ENFRENTANDO O PROBLEMA DO CRIME URBANO
ENFRENTANDO O PROBLEMA DO CRIME URBANO
A frustração crônica da nação diante do sistema de justiça penal é facilmente percebida nas manchetes que nos agridem diariamente nas primeiras páginas dos jornais: “Terceira Estudante Atacada em Dois Dias”, “Esposa Atira na Cara do Marido’ “Assalto Deixa Freira em Condição Crítica’ “Mais um crime do Martelo”. Assustados e preocupados, parece que estamos presos em um ambiente semelhante a um hospício, cercados de violência e ameaças imprevisíveis. Não estamos apenas aterrorizados, mas também impotentes. Nenhum dos órgãos do sistema de justiça penal — e muito menos a polícia —, criados supostamente para nos proteger, parece eficaz. “Obstruída a Investigação da Polícia”, “Sem Pistas no Seqüestro do Menino de 3 Anos”, “Polícia Admite Impotência nos Assaltos’ “Estuprador Libertado Sob Fiança’ As instituições da lei parecem impotentes e imprevisíveis. Será que são? Este livro analisa a maneira como os órgãos de polícia de hoje estão lidando com o problema do crime urbano. Com base em observações de campo feitas em seis departamentos de polícia de cidades dos Estados Unidos — Santa Ana, Houston, Detroit, Denver, Oaldand e Newark — buscamos idéias inovadoras, estratégias e reformas organizacionais que possam ter apresentado algum êxito na luta contra o crime urbano. E, para nós, a pesquisa foi sempre atraente, raramente frustrante, algumas vezes fantástica e inesperadamente compensadora. Aprendemos muita coisa com a organização da polícia e com os policiais que estudamos.
O início desse projeto data de 1982, quando, desanimados e desesperados como todos nós, alguns funcionários do Departamento de Justiça formularam uma pergunta simples mas usada: existe alguma coisa que a polícia possa fazer para aliviar o medo paralisador que o público tem do crime? Obviamente, eles reconheciam que a população tinha boas razões para estar assustada. O medo pode ser lamentável, mas ao sugerir cautela também salva vidas e evita sofrimentos. Por outro lado, o medo constitui por si só um problema. Quase
sempre exagerado pela mídia e pelos boatos, ele destrói os padrões da vida cotidiana, tranca as pessoas em suas casas, especialmente os mais velhos, causa estresse, contribui para a deterioração dos bairros, para perdas no comércio e deixa algumas partes das cidades nas mãos dos criminosos de quem todos têm medo. Daí o empenho do Governo Federal em descobrir se havia alguma coisa que a polícia pudesse fazer para reconquistar o controle do ambiente social de uma maneira que tranqüilizasse o povo.
O Departamento de Justiça, por meio do National Institute ofJustice, solicitou à Police Foundation de Washington, D. C., que determinasse com exatidão as melhores idéias para controlar o crime urbano e que elas fossem testadas em duas grandes cidades, sob condições controladas. A Police Foundation, criada em 1971 pela Fundação Ford, era na época a mais importante organização privada de pesquisa no campo da polícia. Sob a vigorosa direção de Xxxxxxx X. Xxxxxx, antigo comissário do Departamento de Policia de New York, a Police Foundation tinha realizado estudos sobre a eficácia das estratégias de policiamento antigas e recentes, e sobre as práticas administrativas da polícia. Era natural, portanto, que o National Institute of Justice concedesse à Police Foundation, durante dois anos, um subsídio para que ela conseguisse informações seguras sobre a capacidade da polícia de proporcionar melhorias perceptíveis na segurança pública.
Para decidir quais idéias deviam ser postas em prática, a Police Foundation reuniu, em janeiro de 1983, um grupo de consultores nacionais no campo da polícia, com a missão de avaliar o que estava sendo praticado e escolher uma estratégia entre todas. Foi aí que entramos. A Police Foundation recomendou que visitássemos várias cidades que recentemente haviam desenvolvido idéias novas no trabalho de policiamento e que apresentássemos ao grupo um relatório dessas práticas. No encontro, que reuniu cerca de quinze pessoas, empregou-se a “técnica de Delfos”, para ter certeza de que toda e qualquer possibilidade fosse examinada. Segundo essa técnica, supostamente planejada para transformar pessoas comuns em oráculos, cada participante teria de apresentar, resumidamente, uma idéia pertinente, no caso, sobre os fatores controlados pela polícia que podem reduzir o medo da população em relação ao crime. Após várias
reuniões do grupo, foi feita uma lista de quarenta e nove fatores distintos. Essa quantidade de idéias não foi motivo de grande alegria.
Ou o mundo era muito complexo, tornando improvável que qualquer abordagem do controle de crimes pudesse produzir um efeito visível, ou nós, mesmo sendo todos especialistas no assunto, sabíamos tão pouco sobre o que ia funcionar, que qualquer idéia era tão boa quanto outra. O grupo tinha enorme esperança de que a última alternativa é que fosse a verdadeira. Melhor a ignorância do que a complexidade, porque, desse modo, pelo menos a experimentação em campo poderia produzir resultados interessantes, desde que fossem testadas aquelas idéias que tinham mais conteúdo do que as mais óbvias.
No final fizemos uma lista reduzida das idéias que tinham alguma possibilidade de dar certo. Essa lista foi levada aos departamentos de polícia de Newark e Houston para estimulá-los a pensar no que poderiam fazer, nas condições locais, para reduzir o medo de crime. Essas duas cidades, tinham sido as escolhidas pelo National Institute of Justice como os locais onde os experimentos seriam aplicados. Elas foram rotula das, respectivamente, de cidade do Snowbelt e cidade do Sunbelt. Não que fossem cidades norte-americanas representativas, mas tinham o tipo de problemas criminais que estava afetando muitas outras cidades. Os experimentos deveriam ser realizados em quatro áreas iguais de cada cidade, com uma quinta área sendo usada para comparação. A Police Foundation está publicando [1986] os resultados dos experimentos, junto com as descrições de como as estratégias foram desenvolvidas em cada área e dos problemas que encontraram na implementação.
Todos aqueles que estavam envolvidos no projeto tinham consciência de que já haviam aprendido muita coisa sobre o que não funcionava no trabalho policial nos Estados Unidos. Inspiradas pela historica Presidents Commission on Law Enforcement and Administration of Justice, de 1967, conclusões haviam se acumulado ao longo dos últimos quinze anos, sendo quase todas resultado de uma pesquisa patrocinada pela Law Enforcement Assistance Administration (LE A LE havia sido extinta em 1978 para dar origem ao National Institute of Justice.
Assim, a procura por um método eficiente de lidar com o crime e com o medo que ele provoca, iniciada em 1982, não começou do zero.
Pesquisas haviam mostrado, repetidas vezes, que as estratégias tradicionais da polícia não estavam funcionando com eficiência. Como acontece com qualquer investigação, foram feitas objeções a determinados estudos, más a lição clara que se tirou de tudo foi que, todas as vezes em que foram avaliados métodos experimentais de policiamento, não se conseguiu demonstrar a utilidade destes métodos. Essa série quase contínua de conclusões negativa foi uma das razões pelas quais o Governo Federal se preocupou, em 1982, em descobrir se havia alguma coisa que pudesse funcionar. Isso porque, nessa altura, os administradores de polícia progressistas, os estudiosos e mesmo alguns políticos estavam começando a achar que, se as coisas continuassem a ser tratadas da forma habitual, era improvável encontrar soluções para o problema do crime nos Estados Unidos.
Em termos específicos, foi isto que se descobriu:
• Primeiro, aumentar o número de policiais não reduz necessariamente o índice de criminalidade nem eleva a proporção de crimes solucionados. Pode-se dizer o mesmo com relação ao aumento da participação da polícia no orçamento. O máximo que se podia dizer é que, se não existissem policiais, haveria mais crimes, todavia, assim que se atinge um limiar de cobertura, que nos Estados Unidos deve ter sido ultrapassado há muito tempo, os aumentos de dinheiro e de pessoal deixam de ter eficácia. As variações tanto no índice de criminalidade como na taxa de esclarecimento de crimes podem ser melhor previstas pelas condições sociais, como renda, desemprego, população, distribuição de renda e heterogeneidade social Aprendemos que não se pode simplesmente jogar dinheiro na aplicação da lei e esperar resultados proporcionais.
• Segundo, o serviço de patrulha motorizada aleatória não reduz o crime em melhora a possibilidade de prender suspeitos. Além disso, não tranqüiliza os cidadãos o suficiente para diminuir o seu medo do crime, nem gera maior confiança na polícia Mostrou-se, por outro lado, que patrulhas regulares de policiais a pé, embora não tenham um impacto comprovável sobre o índice de
criminalidade, diminuem o medo do crime por parte dos cidadãos Terceiro, os carros de patrulha com dois policiais não são mais eficientes na redução do crime ou na prisão de criminosos do que os carros com um único homem. Além disso, na patrulha com carro ocupado por um único policial não é maior a probabilidade de que este saia ferido.
• Quarto, o patrulhamento intensivo de fato reduz o crime, mas apenas temporariamente, em grande parte porque o desloca para outras áreas.
Quinto, os tipos de crimes que mais aterrorizam os norte-americanos — o assalto à mão armada, o roubo, o furto de domicilio, o estupro, o homicídio — raramente são enfrentados pelo policial em patrulha Somente “Dirty Harry” tem seu almoço perturbado por um roubo a banco em andamento. Os oficiais de patrulha fazem, individualmente, poucas prisões importantes. A “boa prisão” é um evento raro. Os policiais gastam a maior parte de seu tempo patrulhando passivamente e prestando serviços de emergência.
• Sexto, a melhoria no tempo de atendimento aos chamados de emergência não tem qualquer efeito sobre a probabilidade de prender criminosos ou mesmo sobre a satisfação dos cidadãos envolvidos. Um estudo recente e bastante amplo mostrou que as chances de fazer uma prisão em flagrante caem 10 por cento mesmo se só um minuto tiver se passado depois que o crime foi cometido Em outras palavras, somente a reação instantânea seria eficaz na prisão de criminosos. No entanto, não se pode esperar que isso aconteça, a não ser que se coloque um policial em cada esquina. A rapidez no atendimento ao chamado faz tão pouca diferença porque as vítimas demoram uma média de quatro a cinco minutos e meio para chamar a polícia, mesmo quando estiveram frente a frente com o criminoso.
Também, surpreendentemente, um atendimento rápido não satisfaz os cidadãos, porque o que a maioria das vítimas de crime deseja é muito mais previsível do que uma pronta reação. As vítimas parecem acreditar que, na maioria dos crimes, o criminoso já estará longe quando a polícia chegar. O que elas querem mesmo é poder contar com uma reação da polícia quando estiverem reorganizando suas vidas destroçadas. A pesquisa mostra que elas prefeririam aguardar 45 minutos
por uma reação positiva da polícia do que a incerteza de esperar por uma resposta imprevisível. Não querem ser obrigadas a esperar sentadas.
Sétimo, os crimes não são solucionados — no sentido de delinqüentes serem presos e julgados — pelas investigações criminais conduzidas pelos departamentos de polícia. Geralmente os crimes são resolvidos porque os criminosos são presos em flagrante ou porque alguém os identifica especificamente — um nome, um endereço, a placa de um carro. Os estudos mostram que, se nenhuma dessas coisas acontece, as chances de solucionar algum crime caem para menos de uma em dez. Apesar do que a televisão nos tem levado a pensar, os detetives não trabalham a partir de pistas para chegar aos criminosos: seu trabalho é feito com base em suspeitos conhecidos a fim de corroborar as provas. Os detetives são importantes para a acusação de infratores identificados e não para descobrir delinqüentes desconhecidos.
Esses resultados são devastadores. Significam que as estratégias primárias adotadas pelos departamentos de polícia norte-americanos não reduzem o crime nem tranqüilizam a população. Como outras instituições públicas — as escolas, o Departamento de Defesa, as prisões —, a polícia costuma investir recursos em idéias tradicionais, burocraticamente seguras, mas que não funcionam mais — se é que algum dia funcionaram. Isso talvez explique porque acrescentar mais dinheiro ou mais pessoal têm pouco efeito sobre a segurança. Como podem ter, quando as estratégias existentes parecem amplamente fracassadas? Os estudos indicam claramente que a proteção deve ser fornecida pelos próprios cidadãos, e que a ajuda destes é fundamental para a captura e condenação dos indivíduos que os lesaram. A tarefa da polícia é, portanto, trabalhar junto com o povo, de maneira a garantir que isso aconteça, desenvolver estratégias específicas e articuladas que possam produzir resultados. Como os especialistas bons e cautelosos, sentimo-nos tentados a dizer novamente que os estudos citados não são conclusivos. Talvez o que mostrou ser válido em Kansas City, em Peoria ou em Los Angeles não o seja em outros lugares. Todavia, até que tenha sido comprovada a utilidade das estratégias da polícia local, os cidadãos deveriam ver com reservas as garantias que ela lhes oferece.
Embora prosseguíssemos em nosso trabalho de consultores do projeto, imaginamos que podíamos dar a nossa contribuição, independentemente da avaliação experimental das atuais estratégias de polícia. Levamos nossas idéias a Xxxxxxxx Xxxxxxx, então diretor de pesquisas e vice-presidente da Police Foundation, e a seu presidente, Xxxxxxx Xxxxxx. Explicamos-lhes que nossas curtas visitas a várias cidades, além de nossos próprios estudos de campo durante muitos anos, tinham nos convencido de que os departamentos de polícia já estavam tentando resolver o problema da redução do medo — e que alguns haviam adotado iniciativas próprias importantes. Seria útil que nós mesmos mergulhássemos no mundo operacional da administração da polícia, para ver o que poderia ser feito, de verdade, em matéria de controle da criminalidade, saber que estratégias locais estavam sendo desenvolvidas, que dificuldades estavam sendo encontradas para executar seus novos programas e que resultados estavam sendo produzidos. Xxxxxxx e Xxxxxx nos deram o incentivo e o suporte financeiro necessários.
Nosso plano era realizar estudos mini-etnográficos de seis cidades: Denver, Detroit, Houston, Newark, Oakland e Santa Ana. Essa não era uma amostra escolhida de forma científica. Escolhemos as cidades porque estavam razoavelmente espalhadas pelo país (o Sudeste era a única exceção), e algumas já eram famosas pelas inovações que haviam introduzido. De outras se dizia que nelas a vida da polícia era particularmente dificil. Já tínhamos trabalhado em algumas e em todas nosso acesso era garantido. Por sorte, ou por azar, acabaram mostrando muito bem a gama de pensamentos e práticas estratégicos no policiamento atual.
Visitamos cada cidade, observando as operações de perto e tentando entrar nas mentes dos agentes de polícia de todos os escalões. Em toda cidade recebemos cooperação notável, tanto dos chefes quanto dos policiais mais novos. Noite e dia, no inverno ou no verão, observamos os policiais em carros de patrulha e conversamos com eles nas delegacias, nas esquinas, em casas particulares, em restaurantes de fast-food, nas cadeias, nas academias de treinamento, nos quartéis, nas avenidas, em terrenos desocupados, bares e até em parques. Nosso
interesse era conhecer a estratégia de policiamento, e não a tática empregada pelos policiais individualmente. Assim, estudamos a ênfase dada às investigações criminais, mas não nos preocupamos com as técnicas de interrogatório; analisamos as regras de patrulhamento, mas não as regras gerais internas; examinamos a criação das patrulhas a pé, mas deixamos de lado a conduta na vigilância; e estudamos os esquemas de distribuição das patrulhas, mas não nos preocupamos com as regras na revista das pessoas. Do mesmo modo, só nos interessamos pelas práticas administrativas e organizacionais, tais como treinamento, planejamento, estilo de liderança e recrutamento, quando afetavam claramente o sucesso dos programas estratégicos. Queríamos descobrir como os recursos estavam sendo usados para reduzir a criminalidade e tranqüilizar o público.
Pensávamos em captar o caráter institucional de cada um dos seis departamentos de polícia e cidades que estudamos. Para nós cada cidade e seu departamento tornaram-se fascinantes. Em alguns aspectos, todo departamento de polícia é parecido. Cada um deles é uma burocracia clássica. Todos têm seu chefe, comissário ou diretor, uma organização hierárquica, uma estrutura paramilitar, uma escala de serviço e regras formais para seu funcionamento. Todos têm um organograma e um conjunto de ordens gerais. Mas o organograma e as ordens gerais omitem, muitas vezes, fatores fundamentais que afetam as operações cotidianas do departamento. Por exemplo, nenhum organograma explica como o alto comando e o sindicato da polícia convivem entre si. Comumente, o resultado desse relacionamento é um acordo legalizado expresso num “memorando de entendimento” a que todos devem obedecer. Ainda assim, além do contrato formal existem questões importantes. De que maneira o alto comando e a tropa percebem os problemas fundamentais que o departamento de polícia enfrenta? E estão ambos dispostos a colaborar na execução dos programas para solucionar alguns dos problemas? Como aprendemos em nos sas investigações, a relação entre o comando e os comandados dentro de um departamento de polícia é muitas vezes um fator chave, afetando a capacidade do departamento de introduzir novas estratégias.
Embora os departamentos de polícia norte-americanos apresentem semelhanças entre si — obviamente, são muito mais parecidos entre eles do que, por exemplo, em relação à polícia japonesa —, são também claramente diferentes um do outro. Teriam de sê-lo. A polícia de uma cidade do Texas de crescimento rápido, como Houston, deve ser diferente da polícia de uma cidade industrial clássica do Meio- Oeste, como Detroit. A população de Newark deve ser a mais pobre dos Estados Unidos, e os recursos do departamento de polícia refletem essa pobreza. Santa Ana é a sede do condado de Orange, na Califórnia, um condado conservador, embora, como iremos ver, talvez tenha mostrado a organização de polícia mais inovadora dos Estados Unidos. Assim, como o objetivo de nossa pesquisa era descobrir a inovação estratégica que estava ocorrendo no policiamento em âmbito nacional, perguntamos-nos por que deveria haver mais inovação na conservadora Santa Ana do que na liberal Oakland, também na Califórnia, ou em Denver, que na década passada experimentou um crescimento econômico quase fenomenal em indústrias de alta tecnologia.
Apresentamos o resultado de nossos estudos em seis capítulos, um para cada cidade. Embora evitando um plano geral rígido, tentamos fornecer respostas para problemas que poderiam ser considerados um modelo para uma análise causal da inovação. Uma questão é a que envolve avaliação dos recursos dos departamentos. Os policiais de Newark que visitaram Houston nos disseram que, quando viram a riqueza dessa cidade em equipamentos — particularmente seus helicópteros —, ficaram impressionados, sentiram inveja e, ao mesmo tempo, o que parecia um absurdo: parabenizaram a si mesmos, pois o policiamento de Newark é feito com um mínimo de suporte técnico, e, quando o departamento obtém sucesso, é com o uso dos poucos recursos que possui.
Outros problemas derivam de outras realidades. Toda cidade tem uma história própria e importante, que afeta o departamento de polícia: uma tradição de governo, uma economia, uma base populacional em mudança, um clima político instável. Avaliamos tudo isso com relação a todos os departamentos. Durante a década de 70, a nação foi testemunha de uma migração de quase dez milhões de pessoas das cidades para os subúrbios. A maioria daqueles que deixaram as
cidades eram brancos e tinham rendas médias e altas, e os que ficaram eram, em sua maioria, negros e pobres. Em 1975, Xxxx X. Xxxxx escreveu:
[...] o exemplo mais espetacular de invasão e, ao final, substituição pode ser encontrado nas mudanças raciais que estão ocorrendo nos centros de cidade. Muitos brancos ficam com medo quando os negros se mudam para uma comunidade porque acreditam que eles irão ameaçar a estabilidade local. Com isso querem dizer que sua comunidade irá perder o caráter de classe média, a qualidade das escolas irá diminuir, a violência nas ruas irá aumentar, a área irá deteriorar-se de modo geral até se tornar um desses slums se costuma ver nos centros de cidade.
Esses temores — bem como a atração de subúrbios recém-desenvolvidos e encantadores — criaram uma profecia que acabou por cumprir-se. De fato, as comunidades tornaram-se cada vez mais inseguras e deterioradas. Diminuiu a interação face-a-face entre os vizinhos, e a polícia tornou-se instrumento mais imediato, e pro curado, de controle social, ao mesmo tempo que seus recursos foram reduzidos e, às vezes, sofreu sérios cortes de efetivos, com conseqüentes efeitos morais. Assim, em cada capítulo, tentamos avaliar algumas das relações entre a polícia e a ecologia urbana a ela associada.
Fizemos assim porque logo ficou evidente que a interação entre a polícia e a localidade é um fator importante e afeta qualquer inovação introduzida no policiamento. Por exemplo, como os policiais se sentem, de modo geral, a respeito da cidade que estão policiando? Será que para eles ela é uma espécie de “selva” e seus habitantes são animais predadores? Será que os policiais considerariam a idéia de morar na cidade que estão policiando, se já não residem nela? A cidade é um lugar importante para eles? Este tipo de atitude básica, que não pode ser extraída só com um questionário frio, produz terríveis conseqüências. Elas afetam o entusiasmo com que os homens da polícia trabalham. Afetam seus deveres constitucionais. Influenciam os encontros na rua com cidadãos adultos, com jovens e com os proprietários que procuram os serviços da polícia. Nossas investigações etnográficas tentam dar uma resposta a essas questões e identificar
as diferenças entre os departamentos em termos de organização, experiência e atitude.
O que queríamos saber, principalmente, é: os departamentos de polícia podem superar as condições de experiências anteriores hostis? Do mesmo modo que os psicólogos do desenvolvimento humano indagam que influência uma infância ruim tem sobre o comportamento adulto, perguntamos: os departamentos de polícia podem superar um passado de privações?
Aqui e ali — sobretudo em Santa Ana — descobrimos algumas coisas excelentes.
Descobrimos que uma liderança administrativa, uma filosofia de valores estimulante podem realmente produzir mudanças. Podem alterar tanto a estrutura da organização policial quanto o desempenho das patrulhas nas ruas.
Descobrimos, em resumo, o começo de uma reconstrução social do policiamento nos Estados Unidos. Esse desenvolvimento se baseia num entendimento de como a polícia precisa reconstituir a concepção que tem de seu papel para ajustar-se às novas circunstâncias sociais que estão surgindo. Pensemos na seguinte declaração do chefe
Xxxxxxx Xxxxx, de Santa Ana, ao LosAngeles Times(30 de outubro de 1983):
Acredito na filosofia antiga de que um departamento de polícia deve ter o apoio da comunidade, deve envolver-se com a comunidade, deve servir à comunidade. Essa posição não deveria causar surpresa. A verdadeira questão seria: por que demoramos tanto tempo para compreender que os programas de vigilância junto à comunidade, os programas de assistência à comunidade, os painéis consultivos da comunidade e o forte envolvimento dos cidadãos foram realmente as únicas oportunidades que tivemos de fazer com que um departamento de polícia local tivesse sucesso?
Ou examinemos as respostas da polícia às pressões da comunidade em Oakland, onde pelo menos vinte pessoas foram assassinadas em 1984, inclusive urna garota de 15 anos, grávida, atingida por uma bala perdida, em conseqüência de guerras de rua de gangues rivais no tráfico de drogas. Nessa cidade, a polícia e os promotores públicos juntos reavaliaram as prioridades no tocante às prisões de
rua em caso de tráfico de drogas. A polícia, em particular, reagiu positivamente às campanhas comunitárias — entre elas marchas públicas e encontros — para chamar a atenção do povo sobre as necessidades das comunidades. Assim, o Departamento de Policia de Oakland esta começando a envolver-se com mais intensidade com a população, embora ele seja mais reativo à pressão da comunidade do que o de Santa Ana, cuja orientação junto à comunidade é mais proativa*. Tanto em Houston quanto em Detroit observamos programas inovadores, cujo objetivo principal era estimular a participação dos cidadãos no policiamento e convencer a tropa de que a participação do cidadão era útil e importante para o sucesso do seu trabalho. Como iremos ver, esse trabalho de convencimento nem sempre funcionou, mas a tentativa é igualmente importante para a comunidade.
Essa mudança, tal como relatamos, deveria ser analisada no contexto de um passado histórico não tão distante, quando muitas pessoas, principalmente negros e hispânicos residentes no centro das cidades, olhavam os policiais com alarme e desconfiança. A situação tem melhorado nas cidades que estudamos, embora com algumas reservas expressas por membros da polícia e das comunidades minoritárias. No entanto, mesmo naquelas cidades onde a falta de confiança continua grande, vislumbra mos um novo entendimento. Assim, afirma o Cleveland Piam Dealer, citando a declaração do chefe de polícia de Cleveland, Xxxxxxx X. Xxx, sobre a importância de se prestar atenção aos medos dos pretos e dos hispânicos: “Em última análise, existe mais segurança [ a polícia] se tiver o apoio da comunidade do que se possuir armas sofisticadas”. E o jornal acrescenta: “O objetivo deveria ser a segurança de todos. Não se pode conseguir isso se a metade dos habitantes de Cleveland tiver medo da polícia quase tanto quanto tem dos arruaceiros e dos bandidos da cidade” (28 de março de 1984).
Não estudamos Cleveland, mas sim Detroit e outras cidades grandes. Encontra mos sucesso no combate tanto ao medo da polícia quanto ao medo do crime. Descobrimos também uma forte tendência a admitir que a confiança e a cooperação da comunidade constituem um aspecto central do papel da polícia. Não encontramos isso em todos os lugares, entre todos os administradores e
patrulheiros. Apesar da resistência, particularmente entre os policiais do escalão inferior, encontramos mu danças significativas na ideologia e na organização do policiamento.
Quando nos deparamos com algum sucesso observável, procuramos analisá-lo. De modo geral, descobrimos que a razão desse sucesso parecia ser a capacidade dos líderes da polícia de infundir nos cidadãos um senso de responsabilidade e de cobrança de resultados, em relação ao trabalho de policiamento. Muitas vezes, essa tomada de consciência resultou — particularmente entre as minorias — do reconhecimento de que uma comunidade estável e dominante partilhava, na verdade exigia, valores policiais tradicionais de estabilidade e segurança. Descobrimos, além disso, que o sucesso requer mais do que uma mudança dos valores. Nossas observações mostraram o quanto era importante transformar esses novos valores em mudanças concretas de organização, como o policiamento de equipe e estratégias auxiliares, como a descentralização de tarefas e mobilização da comunidade contra o crime.
Assim, vimos algumas histórias em que o sucesso foi notável. Mantivemos nossa atenção voltada para estratégias novas e interessantes, de modo a identificar possíveis direções futuras para o policiamento nos Estados Unidos. Fomos encontrar algumas delas nos departamentos mais despojados em termos econômicos, Newark e Detroit.
Em nosso capítulo de conclusão, depois de resumir as características do policia mento em cada uma das seis cidades, discutimos: 1) de que forma a filosofia estimulante da chefia de polícia pode direcionar a inovação; 2) quais pressuposições e experiências conduzem à inovação; 3) quais os tipos de fatores e tendências facilitam ou impedem a inovação na polícia; e, finalmente, 4) quais mudanças — inclusive as novas idéias que estão surgindo sobre o papel da polícia — poderíamos considerar como sendo o futuro do policiamento nos Estados Unidos. Em suma, tentamos neste livro não só localizar a inovação mas também entender por que e como ela acontece, especialmente onde sua ocorrência talvez não se ajuste à intuição original.