A (im)possibilidade de dispensa por justa causa por manifestações discriminatórias do empregado fora do ambiente de trabalho
A (im)possibilidade de dispensa por justa causa por manifestações discriminatórias do empregado fora do ambiente de trabalho
Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx0 Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxxx0
Universidade Estadual Paulista “Xxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxx” (Unesp) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS) - Campus Franca (SP)
Resumo
Frequentemente, são divulgadas na mídia rupturas de contratos de trabalho decorrentes de manifestações discriminatórias de empregados fora do ambiente de trabalho, gerando dúvidas sobre a possibilidade de dispensa motivada nesses casos. Visando lançar luzes a essa celeuma, notadamente atual e relevante, o objetivo do presente estudo é analisar a possibilidade de dispensa por justa causa em razão de manifestação discriminatória de empregado fora do ambiente de trabalho. Adota-se, como método de procedimento, o levantamento por meio da técnica de pesquisa bibliográfica e, como método de abordagem, o raciocínio dedutivo. Conclui-se ser possível a dispensa motivada em casos de manifestações discriminatórias de empregado fora do ambiente laboral, porque tais atos podem macular a honra e a boa fama do empregador, que não pode ver-se obrigado a manter o vínculo de emprego nestas situações.
Palavras-chave: ambiente de trabalho; discriminação; dispensa por justa causa.
Introdução
Em 23 de junho de 2021, o Sport Club Corinthians Paulista anunciou que encerraria o vínculo de emprego com Xxxxxx Xxxxxx, após o atleta ter feito um comentário racista durante uma partida do jogo virtual “Counter-Strike: Global Offensive” (COSTA, 2021).
O comentário de Avelar repercutiu não apenas entre torcedores, como também entre os patrocinadores do Corinthians, que manifestaram apoio à decisão do clube de romper o vínculo empregatício com o atleta, cujo contrato de trabalho vigeria até dezembro de 2022 (TRINDADE, 2021).
Na semana anterior, após abordarem e sugerirem que um rapaz afrodescendente teria furtado uma bicicleta elétrica no Leblon, na Zona Sul do Rio de Janeiro, um homem e uma mulher foram dispensados das empresas nas quais que trabalhavam (CASTRO, 2021).
Além da discriminação racial, os dois casos guardam em comum o fato de que, em que pese o Corinthians e as empresas tenham comunicado o encerramento do vínculo de emprego com os envolvidos, não se noticiou a modalidade da ruptura contratual, ou seja, se motivada ou se imotivada.
Indaga-se, diante de tais casos, se, à luz da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é possível a dispensa por justa causa em razão de manifestações discriminatórias de empregado fora do ambiente de trabalho. Assim, diante da expressiva atualidade e relevância do tema, o objetivo do presente estudo é analisar a possibilidade de dispensa por justa causa em razão de manifestação discriminatória de empregado fora do ambiente de trabalho.
De início, aborda-se o poder disciplinar do empregador e as hipóteses de dispensa por justa causa, legalmente previstas; em seguida, analisa-se, especificamente, a condenação penal transitada em julgado como causa de ruptura motivada do contrato de trabalho; por fim, examina-se, em dois tópicos, a possibilidade de dispensa por manifestações discriminatórias do empregado, independentemente de eventual punição na esfera penal e por manifestações feitas fora do ambiente de trabalho.
Metodologia
Diante do objetivo proposto, adota-se, como método de procedimento, o levantamente por meio da técnica de pesquisa bibliográfica em materiais publicados, como, por exemplo, legislação, doutrinas, artigos e conteúdos disponibilizados em sítios eletrônicos; e, como método de abordagem, o dedutivo, visando, a partir das premissas
gerais sobre discriminação fora do ambiente de trabalho e de ruptura do contrato de trabalho na legislação pátria, concluir se é possível a dispensa motivada nesses casos.
Resultados e discussão
O poder disciplinar do empregador e a dispensa por justa causa
Por assumir os riscos da atividade econômica, consoante ao art. 2º, da CLT, a doutrina e a jurisprudência majoritárias reconhecem caberem ao empregador os poderes diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar.
De acordo com Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (2019, p. 797), o poder disciplinar, foco desta abordagem, “[...] é o conjunto de prerrogativas concentradas no empregador dirigidas a propiciar a imposição de sanções aos empregados em face do descumprimento por esses de suas obrigações contratuais”.
As sanções que o empregador pode aplicar são a advertência, a suspensão disciplinar e a dispensa por justa causa. A primeira pode ser verbal ou escrita e não é expressamente prevista pela CLT, mas decorre dos costumes trabalhistas, fonte do Direito, de acordo com o art. 8º, da CLT, e sua existência é aceita de forma pacífica pela doutrina e jurisprudência.
As outras duas espécies de sanção encontram previsão na CLT: a suspensão, no art. 474, sendo ilícita a que ultrapasse 30 (trinta) dias consecutivos; e a dispensa por justa causa, principalmente no art. 482, sendo esta a pena mais grave no âmbito da relação de emprego, razão pela qual o empregado, neste caso, não faz jus ao recebimento das verbas rescisórias devidas na dispensa sem justa causa ou imotivada.
O sistema trabalhista brasileiro de justa causa é taxativo, isto é, se a conduta do empregado não estiver prevista em lei, o empregador somente poderá romper o contrato de trabalho imotivadamente. As principais (mas não únicas) hipóteses de dispensa por justa causa são previstas no art. 482, da CLT, a seguir transcrito:
Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
f) embriaguez habitual ou em serviço;
g) violação de segredo da empresa;
h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
l) prática constante de jogos de azar.
m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado.
Parágrafo único - Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional. (BRASIL, 1943)
Além das hipóteses de dispensa por justa causa elencadas no supratranscrito dispositivo legal, há outras espalhadas pelo ordenamento jurídico pátrio, conforme elucida Vólia Bomfim Cassar (2017). À guisa de exemplo, podem ser citados os artigos 158, parágrafo único (não utilização de equipamento de proteção individual), e 240, parágrafo único (recusa do ferroviário em fazer horas extras nos casos de urgência ou de acidente), ambos da CLT.
Como o sistema trabalhista brasileiro de justa causa é taxativo, a partir da leitura do art. 482, da CLT, não se afigura clara a possibilidade de dispensa por manifestações discriminatórias do empregado, seja no ambiente de trabalho, seja fora dele. Trata-se, portanto, de assunto juridicamente complexo. Todavia, em sua alínea “d”, observa-se a possibilidade de dispensa por condenação penal transitada em julgado. Assim, analisa-se, a seguir, se tal previsão legal é capaz de responder a pergunta proposta, objetivo deste trabalho.
A dispensa por justa causa por condenação penal transitada em julgado
No rol de hipóteses de dispensa por justa causa está a condenação penal transitada em julgado. Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx (2019, p. 933) explica que o cumprimento de pena “[...] em regime de reclusão impede o cumprimento da principal obrigação do empregado: prestar serviço”, sendo prescindível que os fatos que culminaram na condenação tenham correlação com o contrato de trabalho.
Nesta hipótese de dispensa por justa causa, prevista no art. 482, alínea “d”, da CLT, pode ser enquadrada, independentemente de o crime ter sido praticado no ambiente laboral ou fora dele, a condenação por injúria racial (art. 140, parágrafo 3º, do Código Penal), também conhecida como injúria preconceituosa, por ser a modalidade de injúria consistente no uso de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Em que pese parte da doutrina refira-se ao crime em questão como “injúria preconceituosa”, no presente estudo optou-se pela nomenclatura “injúria discriminatória”, por ser o termo “discriminação” mais usual na literatura.
Todavia, ressalva a CLT que, havendo suspensão da execução da pena, não pode o empregador proceder à dispensa por justa causa, afinal, não há cumprimento de pena apto a impedir a prestação de serviços pelo empregado. Justamente por isso, Xxxxxx Xxxxxx (1986 apud XXXXX XXXX; CAVALCANTE, 2019) critica a existência da alínea “d”, do art. 482, da CLT, por entender que condenação criminal não configura justa causa para o encerramento contratual, porque não há ato faltoso do empregado. Ocorre, na realidade, que, com a restrição da liberdade pelo cumprimento da pena imposta em processo penal, o contrato se resolve (e não se rescinde) pela impossibilidade material de sua execução. Ou seja, para Giglio (1986 apud XXXXX XXXX; CAVALCANTE, 2019), a existência desta hipótese no rol das “justas causas” é, além de imprópria, desnecessária.
De qualquer modo, a condenação penal transitada em julgada, desde que não tenha havido a suspensão da execução da pena, autoriza o empregador a romper o contrato motivadamente, mediante a quitação apenas do saldo salarial e das férias vencidas, acrescidas de um terço.
Os requisitos para esta suspensão da pena estão elencados no art. 77 do Código Penal, sendo uma das exigências que a pena privativa de liberdade não seja superior a 2 (dois) anos. Como o delito de injúria racial ou discriminatória, acima citado de forma exemplificativa, tem pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, é possível que ao condenado seja imposta pena não superior a 2 (dois) anos, o que implicaria na possibilidade de suspensão da execução da pena e, consequentemente, na inaplicabilidade da dispensa por justa causa – ao menos não com fundamento no art. 482, alínea “d”, da CLT.
Neste cenário, indaga-se: diante da prática do crime de injúria racial ou discriminatória, o empregador somente poderá proceder à dispensa por justa causa se o empregado, além de ter sido condenado por decisão transitada em julgada, não tiver obtido o direito de suspensão da execução da pena?
Se a resposta para a pergunta acima posta for “sim”, isso implicará, também, na impossibilidade de dispensa por justa causa de empregado condenado por sentença recorrível, bem como por outras manifestações discriminatórias que não estejam tipificadas na legislação criminal, já que tais manifestações, por óbvio, jamais poderiam culminar em condenação penal.
Assim, a tarefa passa a ser verificar se as manifestações discriminatórias podem, de forma geral, independentemente de qualquer previsão na legislação penal ou do que eventualmente venha a ser decidido em sede processual penal, constituir justa causa para a resolução do contrato de trabalho pelo empregador com fulcro em hipótese diversa da especificada na alínea “d”, do art. 482, da CLT.
A dispensa por justa causa por manifestações discriminatórias do empregado independentemente de punição na esfera penal
Como visto no tópico anterior, o empregado condenado definitivamente por crime de injúria racial ou discriminatória (art. 140, parágrafo 3º, do Código Penal), se não obtiver o direito de suspensão da execução da pena, poderá ser dispensado por justa causa, com fulcro no art. 482, alínea “d”, da CLT.
Todavia, tal possibilidade não soluciona satisfatoriamente a dúvida suscitada por este estudo, já que não autoriza a dispensa por justa causa em decorrência de manifestações discriminatórias do empregado que (i) não configurem crime; (ii) tenham resultado em condenação criminal recorrível; ou (iii) tenham resultado em condenação criminal irrecorrível com suspensão da execução da pena.
Assim, busca-se verificar se é possível a dispensa por justa causa por manifestações discriminatórias do empregado com base em outra alínea do art. 482, da CLT.
De acordo com a alínea “j” do mencionado dispositivo, se o empregado, no contexto laboral, praticar ato lesivo da honra ou da boa fama, ou ofensas físicas, contra qualquer pessoa, poderá ser dispensado por justa causa, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem.
Por sua vez, a alínea “k”, do mesmo artigo, prevê, como motivo para a dispensa por justa causa, a prática de ato lesivo da honra ou da boa fama, ou ofensas físicas, contra o empregador e superiores hierárquicos, independentemente de tais atos terem ocorrido no serviço (como é exigido para enquadramento na alínea “j”, do art. 482, da CLT), sendo também ressalvada a hipótese de legítima defesa, própria ou de outrem.
Assim, a prática de ato lesivo da honra ou da boa fama pelo empregado contra qualquer pessoa no ambiente de trabalho, bem como contra o empregador e superiores hierárquicos, no ambiente laboral ou não, autoriza o empregador a proceder à ruptura motivada do contrato de trabalho.
Para Xxxxxxx (2019), ato lesivo da honra ou da boa fama refere-se aos crimes de calúnia, difamação e injúria, tipificados, respectivamente, nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, sendo este também o entendimento de Xxxxxxx Xxxxxxx (2020), Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxx e Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxxx (2019), dentre outros.
Cassar (2017, p. 1084) diverge deste posicionamento, porque “[...] os tipos penais têm contornos que o Direito do Trabalho não precisa obedecer”. A retratação do agente nos crimes de calúnia e difamação, por exemplo, extingue a punibilidade, nos termos dos artigos 107, inciso VI, e 143, do Código Penal, porém, não afasta a quebra da
relação de confiança entre empregado e empregador. Desta forma, o empregado que, em tese, pratica o delito de calúnia ou difamação contra seu empregador, por exemplo, e depois se retrata, isentaria-se da pena na esfera criminal, contudo, persistiria a falta ensejadora da dispensa por justa causa.
Para Xxxxxx (2017, p. 1084), portanto, o que se deve considerar é o “[...] dever do empregado a fidelidade e bons tratos ao empregador. Logo, qualquer ato doloso ou culposamente grave que abale a fama ou a honra do patrão justifica a aplicação da penalidade”, mesmo que fora dos contornos do Direito Penal. Assim, para a caracterização da hipótese prevista na alínea “k”, do art. 482, da CLT, basta o abalo da honra ou boa fama do empregador.
Independentemente da corrente adotada, é possível enquadrar, como ato lesivo da honra ou da boa fama, as manifestações discriminatórias do empregado.
Todavia, nas hipóteses das alíneas “j” e “k”, do art. 482, da CLT, somente podem ser enquadradas a prática de atos lesivos da honra ou da boa fama no ambiente de trabalho ou, se fora dele, caso o destinatário tenha sido o empregador ou superiores hierárquicos. Portanto, pela interpretação literal destas alíneas do art. 482, da CLT, manifestações discriminatórias do empregado, fora do ambiente laboral, que não tenham sido praticadas contra o empregador ou superiores hierárquicos, não podem ser punidas com a ruptura contratual por justa causa – ao menos não com fundamento nas mencionadas alíneas.
No entanto, caso se afaste, neste caso, a interpretação literal, e se adote a interpretação teleológica, torna-se possível enquadrar, na alínea “k”, do art. 482, da CLT
– ato lesivo lesivo da honra ou da boa fama praticado contra o empregador e superiores hierárquicos – quaisquer manifestações discriminatórias do empregado, mesmo fora do ambiente laboral e sem o intuito de atingir diretamente o empregador, conforme se explica a seguir.
A dispensa por justa causa por manifestações discriminatórias do empregado fora do ambiente laboral
A alínea “k”, do art. 482, da CLT, tem por objetivo punir o empregado que, por sua conduta, lesa a honra ou a boa fama do empregador ou de seus superiores hierárquicos. Entende-se que isso pode ocorrer diretamente, quando o empregado pratica um ato contra o próprio empregador, e indiretamente, quando o empregado pratica um ato que, embora não tenha sido direcionado ao empregador, tem o potencial de atingir a sua honra ou boa fama.
Enquanto a punição ao empregado que pratica ato lesivo da honra ou da boa fama contra o empregador está expressamente prevista na lei, a ideia, defendida por este estudo, de que a lesão indireta à honra ou à boa fama do empregador é também passível de enquadramento na alínea “k”, do art. 482, da CLT, surge a partir da interpretação teleológica da menciona norma, assim elucidada:
Essa técnica parte da premissa que a norma deve ser interpretada de acordo com sua finalidade. Se atingido o fim almejado pela norma, considera-se que ela está cumprida, mesmo que de forma diversa daquela descrita pela regra. Assim, mantém-se o equilíbrio entre as partes interessadas (CASSAR, 2017, p. 122).
No caso, o objetivo do art. 482, alínea “k”, da CLT, é punir o empregado cuja conduta tenha lesado a honra ou a boa fama do empregador ou de seus superiores hierárquicos, ainda que o ato não tenha sido praticado diretamente contra o empregador, tampouco no próprio ambiente laboral, razão pela qual este trabalho entende que a lesão indireta à honra ou à boa fama do empregador autoriza a dispensa por justa causa.
Pode ser citado, como exemplo de lesão indireta à honra ou à boa fama do empregador, o comentário racista feito pelo atleta Xxxxxx Xxxxxx, em 23 de junho de 2021, durante uma partida do jogo virtual “Counter-Strike: Global Offensive”.
De modo célere, o caso alçou expressiva repercussão negativa. No mesmo dia, a Gaviões da Fiel (2021), maior torcida organizada do Corinthians, publicou em rede social uma nota pleiteando a expulsão imediata de Avelar por ato de racismo.
Enquanto aconteciam diversas manifestações em redes sociais, o Corinthians se reunia com seus advogados para decidir que atitude tomar. A manutenção do vínculo empregatício com o jogador inevitavelmente lesaria a boa fama do clube, causando
prejuízos a sua imagem – inclusive perante seus próprios torcedores – e aos seus contratos de patrocínio.
Todos os patrocinadores do Corinthians se posicionaram contra qualquer ato de racismo, seja cobrando providências do clube ou repudiando qualquer associação a casos de racismo, capaz de criar rejeição à marca (CANHEDO, 2021).
O ato de Xxxxxx Xxxxxx, portanto, embora não tenha sido praticado contra o Corinthians, teria expressivo potencial de lesar a boa fama do clube caso o vínculo empregatício não fosse rompido. Assim, comprovado o nexo causal entre o ato do empregado e a potencial lesividade à boa fama do empregador, não seria razoável exigir do empregador a manutenção do contrato em detrimento de sua boa fama, razão pela qual se entende cabível, neste caso, a dispensa por justa causa com fulcro no art. 482, alínea “k”, da CLT – em que pese o clube não ter divulgado que procederia com a ruptura motivada.
Também pode ser citado, como exemplo de lesão indireta à honra ou à boa fama do empregador, o caso em que um homem e uma mulher sugeriram que um rapaz afrodescendente teria furtado uma bicicleta elétrica no Leblon, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Divulgou-se terem sido os envolvidos demitidos “[...] após cobrança de usuários nas redes sociais” (XXXXXX, 2021). Assim, conforme salientado alhures, não seria razoável exigir do empregador a manutenção do vínculo de emprego em detrimento de sua boa fama, em razão de um ato (discriminatório) praticado exclusivamente pelo empregado.
Entender de forma diversa significaria obrigar o empregador à manutenção do vínculo de emprego, mesmo tendo o empregado maculado a sua imagem publicamente; ou, mesmo diante dos prejuízos causados, efetivos e potenciais, e do abalo lesivo da relação contratual, obrigar o empregador à dispensa imotivada e, por corolário, ao pagamento de todas as verbas rescisórias e indenizatórias, por ato danoso exclusivamente praticado pelo empregado, ou seja, como se a manifestação discriminatória do empregado fora do ambiente de trabalho (e todas as suas consequências) fosse um risco intrínseco à atividade econômica explorada, cuja responsabilidade coubesse ao empregador, nos termos do art. 2º, da CLT.
No entanto, pode ser que nem todos os casos de manifestações discriminatórias de empregados fora do ambiente laboral tenham gerado expressiva repercussão negativa, como a observada nos casos mencionados. Assim, pode surgir a seguinte dúvida: o empregador somente pode dispensar por justa causa caso a manifestação discriminatória do empregado tenha gerado expressiva repercussão negativa?
Diante deste questionamento, entende-se que, para o empregador dispensar o empregado por justa causa, com fulcro no art. 482, alínea “k”, da CLT, basta a potencial lesividade à sua boa fama, a ser aferida não por eventual repercussão negativa do caso, mas pela mera conduta.
Caso se entenda de forma diversa, permitiria-se coexistir, em uma mesma empresa, um empregado que, por manifestação discriminatória, tenha sido dispensado por justa causa, diante da expressiva repercussão do caso, e outro empregado que, pela prática de ato semelhante, não fora dispensado em razão da inexistência de relevante repercussão negativa. Tal contrasenso, evidentemente, caracterizaria afronta à isonomia e, por óbvio, discriminação, conforme explica Xxxxx:
[...] impõe-se a igualdade de sanções para faltas idênticas cometidas por dois ou mais empregados. Esse postulado decorre da aplicação do princípio da não discriminação entre pessoas que se encontram em situações iguais. Assim, se dois ou mais empregados praticaram ato de improbidade, cada um agindo a seu modo, de modo a desviar dinheiro do cofre da empresa, a dispensa por justa causa deve ser aplicada igualmente a todos eles, sem discriminação. Além disso, não pode o empregador utilizar o seu poder disciplinar como meio de discriminar seus empregados, ofendendo-lhe a honra, a dignidade, a privacidade ou a intimidade (LEITE, 2019, p. 435).
Ademais, não se pode exigir do empregador que o caso alcance expressivas proporções para, só então, proceder à dispensa por justa causa.
Isso porque, em primeiro plano, caso o empregador demore a agir e apenas rompa o contrato após a repercussão negativa da manifestação discriminatória de seu empregado, poderá parecer, perante a sociedade, que a dispensa só ocorreu porque o fato repercutiu e não porque se considerou a atitude reprovável, situação que poderia macular a imagem patronal.
Em segundo plano, se o empregador demorar a proceder com a dispensa por justa causa, poderá ser considerado, em julgamento de eventual reclamação trabalhista, ter havido perdão tácito, reconhecendo-se a abusividade da dispensa. Neste sentido,
[...] falta praticada pelo empregado e não punida pelo empregador é falta perdoada. Assim, se o empregador, ciente da falta cometida pelo empregado, deixar de exercer o seu poder disciplinar, aplicando a penalidade correspondente, haverá presunção de que a falta foi perdoada, caracterizando o perdão tácito (LEITE, 2019, p. 431).
Leite (2019) também considera a imediatidade como um dos requisitos necessários para a punição do empregado, de modo que, se ausente esta característica da aplicação da sanção disciplinar, a penalidade pode ser considerada abusiva:
[...] a sanção disciplinar deve guardar imediatidade com a falta perpetrada, uma vez que o retardamento na aplicação da pena autoriza presunção de renúncia patronal ao direito de impor sanção. Tal presunção, entretanto, somente deve ser levada em conta a partir do momento em que o empregador toma ciência da falta cometida pelo obreiro. O princípio da imediatidade (ou atualidade) mantém íntima relação com o princípio do perdão tácito, de modo que, se o empregador, ciente da falta cometida pelo empregado, deixar de aplicar a pena com a maior brevidade possível, isto é, em tempo razoável, não poderá mais, pelo mesmo fato, aplicar a penalidade correspondente (LEITE, 2019, p. 432).
Ademais, se o empregador apenas advertir ou suspender o empregado, tal medida poderá ser entendida como endosso ou complascência com a manifestação discriminatória. Assim, tal tolerância poderá macular a imagem patronal perante a sociedade, e, por corolário, os negócios explorados, razão pela qual se entende não ser possível exigir do empregador, nessas situações, conduta diversa da ruptura do contrato de trabalho por justa causa.
Considerações finais
Entende-se ser possível a dispensa por justa causa por manifestações discriminatórias do empregado, mesmo fora do ambiente laboral, com fulcro no art.
482, alínea “k”, da CLT, seja por ato lesivo à honra ou à boa fama praticado diretamente contra o empregador ou seus superiores hierárquicos; seja por ato que, embora não praticado contra o empregador, tenha o potencial de lesar a honra ou a boa fama patronal, por mera conduta do empregado, prescindindo, portanto, de eventual e expressiva repercussão negativa do caso.
O entendimento de que a lesão indireta à honra ou à boa fama do empregador enseja a dispensa por justa causa, com fundamento no art. 482, alínea “k”, da CLT, não viola a taxatividade do sistema brasileiro de justa causa, mas apenas confere ao instituto um entendimento mais harmônico com o ordenamento jurídico pátrio, de modo que o empregador não seja injustamente prejudicado por manifestação discriminatória impingida exclusivamente pelo empregado. Tal entendimento ainda confere tratamento jurídico adequado a condutas violadoras da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, desestimulando manifestações discriminatórias que reforcem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, entre outras.
Ressalta-se que a quebra do vínculo de emprego nesta situação somente ocorre em decorrência de um ato praticado exclusivamente pelo empregado. O empregador, diante de manifestações discriminatórias do obreiro a comprometerem a sua boa fama e o bom andamento dos seus negócios, não pode, jamais, ver-se obrigado a manter o vínculo, tampouco a ter de proceder à dispensa sem justa causa, o que implicaria na necessidade de pagamento das verbas rescisórias e indenizatórias devidas na ruptura imotivada do contrato de trabalho, afinal, repita-se, o encerramento do vínculo empregatício apenas terá ocorrido em razão de um ato praticado exclusivamente pelo empregado. Não é razoável, nesta situação, exigir do empregador a manutenção do contrato em detrimento de sua boa fama, porque a manifestação discriminatória do empregado não é um risco intrínseco à atividade empresarial a ser suportado pelo empregador.
Referências
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