INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 428
INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 428
Período: 1º a 15/12/2020
Direito Administrativo
Inexigibilidade ilegal de licitação – responsabilidade do agente público parecerista
O agente público que emite parecer técnico favorável à inexigibilidade de licitação, posteriormente considerada ilegal, pode ser responsabilizado, desde que comprovado erro crasso ou má-fé. O Ministério Público ajuizou ação de improbidade administrativa contra agentes públicos e particulares, em razão de suposta fraude a licitação para contratação de profissionais do setor artístico. O Juízo de primeiro grau reconheceu a prática de atos de improbidade pelos acusados, além de ter declarado a nulidade dos procedimentos administrativos e aplicado as penalidades previstas no art. 12 da Lei 8.429/1992. Ao analisarem a remessa necessária e as apelações interpostas pelos requeridos, os Desembargadores esclareceram que, em regra, a contratação de bens e serviços pela Administração Pública deve ser precedida de procedimento licitatório, sendo possível a dispensa ou a inexigibilidade nas hipóteses previstas nos arts. 17, 24 e 25 da Lei 8.666/1993. In casu, aduziram que os requisitos para a inexigibilidade de licitação – quais sejam, inviabilidade de competição, contratação direta do artista ou por intermédio de empresário exclusivo e consagração pela opinião pública ou pela crítica especializada – não foram atendidos, de modo que é imperativa a obrigação de licitar. Ressaltaram ser prescindível a demonstração de prejuízo para anular atos ímprobos decorrentes de dispensa ou inexigibilidade ilegal, pois o dano ao erário é presumido, ainda que o serviço contratado tenha sido efetivamente prestado. No que toca à responsabilidade do agente público que emite parecer técnico favorável à inexigibilidade ilícita de licitação, o Colegiado explicou que tanto a doutrina como a jurisprudência convergem no sentido de que o parecerista, via de regra, somente responde se demonstrado erro crasso ou má-fé. No caso, apesar do não preenchimento dos requisitos legais, o réu elaborou parecer favorável à contratação direta posteriormente à realização do evento, com o intuito de dar aparência de legalidade a ato sabidamente ilegal, o que caracteriza a presença de má-fé. Nesse contexto, a Turma concluiu pela ilicitude das condutas praticadas e manteve a responsabilização do agente parecerista.
Acórdão 1303599, 07069982420178070018, Relator Des. XXXXXXXX XXXXXXX XX XXXXXXXX,
Terceira Turma Cível, data de julgamento: 2/12/2020, publicado no PJe: 4/12/2020.
Omissão do Estado – “banalização do absurdo” – perda de uma chance – dano moral
O Estado possui deveres de cuidado e vigilância das pessoas que se encontram sob sua custódia, motivo pelo qual deve responder pela morte de paciente psiquiátrico que, em razão da omissão de agentes públicos, se evade do hospital no qual estava internado. A mãe de um paciente psiquiátrico encontrado morto a poucos metros do hospital público em que estava internado para tratamento da doença mental ingressou com ação rescisória contra a sentença que concluiu pela inexistência de responsabilidade estatal em relação ao ocorrido. Na continuidade do julgamento do pedido rescisório sob o rito do art. 942, § 3º, I, do Código de Processo Civil – o qual determina o prosseguimento da votação em caso de resultado não unânime –, a Câmara entendeu que o Juízo rescindendo partiu de premissas equivocadas para
considerar o pedido autoral improcedente. Segundo os Desembargadores, ao reputar as evasões do nosocômio como eventos comuns porque impulsionadas pela doença mental dos pacientes e, assim, isentar o Estado das respectivas consequências, o Sentenciante incorreu em error in judicando. Nessa linha de pensamento, asseveraram que a sentença não avaliou corretamente o nexo de causalidade entre o evento morte e a omissão do poder público, especificamente quanto aos elementos do dever legal de agir para impedir o dano e da efetiva possibilidade de fazê-lo. Para os Julgadores, a falta de correlação adequada entre o fato e a norma violou o art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Ressaltaram que os agentes públicos tinham sim a obrigação de cuidado, o dever de vigilância e plenas condições de evitar a fuga do filho da autora, não podendo considerar as saídas irregulares como atos triviais, numa espécie de “banalização do absurdo”. Concluíram, portanto, que a vítima perdeu a chance de obter um tratamento psiquiátrico eficaz, capaz, inclusive, de evitar a morte. Com tais fundamentos, o Colegiado reconheceu a responsabilidade extracontratual do Estado por omissão quanto à segurança do paciente internado em hospital psiquiátrico e condenou o DF a indenizar os danos morais sofridos pela genitora, fixados em quarenta mil reais.
Acórdão 1217660, 00251461820168070000, Relatora Desª. XXXXX XXXXXXXX, Câmara de Uniformização, data de julgamento: 25/11/2019, publicado no DJe: 11/12/2020.
Direito Civil e Processual Civil
Audiência de conciliação virtual – impossibilidade técnica das partes
A realização de audiência de conciliação na forma virtual fica condicionada à capacidade material e técnica das partes para participação do ato, de modo que as adaptações tecnológicas, feitas às pressas em razão da pandemia, não podem causar prejuízo ao jurisdicionado por este não dispor de equipamento ou sinal de internet compatíveis com o rito. O Juízo de origem designou audiência de conciliação em ação de revisão de alimentos, por meio virtual, motivado pelo distanciamento social imposto pela pandemia da COVID-19. O alimentante interpôs agravo de instrumento contra a decisão, por meio do qual pediu o cancelamento do ato processual remoto e novo agendamento na forma presencial, após o encerramento do período de isolamento. No voto, a Turma entendeu que as medidas para contenção da pandemia provocaram mudanças de hábitos repentinas, o que incluiu a modernização da Justiça e a realização de audiências por videoconferência. Todavia, alertou que tais adaptações à questão sanitária atual não podem deixar de observar as limitações dos jurisdicionados. Nesse contexto, o Colegiado ressaltou que o agravante não possui conhecimento técnico ou material para o uso das ferramentas tecnológicas necessárias, bem como não dispõe de conexão de internet ou capacidade financeira para se adequar às circunstâncias. Além disso, os Desembargadores entenderam que a necessidade de distanciamento social torna não recomendado o encontro presencial entre o recorrente e suas advogadas para juntos participarem do ato. Por outro lado, os Julgadores destacaram que o art. 334, § 4º, I, do Código de Processo Civil estabelece que a audiência de conciliação pode ser até dispensada quando ambas as partes demonstrarem desinteresse na composição, como parece indicar a situação concreta. Assim, por considerarem a solução mais razoável na hipótese, decidiram prover o recurso para determinar que a audiência de conciliação seja realizada após o término do isolamento social, na forma presencial.
Acórdão 1302514, 07379434320208070000, Relatora Desª. XXXXXX XXXXXX, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 18/11/2020, publicado no PJe: 30/11/2020.
Direito Constitucional
Direito ao planejamento familiar – esterilização voluntária – histórico de convulsões
O direito constitucional ao planejamento familiar abrange o procedimento de esterilização por laqueadura, preenchidos os requisitos legais para a realização do método. Compete ao Estado propiciar os meios para o pleno exercício, sobretudo quando a situação clínica da paciente impede o uso regular de contraceptivos. Na origem, uma mulher ajuizou ação contra o Distrito Federal a fim de realizar procedimento cirúrgico de laqueadura. O pedido foi julgado improcedente, sob o fundamento de que a cirurgia pretendida é considerada eletiva. Em recurso inominado, a autora argumentou em apelação que faz uso de medicamentos que suspendem o efeito de qualquer contraceptivo e que é dever do Estado fornecer, por meio da rede pública de saúde, tratamento para as pessoas que dele necessitam. Ao apreciar o recurso, o Colegiado ressaltou que o direito social à saúde é assegurado pela Constituição Federal (art. 196 da Constituição Federal), a qual ainda prevê especial proteção à família, inclusive ao planejamento familiar, de livre decisão do casal (art. 226, § 7º, da CF). Os Magistrados salientaram que a paciente preenche os requisitos exigidos pela Lei 9.263/1996, que regulamenta o planejamento familiar e possibilita a esterilização. Lembraram que o art. 10 da legislação em comento exige, para a intervenção, idade mínima, capacidade civil plena, existência de prole viva, prazo entre a manifestação da vontade e a operação, além de atestado médico em caso de risco para a saúde da mulher ou do nascituro. Os Julgadores destacaram que, na hipótese, a autora é maior de 25 anos, já possui três filhos e apresenta indicação médica para a realização da laqueadura. Salientaram que o histórico da apelante corrobora a pretensão: ela foi vítima de um disparo de arma de fogo, cujo projétil permanece alojado na cabeça, razão pela qual apresenta frequentes crises convulsivas. Tais espasmos são controlados por medicamentos que suspendem os efeitos dos contraceptivos. Consignaram, também, que, embora a autora faça uso de dispositivo intrauterino – DIU, esse se desloca com frequência, o que lhe causa hemorragia. Nesse cenário, entenderam que a escassez de recursos, o deficit de profissionais médicos e a ausência de ambulatório de planejamento familiar não constituem motivos idôneos para a recusa do Distrito Federal em realizar o procedimento. A Turma observou ainda que a cirurgia para esterilização, além de se encontrar prevista em lei, está inserida na tabela de procedimentos do Sistema Único de Saúde – SUS e concluiu pelo provimento do recurso.
Acórdão 1303153, 07450563420198070016, Relator Xxxx XXXX XXXX XXXXXXX XXXX, Segunda
Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 23/11/2020, publicado no PJe: 1º/12/2020.
Direito da Criança e do Adolescente
Histórico de vício em drogas e prostituição da mãe de menor – acolhimento institucional da criança
O acolhimento institucional é medida aconselhável e benéfica à criança que se encontra em situação de risco e vulnerabilidade social, haja vista o histórico de situação de rua, vício em drogas e prostituição da mãe, e do manifesto desinteresse da família extensa, como forma de garantir o melhor interesse do menor. Genitora de menor recolhido em abrigo institucional interpôs apelação contra sentença que determinou provisoriamente a medida protetiva até posterior reintegração familiar ou colocação em família substituta. A recorrente alegou que, superado o difícil contexto de vida, fora considerada apta a se responsabilizar pela criança,
conforme relatório médico apresentado. Além disso, reforçou que os vínculos com a família natural devem ser priorizados. Ao analisarem o recurso, os Desembargadores explicaram que o recolhimento de criança em instituição, embora represente medida excepcional, constitui forma de proteção do menor contra possível violação de direitos nos casos de convivência familiar ruinosa, além de ser meio de transição para a reintegração familiar ou, em caso de impossibilidade desta, para colocação em família substituta. Consignaram que diversas foram as tentativas dos assistentes sociais para ajudar a mãe, sem que houvesse continuidade nos tratamentos nem empenho para a superação da situação de vulnerabilidade social e pessoal em que se encontrava – situação de rua, drogadição, prostituição e acometimento de sífilis e tuberculose. Destacaram o desinteresse da recorrente na formação de vínculos afetivos com a criança, haja vista o último registro de visitação ao filho remontar a quase um ano. Constataram ainda não ser possível encontrar a apelante nos endereços e telefone informados ao Conselho Tutelar. Por fim, consideraram a impossibilidade de acolhimento do menor pela família extensa, em razão do desinteresse manifestado. Dessa forma, a Turma entendeu que, por ora, o acolhimento institucional é a medida mais aconselhável e benéfica para a proteção da integridade da criança, motivo pelo qual negou provimento ao recurso.
Acórdão 1303931, 07013276420198070013, Relator Des. XXXXXX XXXXX, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 25/11/2020, publicado no PJe: 10/12/2020.
Direito do Consumidor
Cobrança vexatória por serviços prestados em salão de beleza – dano moral
Não configura dano moral ou conduta abusiva a prática de comerciante que, de forma legítima e após a regular prestação de serviço, envida esforços em relação ao consumidor para receber o devido pagamento, ainda que a cobrança seja vigorosa e persistente. Cliente de salão de beleza ingressou com ação de danos morais contra o estabelecimento e a proprietária em razão de suposta cobrança abusiva decorrente da prestação de serviços de manicure, corte e tratamento de cabelo. Ao fim da sessão de embelezamento, a autora surpreendeu-se com o alto valor apresentado e recusou a cobrança dos produtos utilizados, alegando a prática de venda casada. Em seguida, sem dispor de quantia suficiente para o pagamento, retirou-se do local com a promessa de buscar cartão de crédito, oportunidade em que fora seguida e constrangida pela dona e por prepostos do salão até sua residência. O Juízo a quo considerou vexatória a forma da cobrança e reconheceu a ocorrência de danos morais, condenando as rés ao pagamento de três mil reais. Ao analisarem o recurso inominado apresentado pelas requeridas, os Julgadores destacaram que não houve falha na prestação do serviço e pontuou que a cobrança, embora vigorosa, não se revelou abusiva nem constrangedora. Nesse sentido, asseveraram que a exigência do valor dos insumos utilizados no tratamento de beleza não tem equivalência jurídica à venda casada, cuja configuração se dá quando o prestador condiciona o fornecimento de um serviço à contratação de outro. Além disso, destacaram que os valores das atividades oferecidas pelo estabelecimento eram de conhecimento da consumidora e a contratação deu-se por livre vontade e escolha. Com efeito, a Turma afastou a incidência do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a cobrança ali referida pressupõe a prévia concessão de crédito pelo fornecedor ao consumidor, e não a prestação de serviço com perspectiva de imediata contraprestação. Na hipótese, os Juízes consideraram legítima a adoção dos meios utilizados para o recebimento da quantia devida – o seguir a consumidora nos trajetos percorridos desde a finalização do serviço até sua residência revelaram-se adequados e moderados para o recebimento do pagamento. Por fim, destacaram boletim de ocorrência registrado pela
requerida, em que a autoridade policial informa o vezo da autora em não pagar pelo consumo de produtos, além de furtar bebidas alcoólicas em lojas de conveniência e supermercados, conforme ocorrências anteriormente lavradas. Dessa forma, por não vislumbrar ilicitude na conduta das requeridas, o Colegiado revogou a sentença e julgou improcedente a pretensão de indenização por dano moral.
Acórdão 1305321, 07516012320198070016, Relator Xxxx XXXXX XXXXXXXX XX XXXXX, Terceira
Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 1º/12/2020, publicado no DJe: 14/12/2020.
Direito Empresarial
Rescisão de contrato de franquia por descumprimento bilateral – culpa concorrente
O contrato de franquia pode ser rescindido sem ônus para as partes, quando comprovada culpa concorrente da franqueadora – por omitir informações relevantes na circular de oferta, e da franqueada – por desenvolver atividade fora dos padrões contratuais. Na origem, uma empresa ajuizou ação para anular contrato de franquia, sob o argumento de fraude e má-fé na oferta da franqueadora, que teriam viciado a vontade da autora em aderir ao negócio. O Sentenciante julgou parcialmente procedentes os pedidos e condenou a requerida a devolver os valores pleiteados. Interposto recurso pela franqueadora, os Desembargadores esclareceram que, nos contratos de franquia, o legislador conferiu especial relevância ao princípio da boa-fé e da transparência, sobretudo na fase pré-contratual, em razão da complexidade do negócio e dos riscos envolvidos (Lei 13.966/2019). Explicaram, contudo, que a controvérsia abrange a pretensão de franqueada do ramo alimentício à rescisão do ajuste, com base em vício na fase pré-contratual, apesar de ter efetivamente funcionado por dois anos. Ressaltaram que, a despeito da constatação de falsidade das informações apresentadas na Circular de Oferta de Serviço de Franquia – COF, operou-se a decadência do direito potestativo da franqueada à anulação do negócio jurídico, pois transcorrido prazo superior a dois anos entre a assinatura do contrato e o ajuizamento da ação (art. 179 do Código Civil). Além disso, consignaram que a exploração prolongada da atividade, sem reclamação quanto à ocorrência de irregularidades, configura supressio – perda do direito pelo não exercício por um longo tempo. Aduziram, outrossim, que a própria franqueada concorreu para o insucesso do negócio, pois executou serviço de forma irregular, a exemplo do uso de produtos fora do padrão, além do registro de inúmeras reclamações de clientes insatisfeitos com o atendimento. Nesse cenário, os Julgadores refutaram a alegação de que manuais técnicos básicos não teriam sido entregues à franqueada ou que não teria havido treinamento adequado para o início das atividades, haja vista as provas dos autos indicarem o oposto. Por outro lado, o Colegiado observou que a franqueadora prestou informação falsa na COF acerca da existência de uma associação nacional de franqueados, cuja adesão era obrigatória, com decisões vinculantes e responsabilidade para gerir recursos financeiros. O fato de tal entidade nunca ter existido foi considerado fundamento idôneo para a rescisão contratual. Com isso, a Turma deu provimento parcial ao pedido apenas para resolver o contrato de franquia, sem direito à restituição de quantias pagas ou à incidência de cláusula penal para as partes, em razão da culpa concorrente configurada.
Acórdão 1302295, 07096165620188070001, Relator Des. XXXXX XXXXXXX XXXXXXX, Sétima
Turma Cível, data de julgamento: 18/11/2020, publicado no DJe: 10/12/2020.
Direito Penal e Processual Penal
Furto qualificado pelo rompimento de obstáculo – necessidade de laudo pericial
Nas infrações penais que deixam vestígios, é imprescindível a realização de exame de corpo de delito direto ou indireto, mormente na hipótese de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo. Fotografias do suposto arrombamento ou a palavra da vítima são insuficientes para demonstrar a mencionada qualificadora. Na origem, a ré foi condenada pela prática de crime de furto duplamente qualificado pelo rompimento de obstáculo e pelo concurso de agentes (art. 155, § 4º, I e IV, do Código Penal). Interposta apelação, os Desembargadores entenderam que, para comprovação da qualificadora de rompimento de obstáculo, o exame de corpo de delito direto ou indireto é indispensável, visto que a infração deixa vestígios, conforme disposto no art. 158 do Código de Processo Penal. No caso concreto, observaram que estavam presentes os sinais do arrombamento e que os agentes públicos tiveram acesso ao local do crime, contudo, ainda assim, a perícia não foi realizada nem justificada a impossibilidade de sua execução. Destacaram que a prova testemunhal, inclusive o depoimento da vítima, somente supre a ausência de perícia oficial quando desaparecidas as evidências do delito, nos termos do art. 167 do CPP. Nesse contexto, a Turma, por maioria, deu parcial provimento ao recurso para decotar a qualificadora concernente ao rompimento de obstáculo, redimensionando a pena imposta. No voto minoritário, por sua vez, compreendeu-se ser desnecessária a confecção de laudo pericial quando o arrombamento é de fácil constatação.
Acórdão 1097478, 20171310018306APR, Relator Des. XXXXX X. XXXXXXXX, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 17/5/2018, publicado no DJe: 5/6/2018.
Guarda e comercialização ilícita de remédios controlados por ex-dono de farmácia – tráfico de drogas
A conduta de ex-proprietário de estabelecimento farmacêutico inativo que se aproveita da experiência no negócio para dissimular o depósito de medicação de uso controlado e facilitar posterior difusão ilícita caracteriza crime de tráfico de drogas. Ex-proprietário de farmácia ingressou com revisão criminal a fim de ser absolvido dos crimes de receptação qualificada e tráfico de entorpecentes (art. 180, §§ 1º e 2º, do Código Penal e art. 33, caput, da Lei 11.343/2006), sob o argumento de erro no julgamento por atipicidade das condutas a ele atribuídas. Ao analisarem os fatos, os Julgadores consignaram que funcionário de uma empresa distribuidora de fármacos, valendo-se da confiança depositada pelo empregador, simulou pedidos de 97 caixas de medicamentos de uso controlado e anabolizantes em nome de várias farmácias a fim de fornecê-las ao réu. Segundo os Desembargadores, o sentenciado, que tinha conhecimento da origem ilícita das mercadorias, guardava uma parte em seu veículo e outra em sua residência, para posterior difusão ilícita no mercado de consumo e obtenção de lucro. Constataram que os produtos eram entregues de forma clandestina, em lugar ermo e a preço vil, além de serem comercializados sem a autorização e o controle dos órgãos de vigilância sanitária, e desacompanhados de receituário médico. Salientaram que o réu, empresário do ramo farmacêutico, possuía informação suficiente sobre o comércio de remédios controlados e, portanto, não poderia recebê-los diretamente de pessoa física, sem a observância dos rigores legalmente exigidos. Os Magistrados ressaltaram ainda que as medicações apreendidas, causadoras de dependência química, são classificadas como drogas ilícitas, nos termos do art. 66 da Lei 11.343/2006 e da Portaria 344/1998 do Ministério da Saúde. Por fim, esclareceram que a alegação de futura reabertura da drogaria – como justificativa para o estoque das drogas na residência do sentenciado – não possui respaldo, dada a ausência de operações empresariais na farmácia e o vencimento da licença de revenda comercial informado pela ANVISA. Nesse
quadro, o Colegiado julgou parcialmente procedente a ação revisional, apenas para reduzir a pena privativa de liberdade anteriormente fixada.
Acórdão 1300482, 07248241520208070000, Relator Des. XXXXXXXXX XXXXX XXXXXXXXXX,
Câmara Criminal, data de julgamento: 11/11/2020, publicado no DJe: 4/12/2020.
Direito Penal Militar e Processual Penal Militar
Abordagem policial truculenta – crime militar de injúria real
A abordagem policial exercida de forma aviltante contra vítima que não oferece resistência, com agressão exagerada e desproporcional, na presença de outras pessoas, configura o tipo penal militar de injúria real. Na origem, um policial militar foi condenado por injúria real (art. 217 do Código Penal Militar – CPM), por ter agido com excesso de violência durante revista pessoal. Insatisfeito com a condenação, o réu interpôs recurso no qual pediu absolvição, ao argumento de insuficiência de provas e da inexistência de dolo específico para a tipificação do crime. No voto, a Turma entendeu, por maioria, que a materialidade e a autoria do fato foram cabalmente comprovadas, haja vista que, diante de testemunhas, numa revista pessoal a um grupo de jovens reunidos para ouvir música, o soldado desferiu chutes nas pernas e na região genital da vítima que, ao tentar identificá-lo, levou um tapa no rosto. A lesão na face foi comprovada por registro fotográfico juntado aos autos. Os Julgadores destacaram que, no fim do procedimento desastroso, mesmo sem constatar o cometimento de qualquer ilícito, o denunciado ainda lançou gás de pimenta diretamente no rosto da vítima, sem qualquer motivo. Como os fatos foram confirmados pelo relato seguro do ofendido e por testemunhas presenciais, os Desembargadores afastaram alegação da defesa segundo a qual a denúncia seria uma tentativa de prejudicar o réu. Salientaram que o policial atuou de forma truculenta e desproporcional, a fim de reprimir suposto xingamento, que sequer foi comprovado. Destacaram que o agente é conhecido por ser agressivo e ter comportamento descontrolado nas abordagens, razão pela qual rejeitaram a versão de que o agredido teria investido primeiro. Os Magistrados enfatizaram que não houve resistência à abordagem e que as pessoas revistadas não representavam perigo para o apelante, que estava armado e acompanhado de outros militares, além de levar consigo spray de pimenta. Quanto à presença do dolo específico de injuriar, entenderam que as agressões foram injustificadas e tiveram o objetivo de exibir força, além de humilhar e constranger o rapaz na frente dos colegas, circunstâncias que atenderam aos requisitos do CPM para tipificação da conduta. Nesse contexto, o Colegiado julgou o recurso improcedente. O posicionamento minoritário concluiu pela absolvição do PM, uma vez que os elementos juntados ao processo são insuficientes para a condenação.
Acórdão 1302616, 00112586020188070016, Relator Des. XXXXXX XXXXXXX XXXXX XXXXXX,
Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 26/11/2020, publicado no DJe: 1º/12/2020.
Direito Tributário
Estado de calamidade pública em razão da pandemia – suspensão da exigibilidade de tributos
Revela-se inviável a suspensão indiscriminada de obrigações tributárias, mesmo em razão da situação de desequilíbrio financeiro decorrente da grave crise sanitária causada pela
pandemia da COVID-19. A continuidade dos serviços públicos e a consequente viabilidade do funcionamento do Estado dependem da contribuição das empresas e dos cidadãos, como forma de garantir a concretização do Contrato Social. Associação de contribuintes de tributos impetrou mandado de segurança em desfavor do Subsecretário da Receita da Secretaria da Fazenda do Distrito Federal com o objetivo de suspender a exigibilidade de créditos tributários durante a vigência do estado de calamidade pública, decretado em decorrência da pandemia causada pela COVID-19. Argumenta o impetrante que as empresas, indústrias, comércio, prestadores de serviços e autônomos foram severamente atingidos pelo isolamento social necessário ao combate da crise sanitária, fato que gerou forte impacto financeiro em decorrência da compulsória paralisação das atividades. Nessa linha de ideias, aponta situação atípica e excepcional que justificaria a inexigibilidade do recolhimento de diversos tributos estaduais (IPVA, ICMS, ITCMD), pois ausente a capacidade contributiva dos associados. O Juízo singular denegou a segurança ante a ausência da majoração de índices ou alíquotas e por entender que os valores dos tributos só serão devidos proporcionalmente à efetivação do fato gerador. Em sede de apelação, os Desembargadores consignaram que o funcionamento do Estado depende da contribuição dos cidadãos e das empresas para o financiamento dos serviços públicos decorrentes do Contrato Social, tais como a segurança pública e a saúde. Pontuaram que não se ignora, em razão do cenário de calamidade, a situação de desequilíbrio entre a capacidade contributiva do contribuinte e a pretensão estatal para o adimplemento da obrigação tributária. Todavia, os esperados ajustes devem ser engendrados pelos Poderes Executivo e Legislativo – consoante estratégias elaboradas para o endividamento público e segundo as previsões de arrecadação. Nesse sentido, os Magistrados explicaram que o Orçamento Público é o meio adequado e próprio para a resolução dessa tensão existente na sociedade sobre o tamanho da carga tributária e a destinação dos recursos arrecadados. Com efeito, asseverou a Turma que determinar, de forma linear, a suspensão indiscriminada de obrigações tributárias provocaria um colapso no Estado, de modo a prejudicar os esforços para manter os serviços básicos em dia, os quais possuem na linha de frente servidores comprometidos a saírem às ruas para manter a cidade em funcionamento. Dessa forma, por entender que o pretendido alívio tributário e concessão de moratória devem ser tratados por lei apta a definir o prazo de duração, condições e tributos passíveis de redução, o Colegiado concluiu pelo não provimento do recurso.
Acórdão 1305967, 07024037420208070018, Relator Des. XXXXXXXXX XX XXXXXX, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 9/12/2020, publicado no DJe: 14/12/2020.