AVALIAÇÃO E PROPOSIÇÃO DE ALTERNATIVAS PARA ESTRUTURA REGULATÓRIA DO SETOR DE SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL
AVALIAÇÃO E PROPOSIÇÃO DE ALTERNATIVAS PARA ESTRUTURA REGULATÓRIA DO SETOR DE SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL
PREPARADO PARA: PROGRAMA DAS NAÇÕES UNI- DAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD)
Contrato BRA10-707/38412/2020 Projeto BRA/19/015
PRODUTO V -
PROPOSTA DE MECANISMOS CONTRATUAIS
06 DE DEZEMBRO DE 2021
Ficha Técnica
Coordenador: Xxxxxx Xxxxxxxx Assistente de Coordenação: Xxxxx Xxxxx Pesquisador: Xxxxx Xxxxxx
Equipe Técnica (em ordem alfabética)
Xxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx
Xxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxxxxxx
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Capodeferro Xxxxx Xxxxxxxx
Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
Resumo
O Produto V tem como objetivo a proposição de mecanismos contratuais e de mecanismos de regulação. A Parte I deste documento apresenta as propostas de minutas padrão de edital e contrato de concessão, incluindo matriz de riscos, para a prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, tomando-se por base o diagnóstico retratado nos Produtos II e III.
A Parte II contempla propostas de mecanismos de regulação para os contratos vigentes, que de- verão ser aprimorados com a futura edição de normas de referência, incluindo propostas de minutas de normas de referência para adaptação dos contratas de programa, revisão tarifária, estrutura tarifária e reajuste tarifário, tomando-se por base o diagnóstico retratado no Produto II e a proposta de mecanismos de regulação apresentada no Produto IV. Nesta parte é também apresentada uma proposta de Plano de Transição Regulatória.
Dessa forma, estão contemplados no Produto V:
• Discussão sobre aspectos teóricos e conceituais relativos à alocação de riscos e metodo- logia de reequilíbrio econômico-financeiro e identificação de riscos associados à presta- ção dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
• Apresentação de propostas de minutas de edital e de contrato de concessão, com texto explicativo dos mecanismos e alternativas apresentados, incluindo os principais funda- mentos e justificativas das propostas, conforme conteúdo apresentado neste documento, bem como no Produto III.
• Proposta de minuta de norma de referência para adaptação dos contratos de programa.
• Proposta de minutas de normas de referência sobre os temas revisão tarifária, estrutura tarifária e reajuste tarifário, conforme conteúdo apresentado neste documento, bem como no Produto IV.
• Elaboração de plano estratégico de adequação regulatória, com cronograma para im- plementação das normas de referência.
Sumário
2.1 Aspectos Teóricos e Conceituais 7
2.2 Identificação e alocação de riscos em concessões de saneamento 10
3 Reequilíbrio econômico-financeiro 28
3.1 Aspectos conceituais sobre o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos 29
3.1.2 Alocação de riscos e reequilíbrio contratual 30
3.1.3 O processo de reequilíbrio econômico-financeiro 31
3.1.4 Tipos de eventos de desequilíbrio contratual 33
3.1.5 Metodologias usuais para reequilíbrio de contratos 34
3.2 Levantamento sobre as metodologias atualmente adotadas em contratos de concessão
3.3 Justificativa e aspectos relevantes sobre a metodologia para reequilíbrio que deverá ser incorporada na Minuta de Contrato. 43
3.3.2 Aspectos relevantes para a metodologia proposta 46
3.3.3 Outros aspectos que podem ser considerados no cálculo dos reequilíbrios contratuais 48
4 Propostas de Minutas de Edital e Contrato 50
5.1 Explicação sobre os Pesos Adotados para a Proposta de Fórmula Paramétrica para o Reajuste Inflacionário 51
6 Plano Estratégico de Transição Regulatória 55
6.1 A agenda regulatória da XXX para Saneamento 55
6.2 Plano Estratégico de Transição Regulatória 57
6.2.1 Adaptação dos Contratos de Programa 57
6.2.2 Reajuste Tarifário Inflacionário, Revisão Tarifária Periódica e Estrutura Tarifária
................................................................................................................................................ 60
6.3 Prazos máximos para a transição regulatória 64
Anexo 1 – Texto Explicativo da Minuta de Edital e de Contrato 70
Anexo 2 - Minuta de Edital 135
Anexo 3 - Minuta de Contrato 188
Anexo 4 - Minuta de Exposição de Motivos sobre Proposta de Norma de Referência Adaptação dos Contratos de Programa 279
Anexo 5 - Minuta de Proposta de Norma de Referência para Adaptação dos Contratos de Programa 283
Anexo 6 - Minuta de Proposta de Norma de Referência sobre Revisão Tarifária Periódica 289
Anexo 7 - Minuta de Proposta de Norma de Referência sobre Reajuste Tarifário Inflacionário 294
Anexo 8 - Minuta de Proposta de Norma de Referência sobre Estrutura Tarifária 297
Este documento apresenta a versão consolidada do Produto V - Proposta de Mecanismos Con- tratuais referente ao Projeto “Avaliação e proposição de alternativas para estrutura regulatória do setor de saneamento básico no Brasil”. O objetivo do Produto V é contribuir para o aprimo- ramento da regulação existente no âmbito da atualização do marco regulatório do setor (Lei n° 11.445, de 2007, atualizada pela Lei n° 14.026, de 2020), a partir da proposição de mecanismos contratuais e de mecanismos de regulação.
A Parte I do documento inicia com uma discussão sobre aspectos teóricos e conceituais referentes à alocação de riscos e reequilíbrio econômico-financeiro, como forma de subsidiar a proposição de mecanismos contratuais. Na sequência, apresentam-se as propostas de minutas padrão de edital licitatório e de contrato de concessão para a prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, tomando-se por base o diagnóstico retratado nos Produtos II e III.
Já a Parte II consolida as propostas de mecanismos de regulação para os contratos vigentes, que deverão ser aprimorados com a futura edição de normas de referência, incluindo propostas de minutas de normas de referência para adaptação dos contratas de programa, revisão tarifária periódica, estrutura tarifária e reajuste tarifário inflacionário, tomando-se por base o diagnóstico retratado no Produto II e a proposta de mecanismos de regulação apresentada no Produto IV. Ao final, apresenta-se uma proposta de Plano de Transição Regulatória.
Parte I: Propostas de Mecanismos Contratuais
Alocação de Riscos
1.1 Aspectos Teóricos e Conceituais
Contratos de concessão envolvem a delegação da prestação de um serviço público para um agente privado e as receitas desse prestador são baseadas essencialmente em tarifas, ainda que possam estar previstas, em edital, fontes alternativas de receitas. Tipicamente, tais contratos são de longo prazo e costumam ser firmados em contextos onde custos de agência, custos de transação e incom- pletude contratual se fazem presentes (Xxxxx e Martimort, 2012). Em especial, a incompletude con- tratual é afetada pelo alto grau de incerteza existente quanto à impossibilidade de se prever ex- ante todas as futuras contingências e as respectivas ações que deveriam ser tomadas. Nesse sentido, define-se risco como a variabilidade associada aos fluxos de caixa futuros em decorrência de eventos imprevistos (Cruz e Sarmento, 2020), tendo, por esse motivo, impacto direto no valor do projeto/contratação. A estimativa dos diversos tipos de riscos envolve a quantificação de alguma métrica de desvio com relação ao retorno esperado de um investimento. Em geral, tenta-se quanti- ficar a probabilidade associada a um determinado evento e seu impacto (severidade) em caso de ocorrência. Assim, é possível a estimação da chamada perda esperada, que consiste na multiplica- ção entre a probabilidade de ocorrência do evento e o custo associado a sua materialização (Cruz e Sarmento, 2020).
De acordo com Xxxx e Sarmento (2020), o processo de gestão dos riscos em uma contratação entre os setores públicos e privados é constituído de cinco etapas: (1) identificação dos riscos; (2) avalia- ção dos riscos; (3) alocação dos riscos (autoridade contratante, setor privado ou compartilhamento);
(4) definição de uma matriz de riscos; e (5) gestão dos riscos durante a vigência do contrato. A alocação dos riscos (etapa 2) é formalizada por meio de uma matriz de riscos (etapa 3), a qual deverá descrever a natureza de cada risco, a probabilidade de materialização do risco e o res- pectivo impacto financeiro caso o evento ocorra, a alocação do risco e alternativas para mitigá-lo (Cruz e Sarmento, 2020).
Segundo Xxxxx et al. (2007), as melhores práticas da alocação eficiente dos riscos baseiam-se em dois princípios: (i) o risco deve ser alocado à parte responsável ou com maior controle sobre o mesmo, caso as partes tenham um grau semelhante de aversão ao risco; e (ii) o risco deve ser alocado à parte que tem melhor condição de suportá-lo (menos avessa ao risco), caso as partes tenham um controle semelhante do risco.
A capacidade que cada parte tem de gerenciar riscos inclui: (i) a percepção e o grau de entendi- mento que se tem com relação às consequências dos riscos do projeto; (ii) a capacidade de prever
e controlar a probabilidade de ocorrência do evento não desejado; e (iii) a capacidade de supor- tar as consequências em caso de manifestação do risco (Ameyaw e Chan, 2015).
Nesse sentido, a literatura recomenda ao menos oito características a serem observadas no ente sobre o qual se deseja alocar o risco (ver Loosemore et al., 2006 e Xxxxxx e Chan, 2016):
• Consciência: a parte deve estar inteiramente ciente dos riscos que está assumindo;
• Oportunidades de mitigação e diversificação: a parte deve demonstrar ter capacidade de gerenciar o risco de forma eficiente, reduzindo as oportunidades de materialização de eventos indesejados;
• Capacidade técnica e recursos: a parte deve demonstrar ter capacidade e recursos para avaliar os riscos assumidos;
• Tolerância ao risco: a parte deve demonstrar determinado nível de apetite ao risco;
• Capacidade de prever a ocorrência do evento;
• Capacidade de minimizar as perdas no caso de concretização do risco; e
• Capacidade de sustentar as consequências.
A partir dessas características, Cruz e Sarmento (2020) concluem que o setor privado está em melhor condição de lidar com os riscos porque tem incentivos para fazê-lo. Os autores apontam duas razões fundamentais para isso: a primeira é que, na projeção dos riscos, o setor privado não pode ter um viés otimista. Esse comportamento denota a postura por demasiado otimista em relação ao risco, o que leva a subestimação dos eventos negativos. Diz-se que o setor privado não pode arriscar ter esse tipo de comportamento, em função do risco de falência a que estão sujeitos. Por outro lado, o setor público, por vezes marcado por má gestão e informação inadequada, acaba por adotar um viés otimista, uma vez que eventuais perdas decorrentes de tal comportamento re- caem sobre os contribuintes. A segunda razão é o fato de o setor privado possuir maior flexibili- dade de gestão comparativamente à morosidade e complexidade dos processos em um ambiente público.
De fato, os contratos de concessão caracterizam-se por uma grande transferência de riscos e res- ponsabilidades para a concessionária (Iossa e Martimort, 2012). A assunção de riscos pelo conces- sionário (setor privado) possui valor econômico; é o chamado prêmio de risco da concessão (Cruz e Sarmento, 2020). Assim, quanto maior o risco assumido, maior será a taxa de desconto exigida pelo concessionário, que será utilizada para descontar o fluxo de caixa.
Segundo Guasch (2004), quanto maior o risco suportado pelo concessionário, maior será a proba- bilidade de renegociação contratual. Por esse motivo, a autoridade contratante deve considerar responder pelos riscos sobre os quais tem controle e por aqueles que também fogem do seu controle. Esse é o caso dos riscos de (mais) difícil precificação e avaliação, de modo a evitar o pagamento de prêmios de risco por demasiado elevado para o parceiro privado (World Bank, 2019). Como a atribuição de riscos ao setor privado implica aumento do preço do projeto, é essencial que se
garanta que o benefício público advindo desta alocação seja suficiente para justificar a elevação no preço que dela decorre (Quiggin, 2004). Cabe ao contratante buscar o equilíbrio ótimo entre viabilidade e transferência de risco (World Bank, 2019). Nessa mesma linha, Xxxxxxx e Xxxxxxx (1992) afirmam que contratos eficientes são aqueles que equilibrariam os custos de se assumir os riscos e os ganhos de incentivos resultantes.
Uma estrutura de incentivos apropriada, o que inclui a adequada alocação de riscos, é um dos fatores que garantem o value for money, chave do sucesso das contratações com o setor privado (Grimsey e Xxxxx, 2004; Xxxxxx e Neves, 2005); contratações essas que decorrem de arranjos impulsionados pela limitação dos recursos públicos para a realização dos investimentos demanda- dos e necessidade de melhora na qualidade da prestação dos serviços públicos (Iossa e Martimort, 2015; European Union Commission, 2003). Xxxxxxxxx e Xxxxx (1998) argumentam que existe um consenso na literatura com relação à economia de recursos proporcionada por uma melhor alocação de riscos. Ademais, a alocação inadequada de riscos pode resultar em processos licitatórios deser- tos (vazios) ou marcados por licitantes inexperientes ou especulativos (World Bank, 2019), reduzir a atratividade do projeto por meio do aumento dos custos econômicos, ocasionar renegociações e, em última instância, comprometer a participação do setor privado na concessão (Marques e Berg, 2011). Por essa combinação de fatores, Xxxxxxx e Xxxx (2010) concluem que a alocação inade- quada de riscos é a causa primária para as falhas nas contratações com o setor privado; isto é especialmente relevante em países em desenvolvimento (Ameyaw e Chan, 2016).
A alocação de riscos é afetada por inúmeros fatores, entre eles a maturidade dos mercados, a experiência dos participantes da licitação e o nível de competição entre eles. A alocação de riscos costuma variar também a depender do nível de desenvolvimento do país, de modo que riscos tipi- camente compartilhados entre setores público e privado em economias mais desenvolvidas, tendem a ser absorvidos pelo setor público em economias emergentes, uma vez que o investidor é mais avesso ao risco nessas localidades.
A autoridade contratante gradualmente transfere maior risco ao setor privado, à medida que o mercado se estabiliza e se torna mais competitivo (World Bank, 2019). Xxxxxx e Xxxx (2015) apontam dificuldades adicionais em alocações de risco no âmbito das concessões de saneamento em função de especificidades setoriais. O entendimento é de que os ativos têm funcionalidades específicas e são, em sua maioria, subterrâneos, de modo a exigir investigações dispendiosas para um melhor diagnóstico desses ativos quanto ao seu estado físico e necessidades de investimentos. Portanto, estas características somadas a um ambiente marcado por assimetria de informação e fragilidade regulatória, criam altos riscos contratuais.
Entende-se, portanto, que a alocação de riscos é um processo complexo que consiste em um acordo contratual oriundo de negociação entre as partes (Xxxxx, 2005). Cada parte possui uma percepção própria do risco (Sarmento e Renneboog, 2014), estando a alocação sujeita ao poder assimétrico de barganha entre as partes, o que por vezes a prejudica (Medda, 2007). Pode-se dizer também
que esse processo é não estável, motivo pelo qual a alocação de risco costuma ser periodicamente revista em função de riscos que desaparecem com o tempo e/ou que se tornam relevantes no de- correr da concessão (Cruz e Sarmento, 2020).
É sabido que contratos em infraestrutura são incompletos: não podem especificar toda a gama de eventos que pode ocorrer durante a sua vigência, principalmente em função do seu extenso prazo e do alto grau de especificidade dos investimentos envolvidos. Contratos completos, que preveem o que deve ser feito em cada possível contingência, são muito custosos e difíceis de serem imple- mentados e cumpridos (Milgrom e Xxxxxxx, 1992).
1.2 Identificação e alocação de riscos em concessões de saneamento
Cruz e Xxxxxxxx (2020) afirmam que existem distintas classificações dos riscos, mas que essencial- mente eles dividem-se entre exógenos e endógenos, sendo a alocação desses últimos determinante para a eficiência de uma concessão. A Tabela 1 apresenta uma proposta de estruturação apre- sentada pelos autores para os riscos que estão presentes em uma concessão. Eles diferem conforme a fase do projeto, indicando para quais riscos haveria um consenso maior na literatura quanto à sua alocação e para quais haveria algum tipo de controvérsia:
Tabela 1 – Tipos de riscos em uma concessão
Fase do Projeto | Tipo de Risco | Consenso sobre a alocação do risco? | Alocação do Risco |
Concepção | Risco de Planejamento | Não | Poder Concedente, Concessioná- rio ou Compartilhado |
Risco de Projeto | Não | Concessionário ou Comparti- lhado | |
Risco de Desapropriação | Não | Poder Concedente, Concessioná- rio ou Compartilhado | |
Construção/ Operação | Risco de Construção | Sim | Concessionário |
Risco Ambiental | Não | Poder Concedente, Concessioná- rio ou Compartilhado | |
Risco Político | Sim | Poder Concedente | |
Operação | Risco de Manutenção | Sim | Concessionário |
Risco de Operação | Sim | Concessionário | |
Risco de Demanda | Não | Concessionário ou Comparti- lhado | |
Risco de Fornecimento | Sim | Concessionário | |
Risco de Financiamento | Sim | Concessionário | |
Risco de Inflação/Cambial | Não | Concessionário ou Comparti- lhado | |
Risco Legal e Regulatório | Não | Setor Público | |
Risco de Força Maior | Sim | Poder Concedente (se não co- berto por seguro) |
Fonte: Adaptado de Cruz e Sarmento (2020).
A proposta de alocação de riscos apresentada na Tabela 1 deve ser considerada de forma cau- telosa, uma vez que os riscos estão categorizados de maneira abrangente e cada projeto possui especificidades que impactam a avaliação e a alocação dos riscos. Dentre as particularidades que podem impactar o processo de alocação dos riscos está o nível de desenvolvimento do país onde a concessão será implementada. Segundo o Global Infrastructure Hub (2020), organização pelo G20, arranjos alternativos de alocação de risco devem ser propostos conforme as condições de mercado específicas do país. Nesse sentido, o Global Infrastructure Hub (2016) indica alguns riscos que teriam tratamento diferenciado, conforme o nível de desenvolvimento do país (Tabela 2).
Tabela 2 – Riscos com tratamento diferenciado segundo nível de desenvolvimento do país
Tipo de Risco | Alocação do Risco | Considerações | |
Países Desenvol- vidos | Países Emer- gentes | ||
Risco Ambiental e Social | Concessionário | Compartilhado | Poder concedente deverá assumir responsabilidade sobre as condi- ções ambientais existentes que não puderem ser adequada- mente precificadas (como, por exemplo, consumo de água con- taminada). |
Risco Cambial e de Taxa de Juros | Concessionário | Compartilhado | Em países emergentes, o risco de uma alta flutuação da taxa de câmbio é maior, o que pode im- pactar a bancabilidade do pro- jeto. Nesse caso, algum meca- nismo de compartilhamento do risco é recomendável para lidar com uma inesperada e alta flutu- ação na taxa de câmbio. |
Risco Legal e Regulatório | Compartilhado | Setor Público | Em países desenvolvidos, pode ser previsto um compartilhamento desse risco para os casos em que mudanças na legislação possam resultar em um efeito despropor- cional no setor de saneamento. |
Fonte: Global Infrastructure Hub1 (2016).
Como alternativa para subsidiar a definição quanto à alocação de riscos, em especial daqueles riscos que são objeto de maior controvérsia, estudos recentes propõem técnicas, como a aplicação de questionários ou a realização de entrevistas com profissionais experientes do setor (ver Xxxx e Patil, 2020; West et. Al., 2017; Xxxxxx e Xxxx, 2016; Xxxxxx e Xxxx, 2015; Xxxxxx e Xxxx, 2011; Xxxxxxxx, 2011).
1 Disponível em: xxxx://xxx.x00.xxxxxxxx.xx/0000/xxxxxxxxxx-xxxxx-xx-xxxx.xxx
Em linha com esta literatura, elaborou-se uma proposta de pesquisa de opinião (survey) com o objetivo de caracterizar a percepção de investidores e agentes do setor financeiro com relação à identificação e alocação dos riscos presentes em uma concessão para prestação de serviço de saneamento básico. Em linhas gerais, o questionário está estruturado em quatro seções. A primeira seção apresenta as definições dos riscos considerados no questionário, enquanto que a segunda seção busca caracterizar o perfil do respondente (sem identificá-lo). A terceira seção avalia a percepção quanto à relevância, a probabilidade de ocorrência e a severidade de cada risco. Por fim, na última seção, são selecionados alguns tipos de riscos, para os quais se questiona em quais circunstâncias e em qual proporção o compartilhamento entre setor privado e poder concedente seria adequado. O Box 1, a seguir, apresenta a proposta de questionário.
Box 1: Questionário sobre identificação e aloca- ção dos principais riscos em uma concessão para prestação de serviço de saneamento
Esta survey tem como objetivo caracterizar a percepção de investidores e agentes do setor financeiro com relação à identificação e alocação dos riscos presentes em uma concessão para prestação de serviço de saneamento.
⮚ Parte I: Glossário de conceitos (Fonte: GI Hub)
• Riscos sociais: risco associado ao impacto do projeto nas adjacências (proprieda- des e terceiros), aos reassentamentos que porventura se façam necessários e às ações trabalhistas e grevistas.
• Riscos ambientais: risco associado à existência de passivo ambiental (condições locais pré-existentes), à obtenção de licenças ambientais, às determinações impostas pela legislação ambiental, danos ambientais causados pelo projeto, à ocorrência de eventos ambientais extremos e às mudanças climáticas.
• Riscos operacionais: risco de que eventos venham a afetar a performance da ope- ração ou que os custos operativos excedam os custos projetados, bem como aquele associado a não disponibilidade de recursos, ao não atendimento de metas de per- formance e observância aos normativos técnicos e regras de segurança.
• Riscos de demanda: risco de que a demanda projetada não se concretize.
• Riscos financeiros: risco relacionado à inflação, à flutuação da taxa de câmbio e da taxa de juros, à indisponibilidade de seguro e financiamento.
• Risco de força maior: risco de ocorrência de eventos inesperados que provoquem atrasos ou prejudiquem o desempenho do projeto.
• Riscos governamentais: risco de ações do poder público afetarem adversamente o projeto.
• Riscos de mudanças na legislação: risco associado ao cumprimento da lei aplicável e de mudanças na lei que afetem o desempenho do projeto ou seus custos.
• Risco de extinção contratual antecipada: risco de um projeto ser encerrado antes do seu término contratual por iniciativa do poder concedente.
Box 1: Questionário sobre identificação e aloca- ção dos principais riscos em uma concessão para prestação de serviço de saneamento
⮚ Parte II: Perfil do respondente
1. Como você caracteriza a instituição a qual está vinculado (exemplo: banco múltiplo, banco de investimento, fundo de investimento, empresa privada do setor de infraestrutura etc.)?
2. Você tem experiência com concessões plenas/PPPs?
o Sim
o Não
3. Você tem experiência com concessões plenas/PPPs no setor de saneamento básico?
o Sim
o Não
4. Há quantos anos você trabalha com concessões plenas/PPPs?
⮚ Parte III: Relevância dos riscos
5. Quão relevante você julga ser cada risco elencado abaixo, em uma conces- são/PPP de saneamento? Considere uma escala em que: 1- pouco relevante e 5 – muito relevante.
Riscos | 5 | 4 | 3 | 2 | 1 |
Sociais | |||||
Ambientais | |||||
Operacionais | |||||
Demanda | |||||
Financeiros | |||||
Força maior | |||||
Governamentais | |||||
Mudança na le- gislação | |||||
Extinção contra- tual antecipada |
Box 1: Questionário sobre identificação e aloca- ção dos principais riscos em uma concessão para prestação de serviço de saneamento
6. Julgue a probabilidade de ocorrência e a severidade de cada risco elencado abaixo, para uma concessão de saneamento, considerando o contexto brasi- leiro. Complete com números de 1 a 5, considerando a seguinte gradação: 1- muito baixa e 5 – muito alta.
Riscos | Probabilidade | Severidade |
Sociais | ||
Ambientais | ||
Operacionais | ||
Demanda | ||
Financeiros | ||
Força maior | ||
Governamentais | ||
Mudança na legislação | ||
Extinção contratual ante- cipada |
⮚ Parte IV: Perguntas sobre riscos selecionados Sobre os riscos ambientais
7. Os riscos ambientais em geral são alocados ao setor privado. Você julgaria adequado o compartilhamento dos riscos ambientais entre os setores público e privado?
o Sim
o Não
8. Se sim, os riscos ambientais deveriam ser compartilhados entre os setores pú- blico e privado em quais circunstâncias? (é possível selecionar mais de uma opção)
o Verificação de passivo ambiental no local (condição pré-existente)
o Atraso ou não obtenção de licenças ambientais
o Alterações na legislação ambiental ou limitações impostas pela le- gislação ambiental
o Danos ambientais provocados pelo projeto
o Ocorrência de eventos ambientais extremos
o Eventos decorrentes de mudanças climáticas
Box 1: Questionário sobre identificação e aloca- ção dos principais riscos em uma concessão para prestação de serviço de saneamento
⮚ Parte IV: Perguntas sobre riscos selecionados Sobre os riscos ambientais
9. Baseado na resposta anterior, se houver o compartilhamento dos riscos ambi- entais entre setores público e privado, quanto do risco deveria ser alocado ao concessionário? (Para os riscos selecionados na pergunta anterior, inserir régua com gradações.)
o Verificação de passivo ambiental no local (condição local pré-exis- tente)
o Atraso ou não obtenção de licenças ambientais
o Alterações na legislação ambiental ou limitações impostas pela le- gislação ambiental
o Danos ambientais provocados pelo projeto
o Ocorrência de eventos ambientais extremos
o Eventos decorrentes de mudanças climáticas
Sobre os riscos operacionais
10. Os riscos operacionais em geral são alocados ao setor privado. Você julga- ria adequado o compartilhamento dos riscos operacionais entre os setores pú- blico e privado?
o Sim
o Não
11. Se sim, os riscos operacionais deveriam ser compartilhados entre os setores público e privado em quais circunstâncias? (é possível selecionar mais de uma opção)
o Ocorrência de evento com efeito na performance e/ou custos ope- racionais (considere que o evento não caracteriza força maior)
o Indisponibilidade de recursos necessários à operação
o Não atendimento de metas de performance
o Limitações impostas por requisitos técnicos ou regras de segurança
Box 1: Questionário sobre identificação e aloca- ção dos principais riscos em uma concessão para prestação de serviço de saneamento
⮚ Parte IV: Perguntas sobre riscos selecionados
Sobre os riscos operacionais
12. Baseado na resposta anterior, se houver o compartilhamento dos riscos ope- racionais entre setores público e privado, quanto do risco deveria ser alocado ao concessionário? (Para os riscos selecionados na pergunta anterior, inserir ré- gua com gradações.)
o Ocorrência de evento com efeito na performance e/ou custos ope- racionais (considere que o evento não caracteriza força maior)
o Indisponibilidade de recursos necessários à operação
o Não atendimento de metas de performance
o Limitações impostas por requisitos técnicos ou regras de segurança
Sobre o risco de demanda:
13. Você concorda que o risco de demanda deva ser compartilhado entre os setores público e o privado?
o Sim
o Não
14. Se sim, a partir de qual variação percentual da demanda projetada, você acha que esse risco deva ser compartilhado?
15. Uma vez que o risco de demanda seja compartilhado, qual percentual do risco seria adequadamente alocado ao setor privado?
Box 1: Questionário sobre identificação e aloca- ção dos principais riscos em uma concessão para prestação de serviço de saneamento
⮚ Parte IV: Perguntas sobre riscos selecionados
Sobre os riscos financeiros:
16. A alocação dos riscos financeiros costuma variar em função da maturidade do mercado. Você julgaria adequado o compartilhamento dos riscos financei- ros entre os setores público e privado?
o Sim
o Não
17. Se sim, os riscos financeiros deveriam ser compartilhados entre os setores público e privado em quais circunstâncias? (é possível selecionar mais de uma opção)
o Variação da inflação
o Flutuação da taxa de câmbio
o Flutuação da taxa de juros
o Indisponibilidade de seguro
o Indisponibilidade de financiamento
18. Baseado na resposta anterior, se houver o compartilhamento dos riscos fi- nanceiros entre setores público e privado, quanto do risco deveria ser alocado ao concessionário? (Para os riscos selecionados na pergunta anterior, inserir ré- gua com gradações.)
o Variação da inflação
o Flutuação da taxa de câmbio
o Flutuação da taxa de juros
o Indisponibilidade de seguro
o Indisponibilidade de financiamento
Além desta proposta de questionário, apresenta-se, na sequência, uma discussão aprofundada so- bre alguns riscos selecionados, como forma de subsidiar a decisão de alocação de tal risco.
1.2.1 Risco de Demanda
Do ponto de vista do investidor, o risco de demanda denota o risco de que a demanda observada seja menor do que a esperada para o projeto (ao preço projetado), resultando em arrecadação (receita) inferior à esperada. Em projetos de saneamento, esta variação pode ocorrer em virtude de: (i) o crescimento populacional não acompanhar ou ultrapassar o projetado; (ii) redução do consumo per capita de água (em função da maior conscientização ambiental e a consequente alte- ração do padrão do consumo de água); ou (iii) inadimplência dos usuários.
Xxxxxxx e Berg (2011) pontuam que, ao mesmo tempo em que em princípio o setor público teria melhores condições para realizar previsões de consumo (demanda), o equilíbrio econômico-finan- ceiro de uma concessão pode restar comprometido em consequência de comportamentos otimistas e oportunistas. Um exemplo desse tipo de comportamento ocorre quando em uma competição que seleciona como vencedor um agente que oferta a menor tarifa, submete proposta excessivamente agressiva ou baixa, capaz de comprometer as condições para uma prestação adequada dos ser- viços. Esse problema pode ser mitigado quando na modelagem do processo de concessão as pre- visões ficam a cargo do setor privado e fazem parte da estratégia de elaboração da proposta, vindo a constituir um risco do negócio.
Considera-se o risco de demanda um risco do negócio na medida em que o concessionário, durante o processo licitatório, precifica sua proposta comercial com base nas projeções de crescimento po- pulacional e de estimativas de consumo per capita de água. Espera-se que esse risco seja precifi- cado nesta ocasião, ainda que o crescimento populacional e o consumo per capita de água fujam no controle do concessionário. Por outro lado, o prestador de serviço tem melhores condições de gerenciar a inadimplência dos usuários, por meio de fiscalização e aplicação de penalidades, por exemplo. Em consequência, atribuir ao prestador de serviços a responsabilidade pelo risco da ina- dimplência gera incentivos adequados para sua gestão. Regulatoriamente, contudo, é boa prática atribuir ao concessionário a responsabilidade por um volume de inadimplência que excede um nível ou patamar mínimo que poderia ser reconhecido para efeitos de repasse às tarifas. Em última instância, referida prática se traduz em algum nível de compartilhamento entre partes pública e privada – que foi inclusive adotada nas modelagens recentes de concessões em saneamento mo- deladas pelo BNDES.
Segundo o Global Infrastructure Hub (2020), o risco de demanda deve ser integralmente alocado ao privado. No entanto, há referências que indicam o compartilhamento entre público e privado a depender do grau de variação, em função do impacto que isto pode acarretar à sustentabilidade econômico-financeira da prestação do serviço e ao risco que pode incorrer à continuidade da pres- tação do serviço. Nos casos em que há cobrança pela disponibilidade, o risco de demanda é par- cialmente mitigado, já que o usuário paga pela disponibilidade do serviço, esteja ele conectado ou não a rede.
O compartilhamento do risco de demanda no sistema de bandas/faixas vem sendo adotado em muitos países, em especial no setor rodoviário (Cruz e Marques, 2013). Esse sistema estabelece níveis de demanda para os quais haverá pagamento ao concessionário (compartilhamento do risco). A ideia se baseia no estabelecimento de um nível de demanda mínimo (ou de variação de demanda mínimo) a partir do qual será a renegociação poderá ocorrer. Deve-se ter cautela ao definir este nível mínimo, a fim de evitar o excesso de renegociações. Ademais, a renegociação deve ser restrita aos resultados determinados por fatores os quais o setor privado não tem controle e não é capaz de prever ou mitigar (por exemplo, determinações unilaterais do poder concedente) (Xxxxxxx e Berg, 2011). Isto é, apenas faz sentido que o risco seja compartilhado entre os setores público e privado quando a alteração na demanda decorre de algum outro fator que não configure risco do negócio, como por exemplo redução de demanda em função de medidas de racionamento no uso da água em situação de severa escassez hídrica.
Em concessões, uma forma de gerenciar o risco de demanda é o pagamento de uma contrapresta- ção mínima ao parceiro privado, independentemente do valor faturado com a prestação dos ser- viços. Em uma análise da modelagem da concessão em regime de PPP em Goiana (Pernambuco), Albuquerque (2014) avalia a possibilidade de condicionar o recebimento dessa contraprestação ao atendimento de índices de qualidade na prestação dos serviços de forma desvinculada da de- manda. Neste caso, o parceiro público assume o risco de queda de demanda até um certo nível (por exemplo 80%), podendo compartilhar com o privado ou alocá-lo totalmente ao privado, acima deste teto de variação da demanda. Segundo Albuquerque (2014), ao se estabelecer um piso abaixo do qual a concessionária será indenizada, esta tem assegurada uma receita mínima. O autor destaca que, considerando-se a estrutura montada para se operacionalizar, esta garantia fornece total segurança sobre esse tipo de indenização.
A análise conduzida por Xxxxxxxxxxx (2014) ilustra a possibilidade de soluções mais inovadoras para a alocação do risco de demanda que representam ganhos para investidores-prestadores de serviços e consumidores, melhor alinhando incentivos. A experiência internacional contempla expe- riências como essas, em que mecanismos de garantias permitem melhor alocar riscos, rendas e gerar benefícios; portanto, devem ser considerados em modelagens futuras.
Para além dessas considerações, a literatura econômica permite estabelecer relação entre a alo- cação do risco de demanda e o financiamento da infraestrutura. Uma crítica recorrente aos meca- nismos que envolvem provisão privada de serviços públicos, como concessões e PPPs, diz respeito ao custo de capital – estes arranjos seriam mais custosos, por unidade monetária, com relação ao financiamento via dívida do governo (Klein, 1997). De acordo com Xxxxxxxx (2007), o custo de capital para uma PPP é geralmente 200-300 pontos-base superior ao custo dos fundos públicos, de modo que, quando governos decidem entre provisão pública e privada, há em tese o enfrenta- mento de um trade-off entre os custos mais baixos dos fundos públicos e a potencial eficiência privada, via concessões ou PPPs.
A despeito da discordância de outros autores acerca da existência deste “prêmio” em PPPs e con- cessões, outras linhas de pesquisa argumentam que a suposta vantagem do financiamento público estaria diretamente associada a capacidade do governo tributar, com os riscos sendo assumidos integralmente pelos pagadores de impostos em caso de provisão totalmente pública. Num arranjo que envolve um parceiro privado, no entanto, há um apreçamento e explicitação dos riscos envol- vidos – dada a alocação efetuada entre as partes, o custo de financiamento mais alto seria apenas uma recompensa justa pela assunção de determinados riscos.
Assim, é justificável a existência deste “prêmio”. Engel et. al. (2010) aponta quatro explicações possíveis para a questão: i) as diferentes oportunidades de diversificação do risco exógeno no âmbito de PPP’s/concessões e da provisão pública; ii) a relação entre risco endógeno e incentivos em PPP’s / concessões e iii) os potenciais custos de transação maiores em arranjos com participação privada. No tocante ao risco de demanda em concessões/ PPP’s de saneamento, a explicação relativa à diversificação do risco exógeno traz interessantes insights, a partir do arcabouço teórico de Xxxxx et. al. (2010)2.
Xxxxx et al. (2014) apresenta análise cuidadosa sobre alocação de riscos em PPPs. Novamente, os autores argumentam que concessões ou PPPs com prazo endogenamente determinado – a exemplo do leilão de menor valor presente da receita (Least Present Value Revenue Auction) poderia mitigar dificuldades como risco de demanda.
Assim, parte do prêmio observado pode ser um reflexo de um contrato mal desenhado e não uma desvantagem inerente às PPPs e concessões. O exemplo a seguir, baseado em Engel et al. (1997a), ilustra melhor este ponto. Suponha um projeto que requer um investimento inicial de I = 100 (a linha horizontal na figura 1). As linhas contínuas superior e inferior mostram receitas descontadas (oriun- das de tarifas cobradas dos usuários) ao longo do tempo nos estados de alta e baixa demanda, que são igualmente prováveis. A linha intermediária é a média e mostra a receita esperada des- contada em função do tempo.
O contrato PVR3 dura até que a empresa receba a receita requerida determinada no momento do leilão, ou seja, reduzindo-se se a demanda for alta ou se estendendo se a demanda for baixa. A empresa não assume riscos adicionais em face de um desvio expressivo da demanda em relação ao previsto e, portanto, não cobra prêmio de risco. Os juros implícitos, portanto, são iguais à taxa de desconto sem risco determinada no leilão e não há prêmio de PPP. Assume-se, adicionalmente, que as empresas não podem diversificar totalmente o risco (por exemplo, para fornecer incentivos
2 Nos apêndices do referido artigo, há a descrição do modelo formal, cujos resultados são apresentados nesta seção.
3 PVR: Present Value of Revenues. O contrato acaba quando o valor presente das receitas (objeto de lance em leilão) for atingido.
aos proprietários ou gerentes) e têm assim, um contrato com tempo de duração ou vigência endó- geno (ao estilo PVR) pode atrair investidores a taxas de juros mais baixas com relação ao contrato de prazo fixo usual.
As realizações de receita a partir das tarifas são as mesmas de um contrato de prazo fixo, mas o prazo é contingente à demanda apenas sob um contrato PVR. Se a demanda for baixa, o detentor de um contrato por prazo determinado pode ficar inadimplente. Em contrapartida, uma concessão PVR é prorrogada até que a receita de pedágio ou tarifa se iguale ao lance (em valor presente), o que exclui a possibilidade de inadimplência. A desvantagem do PVR, sob a ótica dos credores de dívida, é que os mesmos não sabem quando serão reembolsados, mas esse risco tem um custo menor do que o risco de inadimplência, principalmente em setores caracterizados por elevado risco de demanda.
Deste modo, o mecanismo de concessão baseado no LPVR consiste em garantir a concessão para a licitante que oferecer o menor valor presente das receitas, de modo a cobrir os seus custos. A concessão, então, terminará quando o fluxo de receitas, em termos reais e trazido a valor presente por uma determinada taxa de desconto, alcançar determinado nível requerido pela concessionária. Se demanda observada é menor ou maior que a esperada, a duração da concessão será estendida ou reduzida, respectivamente.
Este mecanismo de prazo flexível foi utilizado pela primeira vez em 1990 no Reino Unido, no con- trato de concessão da Second Severn Bridge, onde a concessão expiraria quando um determinado montante de receitas acumuladas, em termos reais, fosse atingido. No final dos anos 90, no contrato de concessão da Lusoponte, em Portugal, também foi aplicado o mesmo mecanismo. Outros países, como a Colômbia, também adotaram este mecanismo de receitas acumuladas e não descontadas. Um dos primeiros países a adotar o LPVR com sucesso foi o Chile, também no final dos anos 90. A Lei Chilena de Concessão de Obras Públicas definiu como alternativa para a licitação de concessões a soma das receitas acumuladas, descontadas ou não, como variável econômica principal na deter- minação de contratos de concessão, tanto para rodovias como para aeroportos. Os termos de contrato de concessão baseados no LPVR permitiam a concessionária optar por uma taxa de des- conto fixa ou variável.
Na figura 1, como ilustração, temos o balanço econômico do modelo LPVR, com o ponto de equilíbrio financeiro da concessão e a partir de que pontos os retornos são maiores ou menores do que os retornos esperados.
Figura 1 - Balanço econômico do modelo LPVR
Fonte: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xx/xxxxx-xxxxxxx-xxxxx-xx-xxxxxxxx/
É possível perceber, mais uma vez, que o equilíbrio econômico-financeiro da concessão é atingido quando o valor das receitas descontadas se iguala ao valor dos custos totais descontados.
Figura 2 – Duração da concessão conforme o tráfego
Fonte: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xx/xxxxx-xxxxxxx-xxxxx-xx-xxxxxxxx/
Já na figura 2 temos ilustrada a duração da concessão de acordo com o tráfego observado, para o caso de um projeto rodoviário. Caso o tráfego observado seja maior que o estimado, a duração
da concessão é menor, as receitas esperadas são obtidas em um prazo menor, logo o retorno é maior do que o esperado. Ao contrário, se o tráfego observado for menor do que o estimado, a duração da concessão é maior, as receitas esperadas são obtidas em um prazo maior, logo o retorno é menor.
A principal mensagem da análise da proposta de Xxxxx e coautores é que o prazo pode ser vari- ável de ajuste para lidar com a alocação do risco de demanda. Uma crítica poderia ser apresen- tada de que o ordenamento jurídico no Brasil não contempla de modo imediato propostas de con- cessões de prazos flexíveis; contudo, vastas são as experiências em vários setores de infraestrutura
– eletricidade, ferrovias, gás natural, rodovias – em que os prazos são ajustados como forma de
lidar com choques não previstos, a exemplo e principalmente da demanda.
1.2.2 Risco de Insumo
Para a prestação do serviço de saneamento básico, a água é o principal insumo. Nesse sentido, o risco de insumo associado à oferta de água é usualmente alocado ao poder concedente, no caso das concessões que consideram uma infraestrutura existente (Global Infrastructure Hub, 2020). No entanto, em concessões onde estejam previstas integração (concessão hídrica) ou expansão signifi- cativa da rede há que se admitir a possibilidade de compartilhamento de riscos entre o setor pri- vado e o poder concedente, com vistas a incentivar investimentos em infraestruturas que promovam segurança hídrica que estejam sob controle do concessionário.
Análise do Global Infrastructure Hub (2020), à exceção do fornecimento de energia, os demais riscos associados à oferta de insumos para a prestação do serviço de saneamento básico devem ser alocados ao setor privado.
1.2.3 Risco Cambial
Em países emergentes, a volatidade da taxa de câmbio costuma ser maior. Ainda que caiba ao setor privado realizar operações de hedge com a finalidade de se proteger contra tais oscilações, é possível admitir o compartilhamento do risco cambial em situações em que ocorra uma inesperada e significativa oscilação da taxa de câmbio, ameaçando a viabilidade econômico-financeira do projeto (Global Infrastructure Hub, 2020). Neste caso, o setor privado assumiria os custos da osci- lação até um determinado percentual e, acima, deste nível, os custos seriam compartilhados com o poder concedente. Tal qual pontuado com relação ao risco de demanda, o setor de saneamento pode se aproveitar de experiências já tentadas em outras infraestruturas com relação ao risco cambial. Neste sentido, é importante destacar algumas iniciativas interessantes oriundas do seg- mento de transporte e logística. Uma iniciativa em âmbito federal foi desenhada no contexto do leilão de aeroportos realizado em março de 2017: foram arrecadados R$ 3,72 bilhões com a concessão dos aeroportos de Fortaleza, Salvador, Florianópolis e Porto Alegre - pela primeira vez
na história do Brasil, empreendimentos de tal natureza passaram a ser operados por companhias especializadas e sem ligação com empreiteiras ou construtoras.
Adicionalmente, tratou-se do primeiro leilão de aeroportos sem a presença da Infraero, dando mais segurança às companhias privadas com relação às tomadas de decisão, agora com proteção contra influências políticas. Estas companhias citadas são todas estrangeiras (sediadas na França, Alema- nha e Suíça) e operam ativos em outros países - aqui, o desenho implementado também se mostrou inovador, principalmente se levarmos em conta os novos desafios existentes no país para o financi- amento de projetos de infraestrutura. Na última década, a maior parte dos recursos disponibiliza- dos para os projetos foi proveniente do BNDES, que apresentou grande crescimento a partir de generosos aportes do Tesouro Nacional; entretanto, devido à gravidade da situação fiscal do país, a disponibilidade desta fonte de capital passou a tornar-se mais escassa - mesmo o papel a ser desempenhado pelo banco de fomento foi sendo revisto, a partir da introdução da TLP (taxa de longo prazo) como substituta da TJLP (taxa de juros de longo prazo) desde janeiro de 2018.
Assim, o montante de capital subsidiado passou a ser menor e novas alternativas devem ser perse- guidas para o financiamento das necessárias obras de infraestrutura. Neste ponto é que reside a inovação implementada no citado leilão de aeroportos: para que capitais externos fossem atraídos, criou-se pela primeira vez um mecanismo de hedge cambial, fornecendo proteção aos investidores contra as oscilações do real vis-à-vis o dólar americano. A elevada volatilidade da taxa de câmbio no Brasil, intimamente relacionada com o baixo grau de abertura de nossa economia, é impedi- mento conhecido dentre os investidores estrangeiros, que também não conseguem encontrar outras estruturas de proteção no próprio mercado financeiro dado o descasamento de prazos existente entre os projetos (prazos de 20 a 30 anos) e os produtos disponíveis (contratos futuros, opções e swaps – com tenors bem inferiores).
A grande questão é que tais investidores devem aplicar o capital de seus acionistas, em dólares, em ativos brasileiros que propiciam rentabilidades em reais a partir da cobrança de tarifas pelos diversos serviços a serem disponibilizados. Este problema já foi endereçado em países próximos como a Colômbia e o Chile a partir da indexação das tarifas domésticas ao dólar norte-americano; contudo, em nosso país, dado o já citado componente de alta volatilidade, procedimento idêntico levaria, possivelmente, a impactos adversos sobre a inflação e sobre os consumidores finais.
Deste modo, a solução proposta no referido leilão de aeroportos, a despeito de não constar na versão final do edital, foi digna de nota por propor um sistema de amortecimento do risco cambial que faz uso de um fundo específico do setor, o FNAC – fundo nacional de aviação civil. De acordo com o mecanismo proposto, a cada ano, sempre que a variação do dólar americano contra o real for superior a uma referência composta por risco país e inflação, haverá uma diminuição proporci- onal na parcela de outorga a ser depositada pelo concessionário no FNAC; caso os indexadores caminhem em direção contrária, o estado também seria compensado, dentro de um certo limite, com o benefício de uma maior arrecadação dentro do fundo. Na prática, o estado brasileiro forneceria
aos interessados no leilão um produto financeiro sofisticado a custo zero – porém, tal alternativa acabou não se concretizando e os certames foram realizados sem esse mecanismo de proteção cambial, dado o prazo diminuto para confecção dos editais.
Apesar deste mecanismo inovador de proteção cambial não ter sido incorporado nas concessões federais de aeroportos por força dos prazos, ele foi incluído nos novos modelos de concessões rodoviárias implementados pelo governo do estado de São Paulo. Sob esse novo modelo, três rodovias paulistas tiveram leilão realizado em 2017. A Tabela 3 a seguir resume as três concessões paulistas feitas sob esse novo modelo de contrato.
Tabela 3 – Situação das concessões previstas no pacote de 2017
Rodovia | Trecho | Exten- são | Prazo de con- cessão | Vencedor | Valor de Outorga |
Rodovia dos Calçados | Itaporanga - Franca | 747 km | 30 anos | Arteris | R$1,2 bi- lhão |
Rodovia do Centro- Oeste Paulista | Florínea - Iga- rapava | 570 km | 30 anos | Pátria | R$917 mi- lhões |
Xxxxxxxx | xxxxxx Xxxxx | 00 xx | 00 anos | Ecorodovias | R$883 mi- lhões |
Fonte: Artesp; elaboração própria.
Neles, até US$300 milhões podem ser considerados para o mecanismo de proteção cambial. En- quanto para a Rodovia dos Calçados e Centro-Oeste paulista foi considerado o mesmo mecanismo, há algumas diferenças com relação ao Rodoanel Norte, através do qual é possível optar por duas sistemáticas diferentes para o cálculo. A Tabela 4 a seguir apresenta algumas das diferenças entre eles.
Tabela 4 – Mecanismos de Proteção Cambial em Concessões de Rodovias Paulistas
Centro-Oeste e Calçados | Rodoanel Norte |
Financiamento em moeda estrangeira firmados nos primeiros cinco anos a partir da assinatura do contrato. | Financiamento em moeda estrangeira firmados nos primeiros 39 meses a partir da assinatura do termo de transferência inicial. |
Não há essa exigência. | Em até 90 dias da Assinatura do Termo de Transfe- rência Inicial a Concessionária deverá informar o Poder Concedente sua opção de eventualmente ati- var o Mecanismo. |
Quando se tratar de financiamento por meio de bond, a Concessionária deverá apresentar có- pia dos respectivos documentos da emissão em moeda estrangeira. | Quando se tratar de financiamento por meio de bond ou modalidade equivalente, a Concessioná- ria deverá apresentar cópia dos respectivos docu- mentos da emissão em moeda estrangeira. |
Deve ser incluída no resumo executivo que deve ser entregue a ARTESP após firmado um financi- amento: a regra de apuração da PTAX que será usada para conversão, de dólares norte-americanos para reais, e a sistemática de liberação ou de- sembolso dos recursos à concessionária (PTAX INICIAL). | Não há essa exigência. |
Em até 2 dias úteis após data de desembolso, é necessário entregar à ARTESP um documento que comprove a liberação ou desembolso dos recursos. Tal documento deve conter o montante desembolsado, a data de desembolso, e a PTAX utilizada, que deverá seguir a regra de cálculo já disponibilizada à ARTESP. No caso de mais de um desembolso, cada valor desembolsado deverá ser considerado isolada- mente para fins de cálculo do mecanismo cam- bial, observado o disposto no contrato de finan- ciamento. | Não há essa exigência. |
Definição das variáveis de cálculo do Meca- nismo: 3. Taxa PTAXo: PTAX INICIAL, conforme re- gra contratual de apuração do desembolso. | Definição das variáveis de cálculo do Meca- nismo: 3. Taxa PTAXo: Com base na taxa do dólar norte-americano divulgada pelo Sistema de Infor- mações do Banco Central do Brasil - SISBACEN por meio da Transação PTAX venda, relativa ao cálculo realizado pelo Banco Central do Brasil, com quatro casas decimais, com base em dados vigentes 2 dias úteis anteriores à Data de assina- tura do instrumento de financiamento, ou índice equivalente caso este seja extinto. |
Sistemática de cálculo: Uma única sistemática proposta: Onde du significa o número de dias úteis entre cada data de pagamento de amortização do principal do financiamento ou entre a data de desembolso e a data da primeira amortização. | Sistemática de cálculo: A Concessionária poderá optar, uma única vez a cada ativação do mecanismo, por uma das sistemá- ticas de cálculo do valor devido (Parcela em Reais): Onde du significa o número de dias úteis entre cada data de pagamento de amortização do prin- cipal do financiamento |
O valor a ser compensado por este Mecanismo, para cada uma das partes, está limitado ao montante ou fluxo futuro de outorga variável, apurado aplicando-se percentuais específicos sobre a Receita Bruta, definida no Contrato, e conforme Caso de Compensação. | O valor a ser compensado por este Mecanismo, para cada uma das partes, está limitado ao mon- tante de Outorga Variável alocado para o Meca- nismo e acumulado na Conta Reserva de Ou- torga, que será objeto da NOTIFICAÇÃO DE COMPENSAÇÃO, ou fluxo futuro de OUTORGA VARIÁVEL, apurado aplicando-se percentuais es- pecíficos sobre a Receita Bruta, definida no Con- trato, e conforme Caso de Compensação. |
Utilização dos saldos Mt da Conta Reserva de Outorga Não há. | Utilização dos saldos Mt da Conta Reserva de Outorga Sempre que (Parcela em Dólart – Parcela em re- aist), + Saldotm >0, o Poder Concedente autorizará a imediata transferência de Mt da Conta Reserva da Concessão para compensar parcial ou integral- mente a concessionária, por meio da Notificação de Compensação. |
Saldo Compensado e Ajuste O saldo Compensado m representa compensa- ções mensais realizadas no instante, com aplica- ção de regra de compensação que estabelece percentuais distintos – entre 0% e 6% – em re- lação à regra básica de 3% sobre Receita Bruta, para cálculo mensal da OUTORGA VARI- ÁVEL. | Saldo Compensado e Ajuste Percentuais distintos – entre 0% e 12% - em rela- ção à regra básica de 6% sobre Receita Bruta. |
Cálculo das compensações As partes podem optar por antecipar suas res- pectivas obrigaco̧ ̃es, ultrapassando, assim a banda de 0-6% da Receita Bruta para a Ou- torga Variável; ou seja, a Concessionária pode optar por adiantar o valor devido ao Poder Concedente, e o Poder Concedente pode optar por adiantar o valor devido à Concessionária, desde que observado o previsto no Contrato Tri- partite, no Contrato de Administraca̧ ̃o de Contas e em eventuais instrumentos que sejam afetados pela variação na disponibilidade de receita da concessão. | Cálculo das compensações banda de 0-12% |
Mecanismos alternativos Não há a possibilidade de mecanismos alterna- tivos | Mecanismos alternativos A concessionária poderá propor mecanismo de pro- teção cambial alternativo que se utilize da mesma Outorga Variável alocada para este Mecanismo, mas deverá demonstrar que a alternativa proposta é neutra ou vantajosa para o Poder Concedente em comparação ao Mecanismo descrito no contrato. |
Fonte: ARTESP, elaboração própria.
Reequilíbrio econômico-financeiro
Este capítulo apresenta:
(i) uma discussão sobre aspectos conceituais sobre o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos;
(ii) um levantamento sobre as metodologias atualmente adotadas em contratos de conces- são no setor de saneamento; e
(iii) o embasamento conceitual sobre a metodologia para reequilíbrio que deverá ser in- corporada na Minuta de Contrato.
O objetivo do texto é subsidiar a elaboração da minuta do contrato no que se refere ao tema do equilíbrio econômico-financeiro nos futuros contratos de prestação de serviços de saneamento bá- sico4.
1.3 Aspectos conceituais sobre o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos
1.3.1 Fundamentação legal
O equilíbrio econômico-financeiro de uma concessão é um princípio que pode ser inferido a partir do artigo no. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, em especial do requisito de manutenção das “condições efetivas da proposta”, presente no texto do artigo:
Art. nº 37. (...) XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (Constituição Federal)
O princípio também pode ser inferido do art. nº 9, §4º, da Lei nº 8.987/1995, a Lei de concessões, que garante ao operador o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro quando houver alteração unilateral do contrato por parte do poder concedente, desde que estas mudanças sejam necessárias para que o poder concedente atenda necessidades específicas de interesse público ou implementar políticas públicas que beneficiem a população:
§4º. Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico- financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração (Lei 8.987/1995).
A garantia da sustentabilidade financeira atende diretamente aos interesses do operador, mas também tem como intuito defender interesses dos usuários: a adequada prestação do serviço de- pende da capacidade da operadora de manter o sistema em funcionamento, realizar investimentos e buscar ganhos de eficiência.
O artigo 22 da Lei 11.445/2007 define o equilíbrio em questão como um dos objetivos da regu- lação do setor de saneamento básico:
4 Esta seção trata das metodologias para reequilíbrio em casos de regulação primordialmente contratual, que é o objeto do Produto V. Os modelos mais aplicados para a regulação discricionária, com cálculo da Receita Requerida, foram tratados em detalhe no Produto II e no Produto IV.
Art. 22. São objetivos da regulação:
(...)
IV – Definir tarifas que assegurem tanto o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos como a modicidade tarifária, mediante mecanismos que induzam a eficiência e eficácia dos serviços e que permitam a apropriação social dos ganhos de produtividade (Lei 11.445/2007).
1.3.2 Alocação de riscos e reequilíbrio contratual
Uma parte fundamental na análise de eventos de desequilíbrio econômico-financeiro é a análise de matriz de riscos do contrato. A existência de riscos é inerente à execução de qualquer projeto frente à incerteza quanto ao acontecimento de eventos imprevisíveis e/ou inesperados. Em projetos de infraestrutura, os riscos intrínsecos do projeto ganham destaque, visto que, conforme tratado anteriormente, projetos de infraestrutura tem como característica geral a delegação do serviço em questão do estado para um agente privado.
Segundo Xxxxxxx (2014)5, a doutrina jurídica traz diversas definições para o conceito de risco: desconhecimento do resultado final; variação de possível resultado; alta probabilidade de insu- cesso; falta de previsibilidade; entre outros. Ainda que as definições sejam variadas, é comum a concepção de que os riscos podem influenciar a rentabilidade do projeto. Nesse sentido, dado que projetos de infraestrutura possuem como característica sua longa duração, frente a possibilidade de influenciar a rentabilidade do projeto, estes fatores de risco são distribuídos no contrato – é a chamada matriz de risco. Em outras palavras, visando amenizar a falta de previsibilidade do pro- jeto de infraestrutura de longa duração, os riscos são alocados para as partes, trazendo maior segurança jurídica.
Segundo Xxxxxxx e Prado (2007)6, a principal função de um contrato de concessão é exatamente sua atribuição de riscos, visto que a atribuição de responsabilidades frente a ocorrências futuras é o que gera incentivo tanto para tentar evitar estas ocorrências indesejáveis, quanto a agirem vi- sando uma boa prestação de serviços.
A alocações de riscos deve seguir o princípio de que cada risco deve ser alocado de acordo com a capacidade de a parte de gerenciá-lo. De maneira mais detalhada, a racionalidade por traz da atribuição de riscos deveria seguir os seguintes critérios7:
5 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Alocação de riscos nos contratos de concessão e PPP: um mecanismo rumo à eficiência na implantação de infraestruturas no Brasil. Associação Nacional dos Procuradores do Estado e do DF, 2014.
6 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx e PRADO, Xxxxx Xxxxxxx. Comentários à Lei de PPP – Parceria Público Privada Fundamentos Econômicos-Jurídicos. 1ª Ed, 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2007
7 Pereira, 2014, p. 18.
i) Risco deve ser alocado à parte que pode reduzir as chances do evento indese- jado a um custo mais baixo. Por exemplo, riscos relativos a custos de insumos tendem a ser atribuídos à Concessionária, buscando induzir uma maior eficiência.
ii) Risco deve ser alocado à parte com mais capacidade de gerenciar os impactos do evento. Por exemplo, em uma concessão de rodovias, o risco de acidentes é atribuído à concessionária não pela sua capacidade de impedir acidentes, mas por ter mais capacidade de prestar socorro com mais rapidez.
iii) Riscos com possibilidade de contratação de seguros são repassados ao concessi- onário, dada a repartição social mais eficiente.
iv) Riscos sem possibilidade de contratação de seguro são mantidos com o Conce- dente, visto que seu repasse à Concessionária se refletiria em tarifas muito ele- vadas.
v) Soluções de compartilhamento de riscos entre Poder Concedente e Concessionária contribuem para o alinhamento de interesses e fomentam a colaboração espon- tânea para prevenir a ocorrência de eventos nefastos ou mitigar as suas conse- quências.
vi) Riscos por eventos de caso fortuito ou força maior, quando alocados à Concessi- onária, devem considerar sua capacidade de absorver o impacto econômico daí decorrente, de modo a não inviabilizar a continuidade da prestação dos serviços concedidos, nas condições inicialmente contratadas.
Esta avaliação será mais bem detalhada na Seção sobre a Matriz de Riscos e na Proposta de Minuta de Contrato.
1.3.3 O processo de reequilíbrio econômico-financeiro
Processos de reequilíbrio econômico-financeiro podem ser solicitados pela operadora (ou pelo po- der concedente) quando da ocorrência de eventos cujo risco é alocado ao Poder Concedente na matriz de riscos. O reequilíbrio econômico-financeiro pode ocorrer por meio de revisão ordinária (periódica) ou extraordinária; a diferença entre ambas é que a ordinária acontece em prazos pré- definidos, geralmente 4 ou 5 anos e a extraordinária não se limita a um período específico.
Embora exista a previsão de uma revisão periódica, esta não tem como objetivo o realinhamento da tarifa aos custos do serviço prestado. A lógica da regulação contratual, que será tratada na proposta de Minuta de Contrato, é que a tarifa da concessão é definida no momento do leilão, no qual ocorre a competição pelo mercado. A tarifa será revisada periodicamente pela inflação e, extraordinariamente, caso ocorram eventos, para os quais os riscos foram alocados no contrato ao Poder Concedente, por exemplo, a demanda por um investimento não previsto no contrato original. Dessa forma, neste modelo de regulação o leilão terá um papel central, pois seu objetivo será ter um desenho no qual a concorrência seja maximizada e a firma mais eficiente seja a vencedora.
O processo de reequilíbrio econômico-financeiro envolve a definição de 4 componentes:
• A matriz de riscos, parte integrante do contrato de concessão;
• A condição de equilíbrio econômico-financeiro8;
• A metodologia de avaliação dos eventos de desequilíbrio e, por fim;
• A proposta para o reequilíbrio do contrato, como reajuste tarifário, prorrogação de prazo contratual, redução de encargos ou pagamento de indenização pelo poder concedente.
O processo de avaliação do equilíbrio econômico-financeiro pode ser esquematizado em 5 passos:
1) Caracterização do evento que impacta negativamente ou positivamente a equação econômico-financeira. Em geral, a caracterização e a comprovação da ocorrência do evento são atribuições da parte que faz o pleito, Concessionária ou Poder Concedente.
2) Avaliação do impacto do evento de desequilíbrio (em termos de receitas, custos, in- vestimentos e tributos), considerando a metodologia contratual, por parte da entidade reguladora, Poder Concedente ou Concessionária.
• Vale notar que mesmo quando o evento que causou o desequilíbrio seja consi- derado risco de uma das partes, pode ocorrer que o impacto daí decorrente não tenha relevância a ponto de justificar qualquer compensação, ou pelo me- nos não uma compensação integral.
• Por exemplo, a pandemia pode causar uma redução da demanda na catego- ria comercial, mas ser compensada por um aumento na demanda da categoria residencial, de modo que o impacto final seja baixo ou até nulo. Outro exemplo é uma greve ilegal que não implica em total paralisação das atividades da Concessionária.
3) Análise do mérito do pedido de reequilíbrio, tendo em vista a alocação de riscos prevista em contrato (matriz de riscos), por parte da entidade reguladora.
4) A partir da análise de mérito, cabe à entidade reguladora definir se o pedido de reequilíbrio deve ser aceito ou rejeitado, no todo ou em parte.
• Caso se comprove que o risco não estava contratualmente alocado à Conces- sionária e que houve, de fato, impacto no equilíbrio contratual, deve ser reco- nhecido o reequilíbrio;
8 Nos contratos de concessão mais antigos, geralmente a condição de equilíbrio econômico-financeiro é re- presentada pela Taxa Interna de Retorno definida contratualmente. Já nos contratos mais recentes, a tendên- cia é a utilização da metodologia de fluxo de caixa marginal, com uma taxa de desconto recalculada peri- odicamente.
• Caso não se comprove o impacto financeiro ou fique caracterizado que o risco estava alocado à Concessionária, o pedido deve ser rejeitado;
5) Caso o pedido for aceito, devem ser implementadas medidas de recomposição, tais como:
• Incremento tarifário;
• Extensão do prazo do contrato;
• Redução de encargos do Concessionário;
• Compensação financeira;
• Outras medidas.
A Figura 3 ilustra os 5 passos.
Figura 3: Passos do processo de reequilíbrio econômico-financeiro.
Elaboração FGV
1.3.4 Tipos de eventos de desequilíbrio contratual
O conceito de risco administrativo é fundamental para análise de fatores que impactem na execu- ção do contrato de concessão e garanta, a sua revisão. Neste sentido, vale mencionar que existem alguns tipos mais comuns de eventos de desequilíbrio. Esta distinção poderá ser importante para avaliar eventual tratamento diferenciado em cada caso. É possível enquadrar os eventos em três categorias principais:
Categoria | Exemplos |
Inadimplemento de obrigações contratadas | • Não cumprimento de obrigações de responsabilidade do poder concedente, tais como realização de obras, decla- ração de utilidade púbico para desapropriações, aporte de recursos • Atraso na execução de investimentos obrigatórios de res- ponsabilidade do concessionário, operação deficiente |
dos serviços, não contratação de seguros obrigatórios; falta de capitalização da SPE | |
Alterações unilaterais por impo- sição do poder concedente | • Imposição de novos investimentos • Ampliação ou redução da área de concessão por varia- ção do perfil demográfico ou incorporação de novos mu- nicípios • Alteração de metas ou de indicadores de desempenho |
Fatos alheios à vontade das partes | • Força maior e caso fortuito9 • Atraso na obtenção de licenças emitidas por órgãos que não compõem a estrutura do Poder Concedente • Criação de novos tributos por outros entes públicos distin- tos do Poder Concedente • Risco geológico ou arqueológico • Crise de escassez hídrica • Alteração do perfil de consumo dos usuários • Nível de inadimplência dos usuários |
Não obstante algumas intercorrências futuras durante a vigência da concessão estejam fora do controle das partes, é possível caracterizá-las como obrigação contratual por ato ou fato de ter- ceiro. A frustração das expectativas nesse caso será considerada como inadimplemento cuja res- ponsabilidade caberá à parte que assumiu a obrigação descumprida.
1.3.5 Metodologias usuais para reequilíbrio de contratos
Há três casos mais usuais de metodologias e procedimentos para reequilíbrio de contratos no setor de saneamento no Brasil: (i) reequilíbrio pela manutenção da TIR Contratual (contida na Proposta Comercial); (ii) reequilíbrio pela manutenção do VPL do Contrato; (iii) reequilíbrio por fluxo de caixa marginal.
9 São eventos imprevisíveis ou inevitáveis que impedem ou tornam extraordinariamente onerosa a execução do contrato. Como força maior, podem ser caracterizadas situações de greves que impossibilitem a aquisição de insumos para realização de investimentos. Já casos fortuitos geralmente são associados a eventos da natureza, como a crise hídrica que assolou o estado de São Paulo em 2014-15.
Em comum, essas três metodologias costumam adotar a avaliação do equilíbrio econômico-finan- ceiro pelo fluxo de caixa descontado do projeto. Além disso, todos esses casos recorrem à matriz de risco do contrato para avaliação do mérito do possível evento de desequilíbrio.
As metodologias também contam com algumas diferenças, a saber:
• Critério de reequilíbrio:
o No caso do reequilíbrio pela TIR contratual, o critério é a manutenção da TIR inicial,
o que também é válido para a manutenção do VPL.
o No caso do Fluxo de Xxxxx Xxxxxxxx, o que se procura é igualar o VPL do evento de desequilíbrio ao VPL da medida de reequilíbrio.
• Taxa de desconto utilizada:
o No caso do reequilíbrio pela TIR contratual, adota-se, em geral, a TIR contida na Proposta Comercial da licitante vencedora.
o No caso do Fluxo de Caixa Marginal, adota-se uma taxa de desconto que é re- calculada periodicamente. Esta taxa pode envolver um cálculo de custo de capital (WACC) ou ser uma taxa atrelada a algum indicador macroeconômico (por exem- plo, um múltiplo da NTN-B).
• Fluxo de caixa referencial (base para as projeções):
o No caso do reequilíbrio pela TIR contratual, adota-se, em geral, o Fluxo de Caixa da Proposta Comercial da licitante vencedora.
o No caso do Fluxo de Caixa Marginal, os projetos mais recentes têm adotado o Estudo de Viabilidade Técnica e Econômico-Financeira do Projeto (EVTE) divulgado no edital de licitação como referência. Além disso, para a avaliação de novas obrigações, procura-se privilegiar a utilização de dados públicos para aferição de valores e, sempre que possível, informações da própria concessionária.
A seguir são apresentadas mais informações sobre cada um dos modelos.
1.3.5.1 Procedimento para reequilíbrio por fluxo de caixa da Proposta Comercial (TIR)
Este é o modelo mais comum no setor de saneamento. Este procedimento de reequilíbrio visa igualar a TIR do projeto à TIR contratual, por meio de medidas compensatórias, quando ocorre um evento que pode ser caracterizado na matriz de risco do Contrato como risco alocado ao Poder Conce- dente, como, por exemplo, uma nova obrigação de investimento. Assim, verificada a ocorrência de um evento de desequilíbrio, caso a TIR recalculada seja inferior à contratual, o poder concedente deve compensar a concessionária. Do mesmo modo, caso a TIR do projeto seja superior à contratual exemplo: redução das obrigações da concessionária), a concessionária deve compensar o poder concedente
A Taxa Interna de Retorno (TIR) é a taxa que iguala a zero a equação do fluxo de caixa de valor presente líquido.
O fluxo de caixa é composto pela combinação de valores que se espera receber (valores positivos ou entradas de caixa) ou que se espera pagar (valores negativos ou saídas de caixa). No fluxo de caixa (𝐹𝐶𝐿𝑡) são projetados os seguintes grandes grupos de componentes: (a) receitas; (b) custos
operacionais; (c) investimentos, e (d) tributos.
𝐹𝐶𝐿𝑡 = 𝑅𝑡 − 𝐶𝑡 − 𝐼𝑡 − 𝑇𝑡
Em que:
𝐹𝐶𝐿𝑡 é o fluxo de caixa livre na data t;
𝑅𝑡 é a receita bruta na data t;
𝐶𝑡 é o custo na data t;
𝐼𝑡 é o investimento na data t; e
𝑇𝑡 é o tributo na data t.
O Valor Presente Líquido (VPL) consiste em uma fórmula que determina o valor presente (em uma data base selecionada) de pagamentos futuros. Com isso, seu intuito é permitir comparar projetos tendo como referência a mesma data base. A fórmula do VPL é a seguinte
N FC𝐿
VPL = ∑ t = VPL Contratual
(1 + i)t
t=0
Em que:
𝑉𝑃𝐿 é o valor presente líquido;
𝐹𝐶𝐿𝑡 é o fluxo de caixa livre no período ‘t’;
𝑁 é o número de períodos da Subdelegação; e
𝑖 é a taxa de desconto definida no edital de licitação para cálculo do VPL
Finalmente, a TIR é a taxa que iguala a zero a equação do fluxo de caixa de valor presente líquido. O conceito é de que os desembolsos feitos pela concessionária alcançarão retorno equiva- lente à TIR do projeto.
N FC𝐿
VPL = ∑ t = 0
(1 + TIR)t
t=0
Em que:
𝑉𝑃𝐿 é o valor presente líquido;
𝐹𝐶𝐿𝑡é o fluxo de caixa livre no período ‘t’;
𝑁 é o número de períodos da Subdelegação; e
𝑇𝐼𝑅 é a taxa de desconto que torna a equação verdadeira.
Como mencionado anteriormente, uma característica comum nestes modelos é que o Fluxo de Caixa Referencial, equação econômico-financeira original, à qual devem ser adicionados os eventos de desequilíbrio, costuma ser o fluxo de caixa da proposta comercial. A Figura 4 mostra o processo de introdução dos desequilíbrios ao Fluxo de Caixa Referencial e o respectivo reequilíbrio tarifário:
Figura 4: Desequilíbrios econômico-financeiros e equilíbrio tarifário aplicados ao Fluxo de Caixa Referencial
Elaboração FGV
Outra característica comum é que a TIR inicialmente estabelecida costuma ser mantida durante todo o contrato.
A matriz de risco poderá variar, a depender das características do contrato. Por exemplo, uma PPP de esgoto pode ter uma matriz de risco diferente de uma concessão plena.
1.3.5.2 Procedimento para reequilíbrio por fluxo de caixa (VPL)
Este modelo é menos comum em saneamento, embora possa ser observado em alguns contratos. O parâmetro de equilíbrio é a manutenção do Valor Presente Líquido contratado. A metodologia se assemelha bastante ao caso da manutenção da TIR Contratual, porém, em lugar de se verificar a TIR, que leva o VPL a zero, adota-se uma taxa de desconto pré-estabelecida, que leva a um cálculo do VPL calculado no momento de apresentação da Proposta Comercial.
O procedimento de reequilíbrio ocorre quando se verifica um evento de desequilíbrio identificado na matriz de risco do Contrato. Assim, avalia-se o impacto daquele evento em termos de aumento ou redução do VPL do Contrato. A medida de compensação, para a Concessionária ou para o Concedente, a depender da natureza do evento, será aquela necessária para compensar a varia- ção de VPL decorrente do evento de desequilíbrio.
O fluxo de caixa referencial neste caso costuma ser também a Proposta Comercial da Licitante vencedora.
1.3.5.3 Procedimento para reequilíbrio por Fluxo de Xxxxx Xxxxxxxx
A metodologia de fluxo de caixa marginal segue o racional do cálculo do fluxo de caixa livre (“FCL”)10, com a peculiaridade de que no caso do FCL é analisado todo o negócio, ao longo de determinado horizonte de tempo, enquanto no caso do Fluxo de Caixa Marginal são apenas ava- liados os impactos em termos de fluxos de eventos específicos.
O reequilíbrio por meio do Fluxo de Xxxxx Xxxxxxxx busca identificar o efeito marginal no fluxo de caixa de eventos que impactarem o contrato. Estes custos são descontados pela taxa de des- conto, conforme metodologia definida no Contrato. Em outras palavras, o procedimento via Fluxo de Caixa Marginal consiste em utilizar a fórmula do VPL apenas para os valores dos eventos em questão e verificar quais são seus efeitos isolados.
Assim, no fluxo de caixa marginal são projetados os seguintes grandes grupos de direcionadores, tomando como base apenas o fator de desequilíbrio (e não todo o horizonte temporal do projeto):
(a) receitas; (b) custos operacionais; e (c) investimentos.
Para avaliação do equilíbrio econômico-financeiro, deve-se agregar as medidas de reequilíbrio aos fluxos marginais projetados de forma que o fluxo de caixa agregado tenha VPL igual a zero.
Matematicamente, essa condição é dada por:
10 Em inglês, esse é o conceito de free cash flow to firm ou FCFF.
N FC𝐿𝐷 + FC𝐿𝑅
VPL = ∑ t t = 0
(1 + r)t
t=0
Na qual:
• FCLDt é o fluxo de caixa livre do evento de desequilíbrio, que considera:
o Todas as entradas e saídas de caixa dos itens não previstos no Contrato, incluindo;
▪ Todas as novas receitas;
▪ Todos os novos investimentos;
▪ Todos os novos custos;
▪ Todos os efeitos em termos de tributação e amortização por conta das novas entradas e saídas de caixa.
• FCLRt é o fluxo de caixa livre da proposta de reequilíbrio que considera:
o Todas as medidas de reequilíbrio propostas (por exemplo: prorrogação contratual, aumento de tarifas, entre outros).
• t é o número de períodos avaliados; e
• r é a taxa de desconto utilizada
Assim, quando as medidas de reequilíbrio forem suficientes para igualar o VPL do fluxo de caixa marginal a zero, ter-se-á que o Contrato está equilibrado.
No caso do Fluxo de Caixa Marginal, há dois componentes importantes para a definição da meto- dologia a ser adotada: (i) a taxa de desconto do fluxo marginal; e (ii) o fluxo de referência para cálculo do reequilíbrio.
Em relação à taxa de desconto, atualmente, uma das metodologias mais empregadas é a estimativa do Custo Médio Ponderado de Capital (ou “WACC”, do inglês Weighted Average Cost of Capital) para a Concessionária11.
Outra forma utilizada é a definição de uma taxa pré-definida. Por exemplo, no caso do Contrato de prestação de serviços de esgoto de água esgoto da CEDAE e da CASAL, adota-se um múltiplo da NTNB.
11 Para uma discussão mais aprofundada sobre WACC ver Produto IV.
1.3.5.4 Síntese
O Quadro 1detalha as diferenças entre as três metodologias: a TIR, o VPL e o Fluxo de Caixa Marginal.
Quadro 1: Comparação entre metodologias de avaliação de eventos de desequilíbrio econômico- financeiro.
Regulação baseada em Contrato | |||
TIR | VPL | Fluxo de Caixa Marginal | |
Critério para reequilíbrio | Manutenção da TIR (Definida na proposta comercial do licitante vencedor) | Manutenção do VPL da Proposta Comercial | VPL do Fluxo Marginal igual a zero. Ancorado em taxa de re- ferência (ex: Múltiplo de NTNB) ou custo de capital calculado periodicamente |
Metodologia | Fluxo de Caixa Descontado com horizonte do período de projeto | Fluxo de Caixa Descon- tado com horizonte do período de projeto | Fluxo de Caixa Descon- tado com horizonte do período de desequilíbrio |
Fluxo de Caixa de Referência | Plano de negócios apresentado na Proposta comercial e seus aditivos decorrentes de revisões ordinárias ou extraordinárias | Plano de negócios apre- sentado na Proposta co- mercial e seus aditivos decorrentes de revisões ordinárias ou extraordi- nárias | Caso a caso (custos reais ou estimados) |
Alocação de riscos | Estabelecido no Contrato | Estabelecido no Contrato | Estabelecido no Contrato |
Elaboração FGV
1.4 Levantamento sobre as metodologias atualmente adotadas em contratos de concessão no setor de saneamento
O setor de saneamento básico no Brasil apresenta considerável heterogeneidade na utilização de metodologias de equilíbrio econômico-financeiro. Como discutido anteriormente, a maioria das con- cessões têm seu equilíbrio econômico-financeiro baseado na TIR. Em parte dos casos, a TIR é esta- belecida já no contrato de concessão, porém há também diversos casos em que o contrato não estabelece um valor para a taxa, sendo este definido posteriormente junto ao Poder Concedente.
Mais recentemente, contudo, novos contratos passaram a utilizar a metodologia de fluxo de caixa marginal. É o caso, por exemplo, das concessões cuja modelagem foi apoiada pelo BNDES, como a Concessão da Região Metropolitana de Maceió e a Concessão de 4 Blocos Regionais no Rio de
Janeiro. Nesses contratos, estabeleceu-se uma taxa de retorno variável baseada nos títulos públicos de longo prazo atrelados à inflação (NTN-Bs) ou na Taxa de Longo Prazo (TLP), além de um spread que remunera o risco do negócio.
Por fim, existem também contratos cujo equilíbrio se baseia no Valor Presente Líquido (VPL) da concessão, como é o caso da Companhia de Águas de Itapema. Contudo, são casos bastante isola- dos em termos de representatividade do setor.
O Quadro 2 apresenta um levantamento não exaustivo das metodologias adotadas por algumas das concessionárias de saneamento no Brasil12:
12 Para uma visão mais detalhada do benchmarking ver Produto II.
Quadro 2: Metodologias de equilíbrio econômico-financeiro adotadas em concessionárias de sa- neamento básico
Concessionária | Agência Regu- ladora | Metodologia adotada |
Águas de União do Sul | AGER-Si- nop | TIR |
Águas de Vera | AGER-Si- nop | TIR |
Bombinhas | ARESC | TIR |
Camboriú | ARESC | TIR |
BRK Ambiental Limeira | ARES-PCJ | TIR |
CAEPA | ARES-PCJ | TIR |
BRK Ambiental Sumaré | ARES-PCJ | XXX |
COMASA - Santa Rita do Passa Quatro | ARES-PCJ | TIR |
SANESALTO - Salto | ARES-PCJ | TIR |
Itapoá Saneamento | ARIS-SC | TIR |
Águas da Penha | ARIS-SC | TIR |
Águas de São Francisco do Sul | ARIS-SC | TIR |
BRK Ambiental de Santa Gertrudes | ARSESP | TIR |
Saneaqua Mairinque | ARSESP | TIR |
Águas de Cabrália Paulista | ARSESP | TIR |
Águas de Teresina | ARSETE | TIR |
Concessão Regionalizada do estado do Rio de Janeiro | AGENERSA | Fluxo de Caixa Marginal |
Concessão da Região Metropolitana de Maceió | ARSAL | Fluxo de Caixa Marginal |
Concessão Regionalizada do estado do Amapá | ARSAP | Fluxo de Caixa Marginal |
PPP de Esgoto de Cariacica | ARSEP | Fluxo de Caixa Marginal |
Itapema | ARESC | VPL |
Elaboração FGV
1.5 Justificativa e aspectos relevantes sobre a metodologia para reequilíbrio que deverá ser incorporada na Minuta de Contrato.
1.5.1 Justificativa
A metodologia escolhida para reequilíbrio contratual a ser incorporada na Minuta de Contrato é o do Fluxo de Caixa Marginal.
Tal metodologia tem sido adotada em contratos mais recentes nos setores de transporte e sanea- mento. Em comparação com as outras metodologias abordadas neste capítulo, é possível destacar que a sua principal vantagem é a utilização de uma taxa de desconto compatível com o custo de capital setorial do momento contemporâneo do desequilíbrio contratual.
Deve-se notar que contratos licitados no final dos anos 1990 registraram uma TIR relativamente elevada para os patamares atuais. Por exemplo, com relação às concessões de rodovias, realiza- das na nesta época, é possível verificar que o 1º Lote de Concessões Rodoviárias do Governo Federal teve taxas de retorno entre 16% e 24%13. Atualmente, como será mostrado adiante, no setor de saneamento o custo de capital, que deve igualar a TIR de projeto está em torno de 8% a 9% a.a., de acordo com cálculo realizado por diferentes agências reguladoras.
É importante ter claro a relevância do contexto macroeconômico para essas taxas mais elevadas. Nos anos 90, o Risco Brasil, por exemplo, era superior aos 1.000 pontos, contra menos de 400 atualmente14.
Sendo assim, o custo de oportunidade de um investidor da década de 1990 era compatível com os patamares encontrados nos contratos daquela época, de maneira que essa expectativa foi incor- porada na definição da TIR de contratos realizados naquele contexto.
Diferentemente, a conjuntura econômica atual impõe taxas inferiores aos patamares observados no final da década de 1990. Para ilustrar a evolução da conjuntura econômica brasileira entre 1996 e os dias atuais, a Figura 5 apresenta os valores da taxa Selic desde aquele ano até atualmente. Note que, durante a década de 1990, a taxa básica de juros era muito maior do que atualmente, chegando a quase 50% ao ano contra os cerca de 6% ao ano mais recentes.
13 Ver em xxxxx://xxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxx/xxxxx/xxxxxxxxxxx/0000-00/00_00_xxxx_xx_xxxxxxxxxx_xx_ in- fraestrutura_no_brasil.pdf. Página 68. Acesso em 18/03/2021.
14 Fonte: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/XxxxxXxxxx.xxxx?xxxxxx00000&xxxxxxxX.
Figura 5: Evolução da Taxa Selic
50%
45%
40%
35%
30%
25%
20%
15%
10%
5%
0%
Fonte: Banco Central.
Esse contexto faz com que as taxas de remuneração de contratos atuais tenham valores mais ade- quados à realidade dos investimentos. Por exemplo, o Custo Médio Ponderado de Capital (WACC, na sigla em inglês para Weighted Average Capital Cost) determinado pela Arsesp para trazer o Valor Presente Líquido do Fluxo de Caixa Marginal a zero nas Revisões Tarifárias Ordinárias da Sabesp foi de 8,11%, considerando a última revisão. A Agepar, que regula a empresa paranaense Sanepar, determinou um WACC de 8,62%. A Adasa, agência reguladora do saneamento básico no Distrito Federal, determinou um WACC de 8,58% para a Caesb. A Aresc, agência reguladora da empresa catarinense Casan, determinou um WACC de 8,44%. Nota-se, portanto, que são va- lores bem abaixo de 20%. Eles estão sumarizados no Quadro 3:
Quadro 3: Valores de WACC de Diferentes Concessionárias
Concessionária | Agência Reguladora | WACC |
Sabesp – SP | Arsesp | 8,11% |
Sanepar – PR | Agepar | 8,62% |
Caesb – DF | Adasa | 8,58% |
Casan – SC | Aresc | 8,44% |
Com relação a taxas pré-definidas em processos de concessão dos serviços de saneamento básico, tem-se o exemplo atual dos projetos modelados pelo BNDES. No Rio de Janeiro, a taxa de desconto definida é de NTNB x 183%. No Amapá, a taxa estabelecida é de NTNB x 220%. Em Cariacica, no estado do Espírito Santo, a taxa de desconto é de TJLP + 5,64% e, finalmente, para o projeto de concessão de saneamento básico da região metropolitana de Maceió, em Alagoas, a taxa definida é de NTNB x 219%. Esses valores são apresentados no Quadro 4.
Quadro 4: Taxas Pré-Definidas dos Processos de Concessão de Saneamento Básico Modelados pelo BNDES
Processo de Concessão | Taxa Pré-Definida |
Rio de Janeiro | NTNB x 183% |
Amapá | NTNB x 220% |
Cariacica – ES | TJLP + 5,64% |
RMP de Maceió – AL | NTNB x 219% |
Assim, fica claro que ao longo do tempo, o contexto macroeconômico pode ser alterado e também a taxa de desconto considerada adequada para determinado setor. Por outro lado, é importante que se preserve o contrato e suas cláusulas.
Como forma de combinar a atualização do cenário macroeconômico para o contrato e a preserva- ção das cláusulas contratuais, alguns segmentos de infraestrutura passaram a incorporar a metodo- logia do fluxo de caixa marginal em sua regulação econômica, com atualização da taxa de des- conto para reequilíbrios que envolvam novos investimentos.
O propósito dessa mudança é tornar o impacto do reequilíbrio contratual, por conta da execução de investimentos não previstos originalmente no contrato, proporcional ao atual contexto macroe- conômico.
Um exemplo é o de concessões de rodovias no Estado de São Paulo. Neste setor, grande parte dos contratos forma celebrados em meados da década de 1990, com taxas de retorno compatíveis com o contexto macroeconômico da época. Como forma de possibilitar novos investimentos nas concessões vigentes, com menor impacto em termos de reequilíbrio contratual, foi confeccionada pela Agência Reguladora de Transportes do Estado de São Paulo (Artesp), a metodologia de Fluxo de Caixa Marginal.
A Resolução Artesp n° 001/2013 dispõe sobre o Fluxo de Caixa Marginal para novos investimentos nas concessões rodoviárias no Estado de São Paulo e tem como Anexo II a Nota Técnica 01/2013/DCE/DAI/ARTESP, que detalha a metodologia a ser aplicada. Destaque-se trecho do objeto desta Nota Técnica.
1. Trata-se de proposição de metodologia para estabelecimento do fluxo de caixa marginal para remuneração de novos investimentos nas concessões, que considera as condições macroeconômicas contemporâneas vigentes balizadoras de decisão de investimento. Esta metodologia iguala a Taxa Interna de Retorno – TIR ao resultado do Custo Médio Ponderado de Capital – CMPC1.
2. O fluxo de caixa marginal é composto por suas respectivas linhas de receitas, despesas, custos, investimentos, tributos, amortizações, depreciações e financiamentos, assim como da sua TIR (grifo nosso)
Deve-se notar ainda que a situação contrária também pode ocorrer, ou seja, a definição de uma taxa interna de retorno (TIR) mais baixa para o projeto, em um contexto macroeconômico de taxas de juros mais baixas e posterior elevação das taxas de juros, tornando a TIR Contratual baixa para eventual reequilíbrio futuro. Dessa forma, o cálculo de uma taxa de desconto para cada reequilíbrio
contratual a posteriori, prevista desde o princípio nos Contratos, traz vantagens para ambas as partes.
Neste sentido, entende-se que um mecanismo de Fluxo de Caixa Marginal é adequado como refe- rência para os novos contratos do setor de saneamento
1.5.2 Aspectos relevantes para a metodologia proposta
1.5.2.1 Taxa de desconto a ser utilizada para o reequilíbrio contratual
A determinação da taxa de desconto utilizada no reequilíbrio do contrato pode seguir dois cami- nhos: o custo médio ponderado do capital (WACC) ou um indexador acrescido de um prêmio de risco.
A metodologia do custo médio ponderado do capital (WACC – Weighted Average Cost of Capital) constitui uma das possibilidades de flexibilidade na taxa de retorno regulatória15. O WACC, como o próprio nome indica, corresponde a uma ponderação entre os retornos esperados exigidos pelos diversos tipos de financiadores dentro de uma companhia (Ver Ross et al., 2015). Agrupando os financiadores típicos em acionistas (E) e credores de dívida (D), tem-se:
Onde:
𝑊𝐴𝐶𝐶 = 𝑘
𝐸
𝑒 𝐸 + 𝐷
+ 𝑘𝐷
(1 − 𝑡) 𝐷
𝐸 + 𝐷
𝑘𝑒 = custo do capital próprio para a empresa (retorno esperado pelos acionistas);
𝑘𝐷 = custo da dívida (retorno esperado pelos credores de dívida);
(1–𝑡) = componente para ajuste pela existência de benefício fiscal gerado pelo financiamento via dívida (tax shield);
𝐸
𝐸+𝐷
e 𝐷
𝐸+𝐷
= representam, respectivamente, as proporções de capital próprio (Equity) e Dívida
(Debt) dentro do financiamento (estrutura de capital) total da empresa.
Outra alternativa é utilizar um indicador econômico como indexador. Exemplos podem ser obser- vados nas concessões recentes modeladas pelo BNDES, nas quais utilizou-se títulos públicos atrela- dos à inflação (NTN-Bs) ou a Taxa de Longo Prazo (TLP). Em ambos os casos, os indexadores são considerados como retornos livres de risco, de forma que é acrescido a eles um spread com o obje- tivo de remunerar o risco da concessão.
15 O Produto IV traz um detalhamento do cálculo do WACC.
Em ambos os casos, a principal vantagem em relação ao reequilíbrio baseado na TIR contratual é a flexibilidade em relação às flutuações econômicas. Por não apresentarem valor fixo, esses indi- cadores variam conforme as condições econômicas, adequando o retorno da concessão à realidade contemporânea.
1.5.2.2 Fluxo de Caixa de Referência
Em primeiro lugar, é muito importante que se defina um Fluxo de Caixa de Referência para os cálculos a serem realizados nos eventos de desequilíbrio. Na apuração do valor do desequilíbrio e do reequilíbrio contratual, sempre será necessário adotar premissas de projeções de demanda, receitas, despesas, investimentos, formas de amortização e cálculo dos tributos. Assim, é importante que exista um Fluxo de Caixa de Referência, que servirá de base para a definição de algumas premissas para o cálculo do Fluxo de Caixa Marginal do evento de desequilíbrio.
Nos modelos contratuais mais recentes do setor de saneamento, que utilizam a metodologia de Fluxo de Caixa Marginal, o referencial para as projeções de fluxo de caixa mais adotados têm sido os valores realizados ou os valores constantes do Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE) da licitação. Não se tem observado a utilização da Proposta Comercial do Licitante vencedor como modelo de referência para a definição das premissas do reequilíbrio contratual.
Como diretriz mais geral, as projeções de fluxo de caixa marginal sobre demanda, custos, despe- sas, investimentos e receitas deverão utilizar as melhores informações disponíveis em fontes públicas em função de sua realidade ou aderência à realidade concreta.
Alternativamente, e de forma subsidiária, os valores e custos unitários do EVTE podem ser utilizados como a referência para a avaliação de eventos de desequilíbrio. Assim, há uma referência pré- definida para a apuração das perdas sofridas por uma das partes.
Assim, como procedimento geral, a parte que pede o reequilíbrio (Concessionária ou Poder Conce- dente) poderá apresentar pleito considerando a orçamentação de novos custos de operação e de investimento, preferencialmente a partir de referências públicas. Nestes casos, caberá à Concessi- onária o ônus de demonstrar que dispõe de dados e informações confiáveis, atuais e mais aderentes à realidade, para serem utilizadas em substituição àquelas constantes do EVTE. Por exemplo, em caso de expansão da área de atendimento e necessidade de novos investimentos, recomenda-se a utilização de dados do Sistema Nacional de Preços e Índices para a Construção Civil (SINAPI), como fonte oficial de referência de preços de insumos e de custos de composições de serviços, ou refe- rência de banco de preços do Estado em que será realizado o projeto, caso exista. É necessário também que a Concessionária demonstre que os valores apresentados sejam condizentes com va- lores de mercado, podendo incorporar percentual para Benefícios e Despesas Indiretas (BDI) na composição dos preços.
É importante que sempre se mantenha um fluxo de caixa de referência, que será a base inicial para a avaliação dos eventos de desequilíbrio. Este fluxo, ao longo do tempo, deverá incorporar os efeitos dos eventos de desequilíbrio que foram formalmente aceitos. Com isso, sempre haverá um ponto de partida que será o referencial para a avaliação de desequilíbrios, ainda que esta referência possa ser atualizada periodicamente, no momento de avaliação dos eventos de dese- quilíbrio.
1.5.2.3 Projeção de demanda para cálculo do reequilíbrio
Na ocorrência de um desequilíbrio contratual, a metodologia do Fluxo de Caixa Marginal prevê que o VPL do Desequilíbrio contratual iguale o VPL do Reequilíbrio Contratual. Quando o reequilí- brio é apurado com cálculo de um adicional de tarifa, a receita adicional gerada ao longo do tempo será estimada a partir de uma projeção de demanda. No caso de eventos de desequilíbrio, é razoável supor que a compensação de determinado evento seja compatível com o dano causado. Assim, sugere-se que a demanda estimada para o reequilíbrio contratual seja compatível com o momento de análise do reequilíbrio.
Vale notar que essa previsão não enseja uma reavaliação da demanda agregada do contrato, nem tampouco a revisão das demais variáveis utilizadas no cálculo inicial do desequilíbrio por conta deste evento.
1.5.3 Outros aspectos que podem ser considerados no cálculo dos reequilíbrios contra- tuais
A seguir são sugeridos outros aspectos que podem ser considerados no cálculo dos reequilíbrios contratuais, a serem avaliados, caso a caso, em futuros contratos.
1.5.3.1 Piso para reequilíbrios decorrente de eventos alheios à vontade das partes
Ao longo de sua vigência, o contrato está sujeito à ocorrência de eventos de desequilíbrio que independem da vontade das partes e que podem ter a natureza de um risco que deve ser compar- tilhado. Para esses casos, um possível mecanismo a ser incorporado no Contrato é a definição de um piso global para o desequilíbrio contratual que seria absorvido pela Concessionária em cada ciclo de revisão ordinária. Naturalmente, tal piso deveria guardar uma proporção razoável de
modo a não trazer impacto expressivo para a rentabilidade do contrato. Assim, o piso deverá ser compatível com o porte de cada contrato.
Caso tal previsão contratual exista, a ideia é que a Concessionária apenas fará jus ao reequilíbrio contratual caso o somatório dos impactos dos eventos de desequilíbrio, ocorridos dentro de deter- minando ciclo de revisão ordinária, fique acima do piso estabelecido.
Tal cláusula deve estar associada a eventos de desequilíbrio que independam da vontade das partes, vale dizer, decorram de situações aleatórias não controladas pelas partes.. Para eventos de desequilíbrio associados a alterações unilaterais e descumprimentos contratuais, tal regra não se aplicaria.
O principal objetivo é que a Concessionária tenha incentivos para mitigar o impacto de eventos de desequilíbrio, sempre que possível. Por exemplo, a Concessionária pode ter iniciativas para buscar não ter prejuízos com uma greve ilegal que não paralisa completamente as suas operações e, mesmo na ocorrência deste evento, não o transforme em um desequilíbrio contratual. Espera-se também que o mecanismo seja capaz de reduzir pleitos menores de desequilíbrio, aliviando a en- tidade reguladora do encargo de sua análise e processamento.
O piso para o reequilíbrio contratual poderia ser estabelecido como um percentual da receita apurada no ciclo de quatro anos (por exemplo: 0,10% da receita arrecadada no ciclo). Tal piso seria apurado a cada ciclo, independente do piso ter sido ultrapassado ou não no passado.
Por exemplo, supondo este patamar de 0,1% da receita arrecada no Ciclo, se em um ciclo o dese- quilíbrio calculado por conta de eventos alheios à vontade das partes tiver sido equivalente a 1% da receita arrecada daquele ciclo, tal desequilíbrio será devido e necessariamente reequilibrado. Por outro lado, se em um ciclo o desequilíbrio calculado por conta de eventos alheios à vontade das partes tiver sido equivalente a 0,05% da receita arrecada daquele ciclo, tal desequilíbrio não será devido.
1.5.3.2 Forma para avaliação de impacto de eventos em que o risco é compartilhado en- tre as partes
Ao longo de sua vigência, o contrato está sujeito à ocorrência de eventos de desequilíbrio, cujo risco mereça ser compartilhado entre os contratantes, na medida em que ambos possuem alguma parcela de influência, ainda que pequena, na prevenção ou mitigação das consequências. Nesse caso, o compartilhamento pode ser um fator importante para promover o alinhamento de interesses e criar incentivos para a colaboração espontânea das partes. Para esses casos, um possível mecanismo a
ser incorporado no Contrato é a definição de um percentual do impacto do evento a ser incorpo- rado no cálculo do reequilíbrio contratual. Naturalmente, tal percentual deve guardar proporção com a razão de compartilhamento que se quer atribuir para aquele risco. Quando não houver clareza sobre a proporcionalidade mais adequada, uma possibilidade seria adotar a divisão em que 90% ou 95% do impacto seja suportado pela parte considerada ativa em relação ao controle do risco, e a parcela restante a parte considerada passiva. O objetivo é criar incentivos para que o impacto do evento de desequilíbrio seja minimizado pelas partes.
Caso tal previsão contratual exista, a ideia é que apenas o percentual de compartilhamento atri- buído à outra parte seja incluído no cálculo do reequilíbrio contratual.
Por exemplo, pode-se definir um compartilhamento de 50%/50% para determinado tipo de evento de desequilíbrio. Caso tal evento ocorra e traga perdas para a Concessionária com impacto de R$ 2 milhões, apenas R$ 1 milhão (50%) será incorporado no cálculo do reequilíbrio contratual.
Deve-se notar que tal cláusula deve estar associada apenas a eventos de desequilíbrio que podem ter a natureza de um risco que deve ser compartilhado. Para eventos de desequilíbrio associados a alterações unilaterais e descumprimentos contratuais, tal regra não se aplicaria.
O principal objetivo é que o custo associado àquele evento seja compartilhado entre as partes. Além disso, a Concessionária terá incentivos para mitigar o impacto de eventos de desequilíbrio, sempre que possível.
Propostas de Minutas de Edital e Contrato
Os seguintes anexos foram preparados em relação aos tópicos minuta de edital e minuta de con- trato:
• Anexo 1: Texto explicativo dos mecanismos e alternativas apresentados na Proposta de Minuta de Edital e na Proposta de Minuta de Contrato, com os principais fundamentos e justificativas das propostas;
• Anexo 2: Minuta de Edital; e
• Anexo 3: Minuta de Contrato
Parte II: Propostas de Minutas Normas de Referência e Plano de Transição Regulatória
Normas de Referência
As seguintes minutas de propostas de normas de referência são apresentadas em anexos:
• Anexo 4: Minuta de Exposição de Motivos sobre Proposta de Norma de Referência para Adaptação dos Contratos de Programa;
• Anexo 5: Minuta de Proposta de Norma de Referência para Adaptação dos Contratos de Programa;
• Anexo 6: Minuta de Proposta de Norma de Referência sobre Revisão Tarifária Periódica;
• Anexo 7: Minuta de Proposta de Norma de Referência sobre Reajuste Tarifário Inflacioná- rio; e
• Anexo 8: Minuta de Proposta de Norma de Referência sobre Estrutura Tarifária.
1.6 Explicação sobre os Pesos Adotados para a Proposta de Fórmula Paramétrica para o Reajuste Inflacionário
O objetivo desta Seção é apresentar a justificativa para os pesos adotados na proposta de Fórmula Paramétrica para o reajuste tarifário inflacionário para os contratos em saneamento.
Como discutido no Produtos 2, 3 e 4, um fator comum à maioria dos contratos de concessão no setor de Saneamento é a existência de uma cláusula que prevê o reajuste tarifário baseado em um índice de preços ou em uma composição de índices. Nos contratos celebrados ou revisados mais recente- mente, tem-se optado pela segunda opção, propondo-se uma fórmula paramétrica que pondera o peso relativo de um conjunto de índices de preço:
𝐼𝑅𝑡 = ∑ 𝑤𝑖 ∙ 𝜋𝑖 , 𝑖 ∈ {𝑚𝑜, 𝑒, 𝑠, 𝑞, 𝐼, 𝐷}
𝑖
Onde:
𝐼𝑅𝑡 é o índice de reajuste no período 𝑡;
𝑤𝑖 é o peso de cada componente de custo da prestação de serviços 𝑖;
𝜋𝑖 é o índice de inflação a ser considerado para o reajuste de cada componente de custo e;
𝑖 ∈ {𝑚𝑜, 𝑒, 𝑠, 𝑞, 𝐼, 𝐷} são os componentes mínimos de custo a serem considerados, respectivamente mão de obra (𝑚𝑜), energia (𝑒), serviços (𝑠), produtos químicos (𝑞), investimentos (𝐼) e demais custos despesas (𝐷).
O objetivo desta fórmula paramétrica é o de refletir a evolução dos principais custos da concessão em razão das variações inflacionárias observadas no ciclo de reajuste previsto em contrato. Cria- se, assim, um mecanismo automático de recomposição de perdas geradas pela variação dos preços dos custos incorridos pela concessionária.
A fórmula paramétrica deverá levar em consideração: (i) componentes de custo relacionados à prestação dos serviços; (ii) índices de preços que reflitam a variação anual dos custos relacionados à prestação dos serviços; (iii) pesos para cada um dos componentes da fórmula paramétrica, pro- porcionais à participação desses custos. O peso de cada componente (indicado pela variável 𝑤𝑖
na fórmula paramétrica) a multiplicar o índice de preços correspondente exerce influência relevante
na determinação do reajuste. É válido, pois, que se apresente um referencial que auxilie na cons- trução destes valores. Importante destacar que, em alguns casos, estes pesos podem variar, a de- pender de especificidades a serem analisadas nos contratos.
Para a construção de uma proposta para estes pesos, foram utilizados como referência os custos e investimentos previstos para quatro conjuntos distintos de concessões e/ou prestadores de serviço, a saber: Concessão Alagoas, Concessão Amapá, Concessão Rio de Janeiro e SABESP (São Paulo). A opção por estes casos justifica-se por já englobarem a universalização dos sistemas de água e de esgotamento sanitário até 2033 nas regiões em que atuam, alinhadas ao que prevê o Novo Marco do Saneamento Básico, no caso dos projetos, e no caso da SABESP por realizar investimentos compatíveis com a universalização dos serviços e acima da média nacional. Não se adotou como amostra um conjunto mais amplo dos prestadores de serviço, pois, em geral, o investimento que é realizado fica aquém do necessário, logo os pesos da fórmula paramétrica poderiam não refletir a real necessidade de investimentos para o setor.
Os custos são separados nas 6 categorias já explicitadas na fórmula paramétrica: mão de obra, energia, serviços, produtos químicos, CAPEX e outros custos.
Para a concessão do Amapá, foram utilizadas as informações do Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE), disponibilizados pelo Governo do Estado do Amapá16. Os valores foram agru- pados em cada uma das categorias conforme o Quadro 5:
16 Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxxx.xx.xxx.xx/
Quadro 5: Peso Relativo das Variáveis de Custos para a Concessão do Amapá
Variáveis Fórmula | Variáveis EVTE | Total | Peso Relativo |
Mão-de-obra | Recursos Humanos | 2.013.440.891 | 25,22% |
Energia | Energia Água + Energia Esgoto | 1.077.790.275 | 13,50% |
Produtos Químicos | Produtos Químicos | 545.195.348 | 6,83% |
Serviços | Outros Custos e Despesas (80%) | 1.095.586.748 | 13,72% |
Outros Custos | Outros Custos e Despesas (20%) | 273.896.687 | 3,43% |
CAPEX | CAPEX | 2.977.649.028 | 37,30% |
Fonte: Elaboração Própria, com base em EVTE da Concessão Saneamento Básico do Estado do Amapá (2021)
Para a concessão de Alagoas, este documento baseou-se nas informações disponibilizadas na Apre- sentação do Projeto de concessão de água e esgotamento sanitário da Região Metropolitana de Maceió (AL)17. Os valores consolidados por categorias de custos estão disponíveis no Quadro 6:
Quadro 6: Peso Relativo das Variáveis de Custos para a Concessão de Alagoas
Variáveis Fórmula | Variáveis EVTE | Total | Peso Relativo |
Mão-de-obra | Mão de obra | 2.249.155 | 24,18% |
Energia | Energia Elétrica | 1.862.281 | 20,02% |
Produtos Químicos | Produtos Químicos e Análise Laboratoriais | 714.470 | 7,68% |
Serviços | Manutenção + Despesas Gerais | 1.479.318 | 15,90% |
Outros Custos | Despesas com veículos + Licenciamento Ambiental | 431.313 | 4,64% |
CAPEX | CAPEX | 2.564.635 | 27,57% |
Fonte: Elaboração Própria, com base em BNDES (2019)
Já para a concessão do Rio de Janeiro, o peso relativo de cada uma das variáveis foi calculado considerando a soma para cada em todos os blocos. As informações foram extraídas do EVTE dos blocos de 1 a 4 da Concessão, disponibilizados pelo BNDES no seu Hub de Projetos18. As informa- ções e os resultados estão consolidados no Quadro 7:
17 Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxx/xxxxxxx/xxx/xxxxxx-xxxxxx/Xxxxxxx_Xx- neamento_Alagoas.pdf
18 Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxx.xxxxx.xxx.xx/xx/xxxxxxxx. Os EVTE’s de cada um dos blocos estão disponível no respectivo Anexo I dos editais.
Quadro 7: Peso Relativo das Variáveis de Custos para a Concessão do Rio de Janeiro
Variáveis Fórmula | Variáveis XXXX | Xxxxx 0 | Xxxxx 0 | Xxxxx 0 |
Mão-de-obra | Pessoal | 5.447.604 | 3.295.962 | 3.871.448 |
Energia | Energia | 4.758.906 | 2.672.679 | 1.112.987 |
Produtos Químicos | Materiais de Tratamento | 678.128 | 291.875 | 127.154 |
Serviços | Manutenção + Seguro-Garantia + Contingências + Seguros | 2.196.091 | 1.541.246 | 1.633.635 |
Outros Custos | Outros Custos Operacionais + Custos Licitatórios | 2.421.793 | 650.766 | 1.019.073 |
CAPEX | Investimentos | 8.303.330 | 2.690.882 | 2.632.207 |
Variáveis Fórmula | Variáveis EVTE | Bloco 4 | Total | Peso Relativo |
Mão-de-obra | Pessoal | 15.055.267 | 27.670.281 | 27,48% |
Energia | Energia | 10.735.665 | 19.280.237 | 19,15% |
Produtos Químicos | Materiais de Tratamento | 2.640.055 | 3.737.212 | 3,71% |
Serviços | Manutenção + Seguro-Garantia + Contingências + Seguros | 6.053.084 | 11.424.056 | 11,34% |
Outros Custos | Outros Custos Operacionais + Custos Licitatórios | 4.786.519 | 8.878.150 | 8,82% |
CAPEX | Investimentos | 16.087.846 | 29.714.265 | 29,51% |
Fonte: Elaboração Própria, com base em EVTE’s da Concessão Saneamento Básico dos Blocos de 1 a 4 do Estado do Rio de Janeiro (2021)
Por fim, para a concessão da SABESP, em São Paulo, foram utilizadas as informações da 3ª Revisão Tarifária Ordinária19. Nela, constam os valores estimados para o quadriênio 2021-24 de acordo com o grupo de custos. Os respectivos totais e pesos relativos das variáveis são apresentados no Quadro 8:
Quadro 8: Peso Relativo das Variáveis de Custos da SABESP
Variáveis Fórmula | Variáveis Nota Técnica | Total Quadriênio | Peso Relativo |
Mão-de-obra | Pessoal | 00.000.000.000 | 22,45% |
Energia | Energia Elétrica | 5.015.138.758 | 10,80% |
Produtos Químicos | Materiais de Tratamento | 1.314.162.938 | 2,83% |
Serviços | Serviços de Terceiros | 6.856.268.121 | 14,76% |
Outros Custos | Despesas Gerais | 1.374.500.709 | 2,96% |
CAPEX | CAPEX TOTAL | 00.000.000.000 | 44,08% |
Fonte: Elaboração Própria, com base em NTF 0005/2021 da ARSESP (2021)
A proposição de pesos relativos aos índices de preços na fórmula paramétrica considera, por fim, a média dos quatro casos supracitadas. Assim, o Quadro 9 consolida o peso relativo de cada uma
19 Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xx.xxx.xx/XxxxxxxxxXxxxxxxxXxxxxxxxxx/XXX-0000-0000.xxx
das variáveis de custos, com os correspondentes índices de preços, para as 4 concessões analisadas, e apresenta uma proposta baseada na média destes pesos relativos:
Quadro 9: Proposta para os Pesos Relativos dos Índices de Preço na Fórmula Paramétrica de Re- ajuste Tarifário
Variáveis | Índices de Preços | AP | AL | RJ | SABESP | Média | Proposta |
Mão-de-obra | INCC | 25,2% | 24,2% | 27,5% | 22,4% | 24,8% | 25,0% |
Energia | Tarifa Média de Energia | 13,5% | 20,0% | 19,1% | 10,8% | 15,9% | 15,0% |
P. Químicos | IPA-OG | 6,8% | 7,7% | 3,7% | 2,8% | 5,3% | 5,0% |
Serviços | IPCA | 13,7% | 15,9% | 11,3% | 14,8% | 13,9% | 15,0% |
Outros custos | IPCA | 3,4% | 4,6% | 8,8% | 5,1% | 5,5% | 5,0% |
Capex | INCC | 37,3% | 27,6% | 29,5% | 44,1% | 34,6% | 35,0% |
Fonte: Elaboração Própria
Plano Estratégico de Transição Regulatória
O objetivo deste capítulo é apresentar uma proposta de Plano de Estratégico de Transição Regu- latória (PTR), isto é, de adaptação dos contratos vigentes no setor de saneamento básico às normas de referência que serão divulgadas pela Agência Nacional de Águas (ANA) ao longo dos próximos anos.
O texto está dividido em 4 seções. Na Seção 2, apresenta-se a agenda regulatória da ANA para os próximos anos, com a previsão de divulgação das normas de referência entre outras publicações. Na terceira seção, apresentam-se os PTRs referentes à Adaptação dos Contratos de Programa e às Minutas de Propostas de Normas de Referência elaboradas para os temas de Reajuste Tarifário Inflacionário, Revisão Tarifária Periódica e Estrutura Tarifária. A quarta seção destaca os prazos máximos para a conclusão do processo de transição de todos os elementos que são objeto deste projeto. Uma última seção enumera os benefícios esperados da transição regulatória e destaca a magnitude do desafio proposto.
1.7 A agenda regulatória da ANA para Saneamento
De acordo com a Resolução ANA Nº 105, de 18 de outubro de 2021, a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Águas atualizou o calendário para elaboração e edição das Normas de Referência para o Saneamento Básico (Eixo Temático 5) para o período de 2021 a 2023. Neste período, é prevista a elaboração de dezenove normas de referência para o setor de saneamento, o que inclui o abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, drenagem de águas pluviais urbanas e manejo de resíduos sólidos. A edição das normas de referência por parte da XXX é o ponto de partida para que as adaptações regulatórias sejam realizadas.
O Quadro apresenta o calendário previsto para a edição das normas de referência por parte da Agência Nacional de Águas.
Quadro 10: Calendário de Edição da Norma de Referência para o Saneamento Básico
2021 | Segundo Semestre
Procedimentos para a elaboração de normas.
Conteúdo mínimo de aditivos aos contratos para água e esgoto para atendimento ao art. 11B da Lei 1.445/2007
2022 | Primeiro semestre
Procedimento transitório de monitoramento das normas.
Padrões e indicadores de qualidade e eficiência e avaliação da eficiência e eficácia para água e esgoto.
Diretrizes para definição do modelo de regulação para água e esgoto.
Indenização de ativos para água e esgoto.
2022 | Segundo semestre
Diretrizes para metas progressivas de cobertura para água e esgoto e sistemas de avaliação.
Modelo organizacional das agências reguladoras infranacionais, transparência e accountability.
Matriz de riscos de contratos para água e esgoto.
Procedimentos para mediação e arbitragem.
Condições gerais de prestação dos serviços de resíduos sólidos urbanos.
2023 | Primeiro semestre
Critérios para a contabilidade regulatória privada para os serviços de água e esgoto.
Estrutura tarifária para água e esgoto
2023 | Segundo semestre
Padronização dos contratos de concessão para água e esgoto.
Diretrizes para definição de modelo de regulação de drenagem e manejo de águas pluviais ur- banas.
Padrões e indicadores de qualidade e eficiência e avaliação da eficiência e eficácia para resí- duos sólidos urbanos.
Procedimentos para comprovação da adoção das normas de referência.
Reajuste tarifário para água e esgoto.
Condições gerais prestação dos serviços, atendimento ao público e medição, faturamento e co- brança, dos serviços de água e esgoto.
Fonte: RESOLUÇÃO ANA Nº 105, DE 18 DE OUTUBRO DE 2021.
1.8 Plano Estratégico de Transição Regulatória
A apresentação do Plano Estratégico de Transição Regulatória está dividida em duas subseções, a primeira dedicada à adaptação dos Contratos de Programa e a segundo aos temas de Reajuste Tarifário Inflacionário, Revisão Tarifária Periódica e Estrutura Tarifária.
1.8.1 Adaptação dos Contratos de Programa
A necessidade de adaptação dos contratos de programa celebrados ao amparo das Leis 11.107/2005 e 11.445/2007, tendo por objeto a prestação de serviços de saneamento básico a um ou mais municípios, por entidade integrante da administração pública de outro ente da federa- ção, decorre de imposição legal. Vale dizer, as partes devem providenciar a adaptação indepen- dentemente da edição de Norma de Referência pela Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA), nos termos do artigo 25-A da Lei 11.445/2007, combinando com o artigo 4º-A da Lei 9.984/2000.
Por força do artigo 11-B da Lei 11.445/2007, introduzido pela Lei 14.026/2020, a contratuali- zação das metas de universalização, assim como das metas quantitativas de não intermitência do abastecimento, de redução de perdas e de melhoria dos processos de tratamento, deverá ocorrer até 31 de março de 2022. Trata-se do mesmo prazo previsto no artigo 14 do Decreto 10.710/2021, para conclusão do procedimento de comprovação de capacidade econômico-finan- ceira dos atuais prestadores de serviços. Por sua vez, o artigo 11, II, do mesmo texto regulamentar, exige a celebração de termo aditivo para incorporação das metas, simultaneamente à recomposi- ção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Daí porque o cronograma de adaptação dos contratos de programa aos ditames do novo marco legal deveria, nesse particular, estar alinhado com as prescrições do Decreto 10.710/2021.
A Lei 11.445/2007, conforme alterada pela Lei 14.026/2020, exige que sejam feitos outros ajus- tes nos contratos de programa vigentes, porém, sem estabelecer um prazo limite para sua formali- zação. Incluem-se nessa categoria a previsão de metas de qualidade na prestação dos serviços, de eficiência e de uso racional da água, da energia e de outros recursos naturais, de reuso de efluentes sanitários e de aproveitamento de águas de chuva. Outras adaptações obrigatórias abrangem disposições contratuais sobre (i) receitas acessórias; (ii) metodologia de cálculo de even- tual indenização relativa a bens reversíveis não amortizados por ocasião da extinção do contrato;
(iii) matriz de riscos e sua alocação entre as partes; (iv) verificação do atendimento das metas contratualizadas e decretação de caducidade no caso de falha sistemática do prestador em atingi- las.
A rigor, somente seriam passíveis de adaptação os contratos de programa considerados válidos e vigentes. Por conseguinte, o plano de transição regulatória deveria esclarecer os requisitos de va- lidade considerados indispensáveis nesse caso. Uma possível abordagem consiste em presumir como
válidos os contratos de programa celebrados ou aditivados após o advento das Leis 11.107/2005 e 11.445/2007, que atendam cumulativamente às seguintes condições: (i) tenham forma escrita, prazo de duração determinado e vigência ainda em curso; (ii) abranjam pelo menos uma das ati- vidades de distribuição de água potável, coleta e tratamento de esgoto; (iii) contenham obrigações de investimento e de serviço; (iv) prevejam aplicação de penalidades no caso de inadimplência do prestador de serviços; (v) contenham indicação da entidade encarregada das atividades de regu- lação e fiscalização, com possibilidade de aplicação de sanções.
A existência pretérita de Plano de Saneamento Municipal ou Regional, não obstante constasse da primitiva redação do artigo 11 da Lei 11.445/2007, pode ser substituída pela previsão genérica de obrigações de investimento e de serviço. Isso porque, a elaboração e a atualização do Plano de Saneamento é obrigação do titular do serviço, que sequer pode ser delegada ao prestador, razão pela qual não faria sentido penalizar o segundo por eventual inércia do primeiro.
Segundo o artigo 10-A, caput, da Lei 11.445/2007, a falta de adaptação dos contratos de pro- grama pode ensejar a decretação superveniente de sua nulidade. No entanto, o texto legal deixa em aberto variáveis importantes para operacionalizar a aplicação dessa sanção jurídica. Entre outras coisas, não existe definição sobre (i) o procedimento a ser adotado para reconhecimento da invalidade jurídica; (ii) a divulgação de informações relativas aos contratos de programa vigentes;
(iii) quem teria legitimidade para pleitear a decretação de nulidade; (iv) a possibilidade de deci- são administrativa ou a necessidade de pronunciamento judicial; (v) a existência de direito subjetivo de umas das partes (titular do serviço ou prestador) para impor a adaptação do contrato diante da resistência injustificada da outra parte; (vi) as consequências advindas da invalidação; (vii) a forma de indenização dos investimentos não amortizados, realizados pelo prestador dos serviços cujo contrato foi declarado nulo. Faz-se recomendável o enfrentamento desses temas, como parte do plano de transição regulatória que pretenda dar efetividade aos comandos da Lei 14.026/2020.
Conforme enfatizado, o movimento de adaptação dos contratos de programa prescinde de qual- quer Norma de Referência editada pela ANA. Forçoso reconhecer, porém, que a existência de Norma de Referência pode ser vantajosa sob diversos aspectos, a começar pela padronização dos ajustes contratuais e a maior certeza na consecução dos objetivos pretendidos pelo novo marco legal do saneamento básico, notadamente a universalização dos serviços até o ano de 2033. A Norma de Referência nesse caso não possui caráter cogente e visa apenas a orientar os titulares, os reguladores e os prestadores dos serviços sobre o cumprimento das prescrições dos artigos 10- A, 11 e 11-B da Lei 11.445/2007, introduzidos ou alterados pela Lei 14.026/2020, de modo a que a atividade exercida possa se beneficiar do apoio técnico e financeiro da União, assim como do acesso a recursos públicos federais (cf. artigo 13 da Lei 14.026/2020, c/c artigo 50 da Lei 11.445/2007).
Em face da natureza predominantemente indutiva da Norma de Referência, a observância das regras e diretrizes ali estabelecidas são facultativas quanto ao seu conteúdo, não obstante a carga mandatória da Lei 14.026/2020 no que se refere à necessidade de adaptação dos contratos de programa. Por exemplo, a preservação da validade jurídica do instrumento contratual pressupõe a existência de uma matriz de riscos, mas não é essencial que seja adotada exatamente a solução proposta na Norma de Referência para se evitar a declaração de nulidade. Se a Norma de Refe- rência for acatada, o titular e o prestador dos serviços farão jus ao apoio financeiro e técnico da União; caso contrário, o contrato de programa seguirá vigorando com sua específica matriz de risco. O que não se admite é a falta de qualquer matriz de risco.
Com base nessa lógica, a Norma de Referência não precisa reverenciar as disposições dos contratos de programa em curso, porquanto as alterações supervenientes não terão caráter obrigatório e dependerão sempre do consenso entre o titular e o prestador dos serviços. Em outras palavras, os incentivos oferecidos pela Norma de Referência não violam direito adquirido ou ato jurídico per- feito, na medida em que podem ser recusados pelos interessados, ainda que isso imponha restrições e custos indiretos. Já a previsão contratual das metas, em consonância com o artigo 11-B da Lei 11.445/2007, decorre diretamente do comando legal, e não da Norma de Referência.
É certo que o estabelecimento das metas quantitativas e qualitativas de presença obrigatória nos contratos de programa poderá demandar algum tempo, porquanto depende de estudos técnicos mais acurados, que levem em conta inclusive as diferenças regionais e as práticas usuais. No pri- meiro momento, sugere-se a contratualização apenas das metas já adotadas (ou de metas mais rígidas se houver consenso entre as partes), com a aprovação da entidade responsável pela regu- lação e fiscalização.
Em paralelo, seria importante a definição desde logo de critérios objetivos para aferição do cum- primento das metas, sobretudo as relativas à expansão da cobertura dos serviços. No caso de prestação regionalizada, as metas deveriam se referir a cada município individualmente. Existem desafios adicionais para adaptação dos vários contratos de programa vigentes em face do mesmo prestador dos serviços. Para lidar com o assunto, o plano de transição regulatória deveria assumir a existência de coligação contratual, de modo a fortalecer a alternativa de regulação conjunta e impedir posturas discriminatórias em face de municípios menos rentáveis.
É importante que o plano de transição regulatória contenha um cronograma progressivo de adap- tação dos contratos de programas em relação a todos os pontos considerados obrigatórios por força de lei, ou que sejam fruto de indução por meio de Norma de Referência. Ressalvadas os ajustes contratuais que precisam ser implementados por meio de aditivo até 31 de março de 2022, os demais podem aguardar a edição da Norma de Referência específica sobre o assunto, com a definição detalhada das metas quantitativas e a forma de aferição do seu cumprimento.
As alterações necessárias ou facultativas tampouco precisam ocorrer no momento da revisão tari- fária periódica, a que normalmente estão sujeitos os contratos de programa. Se o ajuste contratual demandar a recomposição imediata do equilíbrio econômico-financeiro, será sempre possível o recurso à revisão extraordinária.
Considerando a duração prolongada da transição regulatória, a Norma de Referência pode pres- crever que o titular e o prestador dos serviços assumam o compromisso de acatar futuras disposições sobre regulação do setor de saneamento básico. Não se trata aqui da obrigação de realizar novas alterações contratuais, mas de se sujeitar a normas supervenientes sobre matéria não contratuali- zada, que foi propositalmente deixada à discricionariedade do regulador.
A adaptação dos contratos de programa, notadamente para incorporação de metas obrigatórias, não deve ficar à mercê da prévia elaboração ou atualização do Plano de Saneamento Municipal ou Regional, sob pena de sujeitar o prestador a uma variável exógena que ele não controla. Nesse sentido, recomenda-se que a Norma de Referência preveja a necessidade de o titular dos serviços rever o plano em função do contrato adaptado, dentro de um prazo máximo considerado factível de por exemplo 24 meses.
Finalmente, recomenda-se que o plano de transição regulatória faculte à entidade subnacional responsável pela regulação e fiscalização apresentar à ANA proposta de solução alternativa em relação àquela prevista na Norma de Referência. A proponente teria o ônus de demonstrar a XXX que a solução alternativa se afigura mais adequada à realidade local, considerando as peculiari- dades da área operada, o perfil do prestador e dos usuários, o histórico e a experiência concreta do modelo de regulação até então adotado. Se a proposta for acatada pela ANA, o titular e o prestador dos serviços continuariam fazendo jus ao apoio técnico e financeiro da União, assim como ao acesso a recursos públicos federai, conforme previsto no artigo 13 da Lei 14.026/2020, com- binado com o artigo 50 da Lei 11.445/2007. Tal medida está em linha com tendência atual de se admitir a prática do sandbox regulatório, como forma de incentivar a inovação em determinados setores.
1.8.2 Reajuste Tarifário Inflacionário, Revisão Tarifária Periódica e Estrutura Tarifária
A proposta de transição regulatória aqui descrita aplica-se aos contratos de prestação de serviço de saneamento básico objetos das Minutas de Proposta de Norma de Referência para Reajuste Tarifário Inflacionário, Revisão Tarifária Periódica ou Estrutura Tarifária.
Diante da heterogeneidade dos contratos de prestação de serviço de saneamento básico atual- mente vigentes e do fato de que as Normas de Referência são não-cogentes, entende-se que o prazo para compatibilização dos dispositivos contratuais às Normas de Referência deve ser longo o suficiente para permitir a devida adequação dos contratos, mas também precisa definir clara- mente uma data limite. Sendo assim, propõe-se que tais adequações tenham prazo máximo de
quatro anos a partir da entrada em vigência da respectiva Norma de Referência. O prazo má- ximo estipulado considera o tempo de duração usual de um ciclo tarifário.
A Tabela 5 propõe um cronograma para a formulação de um Plano de Transição Regulatória no que se referem aos temas de Reajuste Tarifário Inflacionário, Revisão Tarifária Periódica e Estrutura Tarifária.
O cronograma se inicia com a divulgação por parte da ANA da Norma de Referência. As agências regulatórias locais (ARLs) terão um mês para preparar e enviar às operadoras e aos órgãos con- cedentes consultas sobre a viabilidade de adequação dos contratos às normas de referência e sobre o prazo para a realização destas adequações. As operadoras e os órgãos concedentes terão prazo de até seis meses para preparar um plano estratégico de transição regulatória. Neste inter- valo, as operadoras e os órgãos concedentes poderão encaminhar às ARLs questionamentos e su- gestões de adequação das Normas de Referência às peculiaridades locais. Após o prazo de seis meses, as ARLs terão prazo adicional de 60 dias para aprovar o PTR e enviar à XXX. A ANA, por sua vez, terá prazo adicional de 60 dias para aprovar o PTR encaminhado pelas ARLs, totalizando com isso 11 meses desde o início do prazo, contado a partir da divulgação das normas de refe- rência pela ANA.
Ao final de um ano após a divulgação das normas de referência, e periodicamente ao longo dos próximos 4 anos, as ARLs deverão enviar à ANA relatório de acompanhamento dos Planos de Transição Regulatória referentes aos seus entes regulados. Uma vez recebido os relatórios de acom- panhamento, a ANA terá prazo adicional de 60 dias para preparar e divulgar o primeiro relatório de acompanhamento do Plano Estratégico de Transição Regulatória, que deve se repetir anual- mente pelos próximos 4 anos, até o final do período máximo de transição regulatória.
Tabela 5: Cronograma de formulação de Plano Estratégico de Transição Regulatória (PTRs)
Ínicio (dia) | Fim (dia) | Atividade | Duração (meses) |
1 | 1 | Divulgação das Normas de Referência pela ANA | 0 |
1 | 30 | Agências Regulatórias Locais (ARLs) preparam e enviam consulta às opera- doras e aos órgãos concedentes sobre PTR | 1 |
30 | 210 | Operadoras e Concedentes preparam PTR | 6 |
210 | 210 | Prazo máximo para envio do PTRs às ARLs | 0 |
210 | 300 | ARLs analisam PTRs | 3 |
300 | 300 | Prazo máximo para aprovação do PTR pelas ARLs e envio para ANA | 0 |
300 | 360 | ANA analisa PTRs | 2 |
360 | 360 | Prazo máximo para aprovação do PTR pela ANA | 0 |
395 | 395 | Prazo máximo para envio para a ANA do relatório de acompanhamento pe- las ARLs | 1 |
425 | 425 | Prazo máximo para divulgação pela ANA de relatório anual consolidado | 1 |
Elaboração: FGV
As informações da Tabela 5 são também apresentadas no Quadro 11, cuja elaboração considerou que a divulgação da Norma de Referência aconteceu em 1 de janeiro de 2023.
Quadro 11: Cronograma de formulação de Plano Estratégico de Transição Regulatória
Elaboração: FGV
63
1.9 Prazos máximos para a transição regulatória
O Quadro 12 apresenta os prazos máximos para transição regulatória considerando as normas com escopo aderente a este trabalho. O quadro considera o prazo previsto para a edição de cada uma das normas, de acordo com a Resolução ANA Nº 105, de 18 de outubro de 2021 e o prazo máximo de quatro anos para a adaptação regulatória.
Quadro 12: Prazos Máximos para Transição Regulatória
Xxxxx | Xxxxx Previsto para a edi- ção | Prazo máximo para a adap- tação regulatória |
Conteúdo mínimo de aditivos aos con- tratos para água e esgoto para atendi- mento ao art. 11B da Lei 1.445/2007 | 2021 | Segundo Semestre | 2022 | Primeiro semestre |
Diretrizes para definição do modelo de regulação para água e esgoto. | 2022 | Primeiro semestre | 2023 | Segundo semestre |
Matriz de riscos de contratos para água e esgoto. | 2022 | Segundo semestre | 2026 | Segundo semestre |
Estrutura tarifária para água e esgoto. | 2023 | Primeiro semestre | 2027 | Primeiro semestre |
Padronização dos contratos de conces- são para água e esgoto. | 2023 | Segundo semestre | 2027 | Segundo semestre |
Reajuste tarifário para água e esgoto. | 2023 | Segundo semestre | 2027 | Segundo semestre |
Fonte: Elaboração FGV
1.10 Resultados esperados
A transição para um ambiente mais homogêneo da regulação do setor de saneamento básico no Brasil, com regras mais claras e objetivas, tem por finalidade:
• Estabelecer critérios técnicos para os processos de cálculo tarifário, respeitando a de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro.
• Incentivar a adoção de estruturas tarifárias em todo o país que reflitam critérios ade- quados de alocação entre os consumidores, respeitando os princípios de equidade e de capacidade de pagamento.
64
• Estabelecer mecanismos de reajuste tarifário que possibilitem a adequada e proporcio- nal reposição da variação dos custos decorrentes de processos inflacionários.
• Estimular a atração de investimentos para o setor por meio da redução da insegurança jurídica.
• Aproximar o país dos padrões da universalização dos serviços de abastecimento de água e do aumento significativo da cobertura da coleta e do tratamento do esgoto em todo o território nacional, por meio do aumento contínuo do investimento no setor.
• Estabelecer regras mais claras e transparentes que propiciem o desenvolvimento de re- lações de confiança entre todos os agentes envolvidos na prestação do serviço de sane- amento – usuários do sistema, operadores, concedentes – mediados pela atuação das agências reguladoras.
• Acelerar a qualificação profissional dos trabalhadores e servidores atualmente empre- gados no setor.
• Viabilizar a elaboração de metodologia que permita a comparação do nível de efici- ência e dos resultados das empresas operadoras.
Por outro lado, os custos envolvidos na transição para o ambiente de regulação desenhado nesse projeto envolvem alterações nos contratos e nas práticas regulatórias vigentes em milhares de municípios.
Especificamente, no que se refere às normas de referência propostas para procedimentos de reajustes tarifário inflacionário, o levantamento realizado no Produto II mostrou que aproximada- mente 1.700 municípios já adotam algum tipo de fórmula paramétrica para o reajuste tarifário, incluindo os municípios atendidos pelas operadoras COPASA/COPANOR, SANEPAR, CAESB, CA- GECE, SANEAGO, AGESPISA, AGENERSA, CAESA e CASAL.
No que se refere às normas de referência propostas para a definição de estruturas tarifárias, pouco mais de mil municípios já adotam tarifas multipartes, com a primeira parcela fixa, incluindo os municípios atendidos pelas operadoras COPASA/COPANOR, SANEAGO, CAESB e CASAN.
No que se refere a modelos regulatórios, a edição de 2020 do Sistema Nacional de Informações de Saneamento (SNIS) informa que os serviços de saneamento básico são de responsabilidade da administração pública direta em mais de mil municípios; nesses municípios, em geral, a presta- ção dos serviços de saneamento não está submetida à regulação externa.
A adequação do modelo de regulação às normas de referência propostas neste trabalho por- tanto, envolve trabalho de muitos anos, iniciados com a reforma do marco regulatório do setor promovida pela Lei 14.026/2020.
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AVALIAÇÃO E PROPOSIÇÃO DE ALTERNATIVAS PARA ESTRUTURA REGULATÓRIA DO SETOR DE SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL
PREPARADO PARA: PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD)
Contrato BRA10-707/38412/2020 Projeto BRA/19/015
PRODUTO V – PROPOSTA DE MECANISMOS CONTRATUAIS
TEXTO EXPLICATIVO DA MINUTA DE EDITAL E DE CONTRATO
30 DE OUTUBRO DE 2021
Ficha Técnica
Coordenador: Xxxxxx Xxxxxxxx Assistente de Coordenação: Xxxxx Xxxxx Pesquisador: Xxxxx Xxxxxx
Equipe Técnica (em ordem alfabética)
Xxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx
Xxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxxxxxx
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx
Xxxxxxxx Xxxxxxx Capodeferro Xxxxx Xxxxxxxx
Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
Resumo
Este documento apresenta o Produto V referente ao Projeto “Avaliação e proposição de alternativas para estrutura regulatória do setor de saneamento básico no Brasil”. O relatório apresenta a entrega da versão final da minuta de Xxxxxx e de Contrato, que compõem o Produto V – Proposta de mecanismos contratuais.
Sumário
2 Nota introdutória: modelo de prestação dos serviços 7
3 Principais fundamentações da Minuta de Edital 9
3.3 Qualificação Econômico-Financeira 14
3.5 Vedação à apresentação do Plano de Negócios 16
4 Principais fundamentações da Minuta de Contrato 18
4.7 Investimentos Obrigatórios 23
4.8 Obras do Sistema e Incorporadas de Terceiros 24
4.9 Bens Vinculados e Reversíveis 26
4.10 Obrigações de serviço, metas de atendimento e indicadores de desempenho 28 4.11 Verificador Independente 31
4.12 Estrutura societária, transferência de controle e capitalização da Concessionária
……………………………………………………………………………………………………………………….32 4.13 Outorga variável ................................................................................................. 33
4.14 Regulação e Fiscalização dos Serviços 33
4.15 Remuneração da Concessionária 34
4.16 Reajuste 36
4.17 Aplicação do Índice de Desempenho Geral nas tarifas 37
4.18 Alteração do Contrato 38
4.19 Revisão Ordinária 39
4.20 Revisão Extraordinária 40
4.21 Alocação de Riscos 41
4.22 Equilíbrio econômico-financeiro 53
4.23 Penalidades contratuais 54
4.24 Hipóteses de extinção contratual 55
4.25 Caducidade 55
4.26 Solução de Controvérsias 58
5 Notas sobre prestação regionalizada 59
1 Apresentação
Este documento apresenta a versão final da minuta de Edital apresentada como atividade integrante do Produto V – Proposta de mecanismos contratuais referente ao Projeto “Avaliação e proposição de alternativas para estrutura regulatória do setor de saneamento básico no Brasil”. Este relatório tem por objetivo apresentar texto explicativo dos mecanismos e alternativas apresentados na minuta do Edital com os principais fundamentos e justificativas das alternativas editalícias propostas.
O resultado é apresentado nas seções seguintes, já contendo pontos discutidos nas reuniões de trabalho do projeto entre as equipes da contratada e da contratante.
2 Nota introdutória: modelo de prestação dos serviços
O arranjo jurídico-institucional que inspirou as minutas de edital e de contrato ora propostas, para concessão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, tem por base um modelo de prestação isolada pelo titular do serviço (Município).
A titularidade dos serviços públicos de saneamento básico é atribuída (i) aos Municípios e Distrito Federal, em caso de interesse local; (ii) ao Estado, em conjunto com os Municípios que compartilham efetivamente instalações operacionais integrantes de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, instituídas por lei complementar estadual, no caso de interesse comum (art. 8º). É autorizado o exercício da titularidade dos serviços de saneamento também por gestão associada, assim entendida a associação voluntária entre entes federativos, mediante consórcio público ou convênio de cooperação, nos termos do art. 241 da Constituição Federal (art. 3º, II, e art. 8º, § 1º, da Lei de Saneamento).1
Sabe-se que a reforma da Lei nº 11.445/2007 (i.e., marco legal do saneamento ou “Lei de Saneamento”), promovida pela Lei nº 14.026/2020, consagrou o modelo de prestação regionalizada como solução preferencial para viabilizar a universalização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil.2
Essencialmente, de acordo com a definição do art. 3º, VI, da Lei de Saneamento, entende-se por prestação regionalizada a modalidade de prestação integrada de um ou mais componentes dos serviços públicos de saneamento básico em determinada região cujo território abranja mais de um Município, podendo ser estruturada em:
1 In verbis: “Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.”
2 Nesse particular, vale ressaltar o disposto no art. 50, VII, da Lei de Saneamento, que estabelece que a alocação de recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da União é condicionada, dentre outros eventos, à estruturação de prestação regionalizada.
(i) Região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião: unidade instituída pelos Estados mediante lei complementar, de acordo com o § 3º do art. 25 da Constituição Federal, composta de agrupamento de Municípios limítrofes e instituída nos termos da Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (“Estatuto da Metrópole”);
(ii) Unidade regional de saneamento básico: unidade instituída pelos Estados mediante lei ordinária, constituída pelo agrupamento de Municípios não necessariamente limítrofes, para atender adequadamente às exigências de higiene e saúde pública, ou para dar viabilidade econômica e técnica aos Municípios menos favorecidos;
(iii) Bloco de referência: agrupamento de Municípios não necessariamente limítrofes, estabelecido pela União, de forma subsidiária aos Estados, e formalmente criado por meio de gestão associada voluntária dos titulares.
No entanto, os contornos práticos do modelo de regionalização do saneamento básico no Brasil ainda não atingiram um estado de maturidade suficiente para que possam ser refletidos em uma minuta padrão de contrato de concessão.
Além disso, considerando que objetivo da minuta padrão é propor soluções para temas tipicamente contratuais, eventual assunção de modelo de prestação regionalizada teria o condão de capturar as discussões, relegando a um segundo plano o que deveria ser o foco do presente trabalho: as discussões de temas caros à modelagem de contratos de concessão.
Portanto, serão apresentadas neste documento o detalhamento e as justificativas das escolhas de modelagem refletidas nas minutas padrão de edital e contrato de concessão. Nada obstante, será apresentado ao final um capítulo contendo delineamento sobre temas relacionados à prestação regionalizada dos serviços que podem demandar tratamento contratual específico no âmbito de uma concessão. Com isso, pretende-se pavimentar o caminho para o estudo aprofundado das soluções de arranjo jurídico-institucional e modelagem contratual para um modelo de prestação regionalizada dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
3 Principais fundamentações da Minuta de Edital
As subseções seguintes apresentam os principais fundamentos e justificativas das opções adotadas na elaboração da minuta de edital.
3.1 Modalidade de licitação
Sugere-se a adoção da modalidade de licitação “concorrência internacional”, que encontra fundamento no art. 2º, II, da Lei nº 8.987/1995 e nos arts. 6º XXXV e 52 e ss. da Lei nº 14.133/2021.
3.2 Objeto
Tendo em vista que o foco dos estudos desenvolvidos ao longo do presente projeto é apresentar proposta contratual de concessão de água e esgoto, recomenda-se que o objeto da licitação seja a adequada prestação dos serviços de saneamento básico e de esgotamento sanitário, ou seja, foi assumida a hipótese de concessão plena (assim compreendida aquela que compreende os serviços de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário no mesmo objeto), em linha com o art. 4º-A, §3º, VIII da Lei nº 9.984/20003.
Consideradas as particularidades locais de cada projeto, será possível a inclusão dos serviços de manejo e disposição final de resíduos sólidos, bem como de drenagem e manejo de águas pluviais urbanas.
Afigura-se mais problemática, porém, a inclusão dos serviços de limpeza urbana no escopo dos projetos de concessão de abastecimento de água potável e esgotamento
3 In verbis: “Art. 4º-A. A ANA instituirá normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico por seus titulares e suas entidades reguladoras e fiscalizadoras, observadas as diretrizes para a função de regulação estabelecidas na Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007.
[...]
§ 3º As normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico deverão: [...]
VIII - assegurar a prestação concomitante dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento
sanitário.”
sanitário. Isso porque se trata de serviço que demanda outro tipo de arranjo contratual, tipicamente exercido por empresas com perfil muito distinto.
3.3 Critério de julgamento
Conforme ilustrado na minuta de edital, é possível que sejam adotados três critérios de julgamento nos projetos de concessão de água e esgoto: (i) maior valor de outorga; (ii) menor valor de tarifa; e (iii) a combinação dos dois anteriores. A experiência prática sugere que o critério combinado reúne as melhores condições para incentivar a competição por meio da apresentação de propostas exequíveis, de modo a selecionar prestadores de serviço realmente capazes de cumprir com as obrigações de investimento e de serviços previstas no contrato de concessão.
O critério de maior valor de outorga, se alcançar patamares muito elevados (seja na proposta inicial, seja na fase de lances), pode levantar dúvida sobre a sustentabilidade da concessão no longo prazo, além de comprometer o ideal da modicidade tarifária. Já o critério de menor valor de tarifa pode favorecer lances agressivos de licitantes aventureiros, sem que demonstrem desde logo a capacidade financeira pelo pagamento do preço de outorga. Desse modo, ambos os critérios dão margem à externalidades que podem impactar a execução do contrato.
O critério híbrido, por outro lado, combina as vantagens inerentes aos dois critérios puros, porém, minimizando o risco de distorções. A metodologia nesse caso consiste em avaliar a menor tarifa, considerando o maior desconto ofertado, porém, limitado a um percentual máximo (v.g.20%). O limite do desconto pode variar conforme o caso, a partir dos estudos sobre a modelagem financeira do projeto. A segunda parte do critério híbrido é a maior outorga, partindo-se de um valor mínimo estipulado no edital. Essa variável somente entra em cena se alguma proposta comercial oferecer o percentual máximo de desconto na tarifa. A dinâmica de classificação das propostas no modelo híbrido, em diferentes cenários, está descrita na sequência.
Vale ressaltar, por fim, que embora admitido pela legislação, a adoção do critério de julgamento por melhor técnica não se mostra apropriada (nem individualmente, nem
em combinação com outros critérios). Primeiramente, porque os critérios de maior outorga e menor tarifa produzem uma combinação de incentivos adequada: permitem que seja priorizado o critério de preço em favor do usuário, além de possibilitar a arrecadação de valor de outorga para o erário local. Em segundo lugar, há um grau de subjetividade inerente ao critério de julgamento por técnica, que tende a despertar desconfiança nos órgãos de controle. Em terceiro, os setores de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário já são suficientemente maduros em termos de soluções técnicas para prestação dos serviços, o que fragiliza a adoção do critério de melhor técnica. Em quarto, por fim, a aptidão técnica da licitante para prestação dos serviços pode ser aferida na fase de qualificação técnica, suprindo-se a necessidade de adoção da melhor técnica como critério de julgamento.
3.3.1 Fases do Leilão
Considerando os critérios de julgamento de (i) maior valor de outorga e (ii) menor valor da tarifa, as propostas são inicialmente classificadas em ordem descrescente, ou seja, colocando em primeiro lugar a proposta com maior valor, se (i), ou menor valor, se (ii).
O edital deverá prever um intervalo de classificação de licitantes para a fase de lances de viva-voz, ou seja, determinar um percentual mínimo em relação ao valor proposto em primeiro lugar, para que outras licitantes sejam habilitadas a propor lances de contestação ao primeiro colocado na disputa. Caso a etapa de viva-voz ocorra, os lances deverão respeitar, para mais, uma diferença mínima entre eles, conforme previsto no edital ou estipulado pelo diretor da sessão pública.
No que tange ao critério híbrido, é necessário considerar 06 (seis) cenários para que seja processada a classificação das propostas.
O primeiro cenário consiste na existência de apenas uma proposta válida no que tange ao desconto máximo da tarifa e o valor mínimo de outorga. Esta proposta será considerada a proposta vencedora.
O segundo cenário consiste em todas as propostas apresentarem o desconto máximo sobre a tarifa, fazendo com que a classificação se dê pelo maior valor de outorga. Nesse caso, terá sequência a a fase de lances de viva-voz, se houver propostas de valor de outorga dentro do intervalo estabelecido em relação à maior proposta apresentada. Por exemplo, caso a proposta de maior valor de outorga seja de R$ 60.000.000,00, e o critério de corte de 20%, todas as licitantes que propuseram outorga acima de R$ 48.000.000,00 poderão participar da etapa de viva-voz.
O terceiro cenário considera a hipótese de todas as propostas apresentarem desconto de tarifa inferior ao máximo determinado no edital (v.g. inferior a 20%) e, portanto, todos os valores de outorga apresentados serem de valor mínimo. Neste caso, o critério de classificação das propostas será o de maior percentual de desconto na tarifa.
A disputa via lances, após aplicado o critério de corte, pode ocorrer em duas etapas. A primeira, sobre o desconto tarifário (que se dará até o limite do desconto máximo estipulado no edital) e, a segunda, se houver, sobre o maior valor de outorga ofertado nos lances.
O quarto cenário considera a possibilidade de parte das licitantes apresentarem proposta com desconto máximo sobre a tarifa, e nenhuma ofereça valor de outorga superior ao mínimo. Nesse caso, será aplicado o corte para as licitantes disputarem o maior valor de desconto sobre a tarifa na etapa de viva-voz. Caso haja lances que se igualem no valor de desconto máximo, passa-se à disputa de lances sobre o maior valor de outorga.
O quinto cenário pressupõe que apenas uma das propostas apresente desconto máximo sobre a tarifa e, cumulativamente, propõe valor de outorga superior ao mínimo do edital. Nesse caso, o proponente será declarado vencedor.
Por fim, o sexto cenário considera que parte das licitantes apresentem proposta com desconto máximo sobre a tarifa e mais de uma, cumulativamente, apresente valor de outorga superior ao mínimo. Nesse cenário, a classificação será pelo maior valor de outorga na fase de lances de viva-voz entre as licitantes que apesentarem (i) o máximo
de desconto sobre a tarifa e, ao mesmo tempo, (ii) o valor de outorga dentro a linha de corte (v.g. até 20% inferior à maior outorga ofertada).
3.3.2 Aporte adicional
A adoção do critério de julgamento da licitação de menor tarifa demanda cuidados adicionais, para se evitar que licitantes aventureiros ofertem valores tarifários demasiadamente baixos, para conseguir vencer o certame, porém, aumentando o risco de descumprimento posterior do contrato.
Além da limitação do percentual de desconto máximo a ser ofertado sobre o valor da tarifa e da combinação com o critério de maior oferta, pode-se obrigar o licitante vencedor a realizar aporte adicional de capital na sociedade de propósito específico (“SPE”) a ser constituída para assinar o contrato, proporcionalmente ao tamanho do desconto tarifário ofertado.
No caso da licitação para concessão dos serviços de saneamento no Estado do Amapá, o desconto tarifário máximo a incidir sobre o valor da tarifa era de 20%. O edital estabeleceu que, para cada ponto percentual de desconto tarifário ofertado pelo licitante acima de 10%, haveria a obrigação de aporte adicional de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) no capital social da SPE, a ser integralizado como condição precedente à assinatura do contrato de concessão. Ainda em razão do desconto de um ponto percentual, os acionistas da SPE deveriam se comprometer a aportar mais R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) no final do quinto ano da concessão.
3.4 Pagamento da Outorga Fixa
Sugere-se que o pagamento da outorga fixa seja realizado em duas parcelas: a primeira como condição precedente à assinatura do contrato e a segunda no encerramento da fase de operação assistida. Dessa maneira, exige-se disponibilidade de recursos pela licitante vencedora, mitigando-se o risco de ofertas de valor de outorga fixa em montante inexequível.
O edital poderá estabelecer que a parcela da outorga fixa a ser paga como condição precedente à assinatura do contrato seja depositada e mantida em conta vinculada de titularidade do poder concedente, de movimentação restrita por agente fiduciário, até que haja transferência do sistema à concessionária. Dessa maneira, se não houver transferência do sistema nas condições previstas no contrato de concessão, por motivo não imputável à concessionária, poderá a concessionária optar pelo término amigável do contrato, hipótese em que os recursos da outorga depositados na conta vinculada seriam a ela revertidos. Essa solução busca alinhar os incentivos das partes à transição dos serviços e mitigar o risco de atraso excessivo à assunção da operação pela concessionária, em um cenário de evento superveniente que a impeça de assim prosseguir.
Outro aspecto passível de disciplina no edital é o de se conferir destinação específica aos recursos pagos a título de outorga fixa, vinculada ou não ao projeto. Por exemplo, para utilização vinculada ao projeto, é possível prever no edital um mecanismo de retenção de parcela da outorga fixa em conta vinculada à concessão, para uso dedicado à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ou à modicidade tarifária, ou ao pagamento de indenização em caso de término antecipado. Para utilização não vinculada ao projeto, seria possível prever a realização de investimentos em saneamento básico em áreas não contempladas no escopo da Concessão
3.5 Qualificação Econômico-Financeira
Para a comprovação da qualificação econômico-financeira, propõe-se a apresentação de certidão negativa de falência e recuperações,4 bem como de declaração de capacidade financeira padrão. Na prática, o pagamento da outorga, como condição precedente à assinatura do contrato, combinando com a obrigação de capitalização da
4 Vale ressaltar que os documentos de regularidade fiscal e trabalhista são diferentes de documentos qualificação econômico-financeira. Nesse tópico estamos tratando apenas de qualificação econômico- financeira. Os documentos de regularidade fiscal e trabalhista exigidos na minuta de padrão de edital compreendem: prova de inscrição no CNPJ, prova de inscrição perante as fazendas estadual e municipal, prova de regularidade perante as fazendas nacional, estadual e municipal, certificado de regularidade perante o FGTS, certidão negativa de débitos trabalhistas.
SPE, funcionam como evidência eficaz de demonstrar a capacidade econômico- financeira para honrar as obrigações assumidas no contrato de concessão.
Tais exigências podem ser flexibilizadas em relação aos projetos de menor porte, de modo a não criar uma barreira de entrada a prestadores sem histórico de capacidade de mobilização de recursos financeiros.
Há finalmente, as garantias de proposta e de execução contratual, que também exercem um filtro sobre a idoneidade patrimonial dos licitantes. No caso de seguro-garantia, por exemplo, há exigência por parte das seguradoras de prestação de contragarantias relevantes pelo tomador, o que já demanda algum grau de capacidade econômico- financeira.
3.6 Qualificação Técnica
Para comprovação da qualificação técnico-operacional, optou-se por exigir a apresentação de atestado comprovando experiência na captação de recursos para financiar empreendimentos de infraestrutura. Além disso, propõe-se exigir comprovação de qualificação técnico profissional.
Não há sentido em se reproduzir em contratos de concessão os requisitos de qualificação técnica tradicionalmente utilizados em licitações de obras e serviços de engenharia (sujeitas ao regime tradicional de contratações públicas), que funcionam sob uma racionalidade distinta. No contrato de concessão, a concessionária é responsável pela implantação e ampliação da infraestrutura e por sua operação por um longo período de tempo – o que demanda, mais do que experiência em obras, habilidade de captar e gerir recursos, além de profissionais com experiência na prestação desse tipo de serviço em seu corpo técnico.
Mais importante do que executar diretamente as obras e serviços, é a habilidade de gestão de recursos, de prestadores de serviços e da infraestrutura concedida.
A exigência de atestados de captação de recursos pressupõe a existência de um filtro realizado pelo terceiro financiador em relação à licitante (ou empresa de seu grupo), ao mesmo tempo em que evidencia a experiência dessa última em gerir projetos de infraestrutura.
O setor de infraestrutura a que se refere o atestado é menos importante para a demonstração da qualificação técnica, quando comparado com a capacidade da licitante de levantar e gerir recursos no âmbito de projetos de infraestrutura. A lógica de operacionalização de projetos de infraestrutura tende a ser bastante similar, independentemente do setor a que diga respeito.
Para completar a aferição da qualificação técnica, considera-se importante ainda a prova do vínculo entre a licitante vencedora e algum profissional que tenha experiência prévia em atividades relacionadas ao escopo do projeto, devidamente atestada, exercendo cargos de maior senioridade.
Com isso, busca-se resguardar a capacitação da SPE em matéria de gestão estratégica, a partir do envolvimento de profissional sênior com experiência em projeto de infraestrutura do setor específico de saneamento básico.
3.7 Vedação à apresentação do Plano de Negócios
Recomenda-se que o Edital vede a apresentação do plano de negócios pelas licitantes.
A apresentação do plano de negócios junto à proposta comercial na licitação foi uma prática historicamente difundida nos projetos de concessão nacionais, uma vez que o plano de negócios era utilizado como referência para o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão.
Com o passar do tempo, percebeu-se que o uso do plano de negócios como referência para o equilíbrio econômico-financeiro contratual gerava distorções à matriz de riscos contratual, pois por vezes embasou reequilíbrios em favor do contratado pelo simples descolamento das premissas de seu plano de negócios da realidade, à margem da matriz
de riscos contratual. O plano de negócios passou a ser empregado como garantia de rentabilidade à concessionária.
Esse modelo, hoje, encontra-se superado, em razão das distorções que passaram a ser associadas ao seu uso.
Nesse sentido, a metodologia de reequilíbrio econômico-financeiro proposta na minuta padrão de contrato é baseada no fluxo de caixa marginal projetado em razão do evento que ensejou o desequilíbrio, considerando (i) os fluxos marginais resultantes do evento que deu origem à recomposição e (ii) os fluxos marginais necessários para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, mediante aplicação de taxa de desconto.
As projeções sobre custos, despesas, investimentos e receita para construção do fluxo de caixa marginal devem ser baseadas nas melhores informações disponíveis de fontes públicas, em função de sua atualidade e aderência à realidade concreta. Em caráter alternativo e subsidiário, podem ser adotadas as projeções e os valores unitários contidos no estudo de viabilidade técnica e econômica (EVTE) da concessão, devidamente atualizados.
Assim, a apresentação de plano de negócios no âmbito da licitação deve ser vedada, pois o plano de negócios não serve a qualquer propósito no âmbito da gestão contratual. Trata-se de documento interno da licitante, voltado ao seu planejamento privado.
3.8 Condições Precedentes
Para além das condições precedentes usuais para assinatura de contrato de concessão, convém chamar atenção para o mecanismo inovador relacionado com a obrigação de integralização de capital social mínimo.
É possível conceber a redução do montante de capital social mínimo exigido do licitante vencedor, caso esse logre êxito em captar recursos de terceiros em montante superior ao exigido pelo edital, em função do valor de outorga ofertada.
Isso é uma solução indicada porque cria o incentivo para que o licitante vencedor contrate rapidamente o financiamento, de modo a assegurar o fluxo de recursos necessários para os investimentos previstos na concessão. Ao mesmo tempo licitante vencedor ficará desonerado de mobilizar parcela maior de capital próprio.
4 Principais fundamentações da Minuta de Contrato
As subseções seguintes apresentam os principais fundamentos e justificativas das opções adotadas na elaboração da minuta de contrato.
4.1 Objeto
Complementando a justificativa do objeto da Minuta de Edital, apresentada acima, o objeto do contrato deverá refletir que os serviços prestados devem abranger todas as etapas de abastecimento de água potável - captação, reservação, tratamento, adução e distribuição - e de esgotamento sanitário - coleta, transporte, tratamento e disposição final.
Há, por sua vez, a possibilidade de o objeto abranger manejo e disposição final de resíduos sólidos; drenagem e manejo de águas pluviais urbanas.
No entanto, nos termos já expostos na seção anterior, também não recomendamos que o objeto da Concessão inclua limpeza urbana, uma vez que se trata de outro objeto/escopo que demanda outros arranjos de contratação e de cláusulas contratuais.
Ademais, os serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário devem ser prestados conjuntamente dentro da mesma área de Concessão, cabendo ao contrato esclarecer se se trata de prestação isolada ou regionalizada.
4.2 Partes
É possível que se estabeleçam diferentes arranjos de poder concedente no contrato, sendo eles prestação isolada, gestão associada e prestação regionalizada.
Na prestação isolada, apenas o município figura como poder concedente. Na gestão associada, por sua vez, há associação voluntária entre entes federativos, com a finalidade de estruturar e organizar a oferta dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário de maneira integrada e regionalizada por meio de convênios de cooperação e contratos de gerenciamento ou por meio de consórcio intermunicipal. Neste caso, por exemplo, um bloco poderá ser formado por vários municípios figurando como parte e assinando o contrato de concessão conjuntamente.
Para fins da elaboração da Minuta de Contrato no presente projeto, conforme já elucidado, teve-se como premissa a prestação isolada pelo Município titular dos serviços.
Por fim, a agência reguladora foi inserida no contrato como interveniente-anuente para assegurar que tomou ciência dos termos e condições contratuais e do papel que lhe é atribuído no âmbito da Concessão. Nos termos do art. 21, caput, da Lei nº 11.445/2007, a função de regulação deve ser desempenhada por entidade de natureza autárquica dotada de independência decisória e autonomia administrativa, orçamentária e financeira. Convém prever no contrato que a agência reguladora faz jus a uma taxa de regulação, recolhida com base em percentual incidente sobre a arrecadação mensal da concessionária (mesma lógica de uma outorga variável, mas com o propósito de custear a atividade desenvolvida pela agência reguladora).
4.3 Valor do Contrato
A legislação é silente acerca do critério para definição do valor do contrato, sendo usuais os critérios de (i) valor presente do somatório das receitas tarifárias estimadas por todo o prazo de vigência do contrato e (ii) valor dos investimentos estimados para a
concessão. Além de não haver vedação para a aplicação de um ou outro parâmetro, ambos são aceitos pelos órgãos de controle e utilizados na prática.
Na definição do critério, é possível levar em conta a razoabilidade do valor da garantia, à luz da complexidade do projeto, do volume de investimentos, da competitividade do certame, dentre outros fatores.
A recomendação feita na minuta de contrato parte das melhores práticas do setor de saneamento básico, em que se costuma adotar como critério o somatório das receitas tarifárias estimadas por todo o prazo de vigência do Contrato trazidas a valor presente.
Vale ressaltar que o Tribunal de Contas da Uniãotem jurisprudência majoritária favorável ao cálculo com base em receitas estimadas:
“41. Nesse sentido, a unidade técnica propôs, para permissões de portos secos, que o edital defina como valor do contrato – base de cálculo para definição do valor de garantia – o valor da receita bruta estimada durante todo o período da permissão, presente em seu próprio EVTE.
42. Essa proposta baseia-se em duas constatações. Inicialmente, a receita total projetada durante o período de arrendamento é usada como valor dos atuais contratos de arrendamento portuário para fins de definição do valor da garantia de execução.
(...)
43. Alinho-me à proposta da XxxxxXxxxxxxxxx, ressaltando, contudo, a cautela de que o montante exigido como garantia de execução da proposta não se transformar em óbice à ampla participação no certame.” - TCU. Acórdão 3475/2014 – Plenário, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxx, data da sessão: 03/12/2014.
“9.2.2. calcule e registre no competente instrumento convocatório o valor do contrato
de acordo com a orientação provida pela Decisão 586/2001-TCU-Plenário; (...)
Em se tratando do valor contratual, apontou-se que o montante deveria ser calculado com base nos investimentos, e não das receitas, tal qual estabelece a Decisão 586/2001- Plenário. Uma vez que as penalidades e garantias geralmente são função dessa grandeza, eventual inadequação na quantificação do total contratado poderia causar algum imbróglio no decorrer do processo. No presente caso, todavia, tanto as multas, como também as garantias, são tidas em valores absolutos. Não identifico, portanto, maiores conseqüências nesta inconformidade. Acompanho a proposta da unidade técnica sobre a recomendação de observação da Decisão-TCU 586/2001-Plenário nas futuras licitações.” - TCU. Acórdão 1795/2011 – Plenário, Min. Rel. Xxxxxx Xxxxxxx, data da sessão: 06/07/2011.
“24.Não posso concordar com a SEFID, e por conseguinte com o Ministro-Relator, quando defende que seja definido como valor do contrato "a soma total dos investimentos realizados durante todo o período da concessão". Considero mais coerente com as definições aplicáveis ao setor público aquela trazida pelo Ministério
Público, acolhendo como valor do contrato o total das receitas auferidas pelo contratado ao longo do período da concessão. Buscar definição diferente seria forçar uma situação de difícil sustentação: como imaginar, por exemplo, que o valor do contrato compreenda apenas os custos, deixando de englobar também os lucros do contratante?” - TCU. Decisão 586/2001 – Plenário, Min. Rel. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, data da sessão: 22/08/2001.
“A cláusula 9.1.1 estabelece que o valor do contrato atinge R$ 8.980.864.352,20 (oito bilhões novecentos e oitenta milhões oitocentos e sessenta e quatro mil trezentos e cinquenta e dois reais e vinte centavos), correspondente ao montante estimado de receitas brutas a serem obtidas pela arrendatária durante a vigência do termo.” - TCU. Acórdão 1792/2019 – Plenário, Rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxx, data da sessão: 31/07/2019.
A depender do caso concreto, não obstante, é possível adotar valor dos investimentos previstos para a concessão como parâmetro para definição do valor estimado do contrato. Vale considerar que o valor das garantias de proposta e de execução são calculados com base no valor do contrato, sendo que a opção pelo critério de receitas ou investimentos pode ser justificada, por exemplo, em termos de complexidade do objeto da concessão (por exemplo, uma prestação regionalizada tende a ser mais complexa do que uma prestação isolada, o que justificaria um critério de valor do contrato que ampliasse o valor das garantias).
4.4 Prazo do Contrato
A Lei nº 8.987/1995 e a Lei nº 11.445/2007 não estabelecem um prazo mínimo ou máximo para contratos de concessão. O prazo do contrato deve ser fixado de acordo com o período necessário para depreciação, amortização e remuneração dos investimentos esperados para a concessão.
4.5 Área da Concessão
A Concessão deverá abranger todo