Contract
CONTRATO DE SEGURO E PREDOMÍNIO DA PROTEÇÃO CONSUMERISTA: JUDICIALIZAÇÃO EXCESSIVA, INSEGURANÇA JURÍDICA E ENTRAVES AO DESENVOLVIMENTO DO MERCADO
Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx 1
Resumo
O trabalho analisa o contrato de seguro como instrumento de desenvolvimento econômico e social, submetido aos princípios do Código de Defesa do Consumidor. Explora os efeitos das decisões judiciais muitas vezes fundamentadas exclusivamente nos conceitos da hipossuficiência, inversão do ônus da prova e dever de informação, submetendo-as ao crivo da disciplina da Análise Econômica do Direito. Xxxxxx as falhas de mercado, assimetria informacional, e também os custos de transação trabalhados por Coase. As instituições, sobretudo o poder judiciário, têm o papel de garantir a eficiência nos arranjos sociais podendo incentivar condutas, e minimizar as falhas de mercado. O artigo utiliza abordagem qualitativa e método hipotético-dedutivo e investiga os fundamentos e os efeitos de alguns julgados de relações contratuais securitárias. Analisa interessante proposição do PhD em Economia, Professor Xxxx Xxx-Xxxxxx, sobre a possibilidade de se incrementar a proteção do consumidor pela abstenção da proteção legal-judicial. Correlaciona as análises dos casos concretos com os preceitos da Análise Econômica do Direito, com a finalidade de identificar seus efeitos para além das partes seguradora e segurado, concluindo que, ao prevalecer indistintamente a visão protetiva, ocorre aumento do prêmio pago pelo seguro e incentivo a comportamentos inadequados, sobrecarregando o Poder Judiciário desnecessariamente.
Palavras-Chave: Contrato de Seguro; Direito do Consumidor; Judicialização; Eficiência; Análise Econômica do Direito
INTRODUÇÃO
O cenário contemporâneo revela maior exposição da sociedade a riscos de diversas ordens. Viver em sociedade pressupõe a assunção de riscos, ainda que inconscientemente e nesse contexto, a figura do contrato de seguro ganha corpo. O seguro permite aos mais avessos ou sensíveis ao risco a possibilidade de minimizar suas consequências, mediante o pagamento do prêmio de um seguro de forma a dispor de uma quantia muito inferior
1 Professora Doutora no PPGD/PUCPR e Professora Doutora no PPGD/UFPR. Estágio de Pós-doutorado pela FGVSP e pela Universidade de Lisboa. Pesquisa no âmbito da Chamada Pública no. 24/2012 - Pesquisa Básica Aplicada da Fundação Araucária de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná. E-mail: xxxxxx.xxxxxxx@xxxxx.xx
2 Mestranda em Direito Econômico e Desenvolvimento PUC/PR (2016). E-mail: xxxxxxx.xxxx@xx.xxx.xx
à que seria necessária à recomposição própria ou de terceiros, ao mesmo tempo em que lhes permite obter coberturas suficientes para fazer frente às eventualidades da vida.
Circunstâncias como o aumento da expectativa de vida, a precariedade da previdência social, a insuficiência do sistema público de saúde, abrem espaço para os contratos de seguro de vida, de previdência complementar e de saúde. Com a expansão contínua da frota de veículos e urbanização, é previsível a ocorrência de mais acidentes, roubos ou furtos, alavancando o contrato de seguro automotivo e residencial. A expansão das atividades empresariais e o descompasso com a fiscalização gera evidentemente riscos ambientais e os respectivos seguros, e por aí segue, os exemplos citados não exaurem a infinidade de tipos de situações seguráveis.
Para que as consequências do risco eventual sejam minimizadas, o contrato de seguro possibilita que o segurado disponha de um percentual reduzido do valor que desembolsaria, frente à temida perda. Mas para que as indenizações em caso de ocorrência do risco sejam possíveis, é necessária a diluição do risco entre pessoas de semelhantes perfis, caracterizando-se assim um sistema de previdência alimentado pelas contribuições individuais dos sócios, criando-se um fundo comum, que proporciona coberturas recíprocas de necessidades fortuitas e estimáveis, e aí reside a essência do mutualismo.
Agrega-se especial preocupação quanto ao aumento da judicialização das questões securitárias no pais. Esse aumento pode refletir fatores positivos, como uma maior conscientização dos consumidores sobre seus direitos e revelar maior acessibilidade à justiça, mas revela também fatores negativos, os quais serão analisados sob as perspectivas da Análise Econômica do Direito (AED). Pode-se citar exemplificativamente, questões judiciais securitárias marcadas pelas falhas de mercado, identificadas como decorrentes de assimetria informacional, tal como os comportamentos oportunistas e os riscos atrelados à seleção adversa, e também fatores relacionados ao aumento dos custos de transação. A predominância indistinta dos direitos do consumidor em determinadas decisões judiciais agrava as falhas de mercado, gerando efeitos dessas para a coletividade usuária dos seguros.
Nesse sentido, o presente estudo abordará os efeitos da predominância indiscriminada do direito do consumidor em determinados conflitos envolvendo questões contratuais securitárias, objetivando demonstrar de que forma suas consequências podem atingir outras pessoas, que não as partes contratantes.
O presente trabalho não se presta a questionar a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações consumeristas, mas, sim, perquirir sobre possíveis causas e efeitos dessa predominância dos princípios do CDC, o que fomenta maior judicialização dos contratos privados. A análise considera também o contexto da constitucionalização do direito privado, em que se observa fortemente a predominância dos princípios de Direito Constitucional, a exemplo do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, no enfrentamento das relações privadas.
Para atingir o objetivo proposto, este artigo subdivide-se em três seções, após a presente introdução. A
segunda seção trabalhará a contextualização normativa do contrato de seguro no âmbito nacional, além dos conceitos que lhe são essenciais. A terceira sessão fará uma abordagem sobre o Código de Defesa do Consumidor, especialmente sobre seus princípios norteadores, as circunstâncias da visão protecionista da relação do consumo, confrontada sob a inquietante perspectiva apresentada por Xxxx Xxx Xxxxxx em seu trabalho denominado “One way contracts: Consumer Protection without Law”. A quarta sessão avançará para discutir os efeitos da aplicação indiscriminada do CDC, sob uma perspectiva econômico-jurídica, o que pretenderá pelo estudo de casos julgados apresentados, chegando-se às considerações finais.
O CONTRATO DE SEGUROS NO BRASIL, EMBASAMENTO LEGAL E CONCEITOS NECESSÁRIOS
Nos últimos anos, percebeu-se constante crescimento do setor de seguros que parece estar ligado à uma maior preocupação da sociedade com seu planejamento de vida e proteção para o futuro, e bem assim com a preservação das conquistas daqueles que emergiram às novas classes sociais. Esses fatos refletem na economia nacional, na medida em que os fundos de seguros contribuem com a poupança interna e há amplo terreno para maior expansão, dado que, analisando apenas os ramos mais conhecidos, segundo as estimativas, não chega a 14% o número de residências brasileiras com seguro (BRONZATI, 2015) e segundo estimativa da CNSEG, há seguro automotivo contratado para apenas 30% da atual frota brasileira (composta por aproximadamente 86 milhões de veículos) (BLAY, 2014).
Adiante, será exposto de forma sucinta, a origem dos seguros, com destaque para o surgimento no Brasil. Também serão abordadas as principais normas que incidem sobre o instituto, permitindo compreender sua essência e fundamentos.
Surgimento no Brasil e normatização
É comum encontrar registros sobre a origem das operações de seguro, atribuída à época das grandes navegações, nas quais os donos das embarcações buscavam cotizar-se pagando juntos determinadas quantias que, somadas, permitiam restituir integralmente os prejuízos com a perda de alguma embarcação do grupo. Há também quem diga que a origem dos seguros está nas viagens terrestres dos comerciantes nômades, que em seus deslocamentos, pactuavam entre si a responsabilidade por indenizar a eventual perda, socorrendo ao proprietário, livrando-o de arcar sozinho com o prejuízo (XXXXX, 2012, p. 26).
Há quem sustente que sua origem possui duas vertentes, a mediterrânea, surgida primeiro, pelos comerciantes fenícios, gregos e romanos, que teriam desenvolvido inclusive o empréstimo marinho, e depois a
norte-europeia, destacando-se as experiências italiana e alemã. Aquela, baseada nas atividades marítimas, no tempo da expansão mercantil, nos idos do século XVI, teria originado as cooperativas de seguro, e este último, teve como princípios as relações de cooperação e solidariedade entre os homens na Europa, temerosos com os nefastos efeitos dos incêndios (XXXXXXX, A.C, 2006, p. 9).
Feita essa pequena contextualização histórica, percebe-se que, inicialmente, era de cunho patrimonial (marítimo e incêndio) a operação securitária. Somente num segundo estágio é que surgiu o seguro de vida, propiciado pela agregação dos conhecimentos atuariais, no contexto do surgimento das grandes companhias seguradoras, a partir do século XVIII, e no século seguinte (XIX), propiciando o surgimento dos seguros sociais (XXXXXXX, A.C, 2006, p. 17).
Ao contrário do que ocorrera na Europa, no Brasil o instituto dos seguros surgiu um pouco mais tarde, após a metade do século XIX, e ainda, não contava com legislação específica. Suportava-se nas normas gerais dos contratos, inclusive no Código Comercial de 1850 que continha as primeiras normas diretas relativas aos seguros e no Código Civil de 1916. As primeiras companhias securitárias nacionais de que se tem notícia datam de 1808- 1810 e são: Boa Fé Conceito Público e Indemnidade (SILVA, 2012, p. 37-38).
Apesar de as primeiras normas securitárias brasileiras de que se tem notícia remontarem ao Código Comercial, e ainda na parte dos seguros marítimos, encontra-se norma específica já no século XVII, representada pela Lei nº 294, regulamentada pelo Decreto no 2.153, de 1º de novembro de 1895, cuja finalidade era regular o mercado de seguros privados no Brasil, complementada posteriormente pelo Regulamento Murtinho, representado pelo Decreto no 4.270, de 10 de dezembro de 1901, o qual criou a Superintendência Geral de Seguros e ampliou o controle estatal sobre a atividade seguradora (RIBEIRO, A.C., 2006, p. 22).
Posteriormente, a Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 2016, que promulgou o Código Civil 1916, disciplinou o contrato de seguros e regulamentou o Seguro de Vida. A junção das regras do Código Civil com o Código Comercial compunha o chamado direito privado do seguro (NORBIM, 2014, p. 3).
A constituição brasileira de 1937, em seu artigo 117, consagrou o princípio da nacionalização do seguro, prevendo a nacionalização das empresas de seguros em todas as suas modalidades, como uma medida para resguardar as empresas nacionais e restringir a atuação das sociedades estrangeiras (DAMASCENO, 2006, p. 16). Após, houve a criação do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil), por meio do Decreto-lei nº 1.186, de 3 de abril de 1939 (NORBIM, 2014, p. 04).
O Decreto Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, consiste na principal referência normativa em tema de seguros no Brasil, e “dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados, regula as operações de seguros e resseguros e dá outras providências”.
É a partir do Decreto 73/66 que surge o CNSP – Conselho Nacional de Seguros Privados, órgão de
natureza pública, colegiado, presidido pelo Ministro da Fazenda, contando com representantes de outros ministérios ligados à seguridade, e a SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, autarquia federal, de personalidade jurídica de Direito Público.
Com o advento do atual Código Civil, promulgado pela Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, as disposições legais sobre o seguro estão localizadas na Parte Especial, Título VI, que trata das várias espécies de contratos, disciplinado no Capítulo XV – Do Seguro. As regras específicas atinentes aos seguros estão distribuídas em quarenta e seis artigos, a partir do artigo 757, seguindo até o artigo 802, muito embora existam artigos esparsos que também se aplicam diretamente ou indiretamente aos seguros, como por exemplo, os artigos relativos à prescrição, no artigo 206, § 1º, inciso II, alíneas a e b, o artigo 422, que dispõe sobre a boa-fé, dentre outros. O Código Civil disciplina os contratos em duas de suas modalidades, seguro de danos e seguro de pessoas.
Há inúmeras normas administrativas que disciplinam a atividade securitária, destacando-se, por exemplo, a Circular Susep nº 455/2012, a qual disciplina os diversos tipos de seguro, que, agrupados, abrangem cem ramos distintos. Ainda, importante citar a Resolução CNSP nº 166 de 2007 quanto aos requisitos e procedimentos para constituição e autorização das sociedades seguradoras (MIRAGEM, 2014, p. 32).
Conceitos, elementos essenciais e a proposta de Análise Econômica do Direito
De início, considerar economicamente o contrato de seguro é considerá-lo como negócio integrante do mercado. Xxxxxxx tomado neste artigo conforme a visão da juseconomia. Não significa um local (físico ou virtual) no qual se desenvolvem operações econômicas de barganha, mas sim um contexto social, no qual os agentes podem tomar suas decisões livremente, negociando entre os envolvidos para, pela cooperação, atingir o objetivo desejado. (XXXX XX, x. 24).
A ótica econômica abre espaço para uma discussão acerca da judicialização indiscriminada da política e das relações sociais, reveladora de uma dependência do cidadão para com o poder judiciário, em situações dispensáveis, comprometedora da celeridade processual e do mutualismo (XXXXX, 2014, p. 85), fenômeno que será contextualizado brevemente em paralelo com a análise da evolução da interpretação de base constitucional do Direito Privado.
Realizado o breve resgate da evolução normativa do seguro no Brasil, percebe-se que, inicialmente, este surgiu com um viés eminentemente econômico, todavia evolui para abarcar também viés social (MIRAGEM, 2014, p. 26). A partir do momento em que extrapola a proteção individual patrimonial e passa a albergar situações coletivas, nas quais se tutelam bens maiores, como a vida e a integridade física, pode-se afirmar que assume também caráter social.
Alguns autores reconhecem a importância e autonomia do negócio securitário, a ponto de alçá-lo a uma
‘categoria específica de direitos’, não independente dos outros ramos, mas cujas particularidades lhe rendem autonomia, reconhecendo a existência de uma verdadeira ciência do Direito do Seguro (tal como o Direito de Família por exemplo). Aparece definido como “... o conjunto de normas e princípios que disciplinam as operações securitárias no cenário econômico, com o objetivo de garantir interesses patrimoniais e extrapatrimoniais legítimos contra riscos diversos”. (SILVA, 2012 p. 39).
Para outros, mais do que espécies de uma categoria específica de direito, os contratos de seguro têm ainda maior relevância, a ponto de interessar não apenas ao direito civil, mas também à economia e ao direito constitucional, pois a compreensão de suas peculiaridades permite relacioná-los, desde à organização empresarial que suporta a atividade seguradora, passando pelos conhecimentos econômicos e atuariais e chegando aos conhecimentos jurídicos quanto à legalidade das operações (CARLINI, 2013, p. 135).
Não há consenso absoluto na doutrina quanto aos elementos essenciais do contrato de seguro, e para o presente trabalho, importa apenas mencionar os mais citados (não de forma exauriente), sobre os quais há certa consonância: o interesse segurável, o risco, a garantia e o prêmio tornando-se merecedoras de uma brevíssima distinção.
A garantia consiste na principal entrega da seguradora e não se confunde com a indenização. O contrato terá sido cumprido e a garantia entregue ao fim da sua vigência, mesmo que não haja sinistro, pois a garantia contra riscos predeterminados foi prestada (MOTTA, 2015, p. 54). O interesse segurável pode corresponder a uma intenção de natureza econômica, visando a mitigar os efeitos da eliminação ou redução do patrimônio, ou ainda, a uma intenção de natureza pessoal, voltado a satisfazer necessidades próprias quanto a bens imateriais do segurado ou de beneficiário (MIRAGEM, 2014, p. 29). É tido como o objeto do contrato, que não se confunde com as próprias coisas ou pessoas seguradas, o interesse sobre as coisas que se quer pôr a salvo (XXXXXXXXX, 2006, p. 102). O risco, por sua vez, é a possibilidade de ocorrer determinados eventos que podem prejudicar o segurado ou seus beneficiários, eventos inesperados e danosos, e que necessariamente sejam aferíveis estatisticamente com razoável grau de certeza (XXXXX, 2012, p. 143). O prêmio, ainda hoje confundido como o que o segurado recebe pelo implemento do risco, nada mais é do que a contraprestação que o segurado paga para ter a garantia, é o que se paga pelo contrato de seguro. O prêmio tem especial relevância porque sobre ele incide diretamente a assimetria informacional. Quando há interferência dessa sobre o cálculo adequado do prêmio, há a potencialidade de impacto para outros segurados, além do contratante (MOTTA, 2015, 63).
Para os fins desse trabalho, é suficiente adotar a conceituação trazida pelo próprio Código Civil de 2002:
Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.
Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.
Segundo XXXXXXX e XXXXXXXX (2015, p. 131), o “seguro substitui um custo importante, mas incerto, por um custo reduzido, porém certo”.
Passadas as conceituações essenciais ao contrato de seguro, percebe-se que, apesar de sua natureza privada, tem grande importância na sociedade, constituindo um pilar importantíssimo para o desenvolvimento econômico e social, tanto que foi objeto de preocupação do legislador constituinte, como se observa nos artigos 7º, II, XXVIII, 21º, VIII, 22º, VII, XXIII, e 187, V.
Há grande correlação entre o contrato de seguro, especialmente entre o direito securitário, submetido aos princípios e diretrizes do Código de Defesa do Consumidor e a ciência da Economia cuja dinâmica será melhor verificada nos tópicos seguintes.
VISÃO PROTECIONISTA DA RELAÇÃO DO CONSUMO: PRINCÍPIOS APLICÁVEIS
No Brasil, é pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca da submissão do contrato de seguro ao Código de Defesa do Consumidor. Logicamente, tal incidência dependerá dos sujeitos envolvidos, da subsunção ao conceito de consumidor, da existência de relação de consumo, sendo certo que não são todos os tipos de seguro enquadráveis no CDC.
Esse entendimento fundamenta-se na interpretação literal do artigo 3º, da Lei 8.078/1990, ao dispor no
§ 2º sobre o conceito de serviço fornecido no mercado de consumo, também mencionando os de natureza securitária. Nesse sentido, é a seguradora tida como fornecedora de serviços, sujeita às normas legais e administrativas consumeristas, mas sobretudo, ao Código de Defesa do Consumidor, que prevê a aplicação da norma mais favorável ao segurado (NORBIM, 2014, p. 31).
Na esteira dos preceitos da Constituição Federal, sobretudo quando faz referência à construção de uma sociedade solidária, (artigo 3º), ao fomento do mercado interno (artigo 219) e à dignidade da pessoa humana (artigo 1º), veio o Código de Defesa do Consumidor trazer à tona no cenário do direito obrigacional a necessidade de proteção dos destinatários dos serviços de seguro, segurados ou beneficiários (TZIRULNICK, 2013, p. 11).
Tratando-se de relação de consumo, entende-se que haverá a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e, necessariamente, incidirão sobre tal relação os deveres acerca da oferta e publicidade (artigos 30 e seguintes), dever de informação (artigos 6, III, artigos 30, 31 e 46), dever de abstenção de práticas tidas por abusivas (artigo 39 e seguintes), o dever de adoção da interpretação mais favorável ao consumidor, no tocante às cláusulas contratuais (artigo 47) e ainda, quanto às circunstâncias em que se verifica nulidade de cláusulas abusivas (artigo 51) (MIRAGEM, 2014, p. 32).
Dentre os princípios determinantes da proteção consumerista, destaca-se o princípio da boa-fé e o
princípio do equilíbrio contratual. O princípio da boa-fé consta implícito no Art. 4º, Inciso III do Código de Defesa do Consumidor, e expressamente no artigo 422 do Código Civil e ressalta a necessidade de se estabelecer relações contratuais respeitosas, ilibadas e com informações verídicas. O princípio do equilíbrio contratual, igualmente tem previsão implícita no Art. 4º, Inciso III do Código de Defesa do Consumidor, vem a relativizar o princípio civilista da autonomia da vontade em razão tanto do desequilíbrio econômico entre partes, como também do desequilíbrio técnico que conduzem à vulnerabilidade.
Por outro lado, como relatado desde a introdução até aqui, há evidente relação entre o contrato de seguro e a economia, o que permite uma abordagem prática, submetendo a relação securitária aos conceitos essenciais da Análise Econômico do Direito. É de relevo para o tema abordado, a inter-relação entre o direito do consumidor e os contratos de seguro, sob a ótica da análise econômica do direito, pois menciona Xxxxxxxx Xxxxxxx (2013, p. 141), ao explicar que, diante de várias opções de condutas possíveis, o homem racional leva em conta a relação custo benefício. Busca aquela que mais atenda aos seus interesses. Entretanto, na atualidade, o consumo é visto por grande parte das pessoas como meio de construção de identidade e de promoção de relações sociais, o que torna questionável a racionalidade das condutas.
O Código de Defesa do Consumidor, decorrente de Lei Ordinária de 1990, reflete os anseios de uma sociedade recém redemocratizada, recém libertada da ditadura e pouco familiarizada com a nova dinâmica do constitucionalismo. O CDC surge num contexto em que sequer havia disponibilidade pública da internet, de incomparável conjuntura econômica e social, portanto, bastante diferente e distante da conjuntura atual, o que torna muito diferente o perfil do consumidor pensado na edição do CDC da década de 1990 e o perfil atual do consumidor do Séc. XXI.
Apesar dos diferentes cenários, dada a força dos institutos da hipossuficiência e da inversão do ônus da prova, as relações consumeristas ainda são amplamente privilegiadas, ainda que num cenário de (atual) questionável hipossuficiência, em detrimento das cláusulas contratuais e até do próprio Código Civil, sem falar das normativas de natureza administrativa dos órgãos que compõem o Sistema Nacional de Seguros Privados.
É preciso reconhecer que a inicial predominância protetiva consumerista foi motivada pelo contexto social e histórico de quase três décadas atrás, distante do contexto em que vive hoje a sociedade consumidora. Nesse período, a sociedade evoluiu, assim como também o modelo securitário expandiu, para fazer frente à nova realidade de riscos, propiciando também ao contrato de seguro acompanhar a evolução econômica e social.
Portanto, mostra-se desarrazoado manter-se os mesmos mecanismos de proteção indistinta surgidos num contexto incomparável ao dos dias atuais, tornando-se necessária uma maior compreensão do seguro e da equalização de interesses.
Superadas as conceituações preliminares necessárias, o tópico a seguir visa a abordar a inter-relação entre
o contrato de seguros e o direito do consumidor, demonstrando por exemplos pontuais, a evidência da predominância da proteção consumerista e das bases constitucionais.
A visão protetiva do consumidor aplicada às demandas securitárias
É possível identificar, como fator motivador para a proposição das demandas, a maior busca pela efetividade dos direitos fundamentais, propagada pela Constituição Federal e a facilitação do exercício dos direitos, propiciado pelo Código de Defesa do Consumidor. Ocorre que, muitas das decisões que tratam das discussões securitárias, simplesmente desconsideram aspectos fundamentais que sustentam o contrato de seguro, logo seus impactos não apenas transcendem a relação entre os contratantes, como resultam em arranjos sociais ineficazes.
Xxxxx Xxxxxx (2014, p. 121), ao abordar a aplicação do direito pelos Tribunais, aborda as particularidades da Constituição brasileira e da inefetividade presente em seu texto. Aborda a circunstância do ativismo judicial, distinto da judicialização, ressalvando os perigos ao pacto federativo:
A Constituição brasileira contém um leque de direitos fundamentais-sociais inexistentes em outras Constituições. (...). Consequentemente, a judicialização se tornou inexorável (o problema, na verdade, foi a confusão feita em terrae brasilis entre judicialização, que é contingente, e ativismo, que é uma forma antidemocrática de substituição dos juízos morais, políticos e econômicos – que devem ser feitos pelos Poderes Executivos e Legislativo – pelos do judiciário). Mas, insisto: se a judicialização é inevitável – e a história recente do Brasil aponta para essa realidade –, foi pela falta de um efetivo controle hermenêutico das decisões judiciais que esta, a judicialização, foi transformada na vulgata do ativismo. (STRECK, 2014, p. 121).
Há razões para a reflexão a respeito da assertividade de determinadas decisões submetidas ao judiciário. Ao abordar o ativismo judicial, com a ressalva de que inexiste conotação pejorativa, Xxxxxxxx Xxxxxxx menciona a enorme desvantagem deste frente aos outros poderes republicanos, assim dizendo: “(...) o legislador pode não legislar; o executivo pode não criar políticas públicas; mas o juiz não pode deixar de julgar o caso que lhe é apresentado. Pode até demorar, mas tem que julgar! ” (XXXXXXX, 2015, p. 16). Conclui explicando que o risco dessa situação está justamente na falta de debate político, amplo e cidadão ao entorno das decisões, que, sabe-se, são tomadas individualmente nos gabinetes forenses.
Daniel Hachem, ao analisar as tendências do Direito Constitucional e Administrativo, em termos de desenvolvimento social e direitos fundamentais, aborda a questão dos limites da atuação judicial, nos casos de inação administrativa: “(...) negando-se a Administração, deliberadamente, a conceder determinadas prestações vinculadas a tais direitos, ou omitindo-se em responder o pleito formulado pelo cidadão, até que ponto pode intervir o Poder Judiciário? ” (XXXXXX, 2013, p. 138).
Em termos constitucionais, Hachem (2013, p. 139-147) separa as tendências constitucionais em três
períodos distintos: i) o primeiro, anterior à Constituição de 1988, marcado pelo conservadorismo, para o qual se pode definir um direito constitucional formalista e um direito administrativo legalista, nos quais a implementação dos direitos fundamentais pelo judiciário era contida; ii) o segundo, consistente no período imediatamente posterior à promulgação da constituição de 1988 até meados da primeira década de 2000, no qual predominara a supremacia da constituição, o reconhecimento de ampla efetividade dos direitos fundamentais, para o qual se verificava um direito constitucional da efetividade, e um direito administrativo individualista, marcado tal período pelas ações individuais exigindo prestação de direito à saúde, concessão de liminares para tratamentos milionários, favorecendo minorias que possuíam recursos para acesso à justiça; iii) o terceiro, desde 2005 aos dias atuais, revendo as desigualdades do período anterior, delineia-se como um direito constitucional igualitário, buscando posicionar-se com parcimônia frente aos pedidos, voltando-se a resguardar o mínimo existencial condições mínimas de existência dignas ao indivíduo, o que não alcançaria os direitos econômicos e sociais, citando as proposições de Xxx Xxxxx xx Xxxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx. (HACHEM, 2013, p. 146).
Analisada brevemente a inter-relação entre o contrato de seguros e o direito do consumidor sob a ótica normativa, passa-se à demonstração não exauriente, da aplicação prática destes, exemplificativamente, a partir de questões securitárias judicializadas, para, na sessão seguinte, compreender seus impactos, segundo as diretrizes básicas da Análise Econômica do Direito.
Em casos envolvendo discussão sobre seguro residencial, nos quais se verifica um evento prejudicial ao imóvel não previsto dentre as coberturas securitárias, há inúmeras decisões condenando as seguradoras à indenização correspondente à cobertura, apesar da ausência de contratação e da ausência de pagamento de prêmio para obter garantia contra aquele risco. Tais decisões são fundamentadas na obrigação de interpretação das cláusulas contratuais da maneira mais favorável ao consumidor (art. 47 CDC) e na infração ao dever de informação (art. 6, III, 46 e 51 CDC).
3 APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA - CONTRATO DE SEGURO RESIDENCIAL - DANOS ADVINDOS DE DESMORONAMENTO - NEGATIVA DA SEGURADORA - RECLAMO AFORADO CONTRA DECISÃO QUE JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO DO AUTOR - ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE COBERTURA PARA O SINISTRO - AUSÊNCIA DE CLÁUSULA QUE AFASTE A HIPÓTESE - CONTRATO DE
Também se verifica a predominância da proteção consumerista nos casos envolvendo o seguro saúde, quando segurados titulares de contratos com coberturas restritas, pleiteiam judicialmente direito à internação domiciliar, por meio do serviço de home care, ou então, pleiteiam ressarcimento integral de quantias despendidas fora da rede médica conveniada, em inobservância às regras contratuais que estipulam os limites de reembolso nessas circunstancias.
Outro exemplo é o dos casos comumente identificados como “cláusula-perfil’, envolvendo cobrança de indenização em seguro de automóvel que se envolveu em sinistro, ao ser conduzido por pessoa diversa daquelas declaradas como condutores, e que ainda empreendiam uso não-eventual, ou seja, habitual do veículo, ao argumento de que a condenação é cabível se a seguradora não demonstra o agravamento do risco na conduta do segurado. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu parcial provimento às apelações de segurado, declarando a irrelevância do fato de o condutor do veículo na ocasião do sinistro não corresponder ao condutor previsto na apólice para fins de cobertura do sinistro pela seguradora, se não demonstrado o agravamento do risco. Assim, a atitude do contratante que presta informações inexatas ou inverídicas ao omitir o uso por pessoa diversa da declarada, ou em condições totalmente distintas das informadas, por via indireta, acaba sendo considerada inocente, irrelevante, mas impõe uma alteração dos riscos e, na ocorrência do sinistro, impacta toda a coletividade
ADESÃO - INTERPRETAÇÃO FAVORÁVEL AO SEGURADO - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA - CONTRATO DE SEGURO RESIDENCIAL. (TJ-SC, Segunda
4 RECURSO DE APELAÇÃO. DIREITO DO CONSUMIDOR. SEGURO DE SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO REALIZADO FORA DA REDE CONVENIADA. (TJ-PE - APL: 3324678 PE, Relator: Xxxxxxx Xxxx xx Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx, Data de Julgamento: 02/09/2015, 2a Câmara Cível, Data de Publicação: 15/09/2015) e também PROCESSO CIVIL. CIVIL. SEGURO DE SAÚDE. (TJ-DF - APC: 20130710324404, Relator: XXXXXX XXXXXXXXX, Data de Julgamento: 11/11/2015, 3a Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 19/11/2015)
Outro exemplo diz respeito à problemática da recusa às indenizações por preexistência de doença no seguro de vida quando se verifica a imposição de custos, por parte do próprio poder judiciário, ao determinar o dever de indenizar numa situação em que o segurado já contratou o seguro adoentado (afrontando a aleatoriedade), ao argumento de que, se a seguradora não exigiu ou diligenciou, ela própria, no momento da contratação do seguro a realização de exames médicos, tem que arcar com o risco.
Xxxxx poderia ser abordado aqui, em termos de decisões judiciais que, pela aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, pronunciam-se favoráveis às pretensões, ainda que despidas de respaldo contratual. Os exemplos pontuais citados servem à demonstração da predominância da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, a despeito dos efeitos negativos, das externalidades que tais decisões produzirão para além das partes litigantes, como será melhor aduzido na última sessão.
Constatada a supremacia da proteção consumerista na maioria das relações civis securitárias judicializadas, o tópico a seguir propõe intrigante análise da proposição hipotética apresentada pelo Phd em economia, professor da Escola de Chicago, Xxxx Xxx-Xxxxxx, denominada “One Way Contracts” sobre os efeitos da proteção legal consumerista.
One Way Contracts: uma abordagem alternativa e a atividade seguradora
Prosseguindo na abordagem da evolução das relações sociais e consequentemente, dos riscos, percebe- se a necessidade de se buscar alternativas que possam contribuir para a compatibilização entre o cenário socioeconômico atual e as demandas securitárias consumeristas. Nesse contexto, o presente trabalho destaca a
5 APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. AÇÃO DE COBRANÇA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES. SEGURO DE VEÍCULO. (TJ-RS - AC: 70053733077 RS, Relator: Xxxxxx Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, Data de Julgamento: 25/02/2016, Sexta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/03/2016)
6 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA. SENTENÇA QUE CONDENOU A SEGURADORA AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO ÀS BENEFICIÁRIAS DA SEGURADA.RECURSO INTERPOSTO PELA SEGURADORA.DOENÇA PREEXISTENTE À CONTRATAÇÃO DO SEGURO.ALEGAÇÃO DE MÁ-FÉ DA SEGURADA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. SEGURADORA QUE NÃO EXIGIU A REALIZAÇÃO DE EXAMES PRÉVIOS. RISCO ASSUMIDO.CLÁUSULAS CONTRATUAIS RESTRITIVAS DE DIREITO INTERPRETADAS EM FAVOR DO CONSUMIDOR. DEVER DE INDENIZAR.RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR Apelação
Cível 1355775-4, 8a C.Cível. Rel.: Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxxxx – Data do Julgamento: 23.07.2015)
interessante (para muitos, impressionante ou mesmo desconcertante) perspectiva apresentada por Xxxx Xxx Xxxxxx em seu trabalho denominado “One-way Contracts: Consumer Protection without Law” (BEN-SHARAR, 2009), acerca dos mecanismos protetivos consumeristas.
A sua proposição pode mais facilmente ser associada às relações que se estabelecem sem contratos formais, o que não acontece nas contratações de seguro. Todavia, não é impossível buscar-se a aplicação de sua tese de benefícios na ausência do exercício de proteção legal a determinados tipos de coberturas nos contratos de seguro, como será adiante justificado.
A proposição hipotética apresentada pelo Phd em Economia, Professor da Escola de Chicago, Xxxx Xxx Xxxxxx (2009), parte da premissa de que a proteção consumerista que permite a execução judicial do contrato pelo consumidor é custosa e nem sempre eficaz. Atesta que há alternativas, dispositivos de proteção ao consumidor que emergem da total ausência de proteção legal, e que, a despeito disso, podem beneficiá-los. Em tradução livre, “One-way Contracts” pode ser interpretado como um “sistema de mão única dos contratos”, no qual as transações serão redesenhadas para modificar a exposição do consumidor ao rompimento contratual. Xxx Xxx-Xxxxxx: “Why, then, go astray and imagine a regime of one-way contracts in which only consumers are stripped of the power to sue for breach of promise, thus are further disarmed vis-a-vis their mighty business opponents?” (XXXXXX, 2009, p. 222).7
O autor explica essa observação aparentemente absurda esclarecendo dois argumentos/insights, primeiramente, afirma que tal regime permitiria capturar mais da realidade dos efeitos das relações entre empresas e consumidores; depois, explica que a percepção de que uma concentração em torno do regime do one-way contracts poderia realmente beneficiar os consumidores.
Suas proposições permitem refletir que, quando a proteção legal é excessiva e executável automaticamente, o contrato muitas vezes não é levado a sério como deveria ser de parte do consumidor. Por consequência, num cenário de ausência de exequibilidade judicial dos contratos, para enfrentar essa fragilidade contratual, o contratante procuraria se acautelar mais, buscaria proteção de fontes alternativas, como por exemplo, seguros, garantias, serviços de caução, serviços de apuração de reputação e intermediários de classificação. Exemplifica a situação de um consumidor que pode adquirir um computador por U$ 2.000, assumindo todos os riscos inerentes, ou arrendar um computador por U$ 250 por ano, com opção de encerrar a cada ano. As inovações nos custos de transação tecnológicos podem fazem a divisibilidade do compromisso mais eficiente em termos de incertezas quanto à qualidade dos bens e serviços. Ainda, títulos privados e seguros podem se desenvolver para garantir os consumidores contra defeitos, a não-performance. Cita os fundos da eBay Motors
contra vendedores fraudadores, para recompor as perdas dos compradores lesados e incentivar a voltar a comprar (SHARAR, 2009, p. 223).
Nesse aspecto, ainda que inexistissem proteções legais atreladas aos contratos, nas operações consumeristas em que se obtém garantia contra não performances por parte das empresas fornecedoras, as seguradoras poderão monitorar tais empresas, cujo oportunismo cria o perigo ao segurado, agregar e compartilhar os dados atuariais sobre esses riscos criados, melhorando a disseminação de informações entre a comunidade consumidora, influenciando inclusive na escolha e na aferição dos preços. O componente significante da tese diz respeito a descrever a importância das alternativas não-legais de proteção aos direitos dos consumidores.
Para o autor, sem a proteção legal os consumidores tenderiam a investigar mais sobre a reputação das empresas, logo a habilidade da empresa atrair novos consumidores e cobrar preços maiores dependeria da confiabilidade das pontuações dos feedbacks, das classificações e resultados das pesquisas de consumo. Exemplifica usando o caso dos consumidores do eBay, hipótese em que seria quase impossível acionar a justiça contra quebras e cujo sucesso das operações depende muito da pontuação dos feedbacks dos compradores e vendedores.
O objetivo principal da proposição não é meramente definir um novo regime, mas argumentar que vários mercados já existentes já podem ser caracterizados de fato como da modalidade One-Way contracts. Faz referência às transações de consumo que são feitas amplamente sem contratos formais. Menciona o exemplo das transações de supermercado (compras), de táxis, restaurantes, etc. (SHAHAR, 2009, p. 235-236).
Preocupa-se o autor em afirmar que seu trabalho não significa um manifesto contra os consumidores, assim como não é baseado no interesse das empresas, mas sim na sugestão de um regime amigável aos interesses dos consumidores, porque sugere significativa proteção que pode e deve ser alcançada pelo redesenho de substitutivos mais potentes do que o estabelecimento de direitos objetivos protetivos.
Ressalta que a falta de imposições legais para os consumidores não permite um caminho para ilegalidades, pois o regime do One-way Contracts deixa intacto qualquer outro remédio não fundado no contrato, exemplo, a empresa que desvia ativos do consumidor, de sua propriedade, está cometendo danos, o direito de o consumidor reaver sua propriedade não é contratual, logo pode reivindicá-la legalmente utilizando-se das ferramentas do Direito Real (SHAHAR, 2009, p. 230-231).
Contudo, explica o autor que os contratos de seguro não são enquadráveis no regime One way contract, pois esses representam um dos casos extremos de assimetria de execução de poder, hipótese em que grandes seguradoras e indivíduos comuns se enfrentam, permanecendo sérias razões para se manter esses contratos sob a
7 Tradução livre: “Por que, então, abstrair e imaginar um regime de contratos unidirecionais em que apenas os consumidores são despojados do poder de processar por violação da promessa, assim, são despojados do seu poder de xxxxxxx demandas, ficando
execução legal tradicional. Além de a perda do item segurado ser potencialmente substancial, o custo de processar compensa, o que atrai advogados e movimenta a máquina judiciária.
Nessas transações securitárias, o que será ofertado ao segurado é definido em lei. O segurado não recebe nenhum produto ou goza de qualquer desempenho (serviço), mas apenas a promessa de receber o contingente a ser pago em caso de ocorrer o risco segurado, definido na apólice, é bem diferente de uma relação na qual o contrato seja indiferente. O regime do One-way contracts é mais recomendável quando os custos não compensam a execução judicial do contrato. Numa pretensão securitária, os custos para acionamento judicial são compensados mediante o deferimento do pedido (SHARAR, 2009, p. 232). Xxx-Xxxxxx também ressalta a possibilidade de ampla atuação das seguradoras como prestadoras de garantias (2009, p. 240).
A aplicação da proposição certamente renderia incessante discussão. No tocante às operações securitárias, apesar da advertência do autor quanto à inaplicabilidade do sistema a toda e qualquer relação securitária, ousa-se acrescentar que, também num cenário hipotético, talvez possa ser considerada sua eventual aplicação. Quando não se reclama a prestação da garantia principal, mas, sim, outro tipo de prestação, como exemplificativamente, outras coberturas sabidamente não contratadas ou não previstas, quem sabe fosse possível cogitar da sua aplicação. Obviamente, não se poderá obstar o acesso do segurado ou de beneficiário do recurso ao órgão judicial. Porém, diante das reclamações sabidamente distintas da garantia principal, não seria absurdo cogitar-se das vedações do regime One-way contracts.
A abordagem dessa diferente perspectiva interessa a esse trabalho. Atualmente, quando se menciona o CDC, este é associado imediatamente a um Código de Proteção do Consumidor, mas em verdade, se fosse considerado o contexto social atual, o adequado seria interpretá-lo como orientador das relações de consumo, o que pode conduzir a diferentes conclusões.
Permanece a singularidade de se imaginar, em colaboração ao debate, se seria possível imaginar um sistema em que determinadas relações consumeristas fossem despojadas da automática proteção legal e que esta opção pudesse influenciar no sentido da elevação do nível de cuidado na aquisição de produtos ou serviços. Na hipótese afirmativa, seria interessante aquilatar quais seriam os efeitos para o poder judiciário e se haveria redução de demandas, liberando-o para tratamento de causas de maior repercussão para a sociedade.
desarmados em relação aos seus poderosos adversários de negócios? ”.
Lembre-se que a sugestão do artigo One-way contracts não visa a propagar o afastamento da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, mas pelo contrário, provocar a reflexão, diante de novas conjunturas, novos cenários, novas formas de contratação em tempo real, novo patamar no tocante ao acesso às informações, e quem sabe, estimular uma evolução no enfrentamento e interpretação das questões contratuais consumeristas, inclusive em relação a algumas situações envolvidas nas operações securitárias.
EFEITOS DA APLICAÇÃO INDISCRIMINADA DO CDC AOS CONTRATOS DE SEGURO, UMA ANÁLISE JUSECONÔMICA
A correlação entre o contrato de seguros, submetido aos preceitos do Código de Defesa do Consumidor e a Análise Econômica do Direito é possível justamente porque, na operação de seguros, têm-se como característica intrínseca a existência da coletividade e o compartilhamento de riscos, logo a forma de uso do contrato de seguro por um particular transcende a relação entre este e o segurador, atinge, invariavelmente, a coletividade de segurados.
Voltando-se à questão das decisões judiciais e seus impactos econômicos, é possível emprestar importantes reflexões do economista britânico prêmio Nobel, Xxxxxx Xxxxx (1960, p. 12), na obra “The Problem of Social Cost”. Ao analisar exemplos hipotéticos e também os desfechos de casos levados à jurisdição, explora a ideia dos custos de transação. Por meio dos exemplos dos dilemas entre o pecuarista e o agricultor, o médico e o confeiteiro, e o inquilino e o proprietário, simula as alternativas para adoção de soluções em busca de uma maior efetividade, a depender dos custos a transacionar. O pensamento do autor volta-se às possibilidades de maximização dos resultados. Esclarece que, quando tais questões são submetidas às instâncias judiciais, geralmente estes se posicionam não sobre “o que deve ser feito por quem”, mas sim sobre “quem tem o direito de fazer o quê”. Esclarece que, por meio das transações no mercado, é possível modificar a delimitação inicial dos direitos. Para Coase, se as transações no mercado forem sem custo e se levarem a um aumento no valor da produção, sempre haverá a melhor realocação de direitos.
Abordando a visão de Coase sobre as externalidades, no contexto da análise da racionalidade limitada, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx explica que o tratamento dado por este sobre a divergência dos produtos privado e social derivados de uma transação
(...) permitiu que, até mesmo, com relação a terceiros que estejam sujeitos aos efeitos do negócio, fosse possível a discussão sobre os arranjos sociais mais eficientes, ao invés da escolha maximizadora de cada parte ou da imposição governamental de determinada solução, sem se avaliar os custos e os benefícios de cada uma das possibilidades. (RIBEIRO,
8 Instituto da hipossuficiência adotado aqui em sua dimensão processual, de presunção relativa, totalmente distinto do instituto da vulnerabilidade ligada ao direito material e de presunção absoluta.
M., 2011, p. 64).
Há cinco décadas já se abordava a necessidade de se atentar para os efeitos econômicos das decisões, para fins de alcançar a eficiência plena, o que pode ultrapassar meramente a determinação de quem tem direito a o quê. Xxxxx adverte sobre a necessária consideração pelos juízes dos efeitos econômicos em suas decisões:
Desse modo, seria aparentemente desejável que as cortes tivessem os deveres de compreender as conseqüências econômicas de suas decisões e, na medida em que isso fosse possível sem que se criasse muita incerteza acerca do próprio comando da ordem jurídica, de levar em conta tais conseqüências ao exercerem sua competência decisória. (XXXXX, 1960, p. 15)
Sob outro enfoque, num ensaio sobre a relação entre as instituições e o tempo, Xxxxxxx X. North (2010,
p. 15), prêmio Nobel em Economia, prenuncia que as instituições são responsáveis por estruturar as interações humanas, prevendo restrições formais, informais, e demais características impositivas, e nesse sentido, elas, as instituições, interferem nos custos de transação e de transformação, além dos custos de produção nessas interações, ressaltando seu papel fundamental quando existem custos a transacionar, dando lugar aos arranjos institucionais. Assim, ressalva a grande relevância do papel das instituições, pois é a interação entre estas e as organizações (os sujeitos) que molda a evolução institucional de uma economia. Neste ponto, apresenta-se metaforicamente as instituições como as regras do jogo e as organizações como os jogadores (2010, p. 18). Para fins do presente trabalho, importa correlacionar as instituições como o Poder Judiciário e as organizações como a sociedade segurada e as empresas seguradoras. Ora, sem sombra de dúvida, o poder judiciário induz comportamentos, determinando arranjos sociais nas interações segurado e seguradora, cujos efeitos refletem não apenas entre as partes processuais, mas em todos que com a seguradora se relacionam.
A Análise Econômica do Direito disponibiliza um ferramental relevante para a avaliação dos efeitos das decisões judiciais, inclusive em tema de seguros, mesmo em situações nas quais normalmente não se envolvem questões econômicas. Xxx Xxxx Xx. esclarece que:
A AED tem por característica a aplicação da metodologia econômica a todas as áreas do direito, de contratos a constitucional, de regulação a processo civil, de direito ambiental a família e é justamente essa amplitude de aplicação que qualifica uma abordagem AED da simples aplicação de conhecimentos econômicos em áreas tradicionalmente associadas à economia. (XXXX XX., 2010, p. 18).
Passando-se à aplicação prática da Análise Econômica do Direito às questões judiciais envolvendo matéria de seguros, para compreender de que forma os efeitos de uma decisão aplicada a uma relação entre particulares afeta terceiros que não integram diretamente esta relação contratual, tome-se como exemplo os casos em que há discussão judicial acerca de coberturas do seguro residencial não contratadas. A identificação desse impacto é perceptível pela explicação de XXXXXXX e XXXXXXXX (2015, p. 134), ao discorrerem sobre o custo do seguro.
Supondo uma coletividade de 3.000 proprietários de casas, metade de madeira, cujo custo de reposição é
de U$ 45.000 e metade de concreto, cujo custo de reposição é de U$ 75.000. Sabendo-se da estatística em torno da quantidade de casas incendiadas num período de 1 ano, sendo que a probabilidade de incêndio das casas de madeira é de 2 em 1.500, ou seja, 0,133%, e das casas de concreto é de 1 em 1.500, ou seja, 0,067%, determina-se que o custo pago pelo proprietário da casa de madeira para ter a garantia na hipótese de incêndio será de 0,00133 X U$ 45.000, ou seja, U$ 60, e para uma xxxx xx xxxxxxx, 0,00000 X U$ 60.000, ou seja, U$ 40.
O exemplo trabalhado por XXXXXXX e XXXXXXXX demonstra o quão relevante é a informação obtida acerca dos riscos segurados. Tudo é calculado conforme a lei dos grandes números, conforme o percentual de probabilidade da ocorrência do risco e o tipo de ocorrência garantida, conforme o valor médio do bem segurado.
Transpondo-se essa análise acima para os casos envolvendo seguros residenciais, cujas decisões condenam as seguradoras à indenização correspondente à cobertura diversa da contratada (por exemplo desmoronamento por causa externa, quando era coberto incêndio), apesar da ausência de pagamento de prêmio pago para obter garantia contra aquele risco, é facilmente perceptível que a decisão, apesar de parecer boa e justa para o consumidor, é ruim para os outros segurados que cotizam com aquele grupo. As decisões que determinam indenização em situações diversas das cobertas (incêndio) poderão ser consideradas nas estatísticas e seus custos serão agregados ao cálculo do prêmio do exercício seguinte. Com um aumento desproporcional do prêmio, pode haver menos segurados aderentes ao produto ou sua inviabilização.
Tomando-se agora o exemplo dos casos definidos como preexistência, nos quais o judiciário determina o dever de indenizar em situações nas quais o segurado já contratou o seguro estando adoentado, ao argumento de que, se a seguradora não exigiu ou diligenciou, ela própria, no momento da contratação do seguro, a realização de exames médicos, e se não provou ela própria (pela inversão do ônus da prova), a má-fé do segurado. Nestes casos, percebe-se a incidência da denominada seleção adversa. A participação desse segurado, detentor de um risco ruim no grupo, impõe para os demais detentores de um risco diferente os ônus correspondentes no prêmio. Dissertam MACKAAY e XXXXXXXX:
A seleção adversa aparece quando um segurador, em razão de falta de informação, ou por outras razões, cobra, sem distinção, o mesmo prêmio a grupos que oferecem riscos diferentes. Isso encoraja as pessoas que sabem estar entre os piores riscos a aderirem a seu plano de seguro sem divulgar tal qualidade, pois, para elas, o seguro é vantajoso. (XXXXXXX e XXXXXXXX, 2015, p. 136).
Prosseguindo, adote-se o exemplo do caso comumente denominado como cláusula de perfil, em que seguradoras recusam indenização pelo fato de o sinistro ser ocasionado por pessoa diversa da declarada na proposta de contratação seguro, ou mesmo quando o sinistro ocorre em situação de uso totalmente distinto daquele informado na proposta de seguro. Exemplificando, quando na contratação, o segurado afirma que o veículo será utilizado por homem adulto casado de 45 anos para uso diário, ida e vinda ao trabalho, que assinala
ainda a confirmação de que nenhuma pessoa menor de 25 anos o utilizará, mas durante a regulação do sinistro, se verifica que o veículo sinistrado era habitualmente dirigido por sobrinho do segurado, homem de 23 anos, solteiro, que o utilizava para ir às aulas noturnas na faculdade e recorrentemente a festas e baladas. Não são raras as decisões judiciais que determinam o dever de indenizar pela seguradora, ao argumento de que a condução por pessoa diversa não configura agravamento automático do risco.
Sobre essa circunstância acima, discorrem MACKAAY e XXXXXXXX (2015, p. 138) ao invocar a possibilidade do risco moral:
O risco moral aparece cada vez que, em razão de fiscalização imperfeita, porque custosa para o segurador, o segurado se afasta do comportamento ajustado com o segurador, eventualmente de forma implícita, de modo a buscar vantagem para si, aumentando a probabilidade ou a extensão do risco assumido pelo segurador. O risco moral, no campo do seguro, corresponde ao problema de “agency” em outros contextos. É exemplo de comportamento oportunista.
Em razão do risco moral, o segurador tem seus custos aumentados para todos os segurados e, em consequência, ajusta os prêmios. Os segurados terminam pagando os custos de sua discreta indiferença (indiferença individual no original discrète insouciance). Se o risco moral for muito sério, o seguro poderá tornar-se inviável. (XXXXXXX e XXXXXXXX, 2015, p. 138).
Diante da contextualização entre as diretrizes orientadores do Código de Defesa do Consumidor, do Contrato de Seguros e da Análise Econômica do Direito, é de grande relevância assimilar seus conceitos e ideais, primando sempre pela ética, responsabilidade, consciência, sobretudo, pela boa-fé nas relações e no equilíbrio informacional. Nesse sentido, convém trazer a lição de Xxxxxxx Xxxx que adverte:
Enquanto dever de transparência, o princípio da boa-fé pode ajudar a corrigir falhas de mercado, em especial aqueles relacionados à assimetria de informação. Ao exigir a revelação de informações relevantes à relação contratual, o direito impede o abuso dessas informações, restabelecendo o “equilíbrio informacional” do contrato e resolvendo, ainda que parcialmente, questões de seleção adversa, risco moral e problema de agência. (TIMM, 2014, p. 173).
A presente seção buscou demonstrar como as decisões judiciais trabalhadas na seção 3.1, cunhadas pelos princípios constitucionais e/ou consumeristas, trazem implicações juseconômicas, gerando custos de transação ao impor elastecimento do conteúdo ou abrangência do contrato, ao criar condicionantes para a validade das cláusulas (mesmo que livremente avençadas) de onerosa implantação, restringindo mais e mais as relações de seguro.
É fácil perceber que as decisões que desconsideram os princípios, os elementos, a não homogeneidade dos riscos envolvidos no contrato de seguro, a não veracidade nas informações prestadas (porque omitidas informações essenciais na contratação, em evidente desequilíbrio informacional) e determinam o pagamento de indenizações fundadas exclusivamente no CDC, influenciam diretamente nos cálculos prévios de probabilidade destes riscos, e consequentemente, afetam a determinação do valor do prêmio. Ou seja, é de suma importância que o julgador pondere os custos exógenos de suas decisões, considere, portanto, os efeitos para terceiros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo de sua evolução, o contrato de seguro se mostrou importante fator de desenvolvimento, não apenas econômico, mas também social, pois preserva o segurado ou seus beneficiários dos efeitos nefastos no caso de confirmação de riscos a que está submetido, permite planejamento de vida e a preservação das conquistas. Destacou-se que o contrato de seguro é fundado essencialmente no princípio do mutualismo, isto é, baseado na ideia do compartilhamento de riscos por uma certa coletividade, de boa-fé, de reciprocidade e cooperação mútua. A sustentabilidade do setor depende da conscientização de seus contratantes sobre seus direitos e, talvez até mais, sobre seus deveres.
Entretanto, a racionalidade limitada dos agentes, seja no tocante à conduta dos contratantes na celebração do contrato de seguro e também quando do enfrentamento dos conflitos judiciais, gera distorções e custos externos muitas vezes desprezados. Neste contexto, a análise econômica do direito traz interessantes contribuições na busca pelo equilíbrio destas relações.
Contextualizada a interpretação do contrato de seguro, submetido muitas vezes de forma inadvertida unicamente aos princípios norteadores do Código de Defesa do Consumidor, verifica-se que a predominância da visão protetiva acaba por gerar efeitos que podem ser indesejáveis. Primeiramente, por desconsiderar a dinâmica fundamental do seguro, pela distorção causada nas estimativas de probabilidades de ocorrência de riscos (e de pagamentos de sinistros), causar aumento do prêmio e impacto aos demais contratantes. Depois, por estimular comportamentos inadequados, por gerar sensação de irrelevância na prestação de informações verídicas quando da contratação do seguro, comprometendo o equilíbrio das relações.
Por outro lado, a menção no presente estudo às proposições hipotéticas de Xxxx Xxx-Xxxxxx teve como alvo questionar os efeitos da proteção consumerista, desafiando o tema da necessária proteção, não por meio do enfrentamento judicial, mas pelo contrário, por meio de maior responsabilização do consumidor, num hipotético ambiente de ausência de exequibilidade judicial dos contratos, tendo por efeito o reforço de outros mecanismos protetivos alternativos que serão comprovados como mais eficientes.
A proposição também provoca a reflexão sobre a atualidade e efetividade da proteção consumerista insculpida no CDC, promulgado na década de 1990, numa conjuntura econômica e social bastante diferente e distante da conjuntura atual, na qual o perfil do consumidor albergado pela norma original diferencia-se de forma abissal do perfil atual do consumidor do século XXI.
Tratando-se das questões judicializadas, é de suma importância o exercício da ponderação dos efeitos totais pelos julgadores ao proferir suas decisões, pois sua atuação deve pautar-se pela busca da decisão que atenda aos critérios de eficiência e que minimize os custos envolvidos, não se limitando a declarar direitos. Não deve
acarretar insegurança jurídica e nem obstar o funcionamento do mercado de seguros, essencial ao desenvolvimento da sociedade e à mitigação dos riscos trazidos pela contemporaneidade.
INSURANCE AND DOMINANCE OF CONSUMER LEGAL PROTECTION: EXCESSIVE JUDICIALIZATION, INSECURITY AND BARRIERS TO MARKET DEVELOPMENT
Abstract
This study intended to analyze the insurance contract, as economic and social development instrument, subject to the principles of the Consumer Protection Code. Explore the effects of judicial decisions often based solely on the concepts of consumer vulnerability, reversing the burden of proof and information requirement, submitting them to the test of discipline of Economic Analysis of Law. Analyze market failures, asymmetric information, and also transaction costs worked by Coase. The institutions, particularly the judiciary, have the role of ensuring efficiency in social arrangements with the power to encourage behaviors and minimizing market failures. The article uses a qualitative approach and hypothetical-deductive method, and investigates the foundations and effects of some judgments of insurance contractual relations. Also, analyze interesting proposition of PhD in Economics Professor Xxxx Xxx Xxxxxx, about the possibility to increase consumer protection by the abstention of the legal judicial protection. The following correlates the analysis of specific cases with the principles of economic analysis of law, in order to identify their effects beyond the insurer and the insured parties, concluding that when the protective vision prevails indistinctly, there is an increase in the premium paid for insurance and an incentive to inappropriate behavior, overloading the capacity of the judicial court unnecessarily.
Keywords: Law Insurance Contract; Consumer Law; Judicial Movement; Efficiency; Economic Analysis of Law
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