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A INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NA PERSPECTIVA DOS PRINCÍPIOS DO MICROSSISTEMA JURÍDICO DO ESTATUTO DA TERRA
Xxxxxx Xxxxxxxxx Des Essarts Barufaldi 1
Sumário: Introdução. 1. O Estatuto da Terra como Microssis- tema Jurídico 1.1 Sistema e microssistema jurídico 1.2 Colisão de princípios e interpretação 2. Da Intepretação do Contrato de Arrendamento Rural 2.1 Das normas protetivas e sua usual in- terpretação literal 2.2 Interpretação sistemática e ponderação: análise do precedente do STJ. Considerações Finais.
O
INTRODUÇÃO
Brasil é um dos principais produtores de cereais do mundo. Alguns fatores naturais imprescindí- veis para a atividade agrícola, tais como o clima, a regularidade das chuvas e a energia solar, acres- cido do fato de o Brasil possuir 388 milhões de
hectares de terras agricultáveis – o que corresponde a 22% das terras agricultáveis do mundo –,2 evidenciam a vocação brasi- leira para o agronegócio.
O protagonismo exercido pelo setor agrícola na econo- mia brasileira, a ponto de servir como esteio seguro para o país atravessar a grave e profunda crise em que se encontra, man- tendo a competitividade no mercado internacional de
1 Doutorando na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Porto Alegre- RS, Brasil.
2 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; LIMA, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx de. Evolução do agronegócio brasileiro: desafios e perspectivas. Disponível em: <xxxx://xxx.xx- xxx.xxx/xxxxxxxx/xxxxxx/xx/00/xxxx.xxx>. Acesso em: 25 jul. 2016.
Ano 3 (2017), nº 6, 1717-1768
commodities agrícolas, revela que o dirigismo contratual reali- zado pelo estado na década de 60 talvez possa ser redimensio- nado, atualizando-o à realidade no que tange à ausência de vul- nerabilidade em um número significativo de relações contratuais celebradas entre proprietários e arrendatários de imóveis rurais. A cadeia do agronegócio é responsável pela geração de
1/3 (um terço) do PIB brasileiro e por 27 milhões de empregos.3 E, não raro, a produção primária é resultado do trabalho reali- zado por produtores que possuem apenas a posse temporária das áreas agricultáveis, portanto, exercem a atividade rural a partir de um contrato de arrendamento rural ou de um contrato de par- ceria rural. Dentre os proprietários, por outro lado, inúmeros são aqueles que adquiriram as terras após ingressarem na atividade primária na qualidade de arrendatários ou parceiros outorgados.4 No que tange à relevância jurídica do tema estudado,
cabe recordar que a Quarta Turma do STJ, ao julgar o REsp nº 1175438/PR, consignou que o contrato de arrendamento rural sofre “repercussões de direito público em razão de sua impor- tância para o Estado, do protecionismo que se quer dar ao ho- mem do campo e à função social da propriedade e ao meio am- biente”, e indicou o direito de preferência do arrendatário para comprar o imóvel como “um dos instrumentos legais que visam conferir tal perspectiva, mantendo o arrendatário na exploração da terra, garantindo seu uso econômico.” 5
Tais fatores justificam os esforços para aprimorar e pre- cisar o conteúdo normativo e o alcance dos dispositivos legais de caráter protetivo previstos no direito contratual agrário, e evi- denciam a relevância socioeconômica que os dois tipos de
3 Ibid.
4 Cf. Roppo: “As situações, as relações, os interesses que constituem a substância real de qualquer contrato podem ser resumidos na ideia de operação económica. De facto, falar de contrato significa remeter – explícita ou implicitamente, directa ou mediata- mente – para a ideia de operação económica.” (XXXXX, Xxxx. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988, p. 8).
5 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1175438/PR. 4ª Turma. Relator: Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Julgado em: 25 mar. 2014. DJe 5 maio 2014.
contratos agrários previstos na Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra) e no Decreto nº 59.566/66 – contrato de arrendamento rural e de parceria rural –, desempenham na realidade brasileira. Ao introduzir no sistema jurídico o microssistema do Es-
tatuto da Terra, conforme Wellington Barros, “o legislador cha- mou a si essa proteção com o claro intuito de fazer justiça so- cial”, orientando-se pela “busca de proteção ao homem que só dispõe de seu trabalho como fator de contraprestação contra- tual”.6 Ocorre que transformações significativas ocorreram quanto ao nível de profissionalização, tecnologia, mecanização e organização administrativa e financeira de muitos dos produ- tores rurais nos últimos 50 anos. Ao longo deste processo, tor- nou-se comum encontrar grandes arrendatários que possuem maior capacidade de negociação do que a dos proprietários. Em outras palavras, a parte tida como fraca na década de 60 tornou- se forte no início do século XXI.
Dessa forma, cumpre questionar, se o contexto histórico em que se encontra atualmente o agronegócio brasileiro, em es- pecial quanto à capacitação e estruturação empresarial das pes- soas que exercem a atividade agrícola no Brasil, não deveria im- portar em um aperfeiçoamento da interpretação literal e cogente usualmente conferida pela doutrina e pelos Tribunais ao alcance e à aplicação das normas de caráter protetivo para o arrendatá- rio? Responder a esse questionamento é um dos objetivos deste artigo.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, há poucos meses, pôs sob a luz a necessidade de se revisitar os con- ceitos e os princípios pertinentes ao Estatuto da Terra e ao seu Regulamento. Ao julgar o Recurso Especial nº 1.447.082-TO, a Corte negou a uma empresa de grande porte o direito de prefe- rência para adquirir o imóvel rural por ela arrendada. A decisão acaba por sinalizar que a interpretação dos contratos rurais
6 XXXXXX, Xxxxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito agrário. 7. ed. Porto Alegre: Li- vraria do Advogado, 2012, p. 122.
submetidos ao Estatuto da Terra, e o próprio Estatuto, tende a alterar-se de forma significativa, em face da nova perspectiva conferida pelo Colegiado Superior (a) na análise da relação nor- mativa entre o princípio da justiça social e o princípio da auto- nomia privada, (b) na opção por afastar-se da interpretação lite- ral do texto legal e (c) na distinção realizada entre o conceito de “homem do campo” e a “empresa rural de grande porte”, para, assim, distinguir a finalidade e o alcance das normas protetivas constantes no Estatuto da Terra e em seu Regulamento.7
Não obstante o trabalho fazer referência a diversos jul- gados sobre os temas pesquisados, ele adota como referência pa- radigmática o acórdão resultante do julgamento do REsp nº 1.447.082/TO, do qual foi Relator o Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, porquanto o método de interpretação sistemática, com ponderação de princípios e análise da finalidade da norma, possibilitaram encontrar, dentro do sistema jurídico, e mais es- pecificamente no microssistema do Estatuto da Terra, uma solu- ção para impedir que arrendatários poderosos ainda usufruíssem dos direitos protetivos conferidos pela legislação ao arrendatário vulnerável, o que, quando ocorre, acaba por violar a essência do próprio princípio da justiça social.8
Ao afirmar que o Estatuto da Terra constitui-se em um “microssistema normativo”, cuja “interpretação deve valer-se dos princípios inerentes ao próprio microssistema, recorrendo- se aos princípios do sistema geral apenas em caráter subsidiá- rio”,9 a referida decisão acaba por exigir a análise de alguns
7 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.447.082/TO. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx. Julgado em: 10 maio 2016. DJe 13 maio 2016. 8 “Os precedentes não são equivalentes às decisões judiciais. Eles são razões genera- lizáveis que podem ser identificadas a partir das decisões judiciais. O precedente é formado a partir da decisão judicial e colabora de forma contextual para a determina- ção do direito e para a sua previsibilidade.” (XXXXXXXXX, Xxxxxx. Precedentes: da persuasão à vinculação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 96.) Ainda: “Vale dizer: a autoridade do precedente é a própria autoridade do direito interpretado e a autoridade de quem o interpreta.” (Idem, p. 98).
9 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.447.082/TO. 3ª Turma. Relator:
pressupostos teóricos mínimos para a compreensão do raciocí- nio jurídico utilizado para fundamentar a inexistência de um di- reito que todos os arrendatários, com base na literalidade da lei e dos precedentes, imagina possuir.
Destarte, investigar-se-á na primeira parte deste trabalho tais pressupostos teóricos – sistema e microssistema jurídico, es- pécies de normas, colisão de princípios e interpretação – em uma perspectiva que possibilite ao intérprete compreender o ra- ciocínio do STJ e, em sua esteira, investigar a possibilidade de novos reflexos decorrentes da interpretação restritiva das regras protetivas do Estatuto da Terra, como a ampliação dos limites para as partes exercerem a autonomia privada na celebração dos contratos de arrendamento rural.
A decisão conclui que as normas protetivas previstas no Estatuto da Terra, dentre as quais a que confere ao arrendatário o direito de preferência para adquirir o imóvel arrendado, se fun- dam, essencialmente, no princípio da justiça social, o qual de- verá ser aplicado apenas quando existir vulnerabilidade social do arrendatário, porque aí haverá razão para restringir-se a efi- cácia do princípio da autonomia privada. Logo, não haveria como reconhecer o direito de preferência quando o arrendatário for uma empresa rural de grande porte.
Dessa forma, analisar-se-á na segunda parte do trabalho a influência do dirigismo estatal sobre a doutrina e os julgadores, que acabou por determinar a construção de dogmas inerentes ao contrato de arrendamento, v. g.: (a) as normas protetivas têm ca- ráter obrigatório e são irrenunciáveis; (b) é nula qualquer con- venção que contrarie o disposto no Estatuto da Terra; (c) a lei visa proteger o arrendatário, sem qualquer discriminação; (d) a literalidade do texto legal deve ser observada na interpretação do contrato de arrendamento, não havendo espaço para autonomia privada. Para, então, avançar no estudo da situação fático-
Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx. Julgado em: 10 maio 2016. DJe 13 maio 2016, p. 15.
jurídica relacionada ao REsp nº 1.447.082/TO, e nas novas pers- pectivas dada pela decisão quanto à interpretação do alcance das normas legais referentes ao contrato de arrendamento.
Cabe registrar que não obstante a inegável proximidade entre o contrato de arrendamento e o contrato de parceria rural,10 e, ainda, a possibilidade de um raciocínio jurídico sustentar uma interpretação que possa ser adequada para ambos os contratos agrários, o escopo deste trabalho está centrado no contrato de arrendamento rural, até porque o §3º do artigo 92 do Estatuto da Terra prevê o direito de preferência para adquirir o imóvel ape- nas para o arrendatário.11 Por fim, anota-se que este trabalho se constitui em uma experiência negativa, no sentido exposto por Xxxxxxx.12
10 O conceito legal deste tipo contratual está no artigo 3º do Decreto nº 59.566/66: “Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extra- tiva ou mista, mediante certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da Lei.” O artigo 4º do Decreto nº 59.566/66 conceitua o contrato de parceria rural assim: “ Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de partes do mesmo, incluído ou não benfeitorias, outros bens e/ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias primas de origem animal, mediante partilha de riscos de caso fortuito e da força maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei.”
11 No mesmo sentido: “Estatuto da Terra no seu §3º do artigo 92 confere o direito de preferência por força de lei somente no caso do arrendamento rural.” (XXXXXX, Xx- xxxxx Xxxxx. Curso completo de direito agrário. 4. ed. Campo Grande: Contemplar, 2012, p. 489.) Quanto à origem do direito de preferência, ver: OPTIZ, Xxxxxxx; OP- TIZ, Xxxxxx X. X. Tratado de direito agrário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1983, v. 2, p. 208-210.
12 Cf. Xxxxxxx, “[...] a verdadeira experiência, é sempre negativa. Quando fazemos uma experiência com um objeto significa que até então não havíamos visto correta- mente as coisas e que só agora nos damos conta de como realmente são. Assim, a negatividade da experiência possui um sentido marcadamente produtivo. Não é sim- plesmente um engano que é visto e corrigido, mas representa a aquisição de um saber mais amplo.” (XXXXXXX, Xxxx-Xxxxx. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução: Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx. Petrópolis: Vozes,
1 O ESTATUTO DA TERRA COMO MICROSSISTEMA JU- RÍDICO
1.1 SISTEMA E MICROSSISTEMA JURÍDICO
Para o STF, a premissa fundamental, subjacente aos pos- tulados que informam a teoria do ordenamento jurídico e que lhe dão o substrato doutrinário, é a de que o sistema de Direito po- sitivo caracteriza uma unidade institucional e se constitui como um complexo normativo cujas partes integrantes devem manter, entre si, um vínculo de essencial coerência.13 Ordem e unidade encontram no movimento contínuo do sistema a estabilidade ne- cessária para a sua adequada eficácia. O sistema “é a forma ex- terior da unidade valorativa e da adequação da ordem jurídica.”14 O sistema, nesse sentido, traduz e realiza a adequação valorativa e a unidade interior da ordem jurídica, reduzindo-lhe as contradições de valores,15 e contribui para a composição do conteúdo de uma norma ou de um instituto jurídico, permitindo a sua compreensão como parte do conjunto da ordem jurídica,
com suas relevantes conexões.16
No sistema jurídico, os bens protegidos pelos direitos a eles inerentes constituem-se em liberdades, situações, posições do direito ordinário, posições prima facie conferidas por princí- pios de direito.17 Os bens jurídicos são protegidos pelas nor- mas,18 assim como, os interesses que vinculam o sujeito ao
2008, p. 462.)
13 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 215107 AgRg. 2ª Turma. Relator: Mi- nistro Xxxxx xx Xxxxx. DJ 2 fev. 2007.
14 XXXXXXX, Xxxxx-Xxxxxxx. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciên- cia do direito. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2002, p. 200.
15 Ibid., p. 23.
16 Ibid., p. 280 et seq.
17 XXXXX, Xxxxxx. Teoría de los derechos fundamentales. 2. ed. Tradução de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007, p. 243.
00 XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxx. Xx vinculacion negativa del legislador a los
objeto de proteção, constituindo-se, neste sentido, no aspecto subjetivo dos bens jurídicos.19 Interesse jurídico significa parti- cipar na consecução de um bem jurídico.20
O sistema jurídico é constituído “de normas gerais e in- dividuais que estão ligadas entre si pelo fato de a criação de toda e qualquer norma que pertence a este sistema ser determinada por uma outra norma do sistema e, em última linha, pela sua norma fundamental.”21 A unidade do sistema se dá pelo fato de todas as normas terem o mesmo fundamento de validade.22
Com o termo “norma” se quer significar que algo deve ser, especialmente que um homem se deve conduzir de determi- nada maneira. É esse o sentido que possuem determinados atos humanos que intencionalmente se dirigem à conduta de ou- trem.23 Por isso é dito que no direito o que importa é o que deve ser.24
Xxxxx propõe o conceito semântico de norma, cujo ponto de partida é a diferenciação entre norma e enunciado normativo, sendo a norma o significado do enunciado normativo (texto).25 E isso se justifica pelo fato de que: a) uma mesma norma pode ser expressa por meio de diferentes enunciados normativos; b) pode haver normas sem que os enunciados façam uso de expres- sões como “proibidos” ou “não podem”; c) as normas podem ser
derechos fundamentales. Madrid: McGraw-Hill, 1996, p. 89.
19 XXXXX, Xxxxxxxx. Sistema constitucional tributário: de acordo com a emenda constitucional n. 42, de 19.12.03. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 56.
20 Cf. Xxxxxxxx: “Os conceitos ‘interesse’ e ‘bens’ são vinculados um ao outro, pois um bem é o materializado ponto final de um interesse: ‘interesse’ significa participa- ção na realização de um bem, ‘interesse digno de proteção ou juridicamente protegido’ significa participação na realização de um bem jurídico.” (XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. apud Ibid., p. 56-57).
21 XXXXXX, Xxxx. Teoria pura do direito. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 260.
22 Ibid., p. 33.
23 Ibid., p. 5.
24 XXXXX, Xxxxxx. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 153.
25 Ibid., p. 53.
expressas sem que haja enunciados. 26
A distinção entre o texto e a norma também é adotada pelo STF. O Tribunal Pleno do Pretório Excelso, no julgamento da Rcl nº 6568, fundou a sua decisão na força normativa da Constituição como um todo, desprendida de sua totalidade nor- mativa, cabendo ao intérprete dela extrair os seus sentidos nor- mativos, não sendo a Constituição um conjunto de enunciados que se possa ler de forma bem ordenada, palavra por palavra.27 No voto do Min. Xxxx Xxxx, consta que está “assentado o pensa- mento que distingue o texto normativo e norma jurídica, a di- mensão textual e a dimensão normativa do fenômeno jurídico”, cabendo ao intérprete, por meio da interpretação, estabelecer o sentido do texto dentro de uma determinada situação no contexto histórico presente.28
Para Xxxxx, toda norma é ou uma regra ou um princí- pio.29 Trata-se de duas espécies de norma, porque: (i) “ambos dizem o que deve ser”; (ii) “ambos podem ser formulados por meio das expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição”; (iii) ambos são “razões para juízos concretos de dever-ser.”30
Os princípios exigem “que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”, o que lhes retira a força de um “mandamento
26 Ibid., p. 54. Cf. Xxxxx, a discussão acerca do conceito de norma não tem fim, e sintetiza os conceitos de Xxxx Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxxx e Xxxx, para, então, dizer que o conceito semântico é sólido o sufi- ciente para suas análises e, concomitantemente, frágil para que seja compatível com o maior número de decisões relacionadas aos problemas relacionados à interpretação e aplicação dos direitos. (Ibid., p. 52).
27 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl nº 6568. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Xxxx Xxxx. DJe 25 set. 2009. Ver também: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 153. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Xxxx Xxxx. DJe 5 ago. 2010.
28 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl nº 6568. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Xxxx Xxxx. DJe 25 set. 2009.
29 XXXXX, op. cit., p. 91.
30 ALEXY, 2008, p. 87.
definitivo”, mas apenas “prima facie”.31 A extensão do conteúdo de um princípio é limitada pelos princípios colidentes e pelas possibilidades fáticas.32
As regras, por sua vez, “exigem que seja feito exata- mente aquilo que elas ordenam”. A determinação de seu conte- údo, caso não seja impossibilitada por questões jurídicas ou fá- ticas, deve ser definitivo, ou seja, “vale definitivamente aquilo que a regra prescreve”.33 O caráter definitivo das regras está su- jeito à introdução, no caso concreto, de uma cláusula de exceção, inclusive “em virtude de um ou mais princípios”.34
Os princípios e valores estão intimamente relacionados, e, como observado por Xxxxx, duas considerações tornam isso flagrante: a) é possível falar tanto de uma colisão e de uma pon- deração entre princípios quanto entre valores; b) a realização gradual dos princípios corresponde à realização gradual dos va- lores. Por isso, é viável que os enunciados sobre valores sejam convertidos em enunciados sobre princípios, “e enunciados so- bre princípios ou máximas em enunciados sobre valores, sem que, com isso, haja perda de conteúdo.35 A passagem do valor para princípio, conforme Canaris, é extremamente fluida, po- dendo-se dizer que o princípio encontra-se em um grau de con- cretização maior do que o valor, e menor do que a regra.36 To- davia, não se pode olvidar que os princípios – mandamentos de otimização – pertencem ao âmbito deontológico, enquanto os valores fazem parte do nível axiológico.
31 Ibid., p. 104.
32 Ibid., p. 104.
33 Ibid., p. 104.
34 Ibid., p. 104. Cf. Xxxxx: “as cláusulas de exceção introduzidas em virtude de prin- cípios não são nem mesmo teoricamente enumeráveis.” (Ibid., p. 104).
35 Ibid., p. 144.
36 Cf. Canaris: “o princípio está já num grau de concretização maior do que o valor”, e “já compreende a bipartição, característica da proposição de Direito em previsão e consequência jurídica”, o que não significa que ele tenha a forma de uma disposição jurídica, ele se distingue desta “por não estar ainda, em regra, suficientemente concre- tizado para permitir uma subsunção, precisando, por isso de uma normativização.” (CANARIS, 2002, p. 86).
Destarte, cumpre assinalar que a concepção do Estatuto da Terra como um microssistema do sistema jurídico brasileiro é adequada tendo em vista os quatro argumentos a seguir:
a) Ordem e unidade são características de todos os siste- mas.37 A Lei nº 4.504/64 dispõe sobre o Estatuto da Terra, e, já no art. 1º, estabelece que a lei regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola, esta com- preendida como “o conjunto de providências de amparo à pro- priedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da eco- nomia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de ga- rantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o pro- cesso de industrialização do país.”
Xxxx constatações revelam que a ordem do Estatuto da Terra está materializada na racionalidade e abrangência das dis- posições e nas conexões normativas convergentes a propósitos comuns e harmônicos.38 A unidade está na flagrante intenção do legislador de unificar em um só diploma legal, sob o manto do mesmo conjunto de princípios, as disposições disciplinadoras do Estatuto da Terra, tendo sido posto no ordenamento jurídico como eixo central de todos os temas relativos à reforma agrária e à política agrícola.39
b) O sistema jurídico é constituído de normas, conecta- das umas às outras em face do modo como foram criadas.40 As- sim também ocorre com as normas que encontram nos textos do Estatuto da Terra o seu ponto de partida no processo de interpre- tação. Nesse sentido, o acórdão realça os ensinamentos do Min. Sanseverino em sede doutrinária:41
37 CANARIS, 2002, p. 12-13.
38 Cf. Canaris, com ordem pretende-se “exprimir um estado de coisas intrínseco raci- onalmente apreensível, isto é, fundado na realidade.” (Ibid., p. 12).
39 Cf. Canaris, a unidade evita a dispersão. (Ibid., p. 12-13).
40 KELSEN, 2006, p. 260.
41 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.447.082/TO. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx. Julgado em: 10 maio 2016. DJe 13 maio 2016,
p. 15 do acórdão. A doutrina transcrita no acórdão foi publicada em SANSEVERINO,
Os microssistemas normativos, ao regularem relações jurídicas setorizadas de forma autônoma, formam verdadeiras 'ilhas le- gislativas', rompendo a ideia de unidade e estabilidade do or- denamento jurídico. Surgem leis dotadas de elevado grau de especialidade e marcadas pelo signo da transitoriedade, uma vez que apresentam vigência temporal significativamente me- nor do que a do Código Civil.
[...]
Passa-se do monossistema oitocentista para um polissistema. A Constituição estaria no seu centro, e os demais microssiste- mas, inclusive o próprio Código Civil, gravitariam em sua volta.
c) O sistema jurídico deve ser passível de ser percebido como uma ordem axiológica ou teleológica de princípios gerais de Direito.42
Como microssistema, a Lei nº 4.504/64 estatuí, de modo implícito ou explícito, os objetivos e os princípios norteadores de uma ordem axiológica e teleológica. O seu art. 103 determina que a sua aplicação “deverá objetivar, antes e acima de tudo, a perfeita ordenação do sistema agrário do país, de acordo com os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano”.
E o art. 47 fixa como critérios básicos da distribuição da terra, a fim de incentivar a política de desenvolvimento rural, o uso “da tributação progressiva da terra, do Imposto de Renda, da colonização pública e particular, da assistência e proteção à eco- nomia rural e ao cooperativismo e, finalmente, da regulamenta- ção do uso e posse temporários da terra”, com o objetivo de, dentre outros, desestimular os que exercem o direito de proprie- dade sem observância da função social e econômica da terra e estimular a racionalização da atividade agropecuária dentro dos princípios de conservação dos recursos naturais renováveis.
d) O objeto mediato do sistema jurídico são bens e
Xxxxx xx Xxxxx. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a defesa do for- necedor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 84-86.
42 Cf. Canaris, o sistema jurídico deixa-se “definir como uma ordem axiológica ou teleológica de princípios gerais de Direito”. (CANARIS, 2002, p. 77).
posições jurídicas.43 O mesmo ocorre com o objeto mediato do Estatuto da Terra, cuja leitura evidencia o caráter social da pro- priedade, a relevância socioeconômica da atividade rural e o de- lineamento legal de conteúdos inerentes às posições jurídicas, como se dá com o direito de preferência do arrendatário em ad- quirir o imóvel arrendado ou de prosseguir no arrendamento.44 Com relação a tais aspectos, extrai-se do acórdão paradigmá- tico:45
A fixação do homem do campo à terra e sua proteção jurídica é medida de extrema importância social.
A falta ou a ineficiência de uma política agrária faz com que rurícolas migrem para as grandes cidades, onde, não raras ve- zes, são submetidos a condições de vida degradantes, como te- mos testemunhado em nosso país, ao longo de décadas de êxodo rural contínuo.
Não é por outra razão que o Estatuto Terra assegura a todo agri- cultor o direito de "permanecer na terra que cultive", bem como estabelece que é dever do Poder Público "promover e criar con- dições de acesso do trabalhador rural à propriedade da terra" (cf. art. 2º, §§ 2º e 3º).
A compreensão do Estatuto da Terra, desse modo, deve contemplar duas dimensões concomitantemente: uma como mi- crossistema, fundado e orientado por princípios e finalidades es- pecíficas; e outra como parte integrante do sistema jurídico, sub- metido, portanto, aos princípios gerais e às finalidades estatuídas para o todo o sistema. As duas dimensões influenciam a inter- pretação do microssistema. Neste sentido, consta no acórdão:46
43 ALEXY, 2007, p. 243.
44 Cf. Nusdeo: “[...] quanto mais escassos os bens e aguçados os interesses sobre eles, maior a quantidade e diversidade de normas se fazem necessárias para o equilíbrio de tais interesses.” (NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econô- mico. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 29.)
45 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.447.082/TO. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx. Julgado em: 10 maio 2016. DJe 13 maio 2016, p. 19.
46 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.447.082/TO. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx. Julgado em: 10 maio 2016. DJe 13 maio 2016, p. 15.
Especialmente quanto à hermenêutica, manifestei o entendi- mento de que a interpretação deve valer-se dos princípios ine- rentes ao próprio microssistema, recorrendo-se aos princípios do sistema geral apenas em caráter subsidiário.
E na doutrina elaborada pelo próprio Relator, transcrita no julgado:47
Assim, os microssistemas normativos conferiram, efetiva- mente, uma nova conformação ao ordenamento jurídico, mas não quebraram a ideia de existência de um sistema de direito privado. Para tal, é necessário reconhecer o Código Civil como eixo central e aberto do sistema de direito privado e, em sua volta, gravitando como satélites, os microssistemas normativos instituídos por leis especiais, gozando de autonomia, mas não de independência absoluta.
1.2 COLISÃO DE PRINCÍPIOS E INTERPRETAÇÃO
A subsunção constitui-se em um método silogístico, “em que a premissa maior é a norma jurídica, a menor o histórico do caso concreto e a proposição conclusiva o resultado da integra- ção.”48 O material de confronto para a subsunção deriva da in- terpretação, que também fornece os pontos de referência para a comparação.49 De outra forma: “premissa maior – a norma – in- cidindo sobre a premissa menor – os fatos – e produzindo como conseqüência a aplicação do conteúdo da norma ao caso con- creto.”50 O resultado é a norma cuja aplicação visa a pacificar o conflito.
No entanto, a subsunção como procedimento lógico para
47 Ibid., p. 17.
48 LIMONGI FRANÇA, Xxxxxx. Hermenêutica jurídica. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 45.
49 XXXXXXX, Xxxx. Introdução ao pensamento jurídico. 10. ed. Lisboa: Calouste, 2008, p. 98.
50 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx; XXXXXXXXX, Xxx Xxxxx de. A nova interpretação constitucional: ponderação, argumentação e papel dos princípios. In: XXXXXXX XXXXX, Xxxxxx (Coord.). Dos princípios constitucionais: considerações em torno das normas principiológicas da Constituição. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2008, p. 72.
se obter a norma jurídica aplicável a um determinado caso é ina- dequada para atender às necessidades impostas pelos casos em que ocorre uma colisão de princípios –“normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das pos- sibilidades jurídicas e fáticas existentes”, 51 mas apenas prima facie –,52 a qual, de um lado, autoriza o uso dos mais variados argumentos – analíticos, empíricos e normativos –, e, de outro, exige, para se chegar ao definitivo, que a distância seja percor- rida por meio de uma fundamentação que contemple e demons- tre as exigências inerentes à ponderação.
Alexy, sem afastar a utilidade da subsunção, pelo contrá- rio, mantendo-a para os casos em que é suficiente, e, a partir dela quando insuficiente, propõe que os juízos de valor, exercidos tanto na obtenção das premissas (interpretação) quanto na esco- lha da hipótese dentro da moldura normativa (decisão), possam ser racionalmente melhores controlados por meio de uma argu- mentação inclusiva, passível de abarcar todos os cânones de in- terpretação como argumentos, e da ponderação, a qual demanda maior esforço e transparência do intérprete na demonstração do conteúdo por ele privilegiado para os juízos de valor por ele exercidos, e, assim, acaba por impor uma necessidade de coe- rência sistêmica à fundamentação, pois esta deverá unificar as hipóteses, os argumentos e a decisão.
Ademais, a ponderação constitui-se em uma alternativa adequada para solucionar colisões de princípios, inclusive situa- das no direito privado. Contudo, importante consignar que as re- gras jurídicas têm prevalência sobre os princípios jurídicos, “a não ser que as razões para outras determinações que não aquelas definidas no nível das regras sejam tão fortes que também o prin- cípio da vinculação ao teor literal da Constituição possa ser afas- tado.”53
51 XXXXX, 2008, p. 90.
52 Ibid., p. 104.
53 Ibid., p. 141.
Xxxxx assegura que há no mínimo quatro causas que tor- nam insuficiente a aplicação das normas jurídicas por meio de uma subsunção lógico-formal, não obstante a sua inquestionável relevância: (i) a imprecisão da linguagem do Direito; (ii) a pos- sibilidade de conflito entre as normas; (iii) a possibilidade de haver casos que não cabem em nenhuma norma válida; (iv) a possibilidade, em casos especiais, de uma decisão que contraria a literalidade da norma.54
Na diversidade e na indeterminação dos conteúdos dos princípios, as colisões ou tensões “surgem a partir do momento em que se tem que passar do espaçoso mundo do dever-ser ideal para o estreito mundo do dever-ser definitivo ou real”. Logo, é inevitável o estabelecimento de regras de prevalência a partir da ponderação dos princípios colidentes diante de determinadas condições.55
A “lei de colisão”,56 aplica-se aos princípios constitucio- nais, estruturantes do sistema jurídico, assim como, à colisão en- tre princípios estruturantes do microssistema do Estatuto da Terra, que sempre deverão ser observados, sem prejuízo dos princípios gerais do direito, quando há a necessidade de ponde- ração. Nesse sentido, o acórdão transcreve a doutrina do Min. Sanseverino:57
A interpretação dessas leis especiais apresenta, também, carac- terísticas próprias. O próprio reconhecimento do atributo de es- pecialidade de uma norma já é fruto de um juízo de compara- ção entre duas regras jurídicas, exigindo a interpretação das duas normas para estabelecer-se qual delas é a regra geral e qual é a especial.
O principal método de interpretação a ser utilizado é o lógico- sistemático, valorizando-se a 'ratio legis specialis' e os princí- pios que são, normalmente, indicados pelo próprio legislador
54 ALEXY, 2005, p. 33-34.
55 ALEXY, 2008, p. 139.
56 XXXXX, 2008, p. 99.
57 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.447.082/TO. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx. Julgado em: 10 maio 2016. DJe 13 maio 2016, p. 16.
no memento da elaboração da lei especial.
Deve-se, assim, dar prevalência, na interpretação das normas constantes da lei especial, aos princípios orientadores do mi- crossistema normativo.
Itera-se: não se pondera a regra, mas sim o(s) princípio(s) subjacente(s), que, em face da colisão com outros princípios, po- derá resultar na criação de uma nova regra, que se somará àquela inicialmente estabelecida, passando a ser uma regra de exceção. Isso ocorre sempre diante do caso concreto, como se deu no caso aqui comentado, no qual o Min. Sanseverino restringiu a eficácia do princípio da justiça social, princípio subjacente à regra legal, para conferir prevalência à eficácia do princípio da autonomia privada, e, assim, afastar a obrigatoriedade legal de o proprietá- rio dar preferência ao arrendatário para adquirir o imóvel arren- dado. Vale extrair do acórdão:
Sob outro ângulo, ao se afastar a aplicabilidade do Estatuto da Terra, prestigia-se o princípio da autonomia privada, que, em- bora mitigado pela expansão do dirigismo contratual, ainda é o princípio basilar do direito privado, não podendo ser desconsi- derado pelo intérprete.58
No que tange à interpretação, o STF, no julgamento do RE nº 597994, reiterou que a interpretação do ordenamento ju- rídico não se reduz a singelo exercício de leitura dos seus textos, e sim compreende um processo de contínua adaptação à reali- dade e seus conflitos, devendo as situações fáticas não abrangi- das pela Constituição serem analisadas a partir de cada caso con- creto à luz do Direito enquanto totalidade. Porquanto a exceção, compreendida pelo “caso que não cabe no âmbito de normali- dade abrangido pela norma geral” também esteja no Direito, “ainda que não se encontre nos textos normativos de Direito po- sitivo”.59
Interpretar não é adaptar, descrever ou reproduzir, é sim construir e reconstruir, sempre com argumentos, porquanto a
58 Ibid., p. 22.
59 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 597.994. Tribunal Pleno. Relatora: Mi- nistra Xxxxx Xxxxxx. DJe 28 ago. 2009.
dignidade é conferida ao juízo pela fundamentação.60 Gadamer enfatiza que a “interpretação não é um ato posterior e ocasional- mente complementar à compreensão. Antes, compreender é sempre interpretar, e, por conseguinte, a interpretação é a forma explícita da compreensão”.61 A compreensão começa quando a pessoa se sente tocada por algo,62 é a partir daí que ela pode avançar. O objetivo da compreensão é e será o entendimento na coisa, restabelecendo-se o entendimento onde não há e onde foi distorcido. Essa é a proposta da hermenêutica.63 A interpretação está vinculada a algo estabelecido.64
Xxxxxxx assinala que a tarefa da “interpretação é fornecer ao jurista o conteúdo e o alcance (extensão) dos conceitos jurí- dicos. A indicação do conteúdo é feita por meio duma definição, ou seja, pela indicação das conotações conceituais”, enquanto a “indicação do alcance (extensão) é feita pela apresentação de grupos de casos individuais que são de subordinar, quer dizer, subsumir, ao conceito jurídico.”65
A interpretação jurídica tem por objetivo, para o STF, definir o sentido e o alcance de determinado preceito inscrito no ordenamento positivo do Estado, de modo que a interpretação, independentemente do método hermenêutico utilizado, consti- tui-se no próprio ordenamento jurídico quando a exegese das leis e da Constituição emanar do Poder Judiciário, porquanto, ao fazê-la, exerce sua atividade típica.66
O alcance da norma jurídica é fixado pelo intérprete, a
60 XXXXXXX, Xxxx-Xxxxx. Verdade e método: traços fundamentais de uma herme- nêutica filosófica. Tradução de Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 361. 61 Ibid., p. 406.
62 Ibid., p. 395.
63 Ibid., p. 387.
64 XXXXXXX, Xxxx-Xxxxx. apud HESSE, Xxxxxx. Elementos de direito constituci- onal da República Federal da Alemanha. Tradução de Xxxx Xxxxxx Xxxx. Porto Ale- gre: Fabris, 1998, p. 69.
65 ENGISCH, 2008, p. 126.
66 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 258049. 2ª Turma. Relator: Ministro Xxxxx xx Xxxxx. DJ 4 maio 2001.
partir do texto, de suas conexões com outros dispositivos da mesma lei, com leis diversas, com o objetivo que o justifica, com o objetivo da lei que o abarca, com o Sistema a qual pertence.67 No entanto, não existe medida para determinar com precisão ma- temática o alcance de um texto, o que significa dizer que toda interpretação tem que se proteger da arbitrariedade de intuições repentinas e da estreiteza dos hábitos de pensar imperceptíveis, e voltar-se para “as coisas elas mesmas”.68
A exigência de que as decisões jurídicas sejam funda- mentadas contribui para torná-las aceitáveis e para que o Direito possa cumprir a sua função de guia da conduta humana.69 Por isso, é do intérprete, sobretudo quando na função de julgador, a obrigação de apresentar argumentos racionais, e explicitar o mé- todo adotado.
No caso dos contratos agrários, a doutrina reconheceu como praticamente indiscutível a força obrigatória dos coman- dos legais em toda a sua amplitude normativa, talvez não apenas pela prevalência conferida à interpretação literal e unívoca dos dispositivos protetivas, mas também por força do art. 2º do De- creto nº 59.566/66, segundo o qual todas as normas aplicáveis aos contratos agrários são obrigatórias e os direitos e vantagens conferidos pelo Decreto são irrenunciáveis. E, ainda, em face de seu parágrafo único, que prevê ser “nula de pleno direito e de nenhum efeito” qualquer estipulação contratual contrária ao Re- gulamento.70 De modo exemplificativo, cita-se:
67 XXXXXXXXXXX, Xxxxxx. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Ja- neiro: Forense, 2002, p. 8.
68 XXXXXXX, 2008, p. 355.
69 XXXXXXX, Xxxxxx. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. São Paulo: Landy, 2006, p. 22.
70 Decreto nº 59.566/66: Art. 2º. Todos os contratos agrários reger-se-ão pelas normas do presente Regulamento, as quais serão de obrigatória aplicação em todo o território nacional e irrenunciáveis os direitos e vantagens nelas instituídos. Parágrafo único. Qualquer estipulação contratual que contrarie as normas estabelecidas neste artigo, será nula de pleno direito e de nenhum efeito.
Xxxxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxx: 71
[...] certas normas são impostas por ela [Lei n. 4.504/64] e pelo seu Regulamento [Decreto n. 59.566/66] para que tenha vali- dade o contrato de arrendamento, entre as partes [...].
Xx Xxxxxxxxxx Xxxxxx: 72
Já nos contratos agrários, não existe esta plenitude de vontade. As partes são tuteladas pela lei do Estado, representadas pelo Estatuto da Terra e pelo Decreto n. 59.566/66. [...] sequer po- dem dispor ou renunciar os direitos que estes dispositivos le- gais preveem. [...] Os contratantes deverão cumprir a vontade do legislador.
Xxxxxxx Xxxxxx: 73
As cláusulas obrigatórias criadas pelo Estatuto da Terra para a parceria e arrendamento, não podem ser postergadas ou modi- ficadas pela vontade das partes sob pena de ineficácia, isto é, essas regras legais devem ser observadas e cumpridas, porque são de interesse social.
A decisão proferida pelo STJ no julgamento do Recurso Especial nº 1.455.709/SP, em maio de 2016, ao afirmar tratar-se de normas obrigatórias aquelas que fixam os prazos mínimos dos contratos agrários, enfatizou que “o imperativo de ordem pública determina” a interpretação dos contratos agrários con- forme regramento específico, a fim de se “obter uma tutela ju- risdicional que se mostre adequada à função social da propri- edade”. Extrai-se do acórdão:74
As normas de regência do tema disciplinam interesse de ordem pública, consubstanciado na proteção, em especial, do arrenda- tário rural, o qual, pelo desenvolvimento do seu trabalho, exerce a relevante função de fornecer alimentos à população.
A análise da lei, da doutrina e dos julgados sugere que a
71 XXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxx X. X. Tratado de direito agrário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1983, v. 3, p. 21. Ainda, conforme os autores: “O Regulamento, por sua vez, seguiu a orientação do CC, quando estabeleceu as regras dos contratos agrá- rios, deixando apenas em branco aquelas referentes à validade dos atos jurídicos, em geral.” (Ibid., p. 21).
72 BARROS, 2012, p. 118.
73 XXXXXX, 2012, p. 473.
74 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.455.709/SP. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx. Julgado em: 5 maio 2016. DJe 13 maio 2016.
clareza e a precisão dos textos, de um lado, e, de outro, o dogma da eficácia irrestrita e cogente das normas protetivas relaciona- das ao contrato de arrendamento afastam a necessidade, ou mesmo a possibilidade, de uma interpretação dos dispositivos legais, porquanto nem a doutrina, nem a jurisprudência funda- mentam seus entendimentos a partir da ponderação entre os prin- cípios estruturantes do direito agrário e os princípios gerais do direito contratual. De modo que praticamente ausente nos julga- dos do STJ fundamentações que conduzem a definição do al- cance de tais normas dentro do contexto atual do agronegócio brasileiro.
No julgamento do REsp nº 1.447.082/TO, o STJ, ao afir- mar que o direito de preferência do arrendatário encontra na ten- são entre o princípio da autonomia privada e o princípio da jus- tiça social a sua razão de existir como regra jurídica posta na legislação, com o escopo de proteger o arrendatário, tido como a parte vulnerável dentro da relação com o arrendador, comu- mente o proprietário do imóvel rural, aprimorou o processo de interpretação e aplicação dos dispositivos relacionados ao con- trato de arrendamento que visam otimizar a justiça social.75 Aca- bou por racionalizar e por precisar a eficácia da regra jurídica. Além de alinhar o seu sentido com a realidade atual do agrone- gócio brasileiro.
O método de interpretação adotado pelo STJ tem no texto legal o seu ponto de partida, a partir do qual se percebe que a interpretação literal do dispositivo resultaria na aplicação indis- criminada das normas protetivas, mesmo quando o arrendatário fosse uma empresa rural de grande porte, sem qualquer sinal de vulnerabilidade diante do arrendador.
Importante mencionar que no julgamento do REsp nº 1.148.153/MT, relatado pelo Min. Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, o STJ já havia declarado que a interpretação ao artigo 92, §§ 3º
75 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.447.082/TO. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx. Julgado em: 10 maio 2016. DJe 13 maio 2016.
e 4º, do Estatuto da Terra deve se dar em consonância com os seus princípios e o caráter social inerente à “relação proprietário- terra-trabalhador”.76
A decisão afirma que o direito de preferência visa pre- servar a situação do “trabalhador do campo”, e que está inserido “em estatuto de remarcada densidade social”. De modo que tanto uma interpretação “gramatical” quanto uma “sistemático-teleo- lógica” deve ser “direcionada à máxima proteção e preservação do trabalhador do campo, não se podendo, por uma interpretação extensiva, restringir a eficácia do direito de preferência do arren- datário rural”.77 Por isso, a Turma decidiu que o direito de pre- ferência abrange a alienação judicial ou coativa, ou seja, “a qual- quer das espécies de alienação, desde que onerosa, tendo em vista inserir-se, dentre os seus requisitos, o adimplemento do preço pago pelos terceiros”. 78
As decisões adotadas nos dois recursos – REsp nº 1.447.082/TO e REsp nº 1.148.153/MT – revelam-se harmôni- cas entre si, pois em ambas o Tribunal manifesta que a interpre- tação da norma protetiva do arrendatário deverá manter-se ali- nhada aos princípios que regem os contratos agrários.
A identificação da colisão entre princípios subjacentes à regra possibilita, como acima exposto, estruturar um processo de interpretação devidamente fundamentado e harmônico com os valores do sistema jurídico ao qual às normas pertencem. Ao in- troduzir esse raciocínio jurídico para superar a tensão entre o princípio da autonomia privada e o princípio da justiça social e concluir que o direito de preferência não deve favorecer o arren- datário que não se enquadra como homem do campo, a decisão ampliou a liberdade contratual, como examinar-se-á na próxima etapa deste trabalho.
76 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1148153/MT. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx. Julgado em: 20 mar. 2012. DJe 12 abr. 2012. 77 Ibid.
78 Ibid.
2 DA INTEPRETAÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDA- MENTO RURAL
2.1 DAS NORMAS PROTETIVAS E SUA USUAL INTER- PRETAÇÃO LITERAL
A evolução do agronegócio brasileiro remonta ao século
XVI. A partir da década de 1930, especialmente entre a década de 60 e 80, o produtor passou por um processo de profissionali- zação. Da mesma forma, a atividade rural sofreu significativa evolução científica e tecnológica entre as décadas de 1970 e 1990, com o que se tornou viável o exercício de atividades agrí- colas de alto rendimento em áreas até então consideradas impro- dutivas ou economicamente inviáveis.79
O mecanismo adotado para conferir juridicidade ao mo- vimento existente na década de 60 no Brasil em prol da justiça social no campo e da reforma agrária foi o Estatuto da Terra, consubstanciado na Lei nº 4.504, de 30.11.1964, com o escopo de promover a reforma agrária e o desenvolvimento da atividade rural.
As relações entre os proprietários das terras agricultáveis e os possuidores que nelas produzem possui caráter não apenas social ou econômico, mas também estratégico para qualquer país, sobretudo para aqueles vocacionados para ser um dos prin- cipais produtores de cereais do mundo, como ocorre com o Bra- sil.
Para Xxxxxx Xxxxxx, a intervenção estatal nos contratos agrários deve se dar porque (a) é por meio deles que as opções produtivas são oferecidas a um importante número de pessoas;
(b) há um interesse geral abrangido por esses contratos – “ in- terés general comprometido”; e (c) se procura uma relação equi- tativa entre as partes no que se refere ao preço do arrendamento
79 XXXXXXXX; LIMA, 2016.
em face da rentabilidade da terra.80 A relevância social dos inte- resses atinentes à produção agrícola e do uso das terras rurais são assim reiteradas por Bidart: 81
No se trata de una mera colisión de dos intereses privados igua- les o similares, ante los cuales la sociedad permanece relativa- mente indiferente, en cuanto al prevalecer de uno u otro. El in- terés general, en principio, coincide com la “mejor realización de la producción agraria” vale decir, la promoción de esas ex- plotaciones agrarias lo más adecuadas posibles, - pero sin olvi- dar que la justicia en las relaciones sociales, es un valor que la sociedad debe igualmente (y de manera fundamental) procurar.
No Brasil, os contratos agrários “surgiram com uma co- notação visível de justiça social”, com o intuito de proteger a parte detentora do trabalho e que temporariamente usa a terra de forma onerosa para a produção primária.82 Antes mesmo do Es- tatuto da Terra já havia o dirigismo estatal quanto aos contratos de arrendamento rural, como se exemplifica com a Lei nº 3.085/56 e a Lei nº 3.336/57, que determinaram a prorrogação compulsória de tais contratos,83 explicada por Xxxxx Xxxx como “um benefício concedido pela lei aos arrendatários de proprie- dades rurais, adaptadas à agricultura ou à pecuária.84
O dirigismo estatal dos contratos agrários, e a conse- quente redução da autonomia privada, é relacionado por Xxxxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxx às transformações do direito de propriedade a partir do início do século XX, especialmente com o reconhecimento de sua função social e o anseio político
80 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Sentido y perspectiva de contrato de arrendamento rural.
Arquivos do Ministério da Justiça, n. 140, p. 37-48, out./dez. 1976, p. 40-41.
81 Ibid., p. 40.
82 BARROS, 2012, p. 112.
83 O artigo 8º, §3º da Lei nº 3.085 de 29.12.1956 previa: “Ficam prorrogados por um
(1) ano todos os contratos de arrendamentos rurais, referentes à lavoura ou à pecuária, cujo término se verificar até 31 de dezembro de 1957.” E o artigo 2º da Lei nº 3.336 de 1º.12.1957: “São prorrogados por um (1) ano os contratos de arrendamentos rurais, referentes à lavoura ou à pecuária, cujo término se verificar até 31 de dezembro de 1958.”
84 XXXXX XXXX, Ruy. Pareceres: direito privado. Porto Alegre: Sulina, 1967, p. 17- 19.
generalizado de combater o latifúndio, que justificavam a neces- sidade de se restringir o direito de uso e gozo da propriedade rural.85
A ideia de desigualdade quanto à capacidade das partes de expressar e de tornar efetiva a sua vontade no conteúdo dos contratos de arrendamento foi acolhida pelo legislador, que op- tou por estabelecer em lei algumas vantagens para a parte que efetivamente produzia na área, tida como a mais fraca na relação contratual.
A limitação da autonomia privada e a obrigatoriedade das cláusulas contratuais dos contratos de arrendamento rural se submeterem às normas de ordem pública estabelecidas no Esta- tuto da Terra e em seu Regulamento foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 100.634/MG, em 27.04.1984, cujo acórdão restou assim ementado:86
Arrendamento rural. Ação para extensão do prazo e abatimento do preço. Lei 4.504/64 e Decreto 59.566/66. O Estatuto da Terra e seu Regulamento modificaram, no domínio de sua in- cidência, a sistemática do Código Civil, limitando a autonomia da vontade das partes com normas cogentes, de ordem pública. Há subordinação obrigatória dos contratos agrários, qualquer que seja sua forma, a regência estatutária.
Esse caráter cogente e indistintamente protetivo da legis- lação em favor do arrendatário foi observado e explicitado pela doutrina, ao que parece de modo unânime. A título de demons- tração:
Xxxxxxxxxx Xxxxxx:87
[...] o Estado passou a dirigir as vontades das partes nos con- tratos que tivessem por objeto o uso ou a posse temporária do imóvel rural. A ideia implantada pelo legislador residiu na ad- missão de que o proprietário rural impunha sua vontade ao ho- mem que utilizasse suas terras de forma remunerada. [...] A fi- gura interventora do Estado era, assim, necessária para
85 OPTIZ; OPTIZ, 1983, p. 1.
86 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 100.634/MG. 2ª Turma. Relator: Mi- nistro Xxxxxxxxx Xxxxx. Julgado em: 27 abr. 1984. DJ 25 maio 1984.
87 BARROS, 2012, p. 112.
desigualar essa desigualdade, com uma legislação imperativa, porém de cunho mais protetivo àquele naturalmente desprote- gido.
Xxxxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxx:
"Deve haver um certo rigor na interpretação de tais contratos de arrendamento, protegidos pelo ET e seu Regulamento, cuja finalidade é amparar, em primeiro lugar, o arrendatário." 88
Xxxxxxx Xxxxxx:89
[...] a Legislação Agrária é eminentemente protetora das rela- ções rurais quanto a posse e uso temporário da terra, inclusive, com a finalidade de dar equilíbrio de forças entre o fraco e o forte, houve por bem impor cláusulas de proteção social nos contratos típicos [...].
Xxxx Xxxxxx:90
A autonomia da vontade se encontra restrita nos pactos agra- ristas, em que as normas cogentes restringem o caráter dispo- sitivo das partes, em que o Estado nos contratos que tem por objeto o uso ou posse temporária do imóvel rural, procura dar uma conotação de justiça social.
Márcio França:
"A vontade para contratar não se discute, porém, os termos da contratação no pagamento do preço ou divisão dos frutos é li- mitada por lei, não podendo as partes ajustá-los ao seu arbítrio, mas à vontade da lei."91
A ausência de questionamentos acerca do alcance das normas protetivas aos arrendatários – seja em face do perfil eco- nômico-financeiro do arrendatário, seja em face de sua finali- dade –, na doutrina e nas decisões judiciais é um dos aspectos que informa a relevância dos prováveis reflexos que a decisão proferida pelo STJ no julgamento do REsp nº 1.447.082/TO trará para a celebração, a formalização e a interpretação do con- trato de arrendamento rural.92
88 OPTIZ; OPTIZ, 1983, p. 23.
89 XXXXXX, 2012, p. 497.
90 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx Xxxx. Contratos agrários: uma visão neoagrarista. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 70.
91 FRANÇA, Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx. A caracterização dos contratos agrários. Re- vista Jurídica, n. 110, jul./dez. 1985, p. 49.
92 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.447.082/TO. 3ª Turma. Relator:
O voto do relator, Min. Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, afas- tou o direito de preferência do arrendatário para adquirir o imó- vel arrendado, previsto no artigo 92, §§ 3º e 4º da Lei nº 4.505/64, ao acolher a compreensão de que o alcance de tal regra protetiva está relacionado à eficácia do princípio da justiça so- cial, que requer a proteção jurídica do arrendatário enquanto ho- mem do campo, qualidade que justificaria a sua vulnerabilidade presumível dentro da relação com o arrendador, comumente o proprietário do imóvel rural.
O precedente destoa da interpretação literal comumente adotada pelas decisões judiciais com relação aos dispositivos le- gais referentes ao contrato de arrendamento rural, na qual pouco, muito pouco, se questiona o status do arrendador e do arrenda- tário na perspectiva de se avaliar a necessidade de a lei restringir a eficácia do princípio da autonomia privada. Cabe demonstrar. Assim se faz:
a) Proibição da remuneração do arrendamento ser fixado em produto, exigindo-se a sua fixação em dinheiro.93 94 O tema está previsto no artigo 95, XI, a, da Lei nº 4.504/64, e no artigo 18, parágrafo único do Decreto nº 59.566/66.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extra- ordinário nº 107.508/MG, em 30/06/1986, já havia optado pela
Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx. Julgado em: 10 maio 2016. DJe 13 maio 2016. 93 Da doutrina, por todos, Xxxxxx: “É causa de nulidade absoluta, logo sem qualquer exigibilidade por ausência de eficácia, o ajuste da remuneração do arrendamento rural em frutos ou produtos.” (XXXXXX, Xxxxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de direito agrário. 7 ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2012, p. 143.) Vale anotar a observação de Xxxx Xxxxxx ao reconhecer que a lei acaba por beneficiar o arrendatário inadimplente ao estabelecer a nulidade da cláusula que fixa a remuneração do arrendamento em produto, negando o que comumente ocorre: “[...] a interpretação rigorosa em declarar a nulidade da cláusula contratual do contrato de arrendamento que estabelece o preço em produtos, é extremamente vantajosa ao arrendatário inadimplente, que sob o manto ou pálio dessa legalidade exacerbada, não paga a renda ou aluguel do imóvel contra- tado, e alega a nulidade do preço, conduzindo a improcedência da ação despejatória, e ainda, exigindo uma postulação de arbitramento do preço, por meio de ação própria do arrendador.” (XXXXXX, 2016, p. 130).
94 A Lei nº 11.443/2007 passou a chamar a contraprestação pelo arrendamento de re- muneração, e não mais de preço.
interpretação e aplicação literal do parágrafo único do artigo 18 do Decreto nº 59.666/66, afirmando que infringe o dispositivo a cláusula contratual que estabelece a obrigação de pagar o preço em valor equivalente ao “de sacos de açúcar”.95
No julgamento do REsp nº 1266975/MG, ocorrido em 10/03/2016, o STJ reafirmou que é nula a “cláusula contratual que fixa o preço do arrendamento rural em frutos ou produtos ou seu equivalente em dinheiro, nos termos do art. 18, parágrafo único, do Decreto nº 59.566/1966”, reconhecendo o contrato apenas como documento hábil para o ajuizamento de ação de cobrança ou ação monitória, quando o preço do arrendamento deverá ser apurado em sede de liquidação por arbitramento.96
Ao apreciar no julgamento do REsp nº 334.394/RS a va- lidade da notificação premonitória referente a uma proposta re- cebida de terceiro que indicada o preço em produto, a Terceira Turma entendeu, na linha dos precedentes da Corte, que a mesma era inválida uma vez que a cláusula que fixa o preço do arrendamento em produto é inválida, além de dificultar para o arrendatário a apresentação de uma contraproposta.97
95 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 107.508/MG. 1ª Turma. Relator: Mi- nistro Xxxxxxx Xxxxxxxx. Julgado em: 30 jun. 1986. DJ 29 ago. 1986, p. 15.188.
96 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1266975/MG. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx. Julgado em: 10 mar. 2016. DJe 28 mar. 2016. No mesmo sentido, ver: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 231.177/RS. 4ª Turma. Relator: Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Julgado em: 26 ago. 2008. DJe 15 set. 2008; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 566.520/RS. 4ª Turma. Re- lator: Ministro Xxxxx Xxxxxxxxxx Junior. Julgado em: 11 maio 2004. DJ 30 ago. 2004,
p. 302; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 127.561/SP. 4ª Turma. Rela- tor: Ministro Xxxxxx Xxxxxxxx. Julgado em: 3 jun. 2003. DJ 1 set. 2003, p. 289; BRA- SIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 407.130/RS. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxx Xxxxxxxxxx. Julgado em: 27 jun. 2002. DJ 5 ago. 2002, p. 336; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 120.157/RS. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxxxxx Xxxxxxx. Julgado em: 19 nov. 1998. DJ 5 abr. 1999, p. 124; BRASIL. Superior Tribu- nal de Justiça. REsp nº 128.542/SP. 4ª Turma. Relator: Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx. Julgado em: 14 out. 1997. DJ 9 dez. 1997, p. 64711.
97 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 334.394/RS. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito. Julgado em: 16 maio 2002. DJ 5 ago. 2002, p. 332.
Importante consignar que há julgados do Tribunal de Jus- tiça do Rio Grande do Sul reconhecendo, diante dos usos e cos- tumes da região ou mesmo da inexistência de vulnerabilidade do arrendatário, a validade da fixação do preço do arrendamento em produto: “Não é nula a cláusula de contrato de arrendamento ru- ral que fixa o preço do arrendamento em quantidade do pro- duto.”98 No entanto, em julgado recente, o Tribunal Estadual ite- rou a impossibilidade de se fixar o preço do arrendamento em produto, determinando que a apuração do valor devido fosse apurado em liquidação de sentença.99
b) Necessidade de notificação motivada e tempestiva do arrendador para o arrendatário devolver o imóvel no término do contrato, sob pena de renovação automática.100 O tema está pre- visto no artigo 95, incisos IV e V da Lei nº 4.504/64, e no artigo 22, §§ 1º e 2º do Decreto nº 59.566/66.
Ao apreciar a matéria do Recurso Especial nº 23.333/RJ, a Terceira Turma do STJ afirmou que não efetuada a notificação “tem-se o contrato por renovado”.101 Esse também o
98 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70067145342. 17ª Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Liege Puricelli Pires. Julgado em: 10 março 2016. No mesmo sentido: RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70061595484. 10ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Xxxxx Xxxxxxx Xxx- xxxxxx Xxxxxxx. Julgado em: 25 jun. 2015; RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Jus- tiça. Apelação Cível nº 70060795697. 10ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx. Julgado em: 28 ago. 2014; RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70059671263. 10ª Câmara Cível. Relator: Desembarga- dor Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx. Julgado em: 29 maio 2014.
99 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70070620547. 20ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Julgado em: 24 out. 2016.
100 Da doutrina, por todos, Xxxxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxx: “O contrato, quando não houver a notificação referida, renova-se pelo prazo mínimo estabelecido na lei e desde que o arrendatário não desista.” (OPTIZ; OPTIZ, 1983, p. 45). Mais: “ A preferência concedida ao arrendatário é um direito, além de ser uma vantagem, portanto não pode ele renunciar, no contrato, a esse jus singulare.” (Ibid., p. 57).
101 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 72.461/SP. 3ª Turma. Relator: Mi- nistro Xxxxxxx Xxxxxxx, Julgado em: 10 jun. 1997. DJ 18 ago. 1997, p. 37.860. No mesmo sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 23.333/RJ. 4ª Turma. Relator: Ministro Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx. Julgado em: 29 jun. 1992. DJ 10 ago.
entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
A notificação premonitória relativa à retomada do imóvel para uso próprio nos contratos agrários deve ocorrer no prazo de 06 meses antes do vencimento do contrato e de forma motivada, conforme preceitua o art. 22, parágrafo 2º do Decreto nº 59.566/66.102
c) Impossibilidade de se celebrar o contrato de arrenda- mento por prazo inferior ao previsto na legislação.103 O tema está previsto no artigo 95, II, da Lei nº 4.504/64, e no artigo 13, I, II, a do Decreto nº 59.566/66.
Ao recentemente apreciar a obrigatoriedade das partes contratantes se submeterem aos prazos legais mínimos para a vi- gência dos contratos agrários, o STJ resgatou os “elementos de instabilidade no campo, caracterizados principalmente pela con- centração da propriedade rural e pela desigualdade econômica e social em relação aos pequenos produtores”, para concluir que: “ Os prazos mínimos de vigência para os contratos agrários constituem norma cogente e de observância obrigatória, não po- dendo ser derrogado por convenção das partes contratantes.”104
1992, p. 11.955.
102 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70062819156. 10ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx. Julgado em: 18 dez. 2014. No mesmo sentido: RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ape- lação Cível nº 70052733185. 9ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Xxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. Julgado em: 24 abr. 2013; RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70057848392. 9ª Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Julgado em: 31 jan. 2014.
103 Da doutrina, cita-se que, conforme Xxxxxx, quanto ao prazo de duração dos contra- tos o legislador não deixou “aos contratantes outra alternativa senão a de cumpri-la”. (BARROS, 2012, p. 123).
104 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1455709/SP. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx. Julgado em: 5 maio 2016. DJe 13 maio 2016. No mesmo sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1455709/SP. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx. Julgado em: 5 maio 2016. DJe 13 maio 2016; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1339432/MS. 4ª turma. Relator: Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Julgado em: 16 abr. 2013. DJe 23 abr. 2013; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 195.177/PR. 4ª Turma. Relator: Xx- xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Relator para o acórdão Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx. Jul- gado em: 3 fev. 2000. DJ 28 ago. 2000, p. 88. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 10.058/RS. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxx Xxxxxxxx. Julgado em: 13 ago.
105
d) Inafastabilidade pelas partes do direito de preferência
do arrendatário em adquirir o imóvel arrendado em caso de ali- enação.106 O tema está previsto no artigo 92, §§ 3º e 4º da Lei nº 4.505/64.
A Segunda Turma do STF, há mais de três décadas, se pronunciou acerca da anulabilidade do contrato de compra e venda que tem como objeto a transferência de imóvel arrendado sem que tenha sido notificado o arrendatário para o exercício do seu direito de preferência em adquiri-lo, ressaltando que há prazo decadencial para o arrendatário “manifestar seu interesse na compra e efetuar o depósito do preço.”107 Para o STF, con- forme restou decidido no julgamento do RE nº 83.319, em 23/09/1980, o direito de preferência do arrendatário “é direito real”.108
A prevalência da interpretação literal do dispositivo tam- bém se depreende da decisão proferida pelo STF no julgamento
1991. DJ 2 set. 1991, p. 12199. Em sentido contrário, o STJ havia se manifestado no julgamento do REsp nº 806.094/SP: “Nos contratos agrícolas, o prazo legal mínimo pode ser afastado pela convenção das partes. Decreto regulamentador não pode limi- tar, onde a Lei não o fez.” BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 806.094/SP. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx. Julgado em: 16 nov. 2006. DJ 18 dez. 2006, p. 386.
105 No mesmo sentido – obrigatoriedade dos prazos legais mínimos para os contratos agrários –, do Tribunal do Rio Grande do Sul: RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70061749735. 10ª Câmara Cível. Relator: Desem- bargador Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx. Julgado em: 18 dez. 2014; RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70052733185. 9ª Câmara Cível. Relator: De- sembargador Xxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. Julgado em: 24 abr. 2013; RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70051945848. 10ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Xxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Julgado em: 7 fev. 2013.
106 Da doutrina, por todos, Xxxxxx: “É uma restrição ao seu direito de propriedade, pois a disposição da coisa fica condicionada à aceitação de uma pessoa certa. Pouco im- porta a existência, por exemplo, de animosidade entre as partes contratantes [...].” (BARROS, 2012, p. 125).
107 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 100.296/MG. 2ª Turma. Relator: Mi-
nistro Aldir Passarinho. Julgado em: 15 ago. 1986. DJ 12 set. 1986, p. 16.424.
108 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 83.319. 2ª Turma. Relator: Ministro Xxxxxx xx Xxxxx. Julgado em: 23 set. 1980. DJ 17 out. 1980, p. 8.294.
do RE nº 103.766/RS em 18/04/1986, quando a Primeira Turma, de forma singela, afirmou que para o exercício do direito de pre- ferência bastaria ao arrendatário propor a ação e depositar o preço no prazo de seis meses a contar da data da transcrição do ato de alienação no Registro Imobiliário.109 110
Ao conhecer e prover o REsp nº 263.774/MG, o STJ en- tendeu ser irrelevante para o exercício do direito de preferência à compra do imóvel arrendado o registro do contrato de arrenda- mento, “porquanto tal exigência não está contida no Estatuto da Terra, lei especial e posterior ao antigo Código Civil, a qual ad- mite, inclusive, a avença sob a forma tácita.”111
Afirmou o STJ, ao julgar o REsp nº 164.442/MG, que “a preferência outorgada pelo Estatuto da Terra ao arrendatário é uma garantia do uso econômico da terra” por ele explorada, sua natureza é de um direito real, “pois lhe cabe haver a coisa ven- dida (imóvel) se a devida notificação não foi feita, do poder de quem a detenha ou adquiriu”. Ainda, a decisão afasta a possibi- lidade de o direito de preferência ser interpretado a partir do Có- digo Civil, diante da especialidade do Estatuto da Terra.112 113
109 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 103.766/RS. 1ª Turma. Relator: Mi- nistro Sydney Sanches. Julgado em: 18 abr. 1986. DJ 9 maio 1986, p. 7.628.
110 De acordo com a decisão do STF no julgamento do RE nº 97.285/BA, inexiste o direito de preferência do arrendatário quando o proprietário permutar a área arrendada por outra, diante da ausência do elemento preço e da impossibilidade de se oferecer condições iguais as ofertadas pelo terceiro com quem o proprietário permutará o imó- vel arrendado. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 97.285. 1ª Turma. Relator: Ministro Xxxxxx Xxxxx. Julgado em: 6 ago. 1982. DJ 27 ago, 1982, p. 8.181).
111 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 263.774/MG. 4ª Turma. Relator: Ministro Xxxxx Xxxxxxxxxx Junior. Julgado em: 15 ago. 2006. DJ 5 fev. 2007, p. 237. 112 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 164.442/MG. 4ª Turma. Relator: Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Julgado em: 21 ago. 2008. DJe 1 set. 2008.
113 Sobre o tema, ver do Tribunal do Rio Grande do Sul: RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70068048479. 18ª Câmara Cível. Relator: Mi- nistro João Moreno Pomar. Julgado em: 14 abr. 2016; RIO GRANDE DO SUL. Tri- bunal de Justiça. Apelação Cível nº 70067784504. 18ª Câmara Cível. Relator: Desem- bargador Xxxxx Xxxxx Xxx Xxx. Julgado em: 10 mar. 2016; RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70064384365. 20ª Câmara Cível. Relator: De- sembargador Xxxxxx Xxxx Marchionatti. Julgado em: 27 maio 2015.
No entanto, a realidade da atividade primária no Brasil atualmente é muito diversa daquela existente na década de 60. E, não raro, são grandes sociedades agrícolas ou produtores pes- soas físicas com alta capacidade financeira, comercial técnica e administrativa, que passaram a figurarem como arrendatários, sobretudo no Centro-Oeste brasileiro.
Neste sentido, importante atentar-se para as palavras de Xxxxxxxxxx Xxxxxx:114
[...] passados mais de 40 anos, o Brasil agrário mudou substan- cialmente, e os índices de produtividade na exploração rural se encontram entre os melhores do mundo. Ademais, muitos ar- rendatários e parceiros-outorgados são empresas de lastro eco- nômico maior do que o próprio capital constituído pela terra do arrendador ou parceiro-outorgante. Dessa forma, se a preocu- pação do legislador era proteger o trabalho porque este sofria subsunção do capital, aplicar-se a mesma estrutura legal para quem hoje é verdadeiramente o detentor do capital é praticar injustiça.
Pode-se observar no contexto atual do agronegócio que em diversas relações contratuais inexiste qualquer espécie de vulnerabilidade por parte do arrendatário, ou, até mesmo, que a vulnerabilidade passou a ser a do arrendador, pois muitas vezes é ele quem depende da remuneração do arrendamento para sus- tentar-se, e quem está bastante exposto a crises de liquidez, di- ante da dificuldade de se alienar áreas rurais em que na posse há um arrendatário.
2.2 INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E PONDERAÇÃO: ANÁLISE DO PRECEDENTE DO STJ
O precedente oriundo do REsp nº 1.447.082/TO abran- geu o julgamento conjunto de dois recursos especiais: um inter- posto por duas pessoas físicas adquirentes de um imóvel rural, e o outro pela pessoa jurídica BUNGE Fertilizantes (‘BUNGE’),
114 BARROS, 2012, p. 148-149.
vendedora do referido imóvel. Em ambos é recorrida a pessoa jurídica SPI Agropecuária (‘SPI’), arrendatária do imóvel. A pretensão dos recorrentes é alterar o acórdão proferido pelo Tri- bunal de Justiça do Estado do Tocantins em sede de embargos infringentes, em cuja ementa consta:115
II – O enunciado normativo do art. 92, do Estatuto da Terra, cuida de modo particular, da preservação do direito de perma- nência do arrendatário no exercício do uso econômico da terra explorada, a fim de lhe garantir o direito de obter o domínio do imóvel objeto do arrendamento, caso a ele não tenha sido ofer- tado o bem à aquisição, antes de se operar a transmissão da propriedade à terceira pessoa.
III – Nos termos do art. 4º, VI, Lei 4.504/64, a “empresa rural” compreende também a pessoa jurídica, pública ou privada, que explore econômica e racionalmente imóvel rural, dentro de condições de rendimento econômico. Existindo previsão legal de que pessoas jurídicas estão albergadas pelo Estatuto da Terra, incoerente seria exigir que, para o direito de preferência constante no mesmo estatuto, a terra fosse usada exclusiva- mente por entidade familiar posto que se excluiriam as pessoas jurídicas de exercer o direito em questão, positivado em seu art. 92, § 3º.
Os fatos, conforme aduzido no acórdão, podem ser sin- tetizados, no que aqui parece ser relevante, da seguinte forma:
i) A SPI havia celebrado um contrato de locação de área para pastagem pelo prazo de um ano com o então proprietário do imóvel rural (Fazenda Estância Vale do Sol), tendo constado que o contrato se submeteria às normas do Código Civil, e que em caso de alienação o prazo de desocupação seria o de 30 dias.
ii) Na vigência do contrato, o imóvel foi transferido, em dação em pagamento, para a BUNGE. A SPI, como arrendatária, fez uma proposta para adquirir o imóvel, que foi recusada pela BUNGE. A SPI ingressou com a ação judicial com o intuito de exercer o seu direito de preferência.
115 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.447.082/TO. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx. Julgado em: 10 maio 2016. DJe 13 maio 2016,
p. 3-5 do acórdão.
iii) A sentença havia julgado improcedente a ação, porém o Tribunal Estadual do Tocantins deu provimento aos recursos (apelação e embargos infringentes), julgando-a procedente.
O acórdão menciona que o uso da terra pode se dar por meio de contratos atípicos, não regidos pelo Estatuto da Terra, como o de locação de pastagem, no entanto, qualifica o contrato firmado entre a SPI e os proprietários como arrendamento rural, uma vez que ocorreu a transferência da posse do imóvel.116
O arrendatário tem direito de preferência na aquisição da propriedade, conforme previsto no §3º do art. 92 do Estatuto da Terra,117 o qual, como reconhecido pelo acórdão, “não impôs ne- nhuma restrição quanto à pessoa do arrendatário, para o exercí- cio do direito de preferência, de modo que, ao menos numa in- terpretação literal, nada obstaria a que uma grande empresa 8ru- ral viesse a exercer o direito de preempção.”118
Considerando que há uma norma, da espécie regra, asse- gurando ao arrendatário o direito de preferência na aquisição do imóvel arrendado, sem que haja na lei qualquer discriminação que excepcionasse a sua aplicação, qual a argumentação jurídica que poderia ser adotada para afastá-la?
O caminho percorrido pelo acórdão tem início no con- fronto entre os requisitos postos no art. 38 do Decreto nº
116 No que tange à posse do imóvel pelo arrendatário, importante mencionar a lição de Xxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx: “A posse é elemento integrante do contrato de arrenda- mento, porque é dever do arrendador [...].” (XXXXX; OPITZ, 1983, p. 5). E de Pontes de Xxxxxxx: “Também é efeito da posse o poder do arrendatário, ou outro possuidor imediato, ou mediato, defender a posse contra qualquer possuidor mediato acima, su- cessor daquele de quem houve a posse imediata, ou mediata de grau inferior.” (XXX- XXX XX XXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx. Tratado de direito privado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, t. 10, p. 77, §1.067).
117 Art. 92, § 3º, do ET: No caso de alienação do imóvel arrendado, o arrendatário terá preferência para adquiri-lo em igualdade de condições, devendo o proprietário dar-lhe conhecimento da venda, a fim de que possa exercitar o direito de perempção dentro de trinta dias, a contar da notificação judicial ou comprovadamente efetuada, mediante recibo.
118 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.447.082/TO. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx. Julgado em: 10 maio 2016. DJe 13 maio 2016,
p. 11 do acórdão.
59.566/66, que regulamenta a Lei nº 4.505/64 (Estatuto da Terra), mais precisamente em seu inciso II – os benefícios pre- vistos na Lei somente são passíveis de serem gozados pelo ar- rendatário que o explorar direta e pessoalmente a atividade ru- ral no imóvel como “ típico homem do campo”119 – e a qualifi- cação, no caso concreto, da arrendatária SPI Agropecuária como empresa rural de grande porte.
Anota-se que o acórdão não aborda o fato de a proprietá- ria do imóvel (Bunge) ser uma notória empresa de grande porte. Tampouco, o acórdão indica explicitamente qualquer critério que tenha sido adotado para qualificar a SPI como uma empresa rural de grande porte. Considerando-se que a qualificação – em- presa de grande porte – é um ponto essencial da fundamentação do voto do eminente Relator para afastar a incidência do art. 92,
§3º da Lei nº 4.505/64, não há como deixar de se imaginar:
a) Se a qualidade grande porte se dá em face de ser uma pessoa jurídica e/ou por força da capacidade econômico-finan- ceira, uma vez que muitos arrendatários pessoas físicas, atual- mente, superam em capacidade econômica e tecnológica os pro- prietários. Em uma passagem do acórdão, lê-se que a eficácia do princípio da função social da propriedade “independe do porte econômico do arrendatário, pois o foco é produtividade da terra, respeitadas as normas ambientais e trabalhistas”.120
b) Se a qualidade grande porte se dá por exclusão, de modo que com exceção do arrendatário tido como homem do campo, que explore a atividade direta e pessoalmente, todos os demais são de grande porte. Ou seja, não é grande aquele que exerce a atividade com um número de trabalhadores inferior ao número de membros do conjunto familiar, como referido no acórdão ao explicitar o significado do termo exploração direta. Por outro lado, o acórdão é claro em restringir “o âmbito
119 Ibid., p. 11.
120 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.447.082/TO. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx. Julgado em: 10 maio 2016. DJe 13 maio 2016, p. 18.
de proteção aos arrendatários e parceiros-outorgados que explo- rem direta e pessoalmente o imóvel rural”.
Porém, para delimitar o alcance da eficácia do direito de preferência, e reconhecer o espaço da autonomia privada e a igualdade de forças entre os contratantes o acórdão invoca a “principiologia do microssistema normativo do Estatuto da Terra”.121
A decisão dá um passo adiante e confere aos princípios da função social da propriedade e ao da justiça social a qualidade de princípios norteadores do microssistema:
Nessa esteira, analisando-se o Estatuto da Terra como um mi- crossistema normativo, percebe-se que seus princípios orienta- dores são, essencialmente, a função social da propriedade e a justiça social (cf. arts. 1º e 2º, da Lei 4.504/64).
Cabe, portanto, interpretar do [sic] direito de preferência à luz desses dois princípios.
Ocorre que os princípios da função social da propriedade e da justiça social, como referido no acórdão, “nem sempre an- dam juntos”, pois enquanto a função social vincula-se à explo- ração adequada da terra como meio de produção, a justiça social visa a “desconcentração da propriedade” permitindo-lhe acesso ao “homem do campo e à sua família”, bem como “a proteção do homem do campo nas relações jurídicas de direito agrário”.122 Quando inexiste vulnerabilidade do arrendatário diante
do proprietário não haveria porque incidir uma regra cuja finali- dade é justamente conferir maior eficácia ao princípio da justiça social,123 fazendo com que a lei assegure àquele que pouco ou
121 Ibid., p. 14.
122 Ibid., p. 19.
123 Entendimento diverso é o de Xxxxxx Xxxxxx, para quem que o direito de preferência estaria condicionado à função social da propriedade: “o direito de preferência somente pode ser exercido se a exploração da terra estiver em consonância com os ditames constitucionais, ou seja, no momento da oferta de compra, deve ser observado se o arrendatário está cumprindo a função social da propriedade.” (XXXXXX, Xxxxxx Xx- xxxxx. O direito de preferência no contrato de arrendamento rural à luz da hermenêu- tica constitucional. Justiça do Direito, Passo Fundo, v. 20, n. 1, p. 100-110, 2006, p. 108).
nenhum poder de xxxxxxxx possuí o direito de manter o contrato e consequentemente permanecer na relação contratual que lhe assegura a posse do imóvel rural. Transcreve-se do acórdão:124
Nessa ordem de ideias, o direito de preferência previsto no Es- tatuto da Terra atende ao princípio da justiça social quando o arrendatário é um homem do campo, pois possibilita que este permaneça na terra, passando à condição de proprietário.
Porém, quando o arrendatário é uma grande empresa, desen- volvendo o chamado agronegócio, o princípio da justiça social deixa de ter aplicabilidade, pois ausente a vulnerabilidade so- cial que lhe é pressuposto.
Neste caso, não se trata de reconhecer a validade, ou não, da regra jurídica contida no artigo 92, §3º do Estatuto. Da mesma forma, não há como se falar em uma ponderação da mencionada regra.
O que o acórdão estabeleceu, por meio da ponderação entre princípios – de um lado o princípio da justiça social, sub- jacente à regra que assegura o direito de preferência ao arrenda- tário; e, de outro, o princípio da autonomia privada –, é de que o limite da eficácia da regra legal se dá quando não mais existe vulnerabilidade do arrendatário que justifique a eficácia do prin- cípio da justiça social. A partir daí, passa-se a reconhecer a pre- valência do princípio da autonomia privada e a liberdade contra- tual. Tal raciocínio assim consta no acórdão sob análise:125
Sob outro ângulo, ao se afastar a aplicabilidade do Estatuto da Terra, prestigia-se o princípio da autonomia privada, que, em- bora mitigado pela expansão do dirigismo contratual, ainda é o princípio basilar do direito privado, não podendo ser desconsi- derado pelo intérprete.
Por tais fundamentos é que o acórdão sustenta que o “cumprimento da função social da propriedade não parece ser fundamento suficiente para que as normas do direito privado, fundadas na autonomia da vontade, sejam substituídas pelas re- gras do Estatuto da Terra, marcadas por um acentuado dirigismo
124 Ibid., p. 19-20.
125 Ibid., p. 22.
contratual.”126
Isso significa dizer que as partes, arrendatários e propri- etários, sempre poderão, de livre e comum acordo, pactuar o di- reito de preferência ou qualquer outro direito sem que haja ne- cessidade de interferência legislativa (dirigismo estatal). E, ainda, permite concluir que o conteúdo dos textos da Lei e do Decreto permanecem em harmonia.
Ao afirmar que a autonomia privada, “embora moderna- mente tenha cedido espaço para outros princípios (como a boa- fé e a função social do contrato), apresenta-se, ainda, como a pedra angular do sistema de direito privado, especialmente no plano do Direito Empresarial”, o acórdão sinaliza que a interpre- tação dos contratos agrários tipificados no Estatuto da Terra deve ater-se, essencialmente, ao que restou pactuado pelos con- tratantes quando inexistir qualquer vulnerabilidade inerente às partes.
O princípio da autonomia privada encontra na vontade das partes a principal fonte das determinações do regulamento contratual,127 e nas normas legais de caráter imperativo o seu li- xxxx.000
Xxxxx Xxxx acrescenta que a autonomia privada não é apenas uma imunidade ao privado, ela implica em um valor po- sitivo: o poder de o indivíduo determinar-se quanto a sua reali- dade física e econômica e o seu impacto sobre a realidade jurí- dica.129 Na mesma senda, Xxxxx Xxxxx ensina que a autonomia privada não é apenas a liberdade ou um de seus aspectos, tam- pouco é faculdade, é liberdade que se move no âmbito do direito, dentro dos limites fixados por este, constituindo-se no resultado do exercício de um poder, com o qual a autonomia privada se
126 XXXXXX, 2006, p. 20.
127 XXXXX, Xxxx. O contrato. Coimbra: Alxxxxxx, 0000, p. 142.
128 DÍEZ-PICAZO. Fundamentos del derecho civil patrimonial: introducción teoría del contrato, v. 1., 6 ed., Cizur Menor (Navarra): Aranzadi, 2007, p. 155.
129 XXXX, Xxxxx. Manuale di diritto privato. 4 ed. Padova: CEDAM, 2005, p. 126.
identifica.130
O princípio da autonomia privada passa, com o entendi- mento posto no acórdão comentado, a ter a sua eficácia reconhe- cida quando ausente qualquer finalidade justificadora do diri- gismo contratual pensado no Brasil da década de 60, portanto, há mais de 50 anos. A relevância jurídica da autonomia privada assim encontra-se registrada no acórdão:131
Na sua dimensão moderna, o princípio da autonomia privada passou a ter sede constitucional, não apenas quando se protege a livre iniciativa econômica (art. 170 da Constituição Federal), como também quando se confere proteção à liberdade indivi- dual (art. 5º da Constituição Federal). Liga-se, assim, a autono- mia privada ao próprio desenvolvimento da dignidade humana, embora não atue, naturalmente, de forma absoluta, sofrendo li- mitações de outros princípios (boa-fé, função social, ordem pú- blica).
O princípio da autonomia privada concretiza-se, fundamental- mente, no direito contratual, através de uma tríplice dimensão: a liberdade contratual, a força obrigatória dos pactos e a relati- vidade dos contratos.
Em outras palavras, quando há a prevalência do princípio da autonomia privada nos contratos agrários, diante da não inci- dência do princípio da justiça social, novas possibilidades inter- pretativas acerca da validade e eficácia de cláusulas contratuais pactuadas em contratos de arrendamento tornam-se passíveis de serem cogitadas, tais como:
i) A possibilidade de ser pactuado o preço do arrenda- mento em produto. Ao contrário do que fora decidido pelo STJ no julgamento do REsp nº 1.266.975/MG, relatado pelo Min.
Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx.132
ii) A possibilidade de se celebrar contratos rurais com prazos inferiores aos previstos no regulamento do Estatuto da Terra. Ao contrário do que restou decidido pelo STJ ao julgar o
130 XXXXX, Xxxxx. La autonomía privada. Granada: COMARES, 2001, p. 36.
131 Ibid., p. 23.
132 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.266.975/MG. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx. Julgado em: 10 mar. 2016. DJe 28 mar. 2016.
REsp nº 1.336.293/RS, de relatoria do Min Xxxx Xxxxxx de No- ronha.133
iii) A validade da cláusula de renúncia às benfeitorias, mesmo aquelas que possam ser tidas como necessárias ou úteis. De forma diversa da proferida no julgamento do REsp nº 1.182.967/RS, cujo relator foi o Min. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx.134
iv) A possibilidade, por qualquer razão, de o preço do arrendamento ser superior ao previsto na legislação. Ao contrá- rio do decidido pelo STJ no julgamento do REsp nº 641.222/RS, relatado pelo Min. Rel. Ministro Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx.135
v) A possibilidade de a multa contratual por inadimple- mento ser fixada em produto. Ao contrário do que entendeu o STJ ao apreciar o REsp nº 445.156/AL, cujo relator foi o Min.
Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx.136
vi) A validade da notificação, para o exercício de prefe- rência na aquisição do imóvel, que indicar apenas o preço do imóvel em produto. Ao contrário do que restou decidido pelo STJ no julgamento do REsp nº 334.394/RS, relatado pelo Min. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito.137
E, ainda, também exemplificativamente:
vii) A possibilidade de se pactuar a extinção automática do contrato de arrendamento por transcurso do tempo quando não ocorrer manifestação expressa de ambas as partes contratan- tes.
viii) A possibilidade de as partes pactuarem que o
133 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.336.293/RS. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx. Julgado em: 24 maio 2016. DJe 1 jun. 2016.
134 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1182967/RS. 4ª Turma. Relator: Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Julgado em: 9 jun. 2015. DJe 26 jun. 2015.
135 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 641.222/RS. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx. Julgado em: 5 ago. 2004. DJ 23 ago. 2004, p. 236.
136 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 445.156/AL. 4ª Turma. Relator: Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx. Julgado em: 15out. 2002. DJ 2 dez. 2002.
137 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 334.394/RS. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito. Julgado em: 16 maio 2002. DJ 5 ago. 2002.
contrato de arrendamento extinguir-e-á, em caso de alienação do imóvel, no término da colheita da lavoura que se encontrar plan- tada no momento da venda.
ix) A possibilidade de retomada do imóvel pelo proprie- tário quando não mais existir interesse em manter renovar o con- trato de arrendamento, independentemente de qualquer justifica- tiva.
x) A possibilidade de as partes pactuarem o preço das benfeitorias acima do fixado na legislação.
As possibilidades acima, ao menos em uma análise teó- rico-hipotética, podem ser visualizadas como desdobramento dos mesmos fundamentos jurídicos adotados no acórdão estu- dado como precedente, enquanto as partes contratantes não te- riam razão para invocar as proteções de um microssistema jurí- dico com o intuito de restringir o princípio da autonomia pri- vada. Nestes casos, passaria a haver uma interpretação do con- trato de arrendamento rural semelhante a comumente conferida aos contratos empresariais, inclusive com prevalência das nor- mas de interpretação dos artigos 112 e 113 do Código Civil, como mencionado pelo STJ:138
No caso dos autos, embora não se trate propriamente de um contrato empresarial, tem-se uma grande empresa pretendendo se valer de um microssistema protetivo para furtar-se à força obrigatória do contrato ao qual se obrigou (lembre-se que a em- presa se comprometeu a desocupar o imóvel no caso de aliena- ção).
É perfeitamente cabível, portanto, a aplicação do princípio da autonomia privada ao caso na perspectiva do seu consectário lógico que a força obrigatória dos contratos ("pacta sunt ser- vanda").
O método de interpretação adotado pelo STJ tem no texto legal o seu ponto de partida, momento em que já é possível se identificar a extensão do alcance da norma protetiva do
138 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.447.082/TO. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx. Julgado em: 10 maio 2016. DJe 13 maio 2016, p. 25.
arrendatário se fosse considerada unicamente a interpretação li- teral e isolada do disposto no artigo 92, § 3º do Estatuto da Terra. Avança com a interpretação sistemática do direito de pre- ferência do arrendatário, a qual exige do intérprete a análise cir- cular do sentido jurídico derivado das conexões normativas – in- clusive as conexões entre as regras, os princípios que orientam o microssistema jurídico do Estatuto da Terra e os princípios ge- rais do direito contratual – e a interpretação da realidade socioe- conômica da agricultura na atualidade, até que se torne possível retornar ao texto legal, expressando toda a sua amplitude norma-
tiva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todos vivem sob o Direito e são por ele constantemente afetados e dirigidos.139
As normas jurídicas – expressas ou não – pertencentes ao sistema jurídico, não obstante se encontrarem em níveis hierár- quicos distintos, co-existem, de modo que os seus conteúdos se interpenetram, influenciam-se e devem se fazer presente, em di- ferentes graus de intensidade, em qualquer decisão judicial que seja válida, legal e constitucional. A eficácia das normas jurídi- cas – regras e princípios – implica a conexão entre elas (conexão material e forma).
Os fundamentos da decisão do STJ ao julgar o REsp nº 1.447.082/TO são construídos sobre a relação entre os princípios que fundamental o microssistema do Estatuto da Terra, e diri- gem-se para afastar o direito de preferência do arrendatário que se enquadre como empresa de grande porte para adquirir o imó- vel rural arrendado.
A interpretação sistemática, integrada à ponderação de princípios, passa a exigir que o intérprete considere o microssis- tema jurídico como unidade, atentando-se para as conexões
139 ENGISCH, 2008, p. 12.
normativas internas, e como parte de uma unidade maior – sis- tema jurídico geral –, em que as conexões se dão com os princí- pios gerais do direito.
As regras de caráter protetivo no microssistema do Esta- tuto da Terra, inclusive o direito de preferência previsto no ar- tigo 92, §§ 3º e 4º da Lei nº 4.504/64, decorre, sobretudo, da densificação normativa do princípio da justiça social com o in- tuito de reduzir a vulnerabilidade do homem do campo nas rela- ções contratuais celebradas com os proprietários.
Destarte, inexistindo justificativa razoável para a inter- venção estatal nas relações contratuais em que ausente a vulne- rabilidade do arrendatário, deve-se reconhecer que a interpreta- ção do conteúdo do contrato submete-se essencialmente ao prin- cípio da autonomia privada.
O aprimoramento da interpretação quanto ao alcance das regras protetivas do Estatuto da Terra permite concluir o direito contratual agrário avançará muito nas relações contratuais em que o dirigismo estatal conceder espaço para a prevalência do princípio da autonomia privada.
O nível de profissionalização que caracteriza o agrone- gócio brasileiro como potência mundial também é reconhecido e fortalecido quando o sistema jurídico disponibiliza aos arren- dadores e arrendatários diversas maneiras de compor os seus in- teresses em um espaço de liberdade contratual, com limites de- finidos pelo sentido normativo vigente no contexto histórico que o Brasil vive no Século XXI, sobretudo no agronegócio e na agricultura familiar.
O raciocínio jurídico constante no precedente do STJ permite que o intérprete, como demonstrado na segunda parte deste trabalho, avance na atualização do conteúdo normativo do Estatuto da Terra. O que, de um lado, reforçará o caráter prote- tivo em favor do homem do campo, e, de outro, reforçará a inci- dência do princípio central do direito privado – princípio da au- tonomia privada – nos contratos agrários celebrados sem
vulnerabilidade das partes, aproximando-os, no que tange à in- terpretação, aos contratos empresariais.
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RELAÇÃO DE JULGADOS
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3ª Turma. Relator: Ministro Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx. Julgado em: 24 maio 2016. DJe 1 jun. 2016.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.447.082/TO. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx. Julgado em: 10 maio 2016. DJe 13 maio 2016.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.455.709/SP. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx. Julgado em: 5 maio 2016. DJe 13 maio 2016.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 10.058/RS. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxx Xxxxxxxx. Julgado em: 13 ago. 1991. DJ 2 set. 1991.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.148.153/MT. Terceira Turma. Relator: Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxx- verino. Julgado em: 20 mar. 2012. DJe 12 abr. 2012.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.175.438/PR. 4ª Turma. Relator: Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Jul- gado em: 25 mar. 2014. DJe 5 maio 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.182.967/RS. 4ª Turma. Relator: Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Jul- gado em: 9 jun. 2015. DJe 26 jun. 2015.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 120.157/RS. 3ª Turma. Relator: Ministro Xxxxxxxx Xxxxxxx. Julgado em: 19 nov. 1998. DJ 5 abr. 1999.
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 127.561/SP. 4ª Turma. Relator: Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. Julgado em: 3 jun. 2003. DJ 1 set. 2003.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 128.542/SP. 4ª Turma. Relator: Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx. Jul- gado em: 14 out. 1997. DJ 9 dez. 1997.
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