem com grande frequência, e que permitem a satisfação privilegiada, e desigual, no seio do próprio concurso21.
Em todo o caso e segundo XXXXXX XXXXX o princípio não impõe o tratamento paritário de todos os credores da insolvência, desdobrando-se em duas vertentes – se, por um lado, pressupõe tratar igualmente o que é igual, por outro lado, impõe que se diferencie o que é desigual, na medida da desigualdade 22 . Conceito este também aceite no Ac. do S.T.J. 05/05/199423: o princípio da igualdade de conteúdo pluridimensional postula várias exigências, entre as quais a de obrigar a um tratamento igual das situações de facto iguais e a um tratamento desigual, das situações de facto desiguais; ou como foi dito de outra forma: a obrigação da igualdade de tratamento exige que aquilo que é igual seja tratado igualmente de acordo com o critério da sua igualdade, e aquilo que é desigual seja tratado desigualmente).
17 Xxxxx, Xxxxxxxx, ob.cit., pp. 391-392.
18 O princípio par conditio creditorum emerge, por exemplo, no regime da insolvência vigente nos aspetos de os credores ficarem limitados no exercício da ação executiva – artigo 88.º n.º1 C.I.R.E.; no vencimento imediato de dívidas – art.º 91.º, n.º 1, do C.I.R.E.; na extinção de privilégios creditórios e garantias reais – art.º 97.º do C.I.R.E.; nos condicionamentos impostos ao exercício do direito de compensação – art.º 99.º do C.I.R.E.; nos condicionamentos impostos à impugnação pauliana – art.º 127.º C.I.R.E.; na inatendibilidade para a graduação de créditos da preferência de hipoteca judicial ou penhora – art.º 140.º C.I.R.E.; nos casos do art.º 102.º e seguintes do C.I.R.E.;
19 Caso do privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua atividade, introduzido pelo Código de Trabalho de 2003 e atualmente previsto no art.º 333.º, n.º 1, al. b), do C.T.: prevalece sobre a hipoteca, mesmo que constituída anteriormente.
20 Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, A Cessão de Créditos em Garantia e a Insolvência – em particular a posição do cessionário na posição do cedente, Coimbra Editora, 2007, p. 849.
21 Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, ob.cit., pp. 890-891.
22 Xxxxx, Xxxxxx, ob.cit., p. 58.
23 Ac. S.T.J. de 05/05/1994, Proc. n.º 084585, disponível xxx.xxxx.xx.
Por conseguinte, o tratamento preferencial de certos credores não infringe a regra da paridade, se a diferença de tratamento for justificada no caso concreto, por motivo razoável. Voltando a XXXXXX XXXXX, que se apoia em XXXXXXXX XXXXX: igualdade exige ponderação, quando o direito da insolvência a encontra, realiza a par conditio creditorum… significa satisfação comunitária, tratar aquilo que é igual, de forma igual, e aquilo que é desigual, de forma desigual24. Nada surpreende, porque, como xxxxxx a autora: a tutela dos credores acaba por assumir-se também como tutela de interesses públicos, concretamente, a defesa do interesse público da defesa do crédito e da economia pública25.
PESTANA DE VASCONCELOS26 , muito embora, defende que só para os credores comuns, aqueles que não sejam titulares de uma garantia típica ou atípica, vale o referido princípio, a sua extensão é pois reduzida. E partindo da crítica à posição doutrinária de o princípio em questão ser de tal forma um dado adquirido e self evident que não suscita demonstração no peso dos interesses legislativos ou, como escreve, que o colocam numa esfera metafisica como uma expressão de uma regra de direito natural, concluiu nada obrigar que quaisquer garantias de lei, ou de raiz na autonomia privada, sejam respeitadas em sede de insolvência: nada obsta a que no todo ou em parte não sejam admitidas, e que só o sejam de forma limitada, ou que o seu regime seja consideravelmente enfraquecido em função de diferentes objetivos, p. ex., … proteção dos credores comuns27.
No direito nacional, por exemplo, a legislação respeita de todo, em sede da insolvência, as garantias constituídas ao abrigo da autonomia privada; não obstante, continua o autor a referir que o A.I. pode em todo o caso, resolver alguns contratos de garantia voluntária: quanto a estes, só os que tenham sido celebrados dentro de dois anos antes da data do início do processo de insolvência; ao mesmo tempo, a lei exige para o efeito a má-fé – art.ºs 120.º, 121.º, n.º 1, al. c) e n.ºs 3 e 5 do C.I.R.E.. Má-fé que se caracteriza na ciência, à data, do beneficiário do ato quanto à situação de insolvência do devedor, ou que este represente a prejudicialidade do ato nesse tempo da situação de insolvência eminente; ainda assim, se e quando iniciado o processo de insolvência28.
XXXXXXX XX XXXXXXXXXXX sugere neste particular que se torna certeiro visarem os artigos de lei citados impedir que o devedor sabendo da sua situação de insolvência, beneficie
24 Xxxxx, Xxxxxx, ob.cit., pp. 61-62.
25 Vd. nota antecedente.
26 Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, Direito de Retenção, Par conditio creditorum, Justiça Material, Cadernos de Direito Privado, n.º 33, CEJUR, Braga, 2011, pp. 5-17.
27 Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, ob.cit., p. 8.
28 Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, ob.cit., p. 9.
um credor em detrimento dos outros. E é nesta orientação que afinal se vem a desenhar na insolvência diversas plataformas de conforto ou desconforto dos credores sujeitos a regimes de satisfação de créditos muito diversos em que alguns são quase sempre satisfeitos e em outros quase sempre nada ou quase nada29. Enquanto é deste jeito em geral, também a tendência legislativa tem mesmo sido a de criar garantias com regimes de proteção total (blindadas) em sede de insolvência como ocorre com os contratos de garantia financeira: o administrador não as pode fazer cessar – art.º 17.º do D.L. n.º 105/2004, de 8/530.
Chegados aqui, vistos os art.ºs 47.º e 51.º do C.I.R.E., as ordens de credores dividem-se entre credores da massa e da insolvência; dentro destes, em credores garantidos, credores privilegiados, credores comuns e credores subordinados. Ora, antes do pagamento dos credores da insolvência é necessário que sejam pagos os credores da massa. Depois são satisfeitos os titulares de créditos de direitos amparados nas garantias reais – art.º 47.º n.º 4, al. a), 172.º e 174.º do C.I.R.E. E é nesta fase, perante mais do que uma garantia real que incidam sobre o mesmo bem que terá de recorrer-se às regras da graduação, segundo as quais um direito de retenção pode prevalecer sobre o crédito hipotecário. Logo a seguir, cabem os créditos privilegiados e finalmente os créditos comuns – art.ºs 47.º, n.º 4, al. a), 175.º e 176.º do C.I.R.E.. E aduz PESTANA DE VASCONCELOS: na eventualidade, muito pouco provável de a massa ser suficiente para satisfazer por inteiro os credores comuns passariam a ser satisfeitos os credores subordinados31 - 47.º, n.º 4, al. b) e 48.º do C.I.R.E. e dentro destes, pela respetiva ordem definida no art.º 48.º do C.I.R.E. – art.º 177.º, n.º 1, do C.I.R.E..
Desta breve referência às classes de credores resulta que o princípio da igualdade se anula nas relações entre elas, e muitas são. Por haver tantas classes em que a satisfação é quase integral ou próxima disso, como os credores da massa e os credores garantidos, muito poucas vezes as forças da massa, poderão satisfazer mais que uma pequena parte dos créditos comuns, acrescenta o nosso autor32. Donde, não há entre as classes de credores uma igualdade de sacrifícios. Este ponto de vista serve a PESTANA DE XXXXXXXXXXX para uma análise reticular da questão específica do promitente-comprador no contrato promessa incumprido por ambas as partes em que tenha havido tradição da coisa neste quadro33.
29 Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, ob.cit., p. 10.
30 Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, ob.cit., p. 10 e nota 30 onde cita Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, Os Contratos de Garantia Financeira. O Dealbar do Direito Europeu das Garantias, Estudos em honra do Professor Doutor Xxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Vol. II, FDUL, Almedina, 2008, pp. 1273 ss.
31 Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, ob.cit., p. 12.
32 Id. Id.
33 Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, ob.cit., p. 13
Este é o campo problemático da posição do promitente-comprador/consumidor numa promessa sinalizada com tradição da coisa em que o bem seja uma fração para habitação. Ora, segue PESTANA DE VASCONCELOS: se ele [promitente comprador] for incluído no âmbito dos credores comuns, não se lhe está a impor a participação num conjunto global de sacrifícios repartida de forma igualitária – está a colocá-lo na classe de credores que só é satisfeita depois de todas as outras (à exceção dos subordinados) e que suporta na generalidade dos casos de forma isolado quase todos os sacrifícios decorrentes da declaração de insolvência.
Nestas circunstâncias, o promitente-comprador perderia o sinal prestado e o reforço concomitante à traditio. Pelo contrário, e partindo-se do dado de se tratar de um bem onerado por hipoteca, inverter-se-ia a hierarquia de créditos, atribuído ao promitente-comprador, um direito de retenção de referência no art.º 755.º, n.º 1, al. f), do C.C.
Assinala-se, aqui, um conflito de prioridades entre o credor promitente-comprador e credor hipotecário, uma instituição de crédito, muito mais apta no plano prático a resguardar-se, que o mero consumidor. Se prevalecer a hipoteca estarão com certeza realizados os objetivos de segurança do direito, normalmente aceites, mas se antes prevalecer o direito de retenção, umbrela da traditio ele, consumidor, não fica privado do sinal (e do imóvel onde habita, claro)34.
Para optar, face a face com as duas soluções, XXXXXXX XX XXXXXXXXXXX chamou à colação o princípio da justiça material. Partiu da lição de CANARIS35: a justiça material não se opõe a não ser, em casos especiais, à justiça decorrente do sistema…entendido este como conjunto de todos os valores fundamentais constitutivos para a ordem jurídica e aberto (o que permite a sua atuação, por outros critérios valorativos e subsequente desenvolvimento).
Nestes termos, flui da natureza prática do direito ser necessário conhecer a realidade económico-social do conflito.
Assim, não é censurável a prevalência de um direito real posteriormente constituído sobre um direito real anterior, se tiver em conta que o credor hipotecário é,
34 Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, ob.cit., p. 13.
35 C.-W.Canaris, Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito (trad. Menezes Cordeiro da 2.ª ed. de 1983, de Systemdenken und Systembegriff in der jurisprudenz), Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa,1989, p. 190.
em regra, um banco que financia o construtor ou promotor da obra e que, por isso, está numa posição de superioridade jurídica, relativamente à outra parte, em regra, um consumidor. É que a instituição de crédito exige de ordinário garantias adicionais de hábito sob a forma de garantias pessoais do empreendedor e seus associados. Enquanto o consumidor despende no pagamento do sinal toda ou quase toda a poupança que tem disponível.
Conclui PESTANA DE XXXXXXXXXXX, neste quadro a solução legal aparece como absolutamente justificada na proteção da parte mais fraca, uma exigência profunda do direito.
Muito embora o autor refira neste passo que a alegação aqui de uma inconstitucionalidade da solução legal é desprovida de sentido, mais adiante vamos contrariar este ponto de vista e aderir à solução que vê na prevalência legal do direito de retenção, nestes casos com preterição da hipoteca, um defeito normativo, nomeadamente de âmbito e alcance contrário à valoração e convergência prática com os princípios constitucionais da não descriminação e da confiança.
3. Eficácia real como fundamento de tratamento diferenciado
Atentemos agora no que vem disposto no artigo 106.º, n.º 1, do C.I.R.E.: No caso de insolvência do promitente-vendedor, o administrador de insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato-promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-adquirente. Desde logo, somos remetidos para a posição do sujeito insolvente como um dos requisitos para aplicação do n.º 1: este deve ser o promitente-vendedor, mas o contrato deve também ter eficácia real, além do dispositivo da tradição da coisa36. Neste caso, não pode, então, o A.I. recusar-se a cumprir e fazer cumprir o contrato. Esta solução vem de certa forma assegurar o que se assume ser um benefício da massa insolvente, em ordem à existência de créditos com que, cobrados, liquidar as dívidas do insolvente.
36 Vd. Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxx/Xxxxxxxx, Xxxx, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Lisboa, Quid Juris, 2015, pp. 472-473 – neste ponto os autores são bastante assertivos, quando indicam existir aqui na exigibilidade da tradição da coisa uma harmonia com a solução adotada no art.º 104.º, n.º 1, do C.I.R.E., pelo que desta forma afastam a interpretação corretiva de Xxxxxxx Xxxxxx, quem entende ser por qualquer forma inatingível o contrato-promessa com eficácia real – posição que exploraremos mais à frente.
Entretanto, tendo em conta a inexistência de disposição relativa ao promitente-adquirente, somos depois remetidos para o regime geral do artigo 102.º, do C.I.R.E., o qual entrega a opção de decidir ou não o cumprimento do contrato ao A.I., a quem compete ajuizar a solução mais favorável para a massa insolvente.
Esta mesma solução é consagrada na lei para duas situações limite: quando o contrato- promessa não tem eficácia real, isto é, tem efeito meramente obrigacional, sendo aplicável, por conseguinte, o critério residual do artigo 102.º do C.I.R.E.; o caso em que não ocorreu a tradição da coisa, independentemente da eficácia real conferida à promessa, bastante discutível certamente.
É aqui que MENEZES LEITÃO entende que se “justificaria” a existência de uma “interpretação corretiva”: viria a servir para blindar o contrato-promessa com eficácia real contra quaisquer eventuais efeitos nefastos à eficácia do prometimento, decorrentes de uma declaração de insolvência37. A lógica subjacente a esta interpretação muito própria desenvolve- se partindo do tópico de nos encontrarmos perante um direito real de aquisição com eficácia erga omnes, plano no qual – em princípio – nem sequer a declaração de insolvência do promitente-vendedor deveria ser oponível38.
Atenhamo-nos, no entanto, à opinião de SOVERAL MARTINS39: o artigo 106.º, n.º 2, CIRE, compreende-se melhor se tivermos em conta que, não sendo aplicável o artigo 106.º, n.º 1, CIRE (sendo contrato promessa, não é contrato promessa de compra e venda; ou, sendo contrato promessa de compra e venda, não tem eficácia real; ou, sendo contrato promessa de compra e venda com eficácia real, não houve tradição; ou, sendo contrato promessa de compra e venda com eficácia real e com tradição, é promitente comprador o insolvente), então o administrador de insolvência já deve optar; já pode escolher entre recusar o cumprimento ou cumprir; e, até lá parece que o contrato ficará suspenso nos termos do artigo 102.º, n.º 140.
37 Vai mais longe Menezes Leitão, quando indica que, mesmo na ausência de eficácia real atribuída ao contrato- promessa, o cumprimento deste não poderia ser recusado pelo administrador de insolvência se o beneficiário já tiver obtido a tradição da coisa (Menezes Xxxxxx, Xxxx Xxxxxx Xxxxx de, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - Anotado, Coimbra, Almedina, 2005, p. 123: em nosso entender tal seria uma subversão da letra do art.º 106.º, n.º 1, que estabelece, muito especificamente, quais os requisitos para que não possa existir recusa no cumprimento, ficando os restantes casos sob o regime do artigo 102.º, n.º 1, sendo, em caso de recusa por parte do administrador, aplicada a regra geral do 102.º, n.º 3, com as condicionantes especiais dos art.ºs 106.º, n.º 2 e 104.º, n.º 5).
38 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxxx Xxxxx de, Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2015, pp. 195-196.
39 Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxxx, Um Curso de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2016, p. 185.
40 Gravato Morais, Xxxxxxxx de, Promessa Obrigacional de Compra e Venda com Tradição da Coisa e Insolvência do Promitente Vendedor, Cadernos de Direito Privado, n.º 29, CEJUR, Braga, 2010, p. 6.
4. Contrato-promessa meramente obrigacional com tradição da coisa
Nos casos em que não exista a atribuição de eficácia real ao contrato-promessa, mas já havendo traditio res, entende Menezes Leitão que o direito do promitente-adquirente só pode estar protegido pelo direito de retenção a que se refere o artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C., constitui uma garantia que tem de ser atendida em sede de insolvência41. No entanto, XXXX XXXXXXXX e XXXXXXXX XXXXXXXXX precisam que uma tal garantia só poderá ser atendível se o incumprimento do contrato tiver sido prévio à declaração de insolvência – só assim se poderia fundamentar a existência do direito de retenção42.
A jurisprudência foi, todavia, uniformizada no sentido contrário. O Ac. do S.T.J. de 20/03/2014 (TÁVORA XXXXX)43 decidiu que o promitente-adquirente pode exercer o direito de retenção em caso de declaração de insolvência do promitente-vendedor: detém um crédito sobre a massa insolvente, que decorre da escolha do administrador de não cumprir a promessa, ao qual nada obsta para a graduação44.
XXXXXXX XXXXXXXXXXX defende mesmo que, havendo tradição da coisa, há-de ter- se em conta, em caso de concurso creditício entre o promitente-adquirente com direito de retenção e o mero credor hipotecário (no âmbito de contratos-promessa sobre imóveis), que o [crédito] do primeiro será graduado à frente: seja na execução singular, seja na insolvência […] o direito de retenção prevalece, de forma anómala […] sobre uma hipoteca anteriormente registada45.
Decidiu do mesmo modo o Ac. do S.T.J. de 17/11/2015 (XXXXXXX XXXXX) 46 , insistindo no regime aceite pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014, acima citado, mas na dominante de apenas ser aplicável no âmbito e alcance do direito do consumo – tratando-se o promitente-adquirente de um consumidor em sentido restrito, isto é, leigo que não adquire para colocar no mercado.
41 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxxx Xxxxx de, ob.cit., pp. 195-196.
42 Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxx/Xxxxxxxx, Xxxx, ob.cit., p. 473. Neste sentido, sugerem os autores, não se configurar o exercício da faculdade conferida pelo art.º 102.º como incumprimento do contrato – o que, aliás, justifica que, nessa situação, também não haja lugar à restituição do sinal em dobro.
44 Epifânio, Xxxxx xx Xxxxxxx, Manual de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2016, pp.183-184.
45 Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, Direito de Retenção, Contrato-promessa e Insolvência, Cadernos de Direito Privado, janeiro-março 2011, p. 4.
46 Disponível em xxx.xxxx.xx.
Ainda neste mesmo sentido, o Ac. do S.T.J. de 29/07/2016 (Xxxxx Xxxxx)47, contrapondo a qualidade de consumidor à de um profissional, explicita esta diferenciação: O consumidor contrapõe-se ao profissional: quem compra um edifício para nele instalar máquinas que vai utilizar na sua atividade produtiva – conforme se provou – não age como consumidor, mas sim na sua qualidade profissional, mesmo que não tenha intenção de comprar o prédio para revenda, até porque o conceito de profissão é muito mais lato do que a compra para revenda. Cumpre então perguntar: havendo recusa de cumprimento por parte do A.I., pode o contrato-promessa gerar resquícios creditícios? E quais sejam de levar à lista de créditos
graduados?
Desde já sabemos que existem através de três formas, é que ao direito de retenção sobre a coisa, a que acabamos de aludir, junta-se ainda a problemática do sinal ou, caso não tenha sido prestado, a questão de um eventual conteúdo indemnizatório.
5. Direito de retenção
O direito de retenção consiste (i) na faculdade de origem legal (por contraposição à génese negocial, administrativa ou judicial48) de recusa de cumprimento da obrigação de restituição ou entrega de uma coisa detida, enquanto por sua vez, o credor da obrigação não cumprir uma prestação que lhe incumba; (ii) e de o primeiro executar a coisa, pagando-se pelo valor dela, com preferência sobre os demais credores49.
Existindo, pois, uma conexão entre o direito de retenção e o crédito, há de saber-se se rege este caso o artigo 754.º do C.C.: menciona que o devedor titular de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.
Avizinha-se a importância deste artigo da lei para a problemática do âmbito e alcance do direito de retenção quando o promitente for declarado insolvente. Adquire ao mesmo tempo, relevo a al. f), do n.º 1, do artigo 755.º, do C.C. – Gozam ainda do direito de retenção: O beneficiário de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a
48 Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxx xx, Direito das Obrigações, 9.ª Ed., Almedina, 2006, p. 917.
49 Xxxxxxxxx, Xxxx Xxxxx Xxxxx, O Direito de Retenção do Beneficiário da Promessa de Transmissão de Coisa Imóvel e a Hipoteca, Julgar, n.º 13, 2011 (AMJP/Coimbra Editora), onde cita Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Da Hipoteca: Caraterização, Constituição e Efeitos, Almedina, 2003, p. 221; Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxx xx Xxxxx, Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina, 5.ª Ed., 1994 p. 572; Xxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Do Direito de Retenção (arcaico, mas eficaz…), Cadernos de Direito Privado, n.º 11, 2005, p. 5.
que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442.º50.A ênfase deve ser colocada na análise da situação em que o devedor se encontra em incumprimento e é declarado insolvente.
Vejamos que o direito de retenção se mostra consagrado na lei como um verdadeiro direito real de garantia, equiparado o seu titular ao credor pignoratício ou hipotecário, consoante o objeto do direito seja uma coisa móvel ou uma coisa imóvel (artigos 758.º e 759.º do C.C.).
Para além da função de garantia, o direito de retenção tem ainda a função coercitiva, sendo um meio de pressão sobre o devedor para o determinar, em geral, a pagar as despesas feitas por causa da coisa legitimamente retida ou por causa dos danos por ela causados.
Torna-se possível, aceitar, o direito de retenção, com a necessária segurança, como o direito conferido ao credor, que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor, de não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também de executar a coisa e se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores.
É que conjugando os artigos 754.º, 755.º e 756.º do C.C., verificamos apresentar genericamente o direito de retenção como pressupostos:
1. Um detentor de coisa alheia suscetível de penhora esteja obrigado a entregá-la a outrem;
2. Apresentar-se simultaneamente, o detentor da coisa, como credor e devedor da pessoa a quem esteja obrigado a entregá-la, e que o seu crédito seja exigível, ainda que com base persistam em algumas das circunstâncias que importam a perda do benefício do prazo, mas não necessariamente líquido;
50 Art.º 442.º, do CC:
1 - …
2 - Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objetivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago.
3 - Em qualquer dos casos previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, nos termos do artigo 830.º; se o contraente não faltoso optar pelo aumento do valor da coisa ou do direito, como se estabelece no número anterior, pode a outra parte opor-se ao exercício dessa faculdade, oferecendo-se para cumprir a promessa, salvo o disposto no artigo 808.º.
4 - Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento.
3. Conexão causal entre a coisa detida e o crédito garantido, podendo essa conexão resultar de despesas feitas por causa da coisa ou de danos por ela causados (artigo 754.º), ou de uma relação legal ou contratual que tenha implicado a detenção da coisa e que a lei conceda a sua retenção (artigo 755.º);
4. Um detentor que não tenha obtido por meios ilícitos a coisa, ou com conhecimento da ilicitude ao tempo da aquisição, e que a emergência do seu crédito não tenha resultado de despesas realizadas de má-fé;
5. Um titular do direito à entrega que não preste caução suficiente.
Entretanto, há que ter em conta as posições que defendem não representar um incumprimento a recusa do A.I. ao cumprimento do contrato promessa de compra e venda de imóvel em que o insolvente figure como promitente vendedor. Diz por exemplo SOVERAL MARTINS51: Uma coisa julgamos certa: se o A.I. opta por recusar o cumprimento do contrato promessa de compra e venda, isso não equivale a um não cumprimento imputável ao insolvente (o A.I. não está sequer obrigado a optar pela execução do contrato promessa de compra e venda). Outra é a opinião de GRAVATO MORAIS52, o autor argumenta com proximidade a PESTANA DE VASCONCELOS53, este, no entanto, com dúvidas. De qualquer forma o tópico na formulação contrária a SOVERAL XXXXXXX foi ao A.U.J. S.T.J. n.º 4/2014: a insolvência não surge do nada, radicando antes, e à partida no comportamento de uma entidade que se mostrou não ter cumprido as sua obrigações… que se verifica numa imputabilidade reflexa, considerando o comportamento do insolvente na origem do processo; Acresce que, seria sempre esta última que cumpriria afastar a culpa, que se presume, em matéria de responsabilidade civil contratual. Contra estas posições de negação, acolhidas, por. ex., também no Ac. STJ 19/9/2006 ( Xxxxxxxxx Xxxxxx) respondeu SOVERAL XXXXXXX, a presunção de culpa, a existir, sempre estaria afastada por natureza - o A.I. exerce a possibilidade legal de optar, e é por isso [e só por isso] que o contrato promessa não é cumprido54.
Numa sequência lógica, os autores que seguem o ponto de vista de SOVERAL XXXXXXX têm de propor também não haver nestes casos lugar à restituição do sinal em dobro:
51 Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxxx, ob.cit., p. 190.
52 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxxx xx, ob.cit., p. 8/10.
53 Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, Contrato-promessa e falência/insolvência – Anotação ao Ac. do TRC de 17.4.2007, Agravo 65/03, Cadernos de Direito Privado, 2008, n.º 24, p. 62.
54 Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxxx, ob.cit., p. 190 e nota 101.
a recusa de cumprimento não se configura anti-normativa. Do mesmo modo, o crédito do promitente adquirente relativo ao sinal prestado não é coberto pelo direito de retenção previsto no art.º 755.º, n.º 1, al. f), C.C..
De qualquer forma, tem que se estabelecer sempre uma diferença quanto às situações de não cumprimento imputáveis ao promitente vendedor, ocorridas antes da declaração de insolvência. É que este caso cai de imediato no campo de aplicação dos art.ºs 442.º e 755.º, n.º 1, al. f), C.C. E o direito de retenção que já protegia o promitente-comprador não se extingue com essa declaração de insolvência55.
Tem de se insistir, todavia, no aspeto ter de se estar frente a uma verdadeira tradição com insuficiência da simples declaração desta mesma no contrato promessa. Assim, propõe-nos SOVERAL MARTINS56, com a tradição [explicita e visível], quem aceite conceder crédito posteriormente tem que verificar a situação da coisa que se pretende hipotecar, e se a tradição da coisa é posterior à constituição da hipoteca o credor conta com o regime de substituição e reforço, segundo o artigo 701.º, do C.C..
Decerto, o direito da retenção confere ao seu titular preferência sobre os demais credores na satisfação do seu crédito pelo produto executivo advindo da apreensão da coisa retida (artigo 666.º, por força dos artigos 758.º e 759.º do C.C.). O direito de retenção prevalece mesmo sobre o direito de crédito garantido por hipoteca ainda que anteriormente constituída e registada (artigo 759.º, n.º 2, do C.C.). Este regime é justificado, por exemplo, no Ac. da T.R.P. de 15/06/2015, Proc. n.º 2857/12.3TBVFRG.P1: o direito de retenção atribuído ao promitente- adquirente, reveste assim um caráter marcadamente social, de tutela do promitente adquirente, face ao risco real de o promitente-vendedor vir a recusar o cumprimento por ser economicamente vantajoso recusar a celebração do contrato definitivo, e pagar a indemnização correspondente, se a perda fosse compensada pela valorização que o imóvel, tivesse, eventualmente, sofrido.
Nesta direção, há no entanto que distinguir os problemas levantados quanto ao reconhecimento do direito de retenção em processo de insolvência, no caso de o reclamante ser consumidor ou um não-consumidor. No primeiro caso está em causa saber se num contrato-
55 Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxxx, ob.cit., p.193, nota 109, onde refere proposições em tudo idênticas de Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, para necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imóveis (máxime, com fim habitacional), Cadernos de Direito Privado, n.º 22, 2008 e Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxxx xx, ob.cit.,
p. 4
56 Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxxx, ob.cit., p. 194.
promessa incumprido pelo promitente-vendedor insolvente, o promitente-adquirente que seja consumidor e a quem foram transmitidos os imóveis objeto do contrato meramente obrigacional, goza do direito de retenção sobre os mesmos, para pagamento dos seus créditos, prevalecendo, pois, sobre um qualquer crédito hipotecário. O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre o caso (A.U.J. n.º 4/2014), tendo tirado uma diretiva jurisprudencial favorável, reportando-se exclusivamente ao promitente-adquirente que detenha, simultaneamente, a qualidade de consumidor (considerando consumidor o promitente-adquirente, pessoa singular que não exerça qualquer atividade profissional ou empresarial relacionada com o objeto do contrato, em particular o mercado imobiliário).
O problema que se colocava, e daí a necessidade de uniformizar jurisprudência, era a necessidade de distinguir as hipóteses de contrato com eficácia real, ou meramente obrigacional. No caso do contrato promessa com eficácia real em que o prometimento é oponível a terceiros, nos termos do artigo 413.º, n.º 1, do C.C., e se já tiver havido tradição do imóvel a favor do promitente-adquirente, o A.I. não poderá negar o cumprimento do contrato de harmonia com o artigo 106.º, n.º 1, do C.I.R.E.57; caso contrário, sujeitar-se-á às consequências previstas no artigo 104.º, n.º 5, do mesmo diploma legal58. No caso dos contratos promessa com eficácia obrigacional, em que o promitente-adquirente obteve a tradição da coisa, uma parte da jurisprudência entendia que o A.I. poderia escolher cumprir ou não a prestação, sob aplicação do artigo 106.º, n.º 2, do C.I.R.E..
Enfim, a partir do acórdão de uniformização de jurisprudência, no âmbito da graduação de créditos insolventes, o consumidor promitente-adquirente-consumidor sob contrato com
57 Art.º 106.º, n.º 1, do C.I.R.E.: No caso de insolvência do promitente-vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato-promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição da cisa a favor do promitente-adquirente.
58 Art.º 102.º, n.º 3, do C.I.R.E.: Recusado o cumprimento pelo administrador da insolvência (…) - a) Xxxxxxx das partes tem direito à restituição do que prestou; b) A massa insolvente tem o direito de exigir o valor da contraprestação correspondente à prestação já efetuada pelo devedor, na medida em que não tenha sido ainda realizada pela outra parte; c) A outra parte tem direito a exigir, como crédito sobre a insolvência, o valor da prestação do devedor, na parte incumprida, deduzido o valor da contraprestação correspondente que ainda não tenha sido realizada; d) O direito à indemnização dos prejuízos causados à outra parte pelo incumprimento: (i) apenas existe até ao valor da obrigação eventualmente imposta nos termos da al. b); (ii) é abatido do quantitativo a que a outra parte tenha direito por aplicação da al. c); (iii) constitui crédito sobre a insolvência; Qualquer das partes pode declarar a compensação das obrigações referidas nas als. e) e d) com a aludida n al. b), até à concorrência dos respetivos montantes.
Art.º 104.º, n.º 5, do C.I.R.E.: Os efeitos da recusa de cumprimento pelo administrador… são os previstos no n.º 3 do art.º 102.º, entendendo-se que o direito consignado na respetiva al. c) tem por objeto o pagamento, como crédito sobre a insolvência, da diferença, se positiva, entre o montante das prestações… previstas até final do contrato, atualizadas para a data da declaração de insolvência por aplicação do estabelecido no n.º 2 do art.º 91.º, e o valor da coisa na data da recusa, se a outra parte for o vendedor (…) ou da diferença, se positiva, entre este último valor e aquele montante, caso ele seja o comprador (…).
eficácia meramente obrigacional, mas com traditio e devidamente sinalizado, na circunstância de o A.I. decidir pelo não cumprimento, goza do direito de retenção nos termos do artigo 755.º, n.º 1, al. f, do C.C.59. Esta interpretação legal optou por consagrar a atribuição deste direito ao promitente-adquirente, em prejuízo dos interesses dos credores hipotecários – mas sempre, sublinhe-se, tendo como alvo subjetivo um credor específico – o consumidor60.A atribuição do direito de retenção ao promitente-adquirente tem, sob este ponto de vista, um assumido e marcadamente caráter social: na avaliação da preponderância do alcance social” da norma sobre “os inconvenientes perante a banca, o legislador optou por dar a primazia aos aspetos sociais 61 . Não sendo consumidor, não lhe assiste tal direito: é um credor comum da insolvência62. O A.U.J. 4/2014 optou ainda por uma interpretação restritiva do n.º 2, do artigo 106.º, do C.I.R.E., de modo a aplicar-se esta disposição legal, apenas, ao contrato-promessa não sinalizado, valendo quanto às promessas sinalizadas o regime geral previsto no artigo 442.º, n.º 2, do C.C..
Face à uniformização de jurisprudência, que apenas opera sobre a posição dos promitentes-compradores que sejam simultaneamente consumidores, subsiste a pergunta sobre quem, por força da lei, deva ser considerado promitentes-adquirente não consumidor.
Responde o acórdão: como se tem vindo a referir, a qualidade de consumidor deve ser entendida em sentido estrito, correspondente a quem adquire um bem ou um serviço para uso particular, de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, não abrangendo, pois, aqueles que obtêm ou utilizam bens ou serviços para satisfação dos interesses e necessidades profissionais ou de empresa63.
59 Vd. A.U.J. n.º 4/2014, Diário da República, 1.ª Série, n.º 95, 19 de maio de 2014.
60 Defendiam e defendem, entre outros, esta posição Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, Direito de Retenção, Contrato-promessa e Insolvência, Cadernos de Direito Privado, janeiro-março 2011, pp. 20 ss e Menezes Cordeiro, António, Tratado de Direito Civil, Vol. II, 4.ª Ed., Almedina, 2012, pág. 401.
61 Menezes Cordeiro, Xxxxxxx, Da Retenção do Promitente na Venda Executiva, Revista da Ordem dos Advogados, ano 57, II, abril, 1997, pp. 547 e ss. e p. 551.
62 Em todo o caso, não deixa de se ter em atenção o voto de vencido do Cons. Xxxxxxxxx Xxxxxx. Partiu da rotação do ponto de vista consagrado no n.º 1 do art.º 164.º-A do C.P.E.R.E.F. para o conceito que se retira dos art.ºs 102.º e 106.º do C.I.R.E., daí o ser notório que o legislador quis excluir o regime do art.º 442.º do C.C. no caso dos contratos-promessa de compra e venda [sob a mira do administrador de insolvência], ao contrário do que acontecia. Seguiu o voto de vencido: como consequência, deixa de ter aplicação a al. f), do n.º 1, do art.º 755.º, do C.C.. E conclui: o n.º 2, do art.º 106.º, do C.I.R.E., com remissão em segundo grau para o art.º 102.º, estabelece um regime autónomo de regulação das consequências da recusa de cumprimento da promessa de contrato sem eficácia real, maxime, quanto à indemnização, a tornar inaplicável o art.º 442.º do C.C. (…) por isso não existe o direito de retenção previsto na al. f) do n.º 1 do art.º 755.º do CC, já que este pressupõe a indemnização/aplicação do último preceito citado. Posição esta que, no fundamental, era a do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/06/2011 (XXXXXXX XXXXX), Proc. n.º 6132/08.OTBPRG-J.G1.S1, consultado em 16/03/2017.
63 Sendo o promitente-adquirente uma pessoa singular e não havendo prova de que exerça qualquer atividade profissional ou empresarial relativa ao mercado imobiliário, a circunstância de ter celebrado com a insolvente um
É apelativa a fundamentação deste acórdão uniformizador: afirmou o direito de retenção, sob regência do artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C., tendo como únicos critérios da emergência do direito de retenção, neste caso, que o credor, promitente-adquirente no contrato-promessa, tenha obtido a tradição da coisa e quando o seu crédito resulte do não cumprimento imputável à outra parte. Contudo, veja-se que a omissão propositada da distinção, na norma em apreço, entre contrato com eficácia real ou meramente obrigacional, apenas revela que o legislador não quis proceder a essa distinção, tratando-se, assim, aqui de uma fragilidade da argumentativa do acórdão. Fragilidade que também é visível relativamente ao posicionamento do direito de retenção enquanto garantia do crédito: numa primeira parte do A.U.J. é defendida uma posição de coincidência literal com o artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C., quando o texto não procede ao distinguo entre existir ou não existir registo do contrato-promessa: entendeu-se, sob a diretiva do artigo 9.º, n.º 3, do C.C., que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir-se em termos adequados. Logo de seguida, e a despeito deste tópico, a fundamentação do A.U.J. limitou o escopo interpretativo da xxxxx, fazendo operar, afinal de contas, uma distinção sem ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal. Ainda que se argumente que este ponto de vista decorre da reconstituição do pensamento legislativo a partir dos textos, o motivo não convence, perante a clareza normativa.
Num sentido crítico, deve ser chamado à colação o voto de vencido do Senhor Conselheiro Abrantes Xxxxxxxx: entende que o direito de retenção conferido pelo artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C., não deveria poder apenas ser convocado à insolvência nos casos em que o promitente -adquirente, titular do crédito reclamado, tem a qualidade de consumidor. Afirmou: como decorre dos preâmbulos do Dec. Lei n.º 236/80, de 18 de julho e do Dec. Lei n.º 379/86, de 11 de Novembro, o objetivo fundamental das modificações que foram introduzidas no regime do contrato-promessa de compra e venda, designadamente no que se reporta à atribuição do direito de retenção em situações de traditio do bem, foi o de tutelar os interesses dos promitentes-adquirentes em geral, sem que o legislador tenha assumido formalmente a aludida limitação subjetiva. Por isso, não encontro motivos para a sua inscrição num acórdão de
contrato-promessa de compra e venda de prédio ou fração urbana não é naturalmente suficiente para isso se ter como exercício daquelas atividades, ou que o imóvel se destina a outros fins que não seja o seu uso privado e, por consequência, nada obsta a que seja considerado consumidor. Este tópico cobre ou tem sido utilizado como motivo jurisprudencial quando se prove que o imóvel se destinaria a arrendamento, mas que os ganhos provenientes são da economia familiar, ou seja, não passem de um mero e singular investimento, facto em que tais promitentes- adquirentes não deixam de ser considerados consumidores, beneficiários da proteção mais abrangente.
uniformização de jurisprudência proferido num processo em que, xxxxx, nem sequer foi discutida a qualidade em que o reclamante interveio no contrato-promessa de compra e venda.
Neste excerto destaca-se, com importância, principalmente, que a alteração trazida pelo
D.L. n.º 379/86, de 11/11, incidiu sobre a tutela legal sem distinção das diferentes posições subjetivas de promitente-adquirente, relevando apenas a primeira qualidade de promitente- adquirente, e não a de consumidor ou não consumidor. Contudo, uma leitura atenta do preâmbulo do referido Decreto-Lei revela-nos que foi precisamente a questão do exercício do direito de retenção e a da sua graduação enquanto garantia do crédito insolvente (no confronto com a garantia hipotecária, em regra constituída a favor de instituições de crédito financiadoras), que determinaram a necessidade de o legislador ordinário conceder proteção aos particulares clientes do mercado imobiliário. Leia-se no preâmbulo do D.L. n.º 379/86, de 11/11: neste conflito de interesses, afigura-se razoável atribuir prioridade à tutela dos particulares. Vem na lógica da defesa do consumidor. Não que se desconheçam ou esqueçam a proteção devida aos legítimos direitos das instituições de crédito e o estímulo que merecem como elementos de enorme importância na dinamização da atividade económico-financeira. Porém, no caso, estas instituições, como profissionais, podem precaver-se, por exemplo, através de critérios ponderados de seletividade do crédito, mais facilmente do que o comum dos particulares a respeito das deficiências e da solvência das empresas construtoras.
Remata o Senhor Conselheiro Abrantes Xxxxxxxx, relativamente a esta questão: persiste, em suma, o direito de retenção que funciona desde 1980. No entanto, corrigem-se inadvertências terminológicas e desloca-se essa norma para lugar mais adequado, incluindo- a entre os restantes casos de direito de retenção [artigo 755.º, n.º 1, al. f)].
Entretanto outras leituras, sob espécie do artigo 9.º, do C.C., indicam também que não pretendeu o legislador uma delimitação subjetiva do direito de retenção, perante as condições gerais previstas na al. f), do n.º 1, do artigo 755.º, do C.C.. XXXXXXXXX XXXXX XXXXXXX E XXXXXX XXXXXX, por exemplo, consideram, pese embora seja censurável tal facto, que a lei atribui a garantia da retenção aos promitentes, indiscriminadamente, devendo a mesma ser entendida como critério balizador das interpretações ostensivamente restritivas que relegam a opção de proteção apenas para a categoria de consumidores64.
Importa, por fim, mencionar que uma parte da jurisprudência entende, declarada a insolvência do dono imobiliário, que o retentor terá de entregar ao administrador o bem retido, uma vez que se trata de propriedade do insolvente e, portanto, integra a massa: o A.I. terá que apreender. Contudo, há que ter em atenção o segmento legal que se constitui nos artigos 36.º, n.º 1, al. g), 46.º, n.º 1, 149.º e 150.º do C.I.R.E.: não prescreve a cessação de qualquer direito real de garantia inscrito nos bens apreendidos. Faz antes operar, sim, uma transferência de domínio dos bens, os quais passam a estar sob mando do A.I., ao invés da do insolvente.
Assim, a declaração de insolvência não tem como vero efeito a extinção desses direitos reais de garantia: a declaração de insolvência é-lhes compatível, garantias que vão permitir graduar à frente dos demais credores que delas beneficiem, independentemente de o domínio dos bens ser do insolvente ou de quem administra a insolvência. Tal é o jaez do direito real de garantia.
Importa também considerar que para a constituição da retenção no caso do promitente- adquirente não se exige a declaração de incumprimento: é suficiente a tradição da coisa prometida vender, conjugada com a titularidade no promitente-adquirente de um direito de crédito face à contraparte. O reconhecimento do direito de retenção pelo promitente-adquirente não depende de verificação por sentença dos respetivos pressupostos; não lhe é exigível, portanto, que esteja munido de título executivo, como a sentença é, sendo inteiramente admissível que o reconhecimento do crédito e da garantia alegada seja feita no contexto da ação de insolvência, no processo de verificação e graduação de créditos. Assim, para que o direito de retenção se deva reconhecer ao promitente-adquirente é suficiente uma traditio ficta – a entrega de um objeto que represente simbolicamente a coisa e permita a atuação material sobre ela. É o que ocorre, frequentemente, no caso de prédios urbanos ou de frações autónomas, em que basta para a traditio a entrega das chaves, quando ocorra em local que permita aceder aos bens.
6. O sinal
Sobre o sinal há que distinguir novamente a posição do insolvente: se este for o promitente-adquirente, entende PESTANA DE XXXXXXXXXXX não haver lugar à restituição do sinal. E antes de mais, nem se pode ter a restituição do sinal como um crédito a ser graduado65.
65 Epifânio, Xxxxx xx Xxxxxxx, ob.cit., p. 185: (…) mas na verdade, dizer que o promitente-vendedor escapa ao rateio ´ficando, por isso mais protegido do que os restantes credores da insolvência´ é ir longe de mais, pois o sinal,
Se o insolvente, porém, for o promitente-vendedor a mesma solução não pode ser aceite, pois sofreriam dano, por exemplo, os consumidores pela má gestão da empresa promotora. Neste sentido, PESTANA DE XXXXXXXXXXX defende a aplicação analógica (ressalvadas várias adaptações por causa da obrigatoriedade da imputabilidade no incumprimento66) do artigo 442.º, n.º 2 e 4.º, do C.C., o que obrigaria à restituição do sinal em dobro ou então à indemnização do valor acrescido em caso de tradição da coisa. GRAVATO MORAIS concorda, indicando que quanto às promessas sinalizadas vale o regime geral do artigo 442.º, n.º 2, do C.C.67, fazendo apelo a uma imputabilidade reflexa da recusa de cumprimento por banda do A.I., ao devedor insolvente. Assinala este autor, citando o Ac. STJ de 19/9/2006 (Xxxxxxxxx Xxxxxx)68: essa extinção [do contrato] é sem qualquer dúvida imputável [ao insolvente] que se colocou em situação de não poder satisfazer pontualmente as suas obrigações, mas ainda que assim não se entendesse, sempre a impossibilidade de não cumprir procederia de sua culpa, ex vi, do disposto no art.º 799.º, n.º 1, do C.C..
A jurisprudência considera, todavia, que o credor promitente-adquirente deve ser consumidor para poder lançar mão tanto do sinal em dobro como de um eventual direito de retenção em caso de tradição da coisa. O que resulta, por exemplo, do já citado Ac. do S.T.J. de 14/06/2011 (XXXXXXX XXXXX): em caso de recusa pelo administrador de insolvência em cumprir o contrato-promessa de compra e venda, só no caso do promitente-adquirente tradiciário ser um consumidor é que goza do direito de retenção e tem direito a receber o dobro do sinal prestado; não sendo consumidor não lhe assiste tal direito, sendo um credor comum da insolvência.
A boa solução geral para este problema parece, no entanto, ser a de considerar não haver lugar à restituição do sinal em dobro, por motivo de ser lícita a recusa de cumprimento pelo
A.I.69. Foi assim que decidiu o Ac. da R.C. de 30/11/2010, proc. n.º 273/05.2TBGVA.C1: ainda
que haja sinal, porque o A.I. atua de forma lícita no âmbito das suas atribuições e competências legais, ao abrigo da faculdade de recusa que lhe é conferida pelo artigo 106.º do C.I.R.E., não
embora revesta um conteúdo garantístico, não faz dele um crédito em dívida que necessite de ser graduado, pelo que não deve sequer ser feita a comparação.
66 Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, ob.cit., p. 4.
67 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxxx xx, ob.cit., p. 9.
68 Ac. S.T.J. de 19/9/2006, Proc. n.º 06A2335: Mais se assinala que a falência gera uma situação de impossibilidade objectiva e superveniente de cumprimento por parte do promitente-comprador falido a quem essa impossibilidade é imputável por se ter colocado em situação que não lhe permite satisfazer pontualmente as suas obrigações.
69 Xxxxx, Xxxxxxxx, ob.cit., p. 105; Xxxxx xx Xxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx/Xxxxx, Xxxxxxxx, ob.cit.; Xxxxx xx Xxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, Com mais irreflexão que culpa? O debate sobre a recusa de cumprimento do contrato-promessa, Cadernos de Direito Privado, Braga, outubro-dezembro 2011, p. 3. Xxxxx, Xxxxxx, ob.cit., p. 189.
se verifica o incumprimento culposo, mas antes uma forma especial de extinção do contrato, prevista na lei, sem que importe restituição em dobro70. De igual modo foi avançado no Ac. da
R.G. de 14/12/2010, proc. n.º 6132/08.0TBBRG.G1 : tendo o administrador de insolvência optado por não cumprir a promessa de venda, o beneficiário da promessa que passou sinal não goza sobre a massa falida de crédito ao dobro do que prestou. E era no mesmo sentido o ensino de XXXXXXXX XXXXXXXXX e XXXX XXXXXXXX, ou de XXXX XXXXXXXX e CATARINA SERRA71.
Entretanto, o Ac. do S.T.J. de 14/06/2011, proc. n.º 6132/08.OTBBRG-J.G1.S1, louvou- se no conceito de OLIVEIRA ASCENSÃO: a decisão do A.I. de não cumprir o contrato- promessa constitui uma reconfiguração da relação; logo, não há incumprimento e, por consequência, o promitente-adquirente não tem direito ao dobro do sinal 72 . Esta posição, mesmo assim, não afastava nem afasta o promitente-adquirente do direito à indemnização, segundo o artigo 103.º, n.º 3, al. d), do C.I.R.E. Pelo contrário, o A.U.J. n.º 4/2014, já citado, na diretiva de graduar o crédito decorrente do não cumprimento do contrato-promessa de compra e venda de imóvel por parte do insolvente e no quadro do artigo 442.º do C.C., sob a precedência conferida pelo direito de retenção-garantia, pressupõe, pois, a possibilidade de o promitente-adquirente acionar o sinal em dobro.
Porém, se o A.I. elege a recusa do cumprimento do contrato-promessa de compra e venda, não se nos apresenta um não cumprimento imputável ao insolvente. Por um lado, o A.I. não está obrigado a optar pelo cumprimento; por outro, mesmo se for culposa a insolvência, haveremos de distinguir a situação da insolvência em si própria da decisão do A.I., a qual é posterior à declaração de insolvência e assim à situação de insolvência. Sob este ponto de vista não parece ser certo que o promitente-adquirente possa exigir a restituição do sinal em dobro, porque o artigo 442.º, n.º 2, do C.C., reconhece tal ao promitente-adquirente se e só se houver não cumprimento do contrato imputável ao promitente-vendedor: não sucede em caso de recusa do cumprimento por parte do A.I., como já vimos.
Entretanto, surge, nesta linha de pensamento, a dificuldade de, no limite, ter de ser considerado então que o pagamento do crédito relativo ao valor do sinal prestado não está
70 Pelo contrário, considerando que o promitente-adquirente terá direito à restituição do sinal em dobro no caso do administrador de insolvência decidir pela recusa do cumprimento, solução para a qual propõe uma interpretação restritiva do art.º 106.º, n.º 2, do C.I.R.E., Gravato de Morais, Xxxxxxxx xx, Da Tutela do Retentor Consumidor em Face da Insolvência do Promitente-vendedor – Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2014, de 20/03/2014, Proc. 92/05, Cadernos de Direito Privado, n.º 46, CEJUR, Braga, 2014, p. 56.
71 Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxx X./Xxxxxxxx, Xxxx, ob.cit., p. 413 ss.
72 Oliveira Ascensão, Xxxx xx, Insolvência: Efeitos Sobre os Negócios em Curso, Themis, FDUNL/Almedina, 2005, p. 125.
garantido pelo direito de retenção previsto no artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C. . De igual sorte, é que este direito de retenção só emerge quanto ao crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442.º: hipótese que não se verifica.
Situa-se neste contexto outra dificuldade: saber se o promitente-adquirente tem, sem mais, a possibilidade de exigir, no processo de insolvência em que é devedor insolvente o promitente- vendedor, um pagamento do sinal em singelo como crédito sobre a insolvência.
Respondendo ao problema posto, escreveu SOVERAL XXXXXXX: o artigo 106.º, n.º 2, manda aplicar à recusa de cumprimento de contrato-promessa de compra e venda pelo A.I., com as necessárias adaptações, o artigo 105.º, 4; este último, por sua vez, introduz modificações no disposto no artigo 102.º, 3; julgamos que a remissão do artigo 106.º, 2, para o artigo 104.º, 5, deve ser entendida como significando que o direito do artigo 102.º, 3, c), tem como objeto o pagamento da diferença, se positiva, entre o valor da coisa na data da recusa (o valor da coisa prometida vender, apurado na data da recusa do administrador) e o valor que ainda deveria ser pago por essa coisa, atualizado para a data da declaração de insolvência73.
Assim, no caso de ter sido pago sinal, o montante correspondente deve ser subtraído ao valor que ainda deveria ser pago, solução que se justifica quando a imputação for possível, sob o regime do artigo 442.º, n.º 1, do C.C.74. Depois, o artigo 104.º, n.º 5, do C.I.R.E., prescreve que se tenham em conta os montantes a pagar até ao final do contrato. Logo, com a imputação do sinal na prestação devida, o montante a pagar até final incluía já o desconto do valor desse sinal e, por consequência, o quantum apurado nos termos do artigo 104.º, n.º 5, do C.I.R.E., constitui um crédito sobre a insolvência75.
Hipótese outra é a de o promitente-vendedor antes da declaração de insolvência se constituir em não cumprimento e, neste caso, a maioria da doutrina entende que é aplicável o regime dos artigos 442.º, n.º 2, do C.I.R.E. e 755.º, n.º 1, al. f), do C.C.. Todavia, certos autores colocam-se numa interpretação restritiva do artigo 755.º, n.º 1, al. f): apenas abrangerá os casos
73 Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxxx de, ob.cit., p. 191.
74 Art.º 442.º, n.º 1, do CC: (…) haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.
75 O sentido interpretativo aqui dado à remissão feita pelo art.º 106.º, n.º 2, do C.I.R.E. configura a solução criticada por Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, ob.cit., p. 14 (nota 41), mas o autor defende que o art.º 106.º, n.º 2, do
C.I.R.E. só se aplica ao contrato-promessa não sinalizado; Xxxxxxxx, Nuno/Serra, Xxxxxxxx, ob.cit., p. 428, entendem, por seu turno, que o promitente-adquirente em contrato-promessa de compra e venda abrangido pelo art.º 106.º, n.º 1, do C.I.R.E. tem direito à diferença (se positiva) entre os valores das duas prestações – uma equivalente ao valor do objeto do contrato prometido (na data da recusa do cumprimento do contrato-promessa) e a outra equivalente ao montante do preço convencionado (atualizado à data da declaração de insolvência), acrescido do sinal (em singelo).
previstos no artigo 442.º do C.C. em que o promitente-adquirente elege o aumento do valor da coisa76, nesta circunstância, o direito de retenção que garantia o promitente-adquirente antes da declaração de insolvência do promitente-vendedor não se extingue com a sentença77.
É certo ser incontornável, no entanto, e como já foi referido, que ocorra uma efetiva tradição, não bastando a mera declaração do contrato-promessa, não obstante não ser exigível sentença judicial que declare o direito de retenção, uma vez que para o efeito serve a decisão de verificação e graduação de créditos78.
Em suma, insiste-se: perante a tradição patente, qualquer entidade que aceite conceder crédito posteriormente, tem de contar com este regime no processo pré-negocial. E no caso de a tradição ser posterior à constituição da hipoteca, o credor hipotecário beneficia do regime da substituição ou reforço, segundo o artigo 701.º do C.C.. Para além do mais, o próprio contrato de financiamento pode e deve acautelar as hipóteses de virem a ser fechados contratos-promessa com tradição79. Com efeito, trata-se de uma circunstância extremamente imprevisível, deixando o financiador que goza de hipoteca a garantir o seu crédito numa situação de intolerável debilidade. Acresce a isto, o facto de colocar o financiador à mercê de comportamentos prejudiciais encetados pelo promitente vendedor, tal como bem ensina XXXXXXX XXXXXX: se o promitente-vendedor, perto do termo da construção do imóvel, verificar (como tantas vezes sucede) que não tem condições para solver o crédito da financiadora garantida r quiser ser útil e agradável aos promitentes-compradores, nada mais fácil do que permitir a ocupação dos apartamentos em vias de acabamento pelos promitentes-compradores para que o crédito destes, resultante do não cumprimento (ou da mora!) da promessa, prevaleça sobre a garantia anterior da instituição creditícia. Mesmo que a entidade financiadora se aperceba da intenção das partes, nada mais lhe restará do que (passe a expressão) benzer-se com a canhota!80
76 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxxx Xxxxx de, Direito das Obrigações, 1.º Vol., 9.ª Ed., Almedina, 2010, pp. 251 ss.; Xxxxxxxxx, Xxxx Xxxxx Xxxxx, ob.cit., p. 268, que faz uma interpretação corretiva, por redução teleológica, e defende que o regime estabelecido no art.º 759.º, n.º 2, do C.C. não é aplicável às situações do direito especial de retenção consagradas no art.º 755.º, n.º 1, al. f), do C.C..
77 Brandão Proença, Xxxx Xxxxxx, Para a Necessidade de uma Melhor Tutela dos Promitentes Adquirentes de Bens Imóveis (máxime, com fim habitacional), Cadernos de Direito Privado n.º 22, CEJUR, Braga, 2008, p. 21; Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxxx xx, ob.cit., p. 3.
78 Xxxxx xx Xxxxxxx, Xxxx, Sobre a Prevalência, no Apenso de Reclamação de Créditos do Direito de Retenção Reconhecido por Sentença, R.O.A., Vol. II, setembro 2006; Xxxxxxxxx, Xxxx Xxxxx Xxxxx, ob.cit., pp. 260 ss. Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, ob.cit., p. 10 (nota 29) – cita Ac. S.T.J. de 19/11/2009 (Xxxxxx Xxxx).
79 Vd. no sentido de uma desvalorização deste regime, Sameiro, Xxxxx, O Direito de Retenção e a Situação do Credor Hipotecário, Revista da Banca, n.º 26, abril-junho 1993, p. 91.
80 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxx xx Xxxxx, ob.cit., p. 156.
7. Conteúdo indemnizatório
É ainda possível a existência de um conteúdo indemnizatório geral. Esta indemnização decorre da conjugação dos artigos 102.º, n.º 3, 104.º, n.º 5 e 106.º, n.º 2, do C.I.R.E., e será calculada por critério fornecido no artigo 104.º, n.º 5: a diferença, se positiva entre o montante das prestações ou rendas previstas até ao final do contrato […] e o valor da coisa na data da recusa. Tal hipótese deriva também da impossibilidade de nestes casos específicos não ser permitido ao promitente-adquirente lançar mão da al. c), do n.º 3, do artigo 102.º, do C.I.R.E.: este crédito aparecerá na graduação de créditos como um crédito comum sobre a insolvência. Voltemos ao ponto de partida.
O artigo 102.º, n.º 1, do C.I.R.E., contém um princípio geral dirigente do direito potestativo de opção, pelo cumprimento ou pelo não cumprimento, por parte do A.I. de um contrato bilateral sinalagmático que ainda não tenha sido cumprido por nenhuma das partes. E por referência a este artigo 102.º, n.º 1, do C.I.R.E., o artigo 106.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, desenha-lhe um desvio – o A.I. do promitente-vendedor, não tem como temos vindo a ver, esse direito potestativo de opção pelo não cumprimento do contrato de promessa de compra e venda com eficácia real, se e só se a coisa objeto do contrato prometido tenha sido entregue ao promitente-adquirente.
Como já vimos, o Supremo Tribunal de Justiça fez uma interpretação corretiva deste artigo 106.º, n.º 1, do C.I.R.E., contrapondo os contratos entre profissionais e os contratos entre profissionais e consumidores. Nos contratos entre profissionais a eficácia real do contrato- promessa e a entrega da coisa objeto do contrato prometido são, para o Supremo Tribunal de Justiça, requisitos cumulativos. Nos contratos entre um promitente-vendedor profissional e um promitente--adquirente consumidor a eficácia real do contrato-promessa e a entrega da coisa objeto do contrato prometido são requisitos alternativos. Nos contratos-promessa com eficácia real os administradores de insolvência nunca teriam o direito potestativo de opção pelo não cumprimento do contrato. E nos contratos-promessa com eficácia meramente obrigacional é suficiente que haja tradição da coisa a favor do promitente-adquirente para que o A.I. não possa exercer aquele direito potestativo.
Neste quadro, o não cumprimento lícito do contrato-promessa por decisão do A.I., nos termos dos artigos 102.º, n.º 1 e 106.º, n.º 1, do C.I.R.E., é fonte da indemnização a favor do promitente-adquirente, prevista no artigo 102.º, n.º 3, als. c) e d) e no artigo 106.º, n.º 2, do C.I.R.E.. No caso de ter havido sinal, fonte de direito é de uma restituição do sinal em singelo.
Aqui chegados, defende XXXX XXXXXXXX: o direito à indemnização e o direito à restituição do sinal em singelo seriam [assim] duas partes componentes de um único crédito sobre a insolvência – e dentro dos créditos sobre a insolvência, de um único crédito comum (nem garantido, nem privilegiado)81.
Depois, o não cumprimento ilícito, segundo o artigo 106.º, n.º 1, do C.I.R.E., nos motivos do Supremo Tribunal de Justiça, dá ao promitente-adquirente, desde logo, o direito ao cumprimento específico do contrato; mais adiante, e se o promitente-adquirente não conseguir a sentença constitutiva, emerge, por isso, um direito à restituição do sinal em dobro, visto o artigo 442.º, n.º 2, do C.C.. Nesta senda, concluiu o Supremo Tribunal de Justiça, num enquadramento temático restritivo, que o artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C., era afinal de contas uma disposição ordenada à proteção do consumidor. Logo, em contratos entre profissionais, o direito à restituição do sinal em dobro é apenas um crédito comum, por força do artigo 47.º, n.º 4, al. d), do C.I.R.E.. Crédito garantido, por direito de retenção, diferentemente, acaso o promitente-vendedor seja um profissional e o promitente-adquirente seja um consumidor, aplicados em ligação os artigos 47.º, n.º 4, al. a), do C.I.R.E. e o artigo 755.º, n.º 1, al. f), do
C.C. .
Para XXXX XXXXXXXX: os argumentos deduzidos pelo Supremo Tribunal de Justiça suscitam particular perplexidade quando aplicados ao caso dos contratos-promessa entre profissionais82. E adiante: o S.T.J., ao pressupor que o direito de opção entre o cumprimento e o não cumprimento só pode ser restringido pela aplicação de regras específicas, estará a apoiar- se num pressuposto inexato; o direito de opção entre o cumprimento e o não cumprimento poderá restringir-se pela aplicação de um princípio geral ou de uma regra específica – princípio geral do artigo 102.º, n.º 4, ou regra específica do artigo 106.º, n.º 1, do C.I.R.E. Na economia dos motivos, o S.T.J. também alude ao facto de o direito à indemnização que o promitente- adquirente tem e o direito à restituição do sinal em singelo, serem duas partes componentes de um único crédito sobre a insolvência, i.e., o fundamento do direito à indemnização coincide, ponto por ponto, com o fundamento do direito à restituição do sinal em singelo. Ou seja, em primeiro lugar, o promitente-adquirente tem direito, nos termos dos artigos 102.º, n.º 3, al. c) e 104.º, n.º 5, do C.I.R.E., à indemnização dos danos causados pelo não cumprimento, concretizada na diferença entre o preço convencionado e o valor da coisa objeto do contrato
81 Xxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx Xxxxx, A Qualificação do Crédito Resultante da não Execução do Contrato-promessa, Atas do III Congresso de Direito da Insolvência (Serra, Catarina, coord.), Almedina, 2015, p. 118.
82 Xxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx Xxxxx, ob.cit., p. 120.
prometido. Em segundo lugar, tem direito à restituição do sinal em singelo, por aplicação do artigo 102.º, n.º 3, al. c), do C.I.R.E. Assim, o regime dos dois direitos é só um, é o regime dos créditos comuns sobre a insolvência.
Porém, a dúvida é legítima sobre se não serão, estes, dois direitos distintos, ao contrário do que pressupõe o Supremo Tribunal de Justiça. É que o fundamento dos dois direitos não coincide nas mesmas normas. Enquanto o fundamento do direito à indemnização está nos artigos 102.º, n.º 3 e 106.º, n.º 2, do C.I.R.E., o fundamento do direito à restituição não radica em nenhum deles, mas sim no artigo 473.º, n.º 1, do C.C.: Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem, fica obrigado a restituir tudo quanto tenha obtido. Ora, o A.I. do promitente-vendedor, ao recusar o cumprimento, faz com que o sinal seja prestado por virtude de uma causa que deixou de existir, ou seja, é por força dos artigos 473.º, n.ºs 1 e 2 e 478.º, n.º 1, do C.C., que a massa insolvente fica obrigada a restituir o sinal. Em consequência, os fundamentos do direito à indemnização e do direito à restituição do sinal são distintos e, deste modo, coloca-se o problema do regime a que devam estar sujeitos.
Enquanto o S.T.J. aceita um tratamento indiferenciado, ao não coincidir o fundamento dos dois direitos, tem de ser reponderado o problema sob crítica: o direito do promitente- adquirente à indemnização é um crédito sobre a insolvência, mas o direito do promitente- adquirente à restituição do sinal não o tem de ser. Aqui, o artigo 102.º, n.º 3, do C.I.R.E., ao atribuir ao promitente-adquirente o direito à indemnização dos danos causados pelo não cumprimento, confere-lhe receber mais do que prestou. No entanto, o artigo 473.º do C.C., ao atribuir ao promitente-adquirente o direito à restituição do sinal em singelo, confere-lhe receber aquilo que prestou. Conclui XXXX XXXXXXXX: o primeiro deve ter (e tem) uma proteção mais fraca e o segundo uma proteção mais forte […] o direito à indemnização tem […] a proteção mais fraca que compete a um crédito [comum] sobre a insolvência; […] o direito à restituição do sinal tem […] a proteção mais forte que corresponde a um crédito sobre a massa.
XXXX XXXXXXXX e XXXXXXXX XXXXX seguem por uma indemnização pela diferença. Recusam a aplicação do artigo 442.º do C.C.; à recusa de cumprimento do contrato promessa sinalizado por existir [e] entre o direito potestativo) de recusa de cumprimento do contrato promessa e do direito subjetivo propriamente dito à restituição do sinal em dobro […] uma autêntica contradição teleológica”83. É que a recusa de cumprimento do contrato de promessa pelo A.I. entraria em conflito com o regime do sinal confirmatório (artigo 442.º, n.º 2, do C.C.),
83 Xxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx Xxxxx/Xxxxx, Xxxxxxxx, Insolvência e Contrato de Promessa, ROA, Ano 70, Lisboa 2010, pp. 411-430.
isto é, trata-se das situações em que aquele opera uma forma de coação ao cumprimento da obrigação de realizar o contrato prometido, tendo as partes estipulado a priore compensação pelo seu não cumprimento. O direito à restituição do sinal em dobro, por sua vez, não é compatível com o regime dos artigos 102.º a 108.º e 119.º, do C.I.R.E.. A este propósito, afirmou XXXXXXXX XXXXX: [a] atuação do direito ao sinal em dobro pressupõe três coisas
– 1.º que o devedor não cumpra; 2.º que o não cumprimento seja ilícito; 3.º que o não cumprimento seja imputável ao devedor, por ter sido causado com culpa84; portanto, o credor só pode ter direito ao crédito indemnizatório se o não cumprimento do contrato for ilícito e culposo. Mas a recusa do cumprimento do contrato promessa pelo A.I. corresponde a uma escolha no exercício discricionário de um poder conferido por lei. Logo, existindo este direito potestativo de recusa de cumprimento, não existe um dever de cumprir, aqui não há ilicitude nem culpa.
Por outro lado, ainda que a recusa de cumprimento do contrato de promessa pelo A.I. fosse concebível como não cumprimento ilícito, acabaria por não ser imputável ao devedor, por força do disposto nos artigos 81.º, n.º 1, 102.º e 106.º do C.I.R.E.. Não estamos perante factos donde emirja o direito ao sinal em dobro. É por isso mesmo que os autores citados concluem: o promissário-adquirente não tem direito à indemnização correspondente ao sinal 85 . Acrescentam que se restassem dúvidas seriam eliminadas pelo que resulta do artigo 119.º do CIRE, onde está ancorado o princípio da imperatividade dos artigos 102.º a 118.º do CIRE.. Quer dizer: é nula qualquer convenção das partes que determina ou fixe os direitos do credor em caso de recusa do cumprimento do contrato promessa pelo A.I.86.
Nestes termos, nesta recusa do cumprimento do contrato promessa tem a contraparte do insolvente o direito à diferença, se em alta, do valor entre as prestações, isto é, entre o preço do contrato prometido na data da recusa do cumprimento do contrato promessa e o preço convencionado atualizado à data da declaração de insolvência. Resultado que sempre seria atingido por aplicação das regras do artigo 473.º, n.º 2, do C.C.: no enriquecimento sem causa a obrigação de restituir tem por objeto o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou perante um efeito que não se verificou87.
84 Xxxxx, Xxxxxxxx, ob.cit., p. 104.
85 Xxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx Xxxxx/Xxxxx, Xxxxxxxx, ob.cit., pp. 417.
86 Xxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx Xxxxx, Com mais irreflexão que culpa? O Debate Sobre a Recusa de Cumprimento do Contrato Promessa, Cadernos de Direito Privado, n.º 36, CEJUR, Braga, 2011, pp. 3-4.
87 Xxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx Xxxxx, ob.cit., p. 4; Xxxxx, Xxxxxxxx, ob.cit., p. 105.
XXX XXXXX, XXXXX XXXXXX XXXXXXXX e XXXX XXXXXX 88 propõem que o
montante da indemnização a que a contraparte tem direito seja limitado pela expressa remissão do artigo 106.º, n.º 2, para o artigo 104.º, n.º 5, do C.I.R.E.. Enquanto lícita a recusa de cumprimento, fica afastado o artigo 442.º, n.ºs 2 e 3 do C.C.. Assim, a contraparte do insolvente tem direito a uma indemnização calculada na diferença por força do artigo 104.º, n.º 5, do C.I.R.E.. E, por não poder ser imputado na prestação devida caso tenha sido prestado sinal, deve ser restituído nos termos do artigo 442.º, n.º 1, do C.C..
As duas posições defendidas são pois a do crédito indemnizatório do promitente- adquirente, contraparte do insolvente, ser crédito garantido, beneficiando da retenção decretada no artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C., posição, esta, adotada por quem defenda a aplicação do artigo 442.º, n.º 2, do C.C., aos casos de recusa de cumprimento do contrato promessa sinalizado; a outra concebe o crédito indemnizatório do promitente-adquirente com natureza de crédito comum, por força do artigo 104.º, n.º 5, do CIRE, e, por conseguinte, calculado com base de diferença de valores das prestações.
Passado este tema e a crítica correspondente, cabe anotar em síntese que o exercício da resolução do contrato promessa tem o significado para o promitente-adquirente de não se lhe manterem efeitos, de que o contrato valha para momento posterior do da declaração resolutiva. Nestes termos, o direito de retenção apenas poderá ser validamente exercido pelo promitente- adquirente após a resolução do contrato promessa, com fundamento num incumprimento definitivo por parte do promitente-vendedor. Os créditos do promitente-adquirente garantidos pelo direito de retenção são pois: (i) o dobro do sinal que prestou (excluída também a responsabilidade nos termos dos artigos 442.º, n.º 4 e 798.º, do C.C.); (ii) o valor objetivo da coisa a que se refere o contrato prometido e na data do incumprimento definitivo, nele deduzido o preço convencionado, a restituição do sinal e a parte do preço paga (excluída também a responsabilidade nos termos dos artigos 442.º, n.º 4 e 798.º, do C.C.); (iii) o montante do prejuízo causado ao promitente-adquirente nos termos e para os efeitos do artigo 798.º do C.C. . Mas, no caso de tradição e incumprimento definitivo do promitente-vendedor podem surgir fontes de obrigações alternativas distintas da restituição do sinal em dobro. (indemnização nos termos gerais ou indemnização correspondente ao valor da coisa retida).
Neste caso o crédito garantido não tem que resultar de qualquer sinal prestado, não constituindo a ausência do sinal qualquer impediente do exercício do direito de retenção.
88 Prata, Xxx/Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx/Xxxxxx, Xxx, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, 2013, pp. 398 ss.
8. Preterição da hipoteca
Importa focar o cerne da importância para o tráfego jurídico da problemática que tem vindo a ser exposta e que tem a ver com a prevalência culminante, já referida, do direito de retenção na circunstância de cobrir os débitos de indemnização pela recusa do cumprimento do contrato-promessa celebrado pelo promitente-vendedor insolvente e um promitente-adquirente, que também seja de considerar consumidor.
A hipoteca é nas garantias gerais ou direitos reais de garantia uma figura jurídica tradicional com origem remota, desenvolvida e aperfeiçoada no romanismo, as mais das vezes apelidada de rainha das garantias. Corresponde à necessidade de uma garantia forte das obrigações através da indexação de determinado bem imóvel em ordem a, no limite, proporcionar créditos em numerário para o pagamento forçado. Por isso mesmo, é-lhe indispensável a publicidade, com o fim de credor e devedor poderem ficar cientes de toda a dinâmica do crédito e pagamento. XXXXX XXXXXX X. MENÉRES CAMPOS89 cita a propósito VAZ SERRA90: a segurança do credor consiste em saber que o hipotecador é o verdadeiro titular do direito hipotecado e o valor deste não está comprometido por encargos anteriores, ao ponto de afetar a garantia e em poder realizar, de maneira expedita, o seu capital se tiver necessidade disso.
Assiste-se hoje em dia a uma massificação do recurso à hipoteca, mobilizada no âmbito da aquisição de habitação própria, onde se movem a maioria das famílias. Foi assim que deixou de poder dizer-se que quem recorre à hipoteca são os agentes económicos: o crédito a particulares assumiu uma importância cada vez maior.
Incontornável é pois ter presentes hic et nunc as caraterísticas do instituto e o enquadramento legal que tem – as caraterísticas que o identificam no direito real de garantia e aquelas que a tornam singular no universo dos direitos reais. No seguimento, perante o necessário exercício do direito do credor hipotecário através da ação judicial, relevam a preferência que confere ao titular e a sequela. E neste âmbito e alcance tem presença a questão do conflito com outras garantias, como os privilégios creditórios e, no que mais nos interessa, o direito de retenção.
89 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Da Hipoteca, Caraterização, Constituição e Efeitos, Almedina, 2003, pp.11.
90 Vaz Serra, Adriano, Hipoteca, Anteprojeto do Código Civil, BMJ n.ºs 62 e 63, respetivamente, pp. 5 ss. e pp. 193 ss.
Estabelece o Código Civil que a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo91. Xxxxxxxxxx que o titular da hipoteca goza de uma preferência relativamente aos outros credores, mantendo, todavia, o dono, devedor, o direito de gozo da coisa. O credor tem a possibilidade de obter um certo valor que lhe assegure o benefício do cumprimento de uma obrigação. Este resultado é, todavia, circunscrito a um processo judicial de venda do bem e pagamento do credor através do preço arrecadado. O conceito da lei transmite, pois, um relato da estrutura e efeitos da hipoteca.
XXXXX XXXXXX X. MENÉRES CAMPOS distingue92 hipoteca em sentido amplo, como instituto jurídico desse direito subjetivo que compete ao credor hipotecário. E como direito real de garantia a hipoteca tem como caraterísticas essenciais a especialidade, a preferência, o caráter absoluto, além de estar indexada ao dito poder de realizar o valor. Trata-se de um vínculo realizável em relação a uma coisa determinada em que consiste a segurança conferida ao credor para satisfação do crédito com preferência aos outros credores exteriores à prestação garantida. Ao devedor confere a comodidade de lhe manter o poder de disposição da coisa: pode até aliená-la, representa a possibilidade de continuar a dispor dela em pleno93.
É assim que os mútuos concedidos estão normal e economicamente em correlação com o valor dos imóveis. E através da hipoteca assiste-se a um reforço da garantia geral das obrigações, representada em todo o património do devedor, conforme dispõe o artigo 601.º do C.C., uma vez que há um bem que fica destinado, de forma preferencial ao pagamento de uma determinada dívida94. No entanto, a hipoteca pode ser preterida em caso de concurso com outras garantias reais: privilégios creditórios e o direito de retenção, nem sequer sujeitos a registo. Em determinadas circunstâncias, como nos casos em que é de aplicar o previsto no artigo 759.º n.º 2 do C.C., a hipoteca arrisca-se a ser totalmente aniquilada. E noutra vertente de inconvenientes da hipoteca, a caraterística da acessoriedade em relação ao crédito é uma barreira à circulação da garantia: só pode ser cedida com o crédito.
Entretanto, a publicidade da hipoteca fez emergir o registo predial, pormenor não de somenos.
91 Hipoteca é em geral termo utilizado com dois sentidos, referindo-se a realidades diversas, ou ao direito real de garantia, ou ao contrato fonte da constituição da hipoteca voluntária.
92 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, ob.cit., pp.11.
93 Xxxxxxx xx Xxxxxxxx, Lora, A Comercialização da Hipoteca, Revista Forense, 1979, Rio de janeiro, Vol. II – 83, pp. 43 ss.
94 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, ob.cit., p. 22.
Vejamos agora que as garantias reguladas na lei, a par da hipoteca são a consignação de rendimentos, o penhor, os já referidos privilégios creditórios e o direito de retenção95. Todos estão indexados a uma relação creditícia, lugares geométricos do sumo cumprimento da obrigação que lhes serve de base: são garantias acessórias de um crédito, sob o paradigma legal e normativo da hipoteca. Destas espécies garantias reais diferenciadas da hipoteca anotaremos agora apenas o direito de retenção que consiste – já o vimos – na possibilidade de um credor que tem em seu poder uma coisa pertencente ao devedor recusar-lhe a entrega enquanto este não satisfizer a divida que tem para com ele: dívida relacionada com a própria coisa. Trata-se de um meio de constranger o dono da coisa a pagar, metamorfoseado num direito real de garantia96. Visto o artigo 759.º do C.C., o detentor da coisa é equiparado ao credor hipotecário, logo que se trate de um imóvel: pode executá-lo e fazer-se pagar com preferência aos demais credores do devedor.
O direito de retenção assume-se, no entanto, perante a hipoteca como um demais atribuído pela lei ao titular: não confere apenas o direito a ser pago preferencialmente em relação aos outros credores como o faz com prevalência sobre o crédito hipotecário anteriormente constituído, válido e eficaz erga omnes. Na verdade, o artigo 759.º, n.º 2, do C.C., não regula apenas o concurso de credores, é uma disposição de regime da garantia especial em que os créditos resultantes dos art.ºs 754.º e 755.º do C.C. foram brindados com a comenda jurídica da retenção97, dando-lhe preferência absoluta, e independentemente da data. Prioridade, esta, que resulta da natureza específica do crédito do retentor e da modalidade de ligação à própria coisa retida, o que constitui o objeto da garantia.
Esta arquitetura normativa, tem sofrido críticas doutrinais tendo em vista a aplicação do artigo 759.º, n.º 2, do C.C. ao direito de retenção desenhado no artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C.. Aqui, em boa verdade, a expetativa de aquisição acaba por valer mais, em termos jurídicos, do que o próprio direito. O adquirente que toma para si um direito com um ónus tem, enfim, meios menores a que recorrer perante um conflito, que o simples promitente-adquirente, quem ainda nem sequer adquiriu o direito, mas já pode convocar a posição jurídica decorrente do direito de retenção, prevalecendo sobre um credor hipotecário anterior98 . Com efeito, o promitente- adquirente de uma coisa onerada e que obtenha a tradição para si dessa coisa, goza desde logo, por mero efeito da promessa e da tradição de um direito de retenção nos termos desse artigo
95 Vd. art.º 754.º ss C.C.; Xxx Xxxxx, Xxxxxxx, Direito de Retenção, BMJ 65, pp. 103 ss.
96 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxx xx Xxxxx, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 1994, p. 578.
97 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxx xx Xxxxx, Sobre o Contrato-promessa, Coimbra Editora, Coimbra, 1989, p. 112.
98 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, ob.cit., p. 228.
755.º, n.º 1, al. f), do C.C. e, com o fim de garantia do crédito resultante do incumprimento da outra parte: ao exercer este direito, o promitente-adquirente pode proceder à execução da coisa prometida que se encontra onerada, ainda que esta esteja hipotecada, e pode mesmo ser pago com preferência ao credor hipotecário cuja garantia tinha sido registada anteriormente à constituição do direito de retenção99.
Por outro lado, o regime foca um desnível entre promitente-adquirente com traditio e promitente-adquirente em contrato promessa com eficácia real, mas estes titulares de um direito oponível erga omnes. No caso dos titulares de contrato de promessa com eficácia real, certo é que a posição que adquirem lhes não permite prevalecer sobre o credor hipotecário, de registo anterior à promessa; pelo contrário o promitente-adquirente com traditio (e o contrato promessa pode nem sequer ser objeto de publicidade institucional) é beneficiado em relação àqueloutro promitente-adquirente com eficácia real: o crédito do promitente-adquirente com mera traditio tem surpreendente preferência em face do credor hipotecário com registo anterior. Nem sequer é caso de aplicação analógica do artigo 759.º, n.º 2, do C.C.: a norma excecional veda-lhe aqui o recurso nos termos do artigo 11.º do C.C..
Em suma: uma posição jurídica aparentemente mais forte como é a promitente- adquirente num contrato-promessa com eficácia real acaba então por se revelar muito frágil quando confrontada com o credor hipotecário com registo de hipoteca anterior ao registo da promessa; enquanto uma posição jurídica aparentemente mais frágil como é a do promitente- adquirente num contrato promessa com eficácia meramente obrigacional acaba por se revelar extremamente forte a ponto de prevalecer, sobre a hipoteca com registo anterior ao direito de retenção e mesmo sobre o direito do promitente-adquirente com eficácia real, em virtude da traditio da coisa100.
Adiante, vem a crítica severa à prevalência do direito de retenção do artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C. sobre a hipoteca anterior prescrita nos termos do artigo 759.º, n.º 2, do C.C., e que convoca a circunstância do direito de retenção, direito real de garantia, afinal não estar sujeito a registo. Nesta vertente a solução acaba por gerar “uma perversão” do sistema, porque ao pretender constituir-se numa proteção do retentor em face do credor hipotecário, acaba por pôr este último na mira do dador da hipoteca possibilitando-lhe munir-se dos promitentes- adquirentes como forma de pressão sobre o financiador, banco de crédito.
99 Madaleno, Cláudia A Vulnerabilidade das Garantias Reais a Hipoteca Voluntária Face ao Direito de Retenção e ao Direito de Arrendamento, Coimbra Editora, 2008, p. 187.
100 Madaleno, Cláudia, ob.cit., p. 189.
Mas o regime instituído ainda mais pode resvalar para a fraude à lei, tal como antevira XXX XXXXX na vigência do Código de Seabra. É que a solução do artigo 759.º, n.º 2, do C.C., criou um mecanismo para contornar o crédito hipotecário, demorando o incumprimento por parte do devedor e frustrando a garantia hipotecária. O credor hipotecário segundo a realidade do tráfego jurídico não controla a existência e a validade do contrato promessa, nem a lei lhe permitiria sequer convocar quaisquer das falhas contratuais previstas no artigo 410.º do C.C., nem sequer a crítica normativa lhe é possível do montante da indemnização devida pelo incumprimento.
Estes os pontos relevados pelas posições maioritárias, mas não podem deixar de fazer-se a recensão dos apoios à lei. Alguns autores admitem que a solução é boa: […] as armas que as instituições de crédito se podem defender neste contexto levam de longe a palma às capacidades de defesa dos simples particulares101; ou […] o legislador entendeu que neste conflito de interesses se afigura razoável à tutela dos particulares; tal entendimento vem na lógica da defesa do consumidor - as instituições de crédito como profissionais podem precaver- se, por exemplo, através de critérios ponderados de seletividade do crédito102/103.
Entretanto o direito de retenção que nos tem vindo a ocupar, é também uma garantia real indireta, no conceito de GALVÃO TELLES104, e que visa dar mais consistência prática ao crédito em ordem a uma cobrança viável: é invocável contra terceiros e com uma eficácia mediata – estímulo do pagamento voluntário.
O direito de retenção que aqui está em jogo tem caráter excecional, previsão da lei que se explica pelas particularidades da situação, a justificarem a garantia105. O retentor não pode invocar o direito contra a execução que lhe assegura, no entanto, durante a execução a preferência que vence a hipoteca, a que temos vindo a aludir. No dizer de XXXXXXX XXXXXX, esta eficácia excecional do direito de retenção acusa a arquitetura de uma providência com raízes no sistema de justiça privada – é o particular que pode legitimamente recusar a entrega da coisa que não lhe pertence enquanto não vir satisfeito o seu direito. Este regime foi, no entanto, pensado para blindar créditos que tinham por via de regra como objeto quantias de
101 Xxxxxxx xx Xxxxx, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, Direito das Obrigações, 1 Vol., Apontamentos das lições proferidas na Universidade Católica do Porto, Coimbra: Almedina, 2003, p. 281.
102 Castanheira, Xxxxxx Xxxx Xxxxxxx, Direito de Retenção do Promitente Adquirente, Garantia das Obrigações (coord. de Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx), Coimbra, Almedina, 2007, p. 504-505.
103 No mesmo sentido, Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, Direito de Retenção, Par conditio creditorum, Justiça Material, Cadernos de Direito Privado, n.º 33, janeiro-março 2011, p. 16.
104 Xxxxxx Xxxxxx, Inocêncio, O Direito de Retenção no Contrato de Empreitada, O Direito, 1974-1987, anos 106- 119, p.16 ss.
105 Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxx, Direito das Obrigações, 9.ª Ed., Almedina, 2006, p. 874.
pequeno montante e que o devedor, titular, podia com certa facilidade pagar. Porém, o artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C., introduzido nas reformas de 1980 e 1986106 ao regime do contrato promessa, com o andar dos tempos, determinou uma verdadeira revolução deste panorama normativo e tem sido objeto de duras e severas críticas107.
O legislador de 1980 concedeu ao promitente-adquirente direito de retenção inserindo-o no artigo 442.º, n.º 3, do C.C., sobre o regime do sinal. É neste particular que os autores chamam à colação a occasio legis da modificação legislativa: a então frequente e fácil frustração das expetativas de imóvel destinado à habitação própria108. A lei pretendeu proteger o promitente- adquirente contra o risco da inflação galopante que motivava muitas vezes o promitente- vendedor a não cumprir deliberadamente o contrato pois lhe era muito mais vantajoso pagar o dobro do sinal e recolocar o prédio no mercado109.
Em suma, com a criação deste direito de retenção procurou o legislador travar a fuga do promitente-vendedor ao respeito pela palavra dada. No entanto, perante a controvérsia doutrinal em torno da solução proposta, a ser promulgado o D.L. n.º 379/86, de 11/11, donde não desapareceram as dificuldades de interpretação.
ALMEIDA COSTA110 referiu-se [a] uma deliberada opção legislativa dentro de uma política de defesa do consumidor que não somos insensíveis. Foi por isso, eleita a proteção da parte considerada mais fraca em detrimento dos credores hipotecários. As instituições financeiras profissionais podiam e podem precaver-se com maior facilidade que os particulares contra quaisquer deficiências e a insolvência das empresas construtoras. Porém, a atribuição do direito de retenção aos promitentes-adquirentes foi estabelecida sem qualquer exceção, a prevalecer sobre a hipoteca, tendo dado lugar a conflitos frequentes no mercado imobiliário para a habitação. Na verdade, as regras do artigo 755.º, n.º1, al. f), do C.C., de certo modo que esvaziam o conteúdo económico da hipoteca prejudicando diretamente as instituições de crédito e que passaram a reagir, dificultando o financiamento dos construtores ou exigindo que se abstenham da traditio em caso de promessa de compra e venda dos imóveis edificado sobre o financiamento bancário. Neste sentido, o prejuízo revertia, sim, para o particular em busca de habitação própria.
106 Vd. Dec. Lei n.º 236/80, de 18 de julho, que acrescentou o n.º 3 ao art.º 442.º do C.C., disposição que transitou para o art.º 755º, n.º 1, al. f), do C.C., com o Dec. Lei n.º 379/88, de 11 novembro.
107 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxx xx Xxxxx, ob.cit., pp. 69 ss; Xxxxxx xx Xxxxx, Xxxx, Xxxxx e Contrato-Promessa, 14.ª Ed., Almedina, 2017, pp. 213 ss.
108 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxx xx Xxxxx, ob.cit., p. 107 ss; Xxxxxxxxx, Xxxx Xxxxx Xxxxx, ob.cit., pp. 266 ss.
109 Xxxxxx xx Xxxxx, Xxxx, ob.cit., p. 12
110 Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxx, Contrato-promessa – Uma Síntese do Regime Atual, 5.ª Ed., Almedina,1998, pp. 68.
Entretanto, o caso de maior suspeita diz respeito à circunstância de nada garantir que a quantia entregue a título de sinal pelo promitente-adquirente tenha sido empregue na construção ou valorização do imóvel, ou seja, a utilização do sinal pode não ter tido e muitas vezes não tem qualquer interesse para os restantes credores. De qualquer forma, os créditos com fundamento no incumprimento de contrato promessa de compra e venda de imóvel para habitação ascendem a montantes geralmente elevados que acrescem ao preço do contrato.
Também o financiador não é necessariamente uma instituição de crédito e pode muito bem ser um particular que não tenha meios especialmente organizados de vigilância da situação patrimonial do devedor, por exemplo um credor particular nestas circunstâncias dificilmente terá possibilidade de averiguar a existência de contratos-promessa celebrados pelo construtor111.
Ao mesmo tempo, o regime legal dá maior proteção aos promitentes-adquirentes do que aos adquirentes definitivos112. Com efeito, o adquirente de uma fração ou de um imóvel hipotecado fica sujeito à preferência hipotecária, enquanto o promitente-adquirente goza de uma garantia preferencial do crédito indemnizatório. No limite, de montante equivalente ao valor da coisa. Refere, XXXXXX MENÉRES CAMPO113, chega-se mesmo ao ponto de os proprietários das frações tentarem invalidar a compra e venda feita com base no desconhecimento do ónus da garantia hipotecária, para posteriormente, readquirida a qualidade de promitentes-adquirentes virem invocar o direito de retenção. XXXXXXX XXXXXX fez notar que o direito de retenção […] acaba por revestir na prática uma eficácia superior àquela de que goza a promessa com eficácia real114. Por fim, XXXXX XXXXXXX considerou: não existe qualquer defesa definitiva e eficaz que o credor hipotecário possa antepor ao titular do direito de retenção para sustentar a prevalência da sua garantia.
A crítica negativa deste regime legal considera, na sequência, que a intenção, na lei, de proteção do consumidor tem servido mais como instrumento de o devedor relapso se subtrair aos seus compromissos.
Este cenário, aliás, é patente e tem dado lugar a inúmeras decisões jurisprudenciais115: na maioria dos litígios os credores hipotecários tentam argumentar não diretamente contra a
111 Xxxxxxx, Xxxxx, ob.cit., p. 90.
112 Xxxxxxx, Xxxxx, ob.cit., p. 91.
113 Menéres Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, ob.cit., p. 229.
114 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxx xx Xxxxx, ob.cit., p. 155.
000 Xx. Ac. S.T.J, 10/10/89, BMJ 390/363; Ac. S.T.J., 15/05/90, BMJ 397/478; Ac. S.T.J., 24/03/92, xxx.xxxx.xx, JSTJ 00014353; Ac. S.T.J., 15/12/92, BMJ 422/348; Ac. S.T.J., 12/01/93, xxx.xxxx.xx, JSTJ 00017583; Ac. S.T.J., 17/11/94, xxx.xxxx.xx, JSTJ 00025873; Ac. S.T.J., 01/02/95, XX (S.T.J.) 1995, I: 55; Ac. S.T.J., 19/11/96, CJ (STJ) 1996, III:109; Ac. S.T.J., 17/02/98, XX (S.T.J.) 1998, I: 73; Ac. RL, 11/10/90, XX 1990, IV:147; Ac. RP, 25/01/96, xxx.xxxx.xx, JTRP 00016645; Ac. RE, 12/12/96, XX 1996, V:283.
prevalência atribuída ao direito de retenção, mas utilizando tópicos laterias: necessidade de o promitente-adquirente, beneficiado com o direito de retenção, intentar anterior ação declarativa para reconhecimento do crédito indemnizatório; inoponibilidade do caso julgado em relação ao credor hipotecário, por afetar a consistência prática do seu crédito; não admissibilidade de embargos de terceiro à penhora por parte dos promitentes-adquirentes, por motivo de não lhes ser reconhecida tutela possessória; invocação por parte dos credores hipotecários da nulidade do contrato-promessa por vício de forma.
Quanto a este último problema, a questão da legitimidade do credor hipotecário para invocar a carência dos requisitos de forma do contrato-promessa estabelecidos no artigo 410.º, n.º 3, do C.C., já foi resolvida pela improcedência (e jurisprudência obrigatória) no Supremo Tribunal de Justiça116: a omissão das formalidades previstas no artigo 410.º, n.º 3, do C.C. não pode ser invocada por terceiros.
Outro argumento que desenvolveremos diz respeito a ter sido invocada a inconstitucionalidade material das normas dos artigos 442.º, n.º 3 e 755.º, n.º 1, al. f), do C.C., por infração ao artigo 62.º da C.R.P. Adiante-se que, neste particular, o Ac. da R.C. de 02/02/1999117, considerou que, independentemente do desacerto da opção legislativa e das suas possíveis implicações práticas, não pode concluir-se pela inconstitucionalidade: o legislador ordinário não infringiu a garantia do direito à propriedade privada, constante do artigo 62.º da Constituição, limitando-se a estabelecer prioridades em relação a determinadas situações jurídicas concretas.
Vale a pena firmarmo-nos na síntese de XXXXX XXXXXX MENÉRES CAMPOS118 […] o direito de retenção existe apenas para garantir o pagamento do crédito indemnizatório, previsto no artigo 442.º, n.º 2, do C.C.; não se trata de conferir aos promitentes-adquirentes qualquer direito à propriedade ou posse da coisa, apenas consiste num direito real de garantia e não num direito real de gozo, e como tal deverá ser tratado; a consequência é evidente: o retentor não pode opor-se à penhora da coisa nem à sua venda; somente terá direito a, do produto da venda, receber o seu crédito indemnizatório, com privilégio sobre os demais credores hipotecários ou comuns: nos termos do artigo 824.º do C.P.C., os bens são transmitidos livres dos direitos reais de garantia que os oneram […] pelo que, afinal, os promitentes-adquirentes, satisfeitos do seu crédito terão de abrir mão da coisa.
116 Disponível em xxx.xxxx.xx.
117 Vd. C.J. 1999, I, p. 19 ss.
118 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, ob.cit., p. 231.
9. A (In)constitucionalidade
O argumento da inconstitucionalidade material do regime da prevalência do direito da retenção sobre a hipoteca acabou por centrar-se em torno da crítica ao artigo 759.º, n.º 2, do C.C., contudo as dúvidas nunca se levantaram antes da reforma de 1980-1986, que culminou no novel artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C. . Em todo o caso, o âmbito e alcance dessas críticas nem sequer é afetado pela inovação porque são válidas quer perante o direito de retenção do beneficiário da promessa de constituição ou transmissão de direito real, quer em face dos de mais casos de retenção, e ainda perante a retenção derivada de danos causados pela coisa ou despesas nela efetuadas que não tenham dado azo a um benefício objetivo na coisa retida119.
O escopo legal é aqui o de obstar ao locupletamento do credor hipotecário: o artigo 759.º, n.º 2, do C.C., está de harmonia e na sequência do dispositivo criado no artigo 691.º,n.º 1, al. c), do C.C120.
Tem sido nesta perspetiva que o foco da jurisprudência se tem debruçado sobre o assunto. No sentido da não inconstitucionalidade o Ac. do S.T.J. de 15/05/1990, proc. n.º 077549121: a oponibilidade do direito de retenção ao credor hipotecário resulta já do artigo 759.º, n.º 2, do C.C., e não da nova redação dada ao artigo 442.º do C.C. pelo Dec. Lei n.º 236/80, de 18/07, no qual se definiu em abstrato um novo caso de direito de retenção: esta norma não ofende um direito anterior daquele credor hipotecário nem infringe o artigo 62.º da C.R.P. […] nem a hipoteca é um direito de propriedade sobre uma coisa, mas simples garantia real das obrigações, nem o citado diploma está a ser aplicado no caso concreto retroativamente.
Por outro lado: na graduação entre as garantias especiais das obrigações já desde 1966 que o atual código civil confere ao direito de retenção prevalência sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente […] por isso a nova lei ao definir em abstrato um novo caso de direito de retenção, não está a ofender um direito anterior do credor que, no momento da constituição da garantia hipotecária, estivesse seguro da impossibilidade de nenhum outro direito prioritário.
Assim, decidiu também o Ac. da R.P. de 02/12/1999122 pela não inconstitucionalidade do regime. No caso remetido a decisão do Tribunal da Relação do Porto, a apelante credora
119 Madaleno, Cláudia, ob.cit., p. 214.
120 Vd. art.º 691.º, n.º 1, C.C. – A hipoteca abrange: c) As benfeitorias, salvo o direito de terceiros.
121 Madaleno, Cláudia, ob.cit., p. 214.
hipotecária arguira diversas inconstitucionalidades dos diplomas que concederam ao titular do direito de retenção o privilégio sobre a hipoteca.
E segundo a recorrente, quer o artigo 442.º, n.º 3, quer o artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C., seriam materialmente inconstitucionais em consequência da preferência resultante do direito de retenção se sobrepor de forma atentatória à hipoteca.
O tribunal entendeu o contrário com obliter dicta da prevalência do direito de retenção estar consagrada no código civil desde início.
XXXXXXX XXXXXXXX cita também o Ac. S.T.J. de 11/07/2006, proc. n.º 06B2106 123: o artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C., interpretado no sentido de que o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca ainda que com registo anterior não padece de inconstitucionalidade material […]. Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça não deixou de referir: aceita-se que se trate de um risco acrescido no comércio bancário, mas não parece que daí resulte ofensa de relevante princípio constitucional. No mesmo sentido se pronunciou o Ac. do S.T.J., de 14/02/2006, proc. n.º 05A3647124, aresto onde, relativamente à questão de saber se o direito de retenção criado no artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C., era desproporcionado ou excessivo, foi considerado que se não verificava este vício, pela razão de ser o promitente-adquirente a parte geralmente mais fraca ou débil no contrato-promessa de transmissão de imóvel, tendo tido o legislador o intuito de reequilibrar a situação desigual em que as partes se encontram. Por conseguinte, sem ofensa do princípio da proporcionalidade, nem dos da confiança e da segurança jurídica: […] quando da celebração do mútuo pela recorrente, que deu origem à hipoteca já esta tinha conhecimento da existência do direito de retenção previsto na lei há vários anos. Também o acórdão entendeu que não havia qualquer infração ao princípio constitucional da proteção da propriedade privada, ordenado a garantir este direito contra uma privação arbitrária, quando o direito de retenção é apenas um direito real de garantia que não afeta, carecido de fundamento normativo, esse mesmo direito de propriedade.
A autora ainda referiu o Ac. do S.T.J. de 07/04/2005, proc. n.º 05A487125, que decidiu sob a mesma orientação, destacando os passos seguintes: a solução legislativa pode justificar- se […] pela necessidade de dinamizar o mercado de construção, através do reforço da posição dos promitentes-adquirentes, sem proteção adequada em caso de falência do construtor: pretende-se assim tornar mais seguro e confiante o comércio jurídico imobiliário. Tanto que:
123 Disponível em xxx.xxxx.xx 124 Disponível em xxx.xxxx.xx 125 Disponível em xxx.xxxx.xx
[…] se não justifica exclusivamente pela necessidade de proteção dos consumidores face às instituições de crédito, uma vez que, pela sua generalidade, ela protege não só os consumidores como qualquer promitente-adquirente, mesmo que este disponha de poder económico igual ou superior, ao das instituições de crédito.
No entanto, XXXXXXX XXXXXXXX 126 tomou posição pela inconstitucionalidade, partindo do tópico de o defeito do artigo 759.º, n.º 2, do C.C., se verificar independentemente da reforma legislativa de 1980-1986. É que o problema posto por esse n.º 2 do dito artigo 759.º do C.C. consiste na preferência conferida ao titular do direito de retenção se aproximar muito de ser arbitrária, em detrimento do credor hipotecário, e preferência ocorrente ainda que o direito deste último tenha sido constituído, e por isso devidamente registado, em data anterior ao início da retenção.
Ora, a única justificação teleológica da solução consagrada está, como já foi referido, na necessidade de impedir que o credor hipotecário se locuplete à custa de um benefício incorporado na coisa pelo terceiro retentor: a solução legal ancora no enriquecimento sem causa, que só este instituto, segundo a autora, a justificará com proporcionalidade.
Mas esta arquitetura de fim normativo já se não verifica nos casos críticos de retenção, como são os que estamos a estudar. A autora conclui que no caso do artigo 759.º, n.º 2, do C.C., se não verifica a finalidade referida nos casos especiais do direito de retenção onde não ocorre qualquer benefício para a coisa, o qual tenha sido obtido à custa do retentor. Logo, nada se revela necessário salvaguardar no direito de crédito deste. Então, por motivo de a solução legislativa nem sequer atender à própria ratio do preceito, em todos estes casos a preferência atribuída pela lei ao retentor cai no domínio do arbitrário legislativo.
Neste ponto nodal, é de pôr em evidência que o direito do credor hipotecário é um direito válido e eficaz erga omnes: não deveria poder ser posto em causa por um direito posterior. Nesta medida, relembraremos, a propósito, XXXXXXX XXXXXX: As instituições de crédito que haviam financiado a construção dos imóveis […] e que tinha assegurado o seu crédito mediante hipoteca […] viram-se inesperadamente preteridas pelo promitente-comprador que só mais tarde havia realizado o seu contrato e nem sequer levara o ato à repartição do registo predial competente127.
126 Madaleno, Cláudia, ob.cit., p. 219 ss.
127 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxx xx Xxxxx, ob.cit., p. 114.
Neste sentido, qualifica este direito real de garantia, de forma sui generis, como uma garantia oculta128, traduzindo-se num ónus oculto que incide sobre o bem retido, uma vez que carece de ser registada para se constituir plenamente. Caracteriza-se, portanto, pelo efeito atípico, como uma super-garantia129. É expressiva a conclusão da autora supra citada: a única razão que permite a deterioração da garantia hipotecária parece consistir na necessidade de evitar o enriquecimento sem causa do credor hipotecário, na medida em que a ação do terceiro tenha contribuído para o aumento de valor da coisa, nela se verificando uma mais-valia da qual deriva uma vantagem para os restantes credores que possuam direito sobre essa mesma coisa […] essa justificação permite atribuir preferência de pagamento ao terceiro, mesmo em detrimento de direitos anteriores válidos e eficazes, pois os titulares destes direitos beneficiam ainda da atuação do terceiro sobre a coisa.
Na lógica deste pensamento, na verdade, revela-se arbitrária a prevalência do direito de retenção criado no artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C., sobre um direito hipotecário anterior válido e eficaz erga omnes, restrição injustificada e sem apoio em nenhum princípio vigente na nossa ordem jurídica. Neste segmento, XXXXXXXXX XXXXX XXXXXXX e XXXXXX XXXXXX colocam a questão, muito certeiramente, de qual seja o fito do sistema de registo predial, na medida em que este pode revelar-se totalmente desprovido de eficácia, quando não realiza as funções para as quais foi instituído: certeza e segurança jurídica130.
Sob este ponto de vista, as normas conjugadas dos artigos 755.º, n.º 1, al. f) e do n.º 2, do artigo 759.º, do C.C., infringem o artigo 18.º, n.º 3, da C.R.P., quando dispõe, este preceito de autorização pela lei fundamental, das restrições legais aos direitos de liberdade e garantias. Tais restrições devem ser consentidas pela própria C.R.P., têm de ter em vista a salvaguarda de outro interesse constitucionalmente tutelado, ser exigidas para a tutela em vista e, de todo, a restrição não afetará o aspeto nuclear do direito fundamental restringido.
Segundo este quadro é possível argumentar que o arco normativo dos artigos 755.º, n.º 1, al. f) e 759.º, n.º 2, do C.C., infringe o direito fundamental de iniciativa económica numa modalidade desnecessária à convergência prática com o direito de proteção da parte contratual mais fraca ou dos consumidores.
Na direção do pensamento de XXXXXXX XXXXXXXX, deste modo, não é proposta a mera inconstitucionalidade singular do artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C., ao criar o direito de
128 Xxxxxxxxx, Xxxx Xxxxx Xxxxx, ob.cit., p. 249.
129 Xxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx Do Direito de Retenção, Cadernos de Direito Privado, n.º 11, p. 12.
130 Xxxxx Xxxxxxx, Margarida/Xxxxxx, Xxxxxx, ob.cit., p. 40.
retenção, que contempla a favor do promitente-adquirente. A grave situação económico- financeira ambiente e que perdura nos dias de hoje, (podendo ser tida em conta, apesar de tudo, como menos gravosa), solicitava, na verdade, medidas com vista à proteção dos particulares na compra de casa própria.
No que diz respeito, porém, à preferência de pagamento genérica, conferida a qualquer retenção sobre uma coisa imóvel, nos termos do artigo 759.º, n.º 2, do C.C., frisa a autora uma inconstitucionalidade deste preceito, pelos motivos já apontados, e mobiliza outros mais argumentos de apoio à crítica legal do sistema.
É que, antes de tudo, do ponto de vista legislativo, deveria ter havido uma diferenciação de regimes no âmbito e alcance deste artigo 759.º, n.º 2, do C.C. . Em particular, a autora remeteu para os argumentos já expostos de ser de qualidade diferente o direito de retenção por despesas úteis levadas a cabo na coisa – que justifica com toda a naturalidade aquela prevalência
– já não quando é conferida essa prevalência absoluta também ao direito de retenção especial atribuído ao promitente-adquirente no artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C. .
No primeiro caso, as despesas úteis realizadas na coisa são motivo lógico da preferência absoluta atribuída à retenção: justifica-se esta na necessidade de impedir o efeito já referido de um enriquecimento sem causa do credor hipotecário à custa do retentor – o valor da alienação da coisa será sempre superior ao preço que teria se não fosse a ação deste terceiro. Mas no caso do direito de retenção especialmente atribuído ao promitente-adquirente já não procede este motivo: o simples facto de alguém ser promitente-adquirente, em ordem à constituição ou à transmissão de um direito real, e, portanto, independentemente da realização de qualquer despesa na coisa retida, põe de parte a lógica do enriquecimento sem causa. A origem da retenção não é, com toda a evidência, a realização de despesas na coisa, mas a mera celebração de um contrato-promessa de constituição ou transmissão de um direito real, com tradição dela mesma.
E a necessidade de diferenciação de regimes, perante os motivos distintos das situações em análise, só surgiu na reforma de 1980-1986, inovação que veio desequilibrar o sistema originário do Código Civil, pensado para um âmbito de aplicação do artigo 759.º, n.º 2, do C.C., que abrangia, na prática, apenas os casos de retenção por despesas realizadas na coisa retida.
Esta circunstância também é a base de uma recomendação proposta pela autora ao aplicador do direito baseado numa interpretação atualista e restritiva do preceito, de modo a não operar este artigo 759.º, n.º 2, do C.C., no caso da retenção prevista no artigo 755.º, n.º 1,
al. f), do mesmo diploma legal. Na opinião de CLÁUDIA MADALENO131: como não há aqui nenhum risco de enriquecimento injustificado por parte do credor hipotecário, deve entender- se que a ratio da norma se não preenche, ou seja, que a situação em apreço – conflito entre o direito de retenção do artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C., e a hipoteca – se não encontra abrangida pelo artigo 759.º, n.º 2, do C.C., o que o torna inaplicável a este caso concreto. Em consequência, direito de retenção e hipoteca, ambos direitos reais de garantia, têm de estar sujeitos ao princípio da prioridade temporal da constituição dos direitos, de que justamente é exceção o artigo 759.º, n.º 2, do C.C.. Assim, a disposição legal apresenta-se-nos, no entendimento em sentido contrário, maioritário na jurisprudência, como materialmente inconstitucional, por força da infração do artigo 18.º da C.R.P. .
Em suma: a redução do núcleo do direito do credor hipotecário é excessiva em face do interesse que a lei procura salvaguardar, com exceção do crédito do retentor por despesas que tenham gerado um benefício objetivo para a coisa; somente aí a restrição possui verdadeiramente o sentido de obstar ao enriquecimento sem causa do credor hipotecário132.
Esta posição, no entanto, não foi acolhida pelo Tribunal Constitucional que, mais do que uma vez, foi solicitado para decidir sobre a controvérsia na dupla vertente da consagração do novo direito de retenção a favor do promitente-adquirente no artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C., quer da preferência de pagamento segundo o artigo 759.º, n.º 2, do mesmo diploma legal. No Ac. do Tribunal Constitucional, proc. n.º 359/2005 133 foi recusada a inconstitucionalidade material do direito de retenção consagrado no artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C., cuja norma tinha sido arguida de infração aos princípios da proporcionalidade, da confiança e da segurança jurídica. Considerou o Tribunal Constitucional não oferecer qualquer dúvida que o legislador de 1980 e 1986 […] teve em vista objetivos reportados a uma complexa realidade social (a aquisição de habitação própria mediante contratos-promessa), objetivos estes que por serem constitucionalmente aceitáveis e traduzirem soluções equilibradas, não põem em causa as normas e princípios da Lei Fundamental indicados pela recorrente. Os motivos do Ac. do Tribunal Constitucional, proc. n.º 356/2004134 foram, porém, outros a propósito da mesma questão, isto é, da inconstitucionalidade desse direito de retenção previsto no artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C., conjugado com o artigo 759.º, n.º 2, do mesmo diploma legal. O tribunal entendeu aqui que era fundamental a circunstância de o regime da lei em causa já se encontrar
131 Madaleno, Cláudia, ob.cit., p. 236.
132 Madaleno, Cláudia, ob.cit., p. 223.
133 Disponível em xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx
134 Disponível em xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx
em vigor à data da constituição da hipoteca. Assim, nem se podia concluir pela violação do princípio da confiança relativamente a expetativas anteriormente firmadas. Não havia uma frustração de expetativas legítima do credor hipotecário relativamente à garantia: no momento em que se constituiu, estava já em vigor o regime e, sendo assim, o credor hipotecário teria sempre de contar com a possibilidade da existência de um eventual credor retentor, este com preferência de pagamento em relação à hipoteca. E acrescentou, ao pronunciar-se pela constitucionalidade da solução legal em vários outros acórdãos. No Ac. do Tribunal Constitucional n.º 594/2003135, são estes os motivos: a ideia geral unificadora do princípio da proporcionalidade é a de que o meio utilizado para atingir certo objetivo deve estar numa determinada relação com esse objetivo: a avaliação a que há que proceder para aferir da proporcionalidade incide sobre um meio, que é dirigido a um certo fim, e implica a apreciação da respetiva idoneidade, necessidade e racionalidade à persecução do fim em vista. Aqui chegados, nos motivos da decisão, o Tribunal Constitucional sublinhou que se não podia ter a solução como desproporcional: […] o reconhecimento do direito de retenção surgiu como uma medida de defesa do promitente-adquirente considerado na circunstância como parte mais débil do contrato e como parte que geralmente ficava prejudicada, uma vez que não dispunha de meio eficaz para fazer cumprir a promessa. No mesmo alinhamento, correu o Ac. n.º 356/2004136 . Este mesmo acórdão rejeitou também a alegada infração dos princípios da confiança e da segurança jurídica, associada esta ao registo predial. O problema da inconstitucionalidade da atribuição ao promitente-adquirente do direito de retenção, na modalidade do artigo 755.º, n.º 1, al. f), do C.C., foi enfrentado no Ac. n.º 22/04137 que se pronunciou pela […] conformidade constitucional das normas que estabelecem a preferência no pagamento do titular do direito de retenção sobre coisas imóveis em relação aos demais credores do devedor e à prevalência do direito de retenção sobre coisas imóveis relativamente à hipoteca, mesmo que esta tenha sido registada anteriormente. Mas, foi precisamente neste acórdão que o Tribunal Constitucional distinguiu a eventual inconstitucionalidade da atribuição do direito de retenção ao promitente-adquirente, da eventual inconstitucionalidade da preferência de pagamento estabelecida no artigo 759.º, n.º 2, do C.C.. Nesta direção, quanto à inconstitucionalidade da preferência estabelecida a favor do retentor sobre o credor hipotecário,
135 Disponível em xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx 136 Disponível em xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx 137 Disponível em xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx
versaram os acórdãos 356/2004138 e 466/2004139. A solução em causa […] opera […] uma ponderação adequada do interesse das instituições de crédito detentoras de créditos hipotecários na proteção da confiança inerente ao registo predial; e do interesse dos consumidores na proteção da confiança relativa à consolidação de negócios jurídicos […] em muitos casos de aquisição de habitação própria permanente. Nestes termos, a preferência tem, segundo o Tribunal Constitucional, fundamento na proteção dos interesses económicos dos consumidores: nesta se justifica o recuo dos princípios da confiança e da segurança jurídica. No mesmo sentido, também o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 374/2003140: neste conflito de interesses, afigura-se razoável atribuir prioridade à tutela dos particulares […] na lógica da defesa do consumidor […] [enquanto] as instituições de crédito, como profissionais, podem precaver-se […] através de critérios ponderados de seletividade do crédito, com mais facilidade do que o comum dos particulares […]. Também o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 356/2004141, prosseguiu o mesmo caminho, convocando o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 498/2003 142 , no qual apresentou como motivo a semelhança entre a preferência de pagamento estatuída em absoluto a favor do retentor e a preferência de pagamento que confere aos trabalhadores um privilégio creditório pelos créditos emergentes do contrato individual de trabalho: prevalece também sobre a hipoteca, ainda que anteriormente registada, questão suscitada neste último.
Uma solução diferente desta e contra a corrente jurisprudencial apela ainda assim a outros argumentos de inconstitucionalidade material, por infração dos princípios da adequação, da igualdade, e da proteção da confiança, posição que não sai prejudicada pela jurisprudência aqui anotada do Tribunal Constitucional, em face dos factos novos à discussão aventados agora e que têm raiz na circunstância deste artigo 759.º, n.º 2, do C.C., ser originariamente aplicável apenas à retenção por despesas realizadas na coisa, ambiente que veio a ser alterado com a emergência do novo direito de retenção a favor do promitente-adquirente. Ocorreu um desequilíbrio do sistema e compete ao legislador remediá-lo, porventura no sentido da diferenciação proposta, integrando a crítica no circunstancialismo geral sob um ponto de vista mais minucioso.
138 Disponível em xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx 139 Disponível em xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx 140 Disponível em xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx 141 Disponível em xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx 142 Disponível em xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx
No ponto de vista de uma censura da solução legal sob espécie do princípio da adequação, onde as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se meios adequados aos fins visados, tem de se ter em conta que no domínio da proporcionalidade em sentido estrito é exigida uma justa medida, impedidas as soluções legislativas desproporcionadas, ou seja, excessivas aos fins obtidos. No caso vertente, o credor hipotecário encontra-se numa situação fraca em relação à posição forte do retentor, única e exclusivamente nos casos em que a hipoteca haja sido constituída em momento anterior ao direito de retenção. Este efeito de prioridade da retenção posterior parece que transborda não é adequado à ideia geral subjacente ao princípio da proporcionalidade/adequação, em que o meio legal utilizado para atingir certo objetivo deve estar numa relação harmónica com esse objetivo.
Porém, em face de uma prioridade obtida posteriormente, certo é que são de ponderar as críticas por exemplo de Xxxxxx xx Xxxxx: o facto do direito de retenção prevalecer sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente… poderá acabar por virar a norma protetora…contra o promitente-comprador (abstratamente) protegido, engendrando rarefração da traditio rei hipotecada por imposição das instituições de crédito aos construtores143.
Por outro lado, a inconstitucionalidade do disposto no artigo 759.º, n.º 2, do C.C., pode ser concebida como infração do princípio da não descriminação, que nos vem do artigo 13.º da C.R.P.: o crédito do retentor e o crédito hipotecário apresentam-se em iguais circunstâncias. Tanto retentor como credor hipotecário são ambos credores privados, titulares de um direito real de garantia sobre um bem de quem lhes deve. Neste contexto, o retentor é o beneficiário de um direito de crédito de que é colateral a faculdade de deter para si um bem do devedor, em garantia do pagamento desse mesmo crédito e pelo produto executivo do bem retido. Ao mesmo tempo, o credor hipotecário é titular de um direito de crédito, este que se encontra especialmente garantido pela hipoteca que incide sobre o mesmo bem, sobre o qual o retentor exerce o seu poder. Não se identifica, pois, qualquer distinguo que justifique um proteção mais forte que outra destes direitos, por assim dizer equivalentes: ambos se encontram em situação idêntica e nessa medida ambos reclamam idêntica tutela da lei144 . Assim, pela preferência absoluta estipulada no n.º 2, do artigo 759.º, do C.C., em benefício do retentor configura uma descriminação em relação ao credor hipotecário, pelo que infringe, como acima aventamos, o artigo 13.º da C.R.P.. Para além disso, pode considerar-se que a disposição legal do código civil
143 Xxxxxx xx Xxxxx, Xxxx, ob.cit., p. 213
144 Madaleno, Cláudia, ob.cit., p. 224.
citada infringe o princípio da confiança, segundo o qual todos devem poder ter um mínimo de certeza quanto aos seus direitos e quanto às expetativas jurídicas, em que validamente radiquem. Pelo contrário, a regra do artigo 759.º, n.º 2, do C.C., traz consigo uma grande insegurança e incerteza jurídica para o credor hipotecário, de frente com uma expetativa legítima, mas frustrada, de ressarcimento do seu crédito com preferência sobre os demais credores, em razão da garantia forte e erga omnes em que se constituiu, no respeito do direito e em situação de equilíbrio, senão paritária com o seu devedor. O princípio da confiança surge, pois, numa crise de identidade manifesta. Este princípio, corolário do Estado de direito propugna a estabilidade que no dizer de XXXXX XXXXXXXXX exige não deverem as leis ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável a alteração das mesmas quando ocorram pressupostos materiais particularmente relevantes, e a previsibilidade, exigência de certeza e calculabilidade por parte dos cidadãos em relação aos efeitos jurídicos dos atos normativos145.
Assim, na medida em que não estejam, como não estão equilibradas no contexto da crise económico-financeira, trazida à colação e bem por PESTANA DE VASCONCELOS e GRAVATO MORAIS, as posições do retentor e do credor hipotecário, a frustração das legítimas expectativas deste último são defraudadas sem que exista motivo bastante para a preferência absoluta do dele, retentor. É nossa convicção que o art.º 759.º, n.º 2, do C.C, consagra uma solução legal em clara contradição com o princípio da confiança.
145 Xxxxxxxxx, Xxxxx, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,7.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2011, p. 380.
10. Conclusões
O problema principal que toma vulto após este percurso de exegese normativa em torno do problema posto e de arranque desta dissertação acaba por ter o foco na inconstitucionalidade do que chegamos a chamar arco normativo dos artigos 755.º, n.º 1, al. f) e 759.º, n.º 2, ambos do C.C..
Neste particular, não deve impressionar a circunstância de ser negativa a jurisprudência, tanto de primeira linha, da segunda e da última instância, tanto a do Tribunal Constitucional: para além do mais, os acórdãos uniformizadores valem apenas como diretiva obrigatória para os tribunais de inferior hierarquia ao Supremo Tribunal de Justiça. Assim, nada obsta a que o próprio Supremo Tribunal de Justiça que não está vinculado a seguir o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014, de 19/05/2014, venha a decidir de forma divergente, (perante minuta de Revista da qual haja de conhecer), no que diz respeito à conformidade constitucional do segmento de lei dos artigos 755.º, n.º 1, al. f) e 759.º, n.º 2, ambos do C.C.. Para uma iniciativa neste âmbito e alcance, a argumentação de CLÁUDIA MADALENO146, na verdade, mostra-se sugestiva e operacional.
É que o direito de retenção conferido ao promitente-adquirente de imóvel, com tradição da coisa, parece -nos não dever prevalecer sobre a hipoteca anterior e, por isso mesmo, inscrita no Registo em data precedente à da efetiva entrega simbólica ou material do prédio.
Neste plano, a infração dos princípios constitucionais da adequação/ proporcionalidade igualdade e da proteção da confiança é expressiva e emerge como novidade a partir de o motivo de o artigo 759.º, n.º 2, do C.C., inaugurado no Código Civil de 1966, ter tido um realce de aplicação diferente daquele que nele foi investido depois, no ambiente normativo pós reforma de 1980-1986. Argumento este que de alguma forma relega para segundo plano o desiderato principal da autora e que o expôs em ordem à defesa da prevalência da retenção apenas no caso de o retentor ter valorizado o bem retido (por isso, ser de direito que beneficie da retenção para obter o ressarcimento correspondente ao acréscimo de mais-valia a considerar).
De qualquer modo, precisamente para o acerto da indemnização devida ao promitente- adquirente, nos termos do arco normativo dos artigos 755.º, n.º 1, al. f) e 759.º, n.º 2, do C.C., há que ter presente que o melhor critério de decisão acaba por ter foco no mecanismo jurídico da remoção patrimonial, por assim dizer, correspondente a um enriquecimento direto ou
146 Madaleno, Cláudia, loc.s cit.s.
indireto do promitente-vendedor à custa do não cumprimento da promessa, muitas vezes correlacionado com especulativas bolhas de mercado imobiliário.
Neste sentido, para uma solução elegante, importa optar pela tese da aplicabilidade do disposto nos artigos 102.º, 104.º e 106.º do C.I.R.E., aos casos do não cumprimento potestativo da promessa por parte do A.I., como a lei lho permite. Tratar-se-á, pois, de um crédito sobre a massa insolvente (o bem retido integra-a) e, nesta circunstância, representa desde logo um limite real à mera arbitrariedade dessa decisão do A.I., submetida como está às regras da racionalidade de gestão económico-financeiro de mercado.
É também este ponto de vista - a colocar no campo da reforma legislativa deste complexo de problemas, levantados pelo estudo da questão da existência de contratos- promessa por cumprir, no âmbito da insolvência do promitente-vendedor, e normalmente promotor imobiliário (na maioria dos casos a atuar no mercado das casas para habitação própria) – que porventura aconselha ao aperfeiçoamento normativo em ordem a não deixar dúvidas indemnizatórias. Dúvidas estas que não têm apesar de tudo robustez suficiente para fazer conceber a decisão potestativa de não cumprimento desses contratos-promessa pelo A.I. como incumprimento da obrigação por causa que lhe é imputável.
Sobrenada em todo o caso a orientação de uma defesa forte do consumidor, base bastante de certa assimetria entre posições credoras.
E sobre todo este ponto de vista crítico o sinal, nas vicissitudes particulares (de reforço) até ao eventual e muitas vezes realizado completamento do preço, funcionará, sim, como âncora da boa-fé do promitente-adquirente. Para tanto, apontam as regras da experiência comum.
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