TALYTA GRUSCOSKI
A EXPROPRIAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO NO CONTRATO INTERMITENTE: A FICÇÃO DA REGULAÇÃO JURÍDICA DOS TEMPOS DE DESCANSO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção de Graduação no Curso de Direito, da Faculdade de Direito, Setor de Ciências jurídicas da Universidade Federal do Paraná,
Orientador: Prof. Dr. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx
CURITIBA 2021
A EXPROPRIAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO NO CONTRATO INTERMITENTE A FICÇÃO DA REGULAÇÃO JURÍDICA DOS TEMPOS DE DESCANSO
TALYTA GRUSCOSKI
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção de Graduação no Curso de Direito, da Faculdade de Direito, Setor de Ciências jurídicas da Universidade Federal do Paraná, pela seguinte banca examinadora:
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Junior Orientador
Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx 1º Membro
Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx 2º Membro
RESUMO
O reconhecimento do contrato de trabalho intermitente no ordenamento jurídico brasileiro, a partir da nova redação dada ao art. 443 e da introdução do art. 452-A da CLT, pela Lei nº
13.467 de 13 de julho de 2017, trouxe uma ressignificação sobre o tempo de trabalho. A partir desse pressuposto, o presente artigo buscou analisar como essa espécie contratual, ao abandonar o conceito clássico de jornada de trabalho, se converte em uma nova forma de expropriação do tempo de trabalho pelo capital, uma vez que o tempo em que o trabalhador intermitente aguarda a convocação, assim como outros tempos de descanso, passam a não ser remunerados: o trabalhador é remunerado estritamente pelos exatos instantes em que durou a prestação laboral. O ponto de partida foi a reflexão sobre os marcos históricos das conquistas em relação à limitação do tempo de trabalho - como a restrição da jornada diária e o direito às férias e ao descanso semanal remunerado - até chegar ao atual estágio de retrocesso dos direitos trabalhistas, ensejado pela a cumulação flexível, o novo modo de ser das relações produtivas. Demonstrou-se que a positivação do contrato intermitente, além de causar impacto remuneratório aos trabalhadores, na medida em que estes só serão remunerados se e quando convocados ao trabalho, também impulsiona o alargamento das jornadas, visto que os trabalhadores terão que trabalhar por mais horas em um dia, ou, por mais dias na semana, para conseguir manter seu padrão remuneratório. Ademais, verificou-se que as jornadas excessivas ocasionam prejuízos à saúde física e mental do trabalhador intermitente, transformando cada vez mais os tempos sociais de descanso em tempos produtivos de trabalho. Valeu-se de uma abordagem transdisciplinar de caráter sócio-jurídica, assim como um estudo do direito comparado, em relação aos ordenamentos português, espanhol, italiano e inglês, sendo manejadas técnicas de revisão bibliográfica. Nas conclusões, apresenta-se uma reflexão crítica sobre a expropriação do tempo de trabalho e a ficção jurídica dos tempos de descanso no trabalho intermitente, indicando a necessidade de um marco jurídico que proteja este trabalhador.
Palavras-chave: Reforma Trabalhista. Contrato de Trabalho Intermitente. Tempo de Trabalho. Xxxxxxx Xxxxxx. Precarização. Proteção Trabalhista.
The recognition of the intermittent employment contract in the Brazilian legal system, based on the new wording given to article 443 and the introduction of article 452-A of the CLT, by Law No. 13,467 of July 13, 2017, brought a new meaning to working time. Based on this assumption, this article sought to analyze how this contractual type, by abandoning the classic concept of working hours, becomes a new form of expropriation of working time by capital, since the time in which the intermittent worker awaits the call, as well as other rest periods, are not paid: the worker is paid strictly for the exact moments in which the work period lasted. The starting point was the reflection on the historical milestones of the achievements in relation to the limitation of working time - such as the restriction of daily work hours and the right to vacations and paid weekly rest - until reaching the current stage of regression of labor rights, occasioned by flexible accumulation, the new way of being of productive relationships. It was shown that the positivization of the intermittent contract, in addition to having a remunerative impact on workers, as they will only be remunerated if and when called to work, also drives the extension of working hours, since the appropriate workers who worked for more hours in one day, or for more days a week, to keep up with your pay standard. Furthermore, it was found that excessive working hours caused damage to the physical and mental health of intermittent workers, increasingly transforming social rest times into productive work times. It used a transdisciplinary approach of socio-legal nature, as well as a study of comparative law, in relation to Portuguese, Spanish, Italian and English, using bibliographic review techniques. In conclusion, present a critical reflection on the expropriation of working time and the legal fiction of rest times at intermittent work, indicating the need for a legal framework to protect this worker.
Keywords: Labor Reform. Intermittent Employment Contract. Working Time. Minimum wage. Precariousness. Labor Protection.
1. INTRODUÇÃO 7
2. UM BREVE PANORAMA SOBRE AS DETERMINAÇÕES HISTÓRICAS DO TEMPO DE TRABALHO 8
3. O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE 15
3.1. Um terceiro tempo de trabalho: o prazo de disponibilidade não remunerado… 16
3.2. Da ausência de uma jornada de trabalho mínima… 19
3.3. A ficção do direito a férias anuais remuneradas. 21
3.4 Outras ficções jurídicas: o repouso semanal remunerado, os feriados, a jornada noturna e a jornada extraordinária. 22
3.5. A ausência de restrições no contrato intermitente brasileiro e sua similitude ao zero hour contract britânico 23
3.6 A apropriação do tempo de trabalho não pago: o tempo à disposição… 25
4. AS CONSEQUÊNCIAS PARA O TRABALHADOR INTERMITENTE 28
4.1. O tempo em que o trabalhador intermitente aguarda a convocação… 28
4.2. A imprevisibilidade do período de trabalho e sua repercussão na remuneração… 29
4.3. As jornadas excessivas e a saúde física e mental do trabalhador intermitente 31
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 32
REFERÊNCIAS 34
1 INTRODUÇÃO
O reconhecimento do contrato de trabalho intermitente no ordenamento jurídico brasileiro, a partir da nova redação dada ao art. 443 e da introdução do art. 452-A da CLT, pela Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017, trouxe uma ressignificação sobre o tempo de trabalho. Tendo em conta tal pressuposto, o presente artigo pretendeu analisar como essa espécie contratual, ao abandonar o conceito clássico de jornada de trabalho, se converteu em uma nova forma de expropriação do tempo de trabalho pelo capital, uma vez que o trabalhador é remunerado estritamente pelos exatos instantes em que durou a prestação laboral.
Valeu-se de uma abordagem transdisciplinar, de caráter sócio-jurídica, que problematiza a realidade social e a forma jurídica-normativa, tendo como ponto de apoio as teorizações de Ricardo Antunes1, Sadi Dal Rosso2 e Pietro Basso3. Também, foi realizado um estudo do direito comparado, em relação aos ordenamentos português, espanhol, italiano e inglês. Tendo sido utilizadas técnicas de revisão bibliográfica, com predominância de leituras e fichamentos de livros, artigos de periódicos e publicações especializadas, tudo isso, em cotejo com a análise da letra lei.
No capítulo “Um breve panorama sobre as determinações históricas do tempo de trabalho” fez-se uma reflexão sobre os marcos históricos das conquistas em relação à limitação do tempo de trabalho - como a restrição da jornada diária e o direito às férias e ao descanso semanal remunerado - até chegar ao atual estágio de retrocesso dos direitos trabalhistas, impulsionado pela flexibilização das relações produtivas. Ainda, ressaltou-se o contexto que propiciou a aprovação da Lei nº 13.467/2017.
Na sequência, com o capítulo “O contrato de trabalho intermitente”, analisou-se os arts. 443 e 452-A da CLT e suas implicações no tempo de trabalho, mais especificamente no que tange: (i) ao prazo de disponibilidade não remunerado; (ii) a desnecessidade de fixação de
1Professor titular de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp), é um dos principais nomes da Sociologia do Trabalho no Brasil. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxxxxxx-xxxxxxxxx/xxxxxxx-xxxxxxx. Acesso em 09 ago. 2021.
2Professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). É autor de A jornada de trabalho na sociedade: o castigo de Prometeu (São Paulo, LTr, 1996) e Mais trabalho! A intensificação do labor na sociedade contemporânea (São Paulo, Boitempo, 2008). Disponível em: xxxxx://xxx0.xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxx
-dal-rosso-126. Acesso em 09 ago.2021.
3Professor italiano de Sociologia na Universidade Ca 'Foscari de Veneza, Faculdade de Letras e Filosofia. Seus escritos, dentre outros temas, versam sobre tempo de trabalho. Destaca-se seu estudo sobre a jornada de trabalho em escala global ao longo do último meio século, que foi publicado ou traduzido no exterior. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxx.xx/xxxx/xxxxxxx/0000000/xxxxxxxxxx. Acesso em 09 ago. 2021.
uma jornada de trabalho mínima; (ii) as ficções jurídicas das férias anuais, do repouso semanal e dos feriados remunerados; e (iii) a questão da jornada noturna e extraordinária. Ainda, foram tecidas considerações acerca da ausência de restrições à contratação intermitente. Tudo isso em comparação com a legislação intermitente portuguesa, espanhola, italiana e inglesa.
Por fim, no capítulo “As consequências para o trabalhador intermitente”, demonstrou-se que, além da ausência de garantia ao salário mínimo, o trabalho intermitente impulsiona o alargamento das jornadas, visto que os trabalhadores terão que trabalhar por mais horas em um dia, ou, por mais dias na semana, para conseguir manter seu padrão remuneratório, redundando em prejuízos à saúde física e mental do trabalhador intermitente, transformando cada vez mais os tempos sociais de descanso em tempos produtivos de trabalho.
2 UM BREVE PANORAMA SOBRE AS DETERMINAÇÕES HISTÓRICAS DO TEMPO DE TRABALHO
O significado original da palavra jornada é muito distinto da compreensão atual que se tem sobre esta expressão. Inicialmente ela remetia à contagem do tempo em seu aspecto meramente cronológico. Como nos vocábulos giornata (do italiano) ou journée (do francês) que querem dizer “dia” ou “aquilo que é diário”. Hoje, está relacionada ao preço das horas pelo qual o trabalhador vende sua força de trabalho enquanto mercadoria (SOUTO MAIOR, 2020).
As sociedades pré-capitalistas não possuíam uma preocupação com o tempo de trabalho. Na verdade, sequer havia uma exata definição de “tempo” e de sua “medição”. E isso se dava porque o trabalho atendia essencialmente às determinações do seu valor de uso, e não do seu valor de troca. Consequentemente, não havia leis ou qualquer tipo de regulação quanto à duração do trabalho. Este só viria a surgir com o advento do capitalismo (SOUTO MAIOR, 2020).
Como o tempo não pode ser expansível para além das vinte e quatro horas diárias, a cada transformação nas relações produtivas e trabalhistas, o capitalismo concebe novas formas de apropriação da força de trabalho para torná-la cada vez mais intensiva e produtiva. Uma vez que o tempo de trabalho é fundamental para potencializar a produção da riqueza (SOUTO MAIOR, 2020).
O Estado Liberal de Direito4, despertado pela Revolução Francesa (1798), era protetor das liberdades e direitos individuais. Tinha como pressuposto a igualdade entre as partes contratantes. Ao defender a ausência de intervenção do Estado nas relações privadas, deixava a cargo do Direito Civil a regulação do contrato de trabalho. Entretanto, ignorava-se a assimetria existente entre proprietários e trabalhadores (LEMOS, 2020).
Essa ampla liberdade para a pactuação da delimitação da jornada, somada à grande oferta da força de trabalho, fez com que os trabalhadores, enquanto operários das fábricas, laborassem dezoito horas por dia, percebendo uma remuneração baixíssima. Quer dizer, a suposta plena autonomia para o trabalhador usar seu tempo de trabalho, se converteu na aniquilação da capacidade deste de gerenciar seu próprio tempo (SOUTO MAIOR, 2020).
O crescente processo de exploração, aflorou a luta dos trabalhadores pela diminuição das exaustivas jornadas de trabalho, em favor, não apenas de sua proteção física, mas moral5 (SOUTO MAIOR, 2020). As primeiras conquistas ocorreram na Inglaterra, em 1847, e na França, em 1848, quando foram promulgadas leis que passaram a restringir a duração diária do trabalho em dez horas. A luta pelo limite de oito horas foi proclamada em 1866 pela I Internacional em Genebra. Tendo sido materialmente iniciada nos Estados Unidos, em 1886 (BASSO, 2018).
O Brasil, nos idos do século XIX, ainda não possuía leis que controlassem o tempo de trabalho. Entretanto, junto à primeira fase da industrialização brasileira, no início do século XX, despontou um elevado número de acidentes de trabalho, derivado das jornadas exaustivas, que variavam entre dez e quatorze horas diárias. E, assim como ocorrera décadas antes na Europa, aqui também se desencadeou, uma intensa luta operária, em busca da limitação da jornada de trabalho (SOUTO MAIOR, 2017).
A universalização da luta pela limitação da jornada de trabalho em oito horas diárias se consolidou após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando da fundação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), cuja Primeira Convenção “Duração do Trabalho na Indústria” de 1919, recomendou a adoção da limitação da jornada diária de trabalho em oito horas diárias para todos os países (OIT, 2021)6.
Essa limitação inicial em quarenta e oito horas semanais teve como um dos fundamentos a preservação da saúde dos trabalhadores. Segundo Xxx, XxXxxx e Xxxxxxxxx,
4Seu fundamento teórico se assentava na propriedade privada dos meios de produção (LEMOS, 2020).
5A chamada “proteção moral” dos trabalhadores compreendia a busca pela satisfação de suas necessidades intelectuais e sociais (SOUTO MAIOR, 2020).
6Disponível em: xxxxx://xxx.xxx.xxx/xxx/xxxxxxx/xx/x?xxXXXXXXXXXX:00000:0::XX::X00000_XXX_XXXX: C001. Acesso em 3 jul. 2021.
essa jornada “consiste no padrão legal mais próximo do ponto além do qual o trabalho regular se torna insalubre, ponto este identificado na literatura médica como 50 horas (ver, p. ex., SPURGEON, 2003)” (2009, p. 8-9).
No Brasil, os primeiros a conseguirem essa regulamentação foram os trabalhadores do comércio7 e da indústria8, no ano de 1932. O direito ao “Triplo Oito”9 se consolidou como regra geral na Constituição Federal de 1934. Diga-se: quase quatorze anos depois da conquista em nível internacional. O §1º do art. 122 da Carta Magna trouxe, ainda, junto da proteção à limitação da jornada diária de oito horas, a proteção ao salário mínimo, ao repouso semanal e às férias anuais remuneradas (BRASIL, 1934).
Após a crise de superprodução de 1929, que ecoou na queda das exportações das commodities brasileiras (especialmente o café), a doutrina keynesiana10, de intervenção temporária do Estado na economia, emergiu como uma das maneiras encontradas para a reestruturação das economias devastadas pela crise. No Brasil, a “Revolução de 30” foi o evento político que expressou esse ideal (SOUTO MAIOR, 2020).
Os reflexos do Welfare State - que eclodiu em muitos países da Europa após a Segunda Guerra Mundial, como forma de restabelecer suas economias devastadas pelo conflito - também foram primordiais para a intervenção do Estado nas relações de trabalho. O Estado Social de Direito caracterizou-se por um forte perfil intervencionista, garantidor de direitos sociais mínimos e reconhecedor dos princípios da dignidade humana e da justiça social (LEMOS, 2020).
Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a limitação do tempo de trabalho foi elevada à condição de Direito Humano. Quer dizer, ela não se reduziu a um direito trabalhista. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) reconheceu que o direito ao descanso e ao lazer deve compreender a limitação do tempo de trabalho (ANTUNES, 2020).
No Brasil, nesse contexto, a Consolidação das Leis do Trabalho (1943), surge para unificar toda legislação trabalhista, assegurando, no plano infraconstitucional, o direito à limitação da jornada de trabalho (LEMOS, 2020). Outras legislações atinentes ao tempo de trabalho também se estabelecem nesse período, a exemplo da Lei Federal nº 605/1949, que
7Vide Decreto Federal nº 21.186/1932.
8Vide Decreto Federal nº 21.364/1932.
9O “Triplo Oito” remete ao direito a oito horas de trabalho, oito horas de repouso e oito horas para outras atividades (SOUTO MAIOR, 2020).
10O keynesianismo é um conjunto de teorias e medidas que defendiam, dentro dos parâmetros do livre mercado, a necessidade de uma forte intervenção econômica do Estado com o objetivo principal de garantir o pleno emprego e manter o controle da inflação. Ressalta-se que se defende uma intervenção temporária, que tem o escopo de voltar ao livre mercado.
confere aos trabalhadores o direito ao repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas.
Não obstante a limitação da jornada, o descanso semanal e as férias, o capitalismo forjou novas maneiras de intensificar o tempo de trabalho. Emergiu, ao lado do taylorismo11, um sistema produtivo, empregado pela grande indústria, que passa a utilizar da automação: a esteira na linha de produção. É a substituição da administração empírica pela científica. Cada minuto é inteiramente ocupado na atividade produtiva, a partir da produção em série e do controle rígido do tempo e dos movimentos.
Entre as décadas de 1930 a 1970, o mercado de trabalho brasileiro apresentou forte estruturação em torno do emprego assalariado regular e regulamentado. Esse “núcleo essencial do fordismo” se manteve forte até pelo menos 1973, quando os modelos flexíveis passaram a ganhar espaço (ANTUNES, 2015). Ressalta-se que não há uma transição perfeita entre os modelos. Mas sim, a coexistência de modelos e seu hibridismo, a depender da região. Mesmo que a regulamentação da jornada de trabalho não tenha apresentado relevantes modificações legislativas no período da Ditadura Militar brasileira (1964-1985), o desfecho do “milagre econômico”12 culminou na defasagem da política de valorização do salário mínimo. O que afetou diretamente o tempo de trabalho, uma vez que, na busca da recomposição das despesas mínimas para sobrevivência, a classe trabalhadora passou a
trabalhar por mais horas (SOUTO MAIOR, 2020).
No início da década de 1970, as economias capitalistas passaram a enfrentar uma crise estrutural no padrão de produção. E, o neoliberalismo13 se tornou o protagonista da busca pela restauração do capital. Dentre outros aspectos, essa política econômica compreende a desregulamentação das relações comerciais e dos circuitos financeiros e a flexibilização da produção e das relações trabalhistas14 (ANTUNES, 2015).
11O taylorismo é um sistema de organização do trabalho concebido por Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx (1856-1915), com o qual se pretende alcançar o máximo de produção e rendimento com o mínimo de tempo e de esforço, a partir, dentre outros, da redução dos poros (tempos mortos).
12O chamado “milagre econômico” brasilerio é o período em que se vivenciou um novo ciclo de industrialização, com expansão econômica, subsidiada pelo capitalismo imperialista norte-americano. Nesse momento subsiste a regulação estatal, de cunho keynesiano, entretanto, desacompanhada de relevante desenvolvimento social (SOUTO MAIOR, 2020).
13O neoliberalismo caracteriza-se, ainda, pela diminuição do tamanho do Estado com a privatização do seu patrimônio e pelas políticas fiscais e monetárias sintonizadas com os organismos mundiais de hegemonia do capital, como o Fundo Monetário Internacional (ANTUNES, 2015).
14Na flexibilização o Estado intervém na relação entre empregador e empregado, entretanto, em um grau mais atenuado. Já na desregulamentação, não há participação do Estado na relação entre empregador e empregado, retirando a proteção ao trabalhador e deixando as partes livres para regularem as condições de trabalho e os direitos e obrigações advindos da relação de emprego (BRÓLIO, 2019).
A acumulação flexível, que teve como uma de suas mais influentes experiências o modelo toyotista15, se contrapõe à rigidez do fordismo. Tem como um de seus corolários a flexibilização da força de trabalho, que é utilizada na exata medida das necessidades do mercado. Quer dizer, a simplificação do processo de admissão e demissão de funcionários possibilita a redução dos custos. E, isso é obtido mediante a utilização de um número mínimo de trabalhadores, cuja força produtiva é ampliada através de horas extras, trabalhadores temporários ou subcontratação (ANTUNES, 2015).
Nesse sentido, ressalta-se a promulgação, em 1974, da Lei nº 6.019 que disciplinou de forma originária o trabalho temporário no Brasil. Mas também, pode-se citar a ampliação do banco de horas, a flexibilização da concessão dos descansos aos domingos e a autorização do trabalho em tempo parcial. O trabalho passa a ter escalas diferenciadas de horários com jornadas mais elevadas e salários mais baixos, em relação ao período anterior, em que predominou o emprego regulamentado “fordista” (SOUTO MAIOR, 2020). A adoção dos governos neoliberais no Brasil, significou um obstáculo à efetivação dos direitos sociais, principalmente os trabalhistas, conquistados na Constituição de 1988 (BROLIO, 2019).
Segundo pesquisas do PNAD-IBGE, entre os anos de 2004 e 2009, a despeito do cenário de flexibilização e intensificação do labor, é possível perceber uma maior padronização da jornada de trabalho16. Entretanto, um estudo mais recente demonstrou que essa tendência continuou até 2013, quando 45% da população economicamente ativa estava exercendo uma jornada de trabalho mensal de 40 e 44 horas17.
Uma das razões para tanto foi a ascensão do governo Lula18 (2003-2011) que, a despeito de estabelecer a continuidade das políticas neoliberais, promoveu a conciliação entre os interesses conflitantes das classes sociais. Essa experiência deflagrou uma suposta paralisia na desconstrução da legislação do trabalho, uma vez que os projetos de leis flexibilizadoras apresentados à época não foram aprovados (SOUTO MAIOR, 2020).
Abrindo-se um parênteses, necessário mencionar um caso semelhante ao trabalho intermitente, chamado na época de “jornada móvel e variável”19. O caso diz respeito a uma
15São características que definem o modelo toyotista: just in time e o melhor aproveitamento possível do tempo de produção, polivalência do trabalhador, maior eliminação na porosidade do trabalho, produção voltada e conduzida diretamente pela demanda, diversificação, estoques mínimos, redução dos custos de produção, terceirização, downsizing (ANTUNES, 2015).
16Disponível em: xxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxxxx.xx/xxxxx/xxxxxxxxx/XXXXXXX/000000/0/Xxx_XxxxxxxXxxxxxx_X.xxx. Acesso em: 01 ago. 2021.
17Disponível em: xxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxxxx.xx/xxxxx/xxxxxxxxx/XXXXXXX/000000/0/Xxxx_XxxxxXxxxxxXxxxx_X. pdf. Acesso em: 01 ago. 2021.
18Muitos doutrinadores denominam essa experiência como pós-neoliberalismo ou neodesenvolvimentismo.
19RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
JORNADA MÓVEL E VARIÁVEL. INVALIDADE: “Entende-se pela invalidade de cláusula prevista em
rede de fast food que, desde 2005, contratava empregados para ficarem numa sala de espera aguardando serem chamados a trabalhar, mas recebendo remuneração apenas pelas horas efetivamente trabalhadas (BRASIL, 2011).
A “jornada móvel e variável” foi julgada ilegal pelo Tribunal Superior do Trabalho em 2011. Tendo sido declarada nula nos termos do art. 9º da CLT20. A Corte entendeu que a ausência de respeito à jornada pré-estabelecida na escala, representa um prejuízo não só à rotina do trabalhador, mas também, à variação salarial percebida por ele (BRASIL, 2011).
O TST apontou, ainda, a transferência de risco do empregador ao empregado eis que a despeito de este ficar à disposição durante 44 horas semanais, aquele pode se utilizar da sua força de trabalho apenas quando necessário, ficando exclusivamente a seu arbítrio a fixação da jornada. O que afronta, ademais, o princípio de proteção do trabalhador (BRASIL, 2011). Essa experiência demonstra que, antes da aprovação da Lei 13.467/2017, o “trabalho sob demanda” já era uma situação recorrente no cotidiano de muitos trabalhadores.
Em agosto de 2016 ocorreu a eliminação do último obstáculo à implementação da contrarreforma trabalhista: o impeachment da presidenta Xxxxx Xxxxxxxx. O não atendimento aos ajustes neoliberais ortodoxos exigidos pelos principais grupos empresariais do país culminou no rompimento do pacto conciliatório entre a classe trabalhadora e a classe burguesa (SOUTO MAIOR, 2020).
O programa de governo do presidente Xxxxxx Xxxxx (2016-2018), que culminou na aprovação da Lei nº 13.467/2017 e a introdução do contrato de trabalho intermitente, jamais teria aceitação popular num processo eleitoral legítimo (ANTUNES, 2020). Entretanto, não se pode perder de vista que a atual contrarreforma acompanha uma tendência mundial de retrocesso dos direitos trabalhistas (SOUTO MAIOR, 2020).
O Projeto de Lei 38/2017 se fundamentou na necessidade de modernização da legislação trabalhista brasileira, cuja flexibilização iria contribuir para gerar mais empregos
contrato de trabalho que fixa jornada móvel e variável porque prejudicial ao trabalhador, pois, embora não exista vedação expressa sobre a prática adotada pela requerida, percebe-se que a contratação efetivada visa a que o trabalhador fique sujeito a ato imperativo do empregador que pode desfrutar do labor de seus empregados quando bem entender,em qualquer horário do dia, pagando o mínimo possível para auferir maiores lucros. Esta prática, contratação na qual os trabalhadores ficam à disposição da empresa durante 44 horas semanais, em que pese esta possa utilizar-se de sua força laborativa por apenas 8 horas semanais, na medida de suas necessidades, é ilegal, porquanto a empresa transfere o risco do negócio para os empregados, os quais são dispensados dos seus serviços nos períodos de menor movimento sem nenhum ônus e os convoca para trabalhar nos períodos de maior movimento sem qualquer acréscimo nas suas despesas. Entender o contrário implicaria desconsiderar as disposições contidas nos artigos 4º, 9º da CLT, que disciplinam o tempo à disposição do empregador e nulificam os atos praticados com o objetivo de desvirtuar ou fraudar os dispositivos regulamentadores da CLT. Recurso de revista conhecido e provido”. (Recurso de Revista nº 9891900-16.2005.5.09.0004, 8ª Turma, Relatora Ministra Xxxx Xxxxx xx Xxxxx, Data de Julgamento: 23/02/2011, Data de Publicação: 25/02/2011).
20Art. 9º da CLT. Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação (BRASIL, 1943).
formais e para movimentar a economia (BRASIL, 2016). Entretanto, como bem alerta Xxxxxxxx Xxxxx (2019), a flexibilização não combate o desemprego com o pleno emprego, mas sim, com a generalização do subemprego. Em outras palavras, a redistribuição de renda ocorre com o rebaixamento do trabalhador e com a redução das suas garantias profissionais.
De acordo com dados da Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, o número de contratações intermitentes dobrou entre 2018 e 2019: passou de 0,5% para 1% das admissões com carteira assinada. Em 2018 ocorreram mais de 71 mil contratações. Em 2019, foram mais de 155 mil. Destaca-se que, apesar de tais números serem pequenos relativamente ao total de admissões, o crescimento apresentado em apenas um ano é digno de alerta e acompanhamento21.
A contratação intermitente pode se generalizar por diversos setores da economia, ensejando a substituição dos trabalhadores regulares - contratados por prazo indeterminado e com carga horária integral -, por trabalhadores “just in time” (XXXXXXXX et al, 2017). Viabilizando as condições necessárias para acumulação do capital, uma vez que é menos oneroso contratar um intermitente que trabalhe e receba estritamente de acordo com as necessidades do empregador (SOUTO MAIOR, 2020).
A aprovação da Reforma Trabalhista foi caracterizada pela rápida tramitação legislativa devido a “acordos” firmados entre o Chefe do Executivo e representantes do Poder Legislativo (TEIXEIRA, 2020), além disso, pela inexistência do poder revisor do Senado Federal. A proposição legislativa teve início em 23 de dezembro de 2016 e finalizou em 14 de julho de 201722.
Além disso, caracterizou-se pela ausência de debate democrático, ante um poder legislativo que não representava o povo. O Estado apresentou-se impermeável às pressões e interesses da classe trabalhadora. Tudo isso com a deflagração da maior greve geral desde a época da ditadura militar - com 35 milhões de trabalhadores paralisados (LEMOS, 2020).
A ofensiva neoliberal e a aprovação da contrarreforma trabalhista desfiguraram todo o sistema de proteção legal trabalhista construído ao longo do século XX, fruto da luta dos trabalhadores e da construção evolutiva de direitos alcançada pelo Estado Democrático de Direito (LEMOS, 2019).
Contrariamente a outros países que incluíram o contrato intermitente em seus ordenamentos jurídicos e agora buscam atenuar seus efeitos na saúde e qualidade de vida dos
21Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxx/xxxxxx/xxx000000.xxx. Acesso em 31 jul 2021. 22Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxXxx/xxxxxxxxxxxxxxxxx?xxXxxxxxxxxxx0000000. Acesso em 4 jul 2021.
trabalhadores (XXXXXXXX, 2020), o Brasil, adotou o trabalho intermitente de maneira extremamente ampla, não incorporando garantias mínimas ao trabalhador, notadamente no que diz respeito à jornada de trabalho e à remuneração23.
Antes de adentrar propriamente ao contrato intermitente, faz-se mister esclarecer quem são os trabalhadores no capitalismo contemporâneo - potenciais utilizadores desta forma de contratação. A “nova morfologia do trabalho”24 engloba tanto o operariado industrial de base taylorista-fordista e os trabalhadores rurais clássicos, quanto os assalariados de serviços e os novos contingentes de trabalhadores flexibilizados. Aqueles em franca retração, estes em expansão. Ressalta-se que essa fragmentação, heterogeneização e complexificação da classe trabalhadora dificulta a organização sindical dos segmentos mais flexibilizados (ANTUNES, 2015).
De acordo com Xxxxxxxx et al (2017), a despeito de o trabalho intermitente ser uma reivindicação antiga do setor de comércio e serviços, ele poderá ser amplamente aproveitado para qualquer atividade econômica: poderá se ajustar às demandas eventuais - como trabalho em finais de semana, atendimento a horários de maior pico em bares e restaurantes -, mas também poderá ser implementada em linhas de produção, escolas e hospitais.
3 O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE
De acordo com o §3º do art. 443 da CLT, o contrato intermitente brasileiro é uma modalidade de contrato de trabalho na qual há alternância entre períodos de prestação de serviços e períodos de inatividade. E, mesmo não havendo continuidade na prestação de serviços, há subordinação. Tal período pode ser determinado em horas, dias, semanas, meses, etc. Podendo ser utilizado em qualquer tipo de atividade, à exceção dos aeronautas e daqueles que possuem legislação própria, como os empregados domésticos.
A OIT enquadra o trabalho intermitente - ao lado do emprego temporário, do trabalho em tempo parcial e do trabalho terceirizado - como contrato de trabalho atípico. Isso porque há o desvirtuamento dos parâmetros adotados em um contrato tradicional, caracterizados pelo “trabalho contínuo, a tempo completo e que faz parte de uma relação subordinada e direta entre um empregador e um trabalhador” (OIT, 2016, p. 01).
23A título de exemplo, mas que posteriormente será visto com mais afinco, cita-se o contrato intermitente português, no qual o número de dias a serem trabalhados durante o ano deve ser pré-estabelecido e não pode ser inferior a cinco meses, assim como, o trabalhador tem direito a contraprestação de 20% da remuneração base durante o período de inatividade.
24Termo empregado por Xxxxxxx Xxxxxxx.
Assim, a contratação intermitente distingue-se da contratação típica essencialmente pela inexistência de jornada de trabalho pré estipulada. Enquanto esta caracteriza-se pela fixação de uma jornada laboral de oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, aquela possui apenas “atividades episódicas”. Por isso, no contrato intermitente, fala-se em períodos de trabalho e, não mais, em jornadas de trabalho (XXXXX XX., 2019).
A despeito de cada país legislar o contrato intermitente de modo particular, é incontroversa a categorização universal dada pela OIT. Em função disso, será feito um cotejo com algumas particularidades das legislações estrangeiras, como forma de se verificar que outros países possuem algum nível de proteção se comparado ao vácuo da legislação brasileira.
Serão vistas particularidades do contratto a chiamatta25 (italiano), do contrato intermitente26 (português), do contrato fijo-discontinuo27 (espanhol) e do zero hour contract (inglês). Em relação a este último, o enfoque é em relação às semelhanças, uma vez que tanto o zero hour contract, quanto o contrato intermitente brasileiro não possuem qualquer proteção quanto a um mínimo de horas a ser trabalhado.
3.1 Um terceiro tempo de trabalho: o prazo de disponibilidade não remunerado
Para Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (1998) o termo tempo de trabalho ou duração do trabalho engloba todo o período decorrente do contrato de trabalho, incluindo lapsos temporais relativos ao repouso semanal, aos feriados e às férias.
Já a jornada de trabalho possui uma acepção mais restrita, referindo-se ao tempo efetivamente laborado e o tempo em que o empregado se coloca à disposição do empregador (DELGADO, 1998). Podendo incluir, em certas categorias profissionais, o tempo de prontidão e o tempo de sobreaviso (DELGADO, 2018). Destaca-se, ainda, que a jornada remete a um lapso temporal padrão, como o dia, a semana ou o mês. Por fim, o horário de trabalho diz respeito ao espaço temporal entre o termo inicial e o termo final da jornada diária, incluindo seus respectivos intervalos (DELGADO, 1998).
Os contratos de trabalho, no que tange à sua duração, são distinguidos em três tipos: contrato a prazo determinado, contrato a prazo indeterminado e contrato intermitente (art. 443, caput, da CLT). Os dois primeiros, chamados contratos convencionais, possuem uma
25 Também chamado de contratto a intermittenza. Disciplinado pelos arts. 13 a 18 do Decreto Legislativo nº 81/2015.
26Disciplinado pelos art. 157 a 160 do Código do Trabalho Português (Lei de 07/12/2009).
27Disciplinado pelo art. 16 do Estatuto de los Trabajadores.
jornada de trabalho regular e contínua. Já o contrato intermitente é um tipo diferenciado, uma vez que a jornada é incerta e imprevisível (BROLIO, 2019).
De acordo com a literalidade da lei, o contrato intermitente assume, quanto a sua duração, uma terceira categoria: tertium genus (BROLIO, 2019). Essa nova categoria de tempo leva o trabalhador a ficar à espera do chamado, que pode ocorrer, ou não. Assim, não se pode dizer que os períodos de inatividade são de efetivo descanso, pois o trabalhador deixa de ter a liberdade de gerenciá-lo (SOUTO MAIOR, 2020).
Ocorre que, o §5º do art. 452-A da CLT dispõe expressamente que o período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador. Porém, é bastante claro que o período em que o trabalhador aguarda a convocação é um tempo de inteira disponibilidade, nos termos do art. 4º da CLT. E, nesse sentido, há violação ao direito constitucional de limitação da jornada de trabalho previsto no inc. XIII, do art. 7º.
Esse terceiro tempo de trabalho converte-se em um período de disponibilidade não remunerado, uma vez que a legislação não prevê qualquer garantia remuneratória mínima ao trabalhador intermitente no período de inatividade do seu contrato. Contrariamente, há categorias em que se prevê expressamente uma remuneração para esses períodos de inatividade, como é o caso do ferroviário em escala de sobreaviso28 e de prontidão29 (art. 244
§§ 2º e 3º da CLT). Também, no direito estrangeiro, alguns países se preocuparam em fixar uma guarida remuneratória para os intermitentes nos períodos de inatividade.
No contratto a chiamata italiano há uma indenização ou subsídio de disponibilidade caso haja obrigação de resposta ao chamado por parte do trabalhador. Porém, nesses casos, o empregado não poderá apresentar recusas às convocações do empregador. O quantum remuneratório é determinado por acordos coletivos, não podendo ser inferior ao montante fixado por decreto do Ministério do Trabalho e das Políticas Sociais (art. 16 do Decreto Legislativo 81/201530).
28Período em que o empregado aguarda o chamado para o serviço em sua residência, que pode ocorrer a qualquer momento. O período máximo de cada escala de sobreaviso é de vinte e quatro horas. As horas são remuneradas na razão de 1/3 do salário normal (§2º, art. 244 da CLT).
29 Período em que o empregado fica nas dependências da estrada, aguardando ordens. O período máximo de cada escala de prontidão é de doze horas. As horas são remuneradas na razão de 2/3 do salário normal (§3º, art. 244 da CLT).
30Art. 16. Indennità di disponibilità 1. La misura dell'indennità mensile di disponibilità, divisibile in quote orarie, è determinata dai contratti collettivi e non è comunque inferiore all'importo fissato con decreto del Ministro del lavoro e delle politiche sociali, sentite le associazioni sindacali comparativamente più rappresentative sul piano nazionale. (...) 5. Il rifiuto ingiustificato di rispondere alla chiamata può costituire motivo di licenziamento e comportare la restituzione della quota di indennità di disponibilità riferita al periodo successivo al rifiuto. 6. Con decreto del Ministro del lavoro e delle politiche sociali, di concerto con il Ministro dell'economia e delle finanze, è stabilita la misura della retribuzione convenzionale in riferimento alla quale il lavoratore intermittente può versare la differenza contributiva per i periodi in cui ha percepito una retribuzione inferiore a quella convenzionale ovvero ha usufruito dell'indennità di disponibilità fino a concorrenza del medesimo importo.
No trabalho intermitente português durante o período de inatividade, o trabalhador tem direito a contraprestação em valor estabelecido em instrumento de regulamentação coletivo ou, na sua falta, de 20% da retribuição base, a pagar pelo empregador com periodicidade igual à da retribuição (art. 160 Código do Trabalho Português31).
Dentre as legislações estrangeiras analisadas, apenas no contrato fijo-discontinuo espanhol não há uma previsão para o pagamento durante o período de inatividade (art. 16 do Estatuto de los Trabajadores), assemelhando-se, assim, ao contrato intermitente brasileiro.
Dessa forma, a remuneração merece ser devida, mesmo no período de inatividade, como ocorre em outras categorias brasileiras e na legislação estrangeira. Identificando-se, nesse aspecto, a mitigação do princípio da alteridade (art. 2º da CLT), pois o trabalho intermitente transfere os riscos da atividade econômica para os trabalhadores intermitentes, na medida em que estes só serão convocados quando há grande demanda na empresa, sendo remunerados estritamente pela trabalho realizado (PITOMBO, 2019). Quer dizer, a obrigação do empregador envolve exclusivamente a contraprestação pelo tempo efetivo de serviços.
Resta claro o quão deletério é o tempo de trabalho do intermitente se comparado ao dos demais trabalhadores, como aqueles que firmam contrato regular por prazo indeterminado e, até mesmo, os contratos de trabalho temporário e trabalho a tempo parcial, os quais incluem na contabilidade da jornada de trabalho o “tempo à disposição” (XXXXX, 2019).
No que tange ao conhecimento do novo período de prestação de serviços, ocorrerá por convocação do empregador. Tem de ocorrer com, pelo menos, três dias de antecedência. Pode ser feita por qualquer meio de comunicação eficaz. Devendo o empregador informar qual será a jornada de trabalho. Ainda, recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa (art. 452-A, §§ 1º a 4º, da CLT)32.
Comparando-se aos outros países, alguns aspectos se sobressaem: no contratto a chiamata33 o próprio pacto deve prever os períodos de chamada; no contrato intermitente
31Art. 160. 1 - Durante o período de inatividade, o trabalhador pode exercer outra atividade, devendo informar o empregador desse facto. 2 - Durante o período de inatividade, o trabalhador tem direito a compensação retributiva, a pagar pelo empregador com periodicidade igual à da retribuição, em valor estabelecido em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou, na sua falta, de 20 % da retribuição base. 3 - Se o trabalhador exercer outra atividade durante o período de inatividade, o montante da correspondente retribuição é deduzido à compensação retributiva calculada de acordo com o número anterior. (...) 6 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.os 2 ou 4.
32Mais alguns aspectos merecem nota: a rejeição da oferta não descaracteriza a subordinação, entretanto, se, após o aceite da convocação qualquer das partes, sem justo motivo, descumpri-lo, a parte que der causa, pagará à outra, multa de cinquenta por cento da remuneração que seria devida (art. 452-A, §4º, da CLT).
33Art. 15 do Decreto Legislativo 81/2015.
português34, o interstício entre a chamada e o aceite não pode ser menor que vinte dias e no contrato fijo-discontinuo espanhol35, a convocação deve se dar na ordem e na modalidade determinada nas convenções coletivas. Isso demonstra que a convocação no direito estrangeiro - seja porque é prevista no contrato ou nas convenções coletivas, seja porque deve haver um período mínimo de vinte dias - possibilita aos seus trabalhadores intermitentes uma maior previsibilidade e possibilidade de organização.
3.2 Da ausência de uma jornada de trabalho mínima
No contrato intermitente brasileiro a lei não estipula um mínimo de horas a serem trabalhadas. Isso significa que a quantidade de tempo de trabalho, inclusive, pode ser zerada. Ao mesmo tempo, o § 5º do art. 452-A da CLT, permite aos trabalhadores intermitentes firmar mais de um vínculo de emprego36. Dessa forma, no período de inatividade, eles podem prestar serviços a outros empregadores. Essa situação faz transparecer duas situações: a ausência de jornada de trabalho e o excesso de jornada de trabalho.
A primeira situação já é real: de acordo com dados do Dieese, 22% dos vínculos intermitentes não geraram trabalho ou renda em 201937. Essa situação, em que muitos dos trabalhadores intermitentes são convocados pouquíssimas vezes ou, sequer são convocados, compromete a renda destes trabalhadores, já que também não há fixação de um percentual mínimo de remuneração.
A segunda situação é uma estimativa de longo prazo: na medida em que as contratações intermitentes se propagarem (essa é uma possibilidade real, conforme citado no fim do tópico 2) é provável que, diante da incerteza de nova convocação nos próximos dias e, também, na busca de uma complementação da remuneração, os intermitentes acabem perfazendo jornadas, se não quase coincidentes ou superpostas, ao menos, comprometedoras dos intervalos intrajornada e interjornada38.
Em razão de a contratação intermitente ser ainda “novidade”, pois foi incluída na
34Art. 158 do Código do Trabalho Português.
35Art. 16, ítem 3 del Estatuto de los Trabajadores.
36Tal disposição não é, de fato, tão relevante pois a exclusividade não é um requisito da relação de emprego. Até os contratos de empregos convencionais podem permitir que o empregado possua mais de um vínculo de emprego (BROLIO, 2019).
37Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx/0000/xxxxxxxXxxxxxxXxXxxxx00.xxxx. Acesso em: 10 ago. 2021.
38Nesse sentido, destaca-se que a CLT impõe um período para descanso entre duas jornadas de trabalho de, no mínimo, onze horas ininterruptas (art. 66 da CLT). E, para trabalhos contínuos que excedam seis horas contínuas, determina a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação de, no mínimo, uma hora (art. 71, caput, da CLT).
legislação brasileira a menos de quatro anos, ainda não existem dados brasileiros a corroborar essa hipótese. Porém, em pesquisa realizada pela OIT, em 2009, verificou-se que os trabalhadores intermitentes perfaziam uma jornada semanal de trabalho superior a setenta e duas horas39.
Ainda, em relação às jornadas excessivas, a legislação poderia estabelecer um limite de horas a serem laboradas para empregadores diferentes. Entretanto, essa situação ensejaria um embate entre a liberdade de trabalho e a autonomia da vontade versus a tutela do Estado sobre a saúde do trabalhador.
No que tange ao direito estrangeiro, o contratto a chiamata italiano40 deve determinar o período de atividade e inatividade, o tempo do pré-aviso, se há indenização de disponibilidade e a forma de pagamento. O contrato de trabalho intermitente português41 deve indicar o número de horas ou dias a serem laboradas durante o ano, que não podem ser inferior a cinco meses, e desses cinco meses, pelo menos três devem ser consecutivos. O contrato fijo-discontinuo espanhol42 deve indicar a duração estimada da atividade, a jornada de trabalho estimada e sua distribuição horária.
Verifica-se que nessas legislações são impostos limites mínimos que permitem ao trabalhador ter uma maior segurança quanto ao tempo do seu trabalho. Já a lei brasileira, prevê tão somente que o valor da hora trabalhada “não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não” (art. 452-A, caput, da CLT). O que não
39Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxx/00.000.00000/000000/0000_xxxxx_xxxxxxx_xxxx rma_trabalhista.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 02 ago. 2021.
40Art. 15 do Decreto Legislativo 81/2015. Forma e comunicazioni. 1. Il contratto di lavoro intermittente e' stipulato in forma scritta ai fini della prova dei seguenti elementi: a) durata e ipotesi, oggettive o soggettive, che consentono la stipulazione del contratto a norma dell'articolo 13; b) luogo e modalita' della disponibilita', eventualmente garantita dal lavoratore, e del relativo preavviso di chiamata del lavoratore, che non puo' essere inferiore a un giorno lavorativo; c) trattamento economico e normativo spettante al lavoratore per la prestazione eseguita e relativa indennita' di disponibilita', ove prevista; d) forme e modalita', con cui il datore di lavoro e' legittimato a richiedere l'esecuzione della prestazione di lavoro, nonche' modalita' di rilevazione della prestazione; e) tempi e modalita' di pagamento della retribuzione e della indennita' di disponibilita'.
41Art. 158 do Código do Trabalho Português. 1. O contrato de trabalho intermitente está sujeito a forma escrita e deve conter: b) Indicação do número anual de horas de trabalho, ou do número anual de dias de trabalho a tempo completo. Art. 159 do Código do Trabalho Português. 1 - As partes estabelecem a duração da prestação de trabalho, de modo consecutivo ou interpolado, bem como o início e termo de cada período de trabalho, ou a antecedência com que o empregador deve informar o trabalhador do início daquele. 2 - A prestação de trabalho referida no número anterior não pode ser inferior a cinco meses a tempo completo, por ano, dos quais pelo menos três meses devem ser consecutivos. 3 - A antecedência a que se refere o n.º 1 não pode ser inferior a 30 dias na situação do n.º 1 do artigo seguinte e a 20 dias nos restantes casos. 4 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no número anterior.
42Art. 16, ítem 3 del Estatuto de los Trabajadores. Este contrato se deberá formalizar necesariamente por escrito en el modelo que se establezca y en él deberá figurar una indicación sobre la duración estimada de la actividad, así como sobre la forma y orden de llamamiento que establezca el convenio colectivo aplicable, haciendo constar igualmente, de manera orientativa, la jornada laboral estimada y su distribución horaria.
garante nada, eis que não adianta a garantia do valor da hora de trabalho, se não há garantia de uma hora sequer de trabalho.
É imposta, ao trabalhador intermitente, uma circunstância excessivamente prejudicial à sua posição na relação jurídica com o empregador, com total imprevisão quanto à jornada de trabalho - e à sua existência - e a quantia salarial a ser percebida ao final do mês (XXXXX, 2019).
3.3 A ficção do direito a férias anuais remuneradas
O inciso XVII do art. 7º da Constituição dispõe que é um direito do trabalhador o gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal. A legislação trabalhista também é nesse sentido, aludindo que o empregado faz jus a um período remunerado de férias no decorrer do ano (art. 129 da CLT) e que esse período ocorrerá a cada doze meses da vigência do contrato de trabalho (art. 130 da CLT).
Contrariamente, ao regular especificamente o contrato intermitente, a CLT não traz qualquer aspecto protetivo em relação a este instituto. Dispõe, tão somente, que o trabalhador intermitente receberá, ao final de cada período em que foi convocado para a prestação do serviço, o pagamento imediato das férias proporcionais com acréscimo de um terço (art. 452-A §6º, inc. II, da CLT)43. E que o intermitente adquire o direito à fruição de um mês de férias a cada doze meses de prestação de serviços ao mesmo empregador.
Ressalta-se: neste mês de férias não poderá ser convocado por este empregador, entretanto, poderá ser convocado por outros empregadores com os quais também possua vínculo intermitente (art. 452-A, §9º, da CLT).
Em outras palavras, após um ano inteiro de prestação de serviços a determinado empregador intermitente, as férias desse empregado se restringem ao direito de passar trinta dias sem ser convocado - suspensão contratual - e sem receber pagamento por esse descanso, uma vez que o pagamento já ocorreu ao longo do ano, na forma do art. 452-A, § 6º da CLT.
Tal situação, novamente, enseja duas situações. Primeiro, caso o intermitente seja convocado poucas vezes, o instituto das férias se torna inócuo: o empregado irá querer trabalhar nesse período para perceber remuneração. Se ele não estava sendo convocado, ele já
43Ao se impor essa forma de remuneração, há, também, a violação ao art. 142 da CLT, que determina a incidência de outras parcelas junto à concessão de férias (BROLIO, 2019). Veja-se: “Art. 142 § 1º da CLT. Quando o salário for pago por hora com jornadas variáveis, apurar-se-á a média do período aquisitivo, aplicando-se o valor do salário na data da concessão das férias. (...) § 5º da CLT. Os adicionais por trabalho extraordinário, noturno, insalubre ou perigoso serão computados no salário que servirá de base ao cálculo da remuneração das férias”.
estava de “férias” no sentido atribuído pelo §9º do art. 452-A da CLT. Por outro lado, levando em consideração a tendência já mencionada de generalização do contrato intermitente, um trabalhador que tenha muitos vínculos, e que seja sempre convocado, provavelmente não conseguirá equacionar o volume de trabalho.
Ressalta-se que a finalidade das férias é proporcionar efetivo descanso ao trabalhador. No contrato intermitente essa finalidade é desvirtuada. Além da violação à Constituição (art. 7º, inc. XVII), a regulação jurídica desse instituto no contrato intermitente afronta à Convenção nº 132 da OIT, que proíbe a concessão de férias em período inferior a duas semanas44. Assim, as férias anuais do trabalhador intermitente são convertidas em mera indenização pecuniária dissolvida ao longo dos períodos de prestação de serviços.
3.4 Outras ficções jurídicas: o repouso semanal remunerado, os feriados, a jornada noturna e a jornada extraordinária
O direito ao repouso semanal e aos feriados remunerados, assim como o direito ao pagamento em dobro pela jornada extraordinária, são garantias inerentes ao contrato de trabalho padrão. Entretanto, quando se analisa o § 6º do art. 452-A da CLT, percebe-se uma clara desvirtuação desses institutos no contrato intermitente.
O inc. XV do art. 7º da Constituição prevê a garantia ao repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos. Da mesma forma, a CLT prevê esse direito em seu art. 67 e, ainda, veda o trabalho em feriados, em seu art. 70 (salvo exceções). O §6º, inc. IV, do art. 452-A da CLT, ao estabelecer que, no contrato intermitente, a parcela relativa ao repouso semanal remunerado será paga imediatamente ao final de cada período de prestação de serviço, desvirtua a finalidade desse direito que é o efetivo descanso remunerado, mesmo que não aos domingos. Assim como as férias, o repouso semanal se converte em mera indenização pecuniária a ser paga ao final de cada período de prestação de serviço.
A remuneração superior pelo trabalho noturno45, também é um direito do trabalhador previsto na Constituição (art. 7º, inc. IX). A CLT dispõe que esse acréscimo será de, no mínimo, vinte por cento sobre a hora diurna (art. 73, caput). O §6º, inc. V, do art. 452-A da CLT, de uma forma positiva, e na linha da legislação, garante esse direito ao trabalhador
44Disponível em: xxxxx://xxx.xxx.xxx/xxxxxxxx/xxxxxxxxxx/XXXX_000000/xxxx--xx/xxxxx.xxx. Acesso em 02 ago. 2021.
45Ressalta-se que os parágrafos do art. 73 da CLT trazem algumas determinações: “§ 1º A hora do trabalho noturno será computada como de 52 minutos e 30 segundos; § 2º Considera-se noturno, para os efeitos deste artigo, o trabalho executado entre as 22 horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte”.
intermitente de uma forma efetiva, ao determinar que “ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato dos adicionais legais”.
Ainda, a Constituição garante o direito à remuneração superior pelo serviço extraordinário, que deve ser, no mínimo, de cinquenta por cento a mais do que a remuneração do trabalho normal (art. 7º, inc. XVI). A legislação trabalhista traz, ainda, uma restrição: o trabalho extraordinário não pode exceder duas horas, devendo ser ajustado mediante acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo (art. 59, caput e §1º da CLT).
Trabalhadores intermitentes também possuem o direito ao pagamento das horas extras, a partir da interpretação sistemática dos arts. 59 §1º, 62 e 452-A §6º, da CLT. Assim, se o trabalhador for convocado para prestação de serviços por um período superior a oito horas diárias, deverá receber pagamento em dobro por essas horas extras laboradas.
Entretanto, a despeito da previsão legal de sua aplicabilidade, o contrato intermitente não se compatibiliza com a prestação de serviços extraordinários. Isso porque, se ele é, justamente, uma maneira de flexibilizar e cortar custos - contratar trabalhadores na exata medida da demanda - não haveria motivo para o empregador contratar o mesmo intermitente para perfazer uma sobrejornada, e ter de pagar em dobro, se pode convocar outros intermitentes com quem também tenha vínculo.
Ao mesmo tempo, isso não impede que o próprio trabalhador exerça uma jornada diária extraordinária para empregadores diferentes. Assim, se o somatório do trabalho diário for superior a oito horas, mas não em relação a cada um dos empregadores distintos, mesmo que perfaça uma jornada extraordinária, o intermitente não fará jus ao adicional de horas extras.
3.5 A ausência de restrições no contrato intermitente brasileiro e sua similitude ao
zero hour contract britânico
Contrariamente a outros países europeus que adotaram o contrato intermitente para atividades específicas, geralmente descontínuas ou de intensidade variável, o Brasil legalizou essa categoria contratual para os todos os tipos de atividade e, ainda, não trouxe nenhum limite à sua aplicação (TEIXEIRA, 2020).
A utilização do contratto a chiamata italiano possui diversas restrições. É utilizado apenas em períodos específicos, como na Páscoa e no Natal (TEIXEIRA, 2020). O período total de trabalho para um mesmo empregador não pode exceder quatrocentos dias de trabalho
ao longo de três anos, cuja extrapolação indica a desvirtuação da contratação intermitente46. Apenas pessoas com menos de vinte e quatro anos e com mais de cinquenta e cinco anos podem ser admitidas47. É proibida a sua utilização para a substituição de trabalhadores em greve e nas unidades que, nos seis meses anteriores, realizaram dispensas coletivas ou reduziram as horas de trabalho48.
No contrato de trabalho intermitente português, apenas uma empresa que exerça atividade com descontinuidade (ou seja, com interrupções) ou intensidade variável (ou seja, com flutuações) poderá utilizar o trabalho intermitente. Sendo expressamente proibido o uso desse trabalho como temporário ou com termo resolutivo49.
O contrato fijo-discontinuo espanhol é utilizado para prestação de serviços que não se repetem em determinadas datas dentro do volume normal de atividade da empresa. Caso haja essa repetição, será aplicável a regulamentação do contrato a tempo xxxxxxx00. A doutrina espanhola explica que o contrato fijo-discontinuo é celebrado para prestação de serviços em atividades sazonais. Ainda, se o evento é incerto, a modalidade de contratação será o trabalho temporário. Há grande utilização dessa modalidade, por exemplo, em regiões onde o turismo é mais forte por alguns meses do ano (COLNAGO, 2019).
Percebe-se que, apesar da precarização ínsita e universal ao trabalho intermitente, a legislação italiana, portuguesa e espanhola, estipularam limites além dos quais o uso dessa contratação não é permitida. Verifica-se, assim, que nesses países a utilização da contratação
46Art. 13, item 3 Decreto Legislativo nº 81/2014. In ogni caso, con l'eccezione dei settori del turismo, dei pubblici esercizi e dello spettacolo, il contratto di lavoro intermittente e' ammesso, per ciascun lavoratore con il medesimo datore di lavoro, per un periodo complessivamente non superiore a quattrocento giornate di effettivo lavoro nell'arco di tre anni solari. In caso di superamento del predetto periodo il relativo rapporto si trasforma in un rapporto di lavoro a tempo pieno e indeterminato.
47Art. 13, item 2 do Decreto Legislativo nº 81/2014. Il contratto di lavoro intermittente puo' in ogni caso essere concluso con soggetti con meno di 24 anni di eta', purche' le prestazioni lavorative siano svolte entro il venticinquesimo anno, e con piu' di 55 anni.
48Art. 14 do Decreto Legislativo 81/2015. Divieti. 1. E' vietato il ricorso al lavoro intermittente: a) per la sostituzione di lavoratori che esercitano il diritto di sciopero; b) presso unita' produttive nelle quali si e' proceduto, entro i sei mesi precedenti, a licenziamenti collettivi a norma degli articoli 4 e 24 della legge
23 luglio 1991, n. 223, che hanno riguardato lavoratori adibiti alle stesse mansioni cui si riferisce il contratto di lavoro intermittente, ovvero presso unita' produttive nelle quali sono operanti una sospensione del lavoro o una riduzione dell'orario in regime di cassa integrazione guadagni, che interessano lavoratori adibiti alle mansioni cui si riferisce il contratto di lavoro intermittente; c) ai datori di lavoro che non hanno effettuato la valutazione dei rischi in applicazione della normativa di tutela della salute e della sicurezza dei lavoratori 49Art. 157 do Código do Trabalho Português. Admissibilidade de trabalho intermitente 1 - Em empresa que exerça actividade com descontinuidade ou intensidade variável, as partes podem acordar que a prestação de trabalho seja intercalada por um ou mais períodos de inactividade. 2 - O contrato de trabalho intermitente não pode ser celebrado a termo resolutivo ou em regime de trabalho temporário.
50Art. 16, ítem 1 del Estatuto de los Trabajadores. El contrato por tiempo indefinido fijo-discontinuo se concertará para realizar trabajos que tengan el carácter de fijos-discontinuos y no se repitan en fechas ciertas, dentro del volumen normal de actividad de la empresa. A los supuestos de trabajos discontinuos que se repitan en fechas ciertas les será de aplicación la regulación del contrato a tiempo parcial celebrado por tiempo indefinido.
intermitente é excepcional, não sendo generalizada a todo e qualquer trabalhador e a toda e qualquer atividade (SOUTO MAIOR, 2020).
A ausência de restrições ao contrato intermitente brasileiro, transparece uma aproximação com o zero hour contract britânico, notadamente quanto à inexistência de uma garantia mínima de horas a serem trabalhadas (SOUTO MAIOR 2020). O Reino Unido - berço do movimento sindical operário e das primeiras lutas para regulamentação da jornada de trabalho regulada - é a região europeia na qual as políticas neoliberais, a difusão do toyotismo e das jornadas variáveis foi mais profunda. Sendo isso claramente visível com a grande generalização da contratação intermitente, cuja força de trabalho tem sido amplamente utilizada no setor de serviços (BASSO, 2018).
A legislação brasileira deveria ter contemplado maiores limitações ao uso da contratação intermitente. Uma possibilidade de limitação seria a rescisão contratual, com o pagamento de indenização ao trabalhador intermitente, no caso da ausência de convocação em certo período de tempo.
3.6 A apropriação do tempo de trabalho não pago: o tempo à disposição
A economia sob a égide do capital financeiro quer a todo custo aumentar o abismo entre o valor que o proletariado produz e o que recebe. O resultado é a amplificação da precarização dos direitos trabalhistas. O contrato intermitente brasleiro incrementa as novas formas de trabalho produtivo geradoras de valor (ANTUNES, 2020). A possibilidade de o empregador convocar o empregado na exata medida da demanda faz sobrelevar uma nova forma de ocultação da apropriação do tempo de trabalho não pago.
Nessa lógica, entende-se possível aplicar a teorização de Xxxx Xxx Xxxxx (2008) acerca das maneiras mais relevantes de extração do tempo de trabalho. Para explicitar como isso ocorre, o autor divide o tempo de trabalho em um componente cronométrico (duração do trabalho) e em um componente cronológico (divisão dos horários de trabalho). No que tange ao componente cronométrico, três são as formas mais comuns de extração da mais-valia: a
intensificação51, a densificação52 e a massificação53. Já em relação ao componente cronológico, as formas mais comuns de extração da mais-valia são a fragmentação e o aumento do número de horas por turno (ROSSO, 2008).
Entende-se aqui que a fragmentação é um elemento essencial para extração da mais-valia no trabalho intermitente. Isso porque, “ao distribuir o tempo de serviço separado por intervalos, tais intervalos operam como os ‘poros’ do trabalho que, existindo fora do tempo de trabalho, podem ser expulsos quando o trabalho recomeça” (ROSSO, 2008, p. 76-77).
Assim, o trabalho intermitente possibilita a eliminação do pagamento do tempo à disposição, porquanto, apesar de ficar permanentemente disponível para o empregador, o trabalhador intermitente recebe remuneração apenas pelo tempo exato da prestação dos serviços.
Indo mais a fundo, outros autores, como Xxxxxx Xxxxxxx (2019), falam em “tempo de trabalho fractalizado”, em que a extensão do tempo de trabalho é “reduzida a fragmentos mínimos recomponíveis” ou, em outras palavras: o tempo de trabalho é minuciosamente celularizado. E, a recombinação desses fragmentos é realizada automaticamente pela rede, assim, o toque do telefone celular chama o trabalhador a reconectar o seu tempo abstrato ao “fluxo reticular”.
O capital, a partir da fractalização, não precisa mais usufruir de todo o tempo de vida de um trabalhador, precisa de fragmentos isolados de seu tempo. O tempo de trabalho se torna um “mar de células” que podem ser convocadas e recombinadas de forma pontual, casual, fragmentária, conforme suas exigências. Assim, o capital transita por todos os cantos do mundo a fim de encontrar todo fragmento de tempo humano disponível para ser explorado pelo salário mais miserável (BERARDI, 2019).
“Os trabalhos flexíveis criaram condições para que os horários de trabalho real se aproximem de suas margens formais, descartando assim os tempos mortos durante as jornadas” (ROSSO, 2008, p. 40). Ocorre que, dessa forma, o trabalhador intermitente passa a ter uma condição análoga a de insumo empresarial. O empregador pode fracionar ao máximo
51A intensificação é o aumento da velocidade e do ritmo na prestação laboral. É visível nos postos de trabalho que empregam sistemas de cadeias ou esteiras. Seus efeitos na saúde dos trabalhadores são as lesões por esforços repetitivos e os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (ROSSO, 2008).
52Na densificação busca-se a diminuição dos tempos mortos, os chamados poros. Obtida mediante microrregulações que controlam o exercício do trabalho, como a subtração dos deslocamentos improdutivos, das micro pausas informais ou do esperar entre tarefas. As consequências são os grandes índices de queixa de estresse, principalmente entre trabalhadores que prestam atividades de serviços (ROSSO, 2008).
53A massificação é a subtração de horas de formação, de treinamento e de recuperação dos trabalhadores. Busca-se com isso aproximar o trabalho real de sua distribuição formal e a distribuição de tarefas que supõe o emprego de horas adicionais (ROSSO, 2008).
o tempo de trabalho, entretanto, o empregado que, a despeito de ter todo o seu dia voltado ao trabalho, em razão das horas de plantão, das horas de itinerário, recebe ao fim, uma remuneração ínfima. Sendo o empregado convertido em mera mercadoria, cujo valor econômico é atribuído de acordo com as “leis da oferta e da procura”. Tudo isso na contramão da Declaração Relativa aos Fins e Objetivos da OIT, item I-a (XXXXX, 2019).
A distribuição do tempo de trabalho passa a ser desconectada da pessoa do trabalhador. Quer dizer, o trabalhador é juridicamente livre, mas seu tempo é escravo: seu tempo não lhe pertence porque está à disposição do ciberespaço produtivo. Verifica-se, assim, uma verdadeira cisão entre a percepção subjetiva do tempo que flui e a recomposição objetiva do tempo na produção de valor. Na esfera do tempo precário, não se pode formular nenhum projeto de futuro, porque o tempo precário não se subjetiviza, não se torna sujeito de imaginação, nem de vontade e nem projeto (BERARDI, 2019).
A respeito desse tema, Xxxxxxxx (2021), fez um estudo acerca da precificação dos trabalhadores de plataformas digitais e sua relação com o “salário por peça”. Tal estudo pode ser cotejado aos trabalhadores intermitentes na medida em que os períodos de trabalho e a respectiva remuneração ao seu final, se transfiguram em um espécime de “salário por peça”.
Nos primórdios da Indústria (1797-1815), esse mecanismo propiciava a prolongação da jornada de trabalho ao mesmo tempo em que provocava o rebaixamento do salário. Isso porque, ao associar o aumento da remuneração à produtividade, o sistema de “salário por peça” impulsiona o desejo pelo alargamento do tempo de trabalho (OLIVEIRA, 2021).
Além disso, o entusiasmo do trabalhador por esse sistema é explicado pela idealização da liberdade sobre o tempo de trabalho e pela ideia de que a obtenção de riqueza depende, única e exclusivamente, de sua produtividade individual (OLIVEIRA, 2021). Esse estímulo pode ser considerado uma tendência no trabalho intermitente, uma vez que, quanto mais convocações o trabalhador intermitente atender, mais trabalho e, consequentemente, maior será a remuneração percebida por ele.
Ocorre que a prolongação do tempo de trabalho com a continuidade do “valor da peça” representa, por si só, um rebaixamento no preço do trabalho. Porquanto nesse modelo, “o valor atribuído ao produto não é definido apenas com o valor criado de cada peça produzida, mas sim também é estabelecido a partir de tempos médios da produção, de sorte que esse pagamento por peça/produto é fixado indiretamente pelo tempo de produção” (OLIVEIRA, 2021, p. 51).
Portanto, esse sistema se torna uma das formas mais austeras de venda de força de trabalho como mera mercadoria. Transformando-se em mais um mecanismo que oculta a apropriação do trabalho assalariado.
4 AS CONSEQUÊNCIAS PARA O TRABALHADOR INTERMITENTE
Os impactos negativos para a saúde e para a vida dos trabalhadores já ecoam nos países que adotaram essa modalidade contratual. De acordo com Xxxxxxxx et al (2017), pesquisas realizadas nesses países apontam que trabalhadores submetidos ao trabalho intermitente, a depender de cada período, laboram muito mais ou muito menos do que os empregados contratados em regimes regulares.
Conforme Xxxxx Xxxxx Xxxxx (2020), o trabalho intermitente evidencia a ampliação da polarização entre as mais curtas e mais extensas jornadas: pessoas que trabalham até quatorze horas semanais de um lado e aquelas com jornada superior a quarenta e oito horas semanais do outro lado.
Dentre as várias consequências, Xxxxxxxx et al (2017) aduz que são danosas as repercussões em termos de acidentalidade, seja pelos prolongamentos excessivos das jornadas, seja pela ausência de continuidade nas atividades. Esta última fundamenta-se na redução da prática de trabalho em determinado ambiente, em razão do afastamento do vínculo do trabalhador com seu processo de trabalho.
Esse aspecto se choca diretamente com a exceção prevista no parágrafo único do art. 611-B da CLT, o qual estabelece que as “regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho”. Entretanto, demonstrou-se claramente que o tempo de trabalho possui íntima relação com a saúde e a segurança dos trabalhadores.
4.1 O tempo em que o trabalhador intermitente aguarda a convocação
O trabalhador intermitente, ao permanecer aguardando uma possível convocação para o trabalho, não consegue, de modo efetivo, descansar e aproveitar seu tempo livre. Podendo vir a sofrer restrição à sua vida pessoal e até mesmo ao seu direito de livre locomoção. Essa espera suscita um tempo de inteira disponibilidade, que viola o direito constitucional à
limitação da jornada de trabalho54, a qual abrange o tempo de execução do trabalho e o tempo de disponibilidade, nos termos do art. 4º da CLT.
Os intermitentes, ao invés de se subordinar aos empregadores apenas durante a jornada de trabalho, passam a ter toda a sua vida sujeita aos intentos empresariais, sem que possam planejar sua vida pessoal e profissional. Eles se submetem a essa ininterrupta prontidão porque sua condição precária não lhes dá outra alternativa que não seja aceitar qualquer trabalho que surgir (XXXXXXXX et al, 2017).
Tal condição contratual excede o direito individual do trabalhador, comprometendo o conceito de trabalho digno formulado pela OIT e o próprio projeto de sociedade delineado pela Constituição. A despeito da possibilidade de exploração do trabalho alheio, que se inclui como uma vantagem protegida juridicamente, não se admite, em um Estado Democrático de Direito, o trabalho enquanto sujeição pessoal. As características do contrato intermitente rompem com o paradigma de trabalho prestado mediante subordinação jurídica e ressuscitam o trabalho servil, modelo teoricamente superado desde os primórdios do liberalismo econômico - e considerado marginal à luz do Direito (LEMOS, 2020).
4.2 A imprevisibilidade do período de trabalho e sua repercussão na remuneração
As regras impostas pela Lei 13.467/2017 rompem com dois requisitos para que se tenha configurada a relação de emprego55: a habitualidade e a onerosidade (PITOMBO, 2019). Isso porque, o intermitente desconhece previamente, não apenas quantas, mas também, quais as horas do dia, e os dias da semana que pode ser convocado à prestação de serviço. Nesse sentido, “a contratação de trabalho intermitente, ao abandonar o conceito clássico de jornada de trabalho, causa impacto remuneratório aos empregados, vez que estes só serão remunerados se e quando convocados ao trabalho” (XXXXX XX., 2019).
Destaca-se que a contraprestação remuneratória ocorre ao final do período da prestação de serviço. Sendo obtida a partir da multiplicação do valor salário-hora pela quantidade de horas trabalhadas. Isso significa que não há um valor salarial fixo por mês. A lei não fixou nenhum amparo remuneratório mínimo ao trabalhador. Garantindo-lhe apenas o “valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor do horário do salário mínimo ou
54Vide art. 7º, inc. XIII, da Constituição.
55De acordo com o art. 3º da CLT, os elementos fático-jurídicos caracterizadores do vínculo de emprego são a pessoalidade, a subordinação, a não eventualidade e a onerosidade.
àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não” (art. 452-A caput, da CLT).
A parcela a ser paga ao trabalhador intermitente, além da remuneração em si, deve incluir o valor proporcional das férias com acréscimo de um terço56, do décimo terceiro salário57, do repouso semanal remunerado e de outros adicionais legais que o trabalhador faça jus (art. 452-A, §6º, da CLT). Entretanto, esse pagamento proporcional desvirtua a lógica que instituiu tais verbas como direitos a serem usufruídos no momento oportuno58 (LEMOS, 2020).
Além disso, a remuneração apenas na exata medida da prestação dos serviços compromete parcelas e garantias próprias do contrato de trabalho, como o pagamento do tempo à disposição, dos intervalos intrajornadas e interjornadas, dos descansos em feriados e do trabalho extraordinário. Assim, se o intermitente não perfaz a jornada de trabalho padrão - de oito horas diárias, quarenta e quatro semanais e duzentos e vinte mensais, computados os descansos remunerados -, o trabalho se torna desvalorizado, precário e barato (DELGADO, 2018).
De acordo com dados da DIEESE, ao final de 2019, a remuneração mensal média paga para cada vínculo intermitente foi de R$637, o que equivalia a 64% do valor do salário mínimo no ano. Além disso, das pessoas que trabalharam, 44% receberam renda inferior a um salário mínimo59.
Daí a insegurança do trabalhador intermitente quanto à sua própria subsistência, relativizando a garantia prevista no art. 7º incs. IV e VII da Constituição, as quais determinam a garantia ao salário, nunca inferior ao mínimo, mesmo para os que percebem remuneração variável. E, viola-se também as Convenções 9560 e 13161 da OIT, ratificadas pelo Brasil, as quais fixam as características do salário mínimo: a finalidade satisfativa mínima de direitos sociais, a periodicidade e a persistência (GOMES, 2019).
56Asseguradas pelo inciso XVII, do art. 7º da Constituição.
57Assegurado pelo inciso VIII, do art. 7º da Constituição.
58Por exemplo, a razão de ser da gratificação natalina e do adicional de um terço sobre as férias é proporcionar uma remuneração superior para o trabalhador, por ocasião das festas de final de ano e do seu período de descanso anual.
59Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx/0000/xxxxxxxXxxxxxxXxXxxxx00.xxxx. Acesso em 31 jul. 2021.
60Disponível em: xxxxx://xxx.xxx.xxx/xxxxxxxx/xxxxxxxxxx/XXXX_000000/xxxx--xx/xxxxx.xxx. Acesso em: 02 ago. 2021.
61Disponível em: xxxxx://xxx.xxx.xxx/xxxxxxxx/xxxxxxxxxx/XXXX_000000/xxxx--xx/xxxxx.xxx. Acesso em: 02 ago. 2021.
4.3 As jornadas excessivas e a saúde física e mental do trabalhador intermitente62
Em razão da imprevisibilidade da jornada de trabalho e do medo de não ser convocado nos próximos dias, é provável que o trabalhador intermitente aceite convocações em períodos próximos ou quase superpostos, submetendo-se a jornadas de trabalho extensas que levam à supressão dos períodos de descanso. Contrariamente à garantia constitucional (art. 7º, inc. XIII, da Constituição) e legal (art. 58 da CLT), segundo as quais a duração do trabalho normal não poderá ser superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais.
De acordo com um relatório realizado pela OIT, em 2009, o trabalho intermitente em conjunto com a terceirização, concretizaram uma jornada de trabalho superior a setenta e duas horas semanais63. Ressalta-se que o direito ao descanso é efetivado pelo cumprimento da jornada padrão de trabalho, aliado ao respeito aos intervalos intrajornada e interjornadas, aos descansos semanais remunerados e às férias anuais.
A doutrina reconhece há muito que a limitação da jornada de trabalho possui fundamentos físicos, psíquicos e sociais. Os aspectos físicos remetem às doenças relacionadas ao desgaste físico do trabalhador e ao aumento dos riscos de acidentes de trabalho e suas consequências, como mortes, redução da capacidade laborativa, etc. Já os aspectos de natureza psicológica dizem respeito às doenças mentais, como a síndrome de fadiga crônica64 relacionada, por exemplo, ao estresse e à depressão. Por fim, os aspectos sociais têm relação com a preocupação da inserção social do trabalhador, que precisa de tempo para o convívio com a família e amigos, para o lazer e também para a sua capacitação técnica. Enfim, para a
62De acordo com Xxxx Xxx Xxxxx (2008), no Brasil há um vácuo de pesquisas sistemáticas a respeito das consequências da intensificação do trabalho. Isso porque a maioria dos autores, até há pouco tempo restringia esse estudo às atividades industriais, nas quais vigoravam métodos fordistas ou toyotistas de organização do trabalho. Dal Rosso destaca que uma fonte potencialmente importante de estudo nesse sentido se refere ao número de acidentes registrados pelo INSS e nos levantamentos de casos realizados por psicólogo do trabalho ou outros profissionais que tenham se interessado pela questão.
63Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxx/00.000.00000/000000/0000_xxxxx_xxxxxxx_xxxx rma_trabalhista.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 02 ago. 2021.
64Pietro Basso, cita em seu livro o estudo do biólogo e psicobiólogo Xxxxxxx Xxxxxxxx e da psicóloga Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx, acerca da fadiga em trabalhadores turnistas: “A fadiga não aparece imediatamente e de forma clara. Primeiro, aparecem distúrbios vagos do sistema nervoso e de comportamento: apatia, vertigem, ansiedade, dificuldade de digestão etc. Depois, aparecem estados depressivos e distúrbios do sono: dificuldade para adormecer, acordar várias vezes durante a noite, períodos insuficientes de sono profundo. É nesse ponto que geralmente se inicia um perigoso círculo vicioso: o indivíduo, não conseguindo mais recuperar suas energias pelo sono, começa a ter distúrbios psicossomáticos (colite, hipertensão, impotência etc.) que agravam seu estado de sofrimento. Esses distúrbios podem, por sua vez, modificar a vida das relações, internas e externas à família, provocando problemas psicológicos. Quando chegam nesse estado, muitas pessoas decidem recorrer aos soníferos, para induzir o sono, e a estimulantes, para ficar acordadas. Neste ponto, o círculo se fecha: fadiga - insônia e distúrbios psicossomáticos - uso de medicamentos para dormir - fadiga ao acordar - uso de estimulantes para aumentar a atenção - uso de sedativos. Estes, por sua vez, alteram, com o tempo, a qualidade do sono, que vai perdendo sua função restauradora, acentuando e aumentando o risco de tornar crônica a síndrome da fadiga” (FERRARIS, A. & XXXXXXXX, 1991, p. 107-109 apud BASSO, 2018).
possibilidade de seu desenvolvimento pessoal (KLIPPEL, 2016). Todos esses aspectos não podem perder de vista o viés da dignidade humana do trabalhador.
Dessa forma, como muito bem aduz Xxxxxxx Xxxxxxx (2015), a redução do tempo de trabalho é uma das mais importantes pautas do trabalhadores, porquanto “constitui num mecanismo de contraposição à extração do sobretrabalho, realizado pelo capital, desde sua gênese com a Revolução Industrial e contemporaneamente com a acumulação flexível da era do toyotismo e da máquina informacional”. Sendo uma condição preliminar para uma vida emancipada.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O percurso sócio-jurídico permitiu refletir sobre como a ressignificação do tempo de trabalho no contrato intermitente funciona como uma nova forma de acirramento da exploração do trabalho e da extração da mais-valia. O trabalhador intermitente é convocado na exata medida da demanda, eliminando-se o pagamento do tempo à disposição. Dessa forma, apesar de ficar permanentemente disponível para o empregador, o trabalhador intermitente é remunerado apenas pelo tempo exato da prestação dos serviços.
Essa constatação foi possível a partir de uma breve pesquisa acerca da retrospectiva histórica da proteção jurídica conferida ao trabalho. Desse análise, verificou-se que o aperfeiçoamento do controle sobre o tempo de trabalho se desenvolveu concomitantemente às Revoluções Industriais: a cada revolução engendraram-se novas dinâmicas econômicas e estratégias para maior extração da mais-valia. Nessa esteira, a crise da década de 1970 trouxe novas formas de regular o tempo de trabalho a partir da flexibilização, de modo que a prestação laboral atenda à demanda - just in time.
Nesse sentido, ressalta-se que a desproteção jurídica do tempo de trabalho, no contrato intermitente, em razão dessas novas formas de dominação capitalista, deve conduzir a novas maneiras de resistência da classe trabalhadora. Isso porque, como se viu, a precarização não é uma situação estática, mas um processo intrínseco ao capitalismo que tanto pode ampliar como reduzir, dependendo diretamente da capacidade de resistência, organização e confrontação da classe trabalhadora.
Assim, falar em “ficção da regulação jurídica dos tempos de descanso” no contrato intermitente é pôr em debate o modelo de organização econômica estruturado pela acumulação flexível. É, sobretudo, retomar o papel do Direito do Trabalho em cumprir o desígnio da Organização Internacional do Trabalho de não permitir que o trabalhador prossiga
recebendo o tratamento de mera mercadoria. Enfim, resguardar uma maior proteção na regulação do trabalho intermitente, é defender a ontologia e a razão de ser do Direito do Trabalho como instrumento de civilidade e dignidade para o trabalho assalariado.
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