EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
PARTIDO NOVO, DIRETÓRIO NACIONAL, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 13.405.866/0001-24, com sede no Setor de Rádio e TV Sul, Xxxxxx 000, Xxxx 0, Xxxxx X, Xxxx 000, Xxxxxx Xxxxxxxxxxx 0 Brasília, Brasília/DF, CEP: 70340-000 representado, neste ato, conforme documentos estatutários e procuração em anexo, por seu presidente nacional XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXXX XXXXXXX, inscrito no CPF sob o nº 000.000.000-00, portador do documento de identidade nº 4.452.538, SSP/SC, representado judicialmente pelos advogados infra-assinados, vem, perante Vossa Excelência, ajuizar
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL COM PEDIDO LIMINAR
em face da Instrução Normativa nº 91, de 22 de dezembro de 2022, do Tribunal de Contas da União, que instituiu, na estrutura organizacional da citada Corte de Contas, os procedimentos de solução consensual de controvérsias relevantes e prevenção de conflitos afetos a órgãos e entidade da Administração Pública Federal e criou a Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso).
I - DOS FATOS
1. No dia 22 de dezembro de 2022, o Vice-Presidente em exercício da Presidência do Tribunal de Contas da União, o Ministro Xxxxx Xxxxxx, editou a Instrução Normativa nº 91, com o intuito de regulamentar os procedimentos de solução consensual de controvérsias relevantes e prevenção de conflitos afetos a órgãos e entidade da Administração Pública Federal.
2. A aludida Instrução Normativa veio a lume com base no poder regulamentar do Tribunal de Contas da União, previsto no art. 3º da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992, com a justificativa principal de que o TCU já executa diversas ações de interlocução com gestores e particulares com vistas a exercer o seu papel pedagógico e orientador, de forma a auxiliá- los no estabelecimento de alternativas para a solução de problemas de interesse da administração pública.
3. A execução dessa atividade se dá através de um órgão interno específico do TCU: a Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso), que é diretamente vinculada ao Presidente da Corte de Contas da União, uma vez que cabe ao Presidente, na forma do art. 5º da IN TCU nº 91, de 2022, decidir sobre a conveniência e oportunidade da admissibilidade da solicitação de solução consensual.
1 xxxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxxx.xxx. Acesso em 29 de julho de 2024.
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5. No ano de 2023, o Tribunal de Contas da União recebeu 21 (vinte e um) pedidos de solicitação de solução consensual para tratar de temas relacionados, principalmente, do setor de infraestrutura (rodovias, energia elétrica, telefonia) que eram ou são considerados sensíveis na visão governamental, inclusive sob a ótica de potencial responsabilização dos gestores por conta da sensibilidade dos casos.
6. Desse total de processos, 5 (cinco) foram objeto de decisões do Plenário do Tribunal de Contas da União e 2 (dois) encontram-se encerrados. No ano de 2024, até o mês de julho, mais outros 4 (quatro) pedidos de solução consensual foram apresentados.
7. Pela análise dos acórdãos até agora proferidos pelo TCU a partir de soluções indicadas pela SecexConsenso, vê-se que a atuação da Corte de Contas Federal ocorre antes do processo de tomada de decisão do Poder Executivo. Quer-se dizer: o TCU participa ativamente de como a Administração Pública atuará diante de determinadas situações.
8. A Corte de Xxxxxx passa a ostentar a condição de protagonista, uma vez que a aprovação da solução consensual depende da aquiescência de uma das unidades representantes do TCU para o seu devido encaminhamento ao Plenário da Corte para análise.
9. Isso consta expressamente do sítio eletrônico2 do TCU em que há a explicação sobre a SecexConsenso a partir de respostas a perguntas pré-formuladas pelo próprio órgão. Uma das resposta indica o seguinte:
1. Como funciona a tomada de decisão nas comissões de solução consensual?
A solução consensual, como o próprio nome indica, requer unanimidade de aprovação pelas partes integrantes externas ao TCU e de pelo menos uma das unidades representantes do TCU na CSC . Com isso, caso todos estejam de acordo, a proposta de solução segue o rito de análise até a aprovação pelo Plenário do TCU. [...]
10. Além disso, na prática, a SecexConsenso tem adotado medidas controversas na aprovação de acordos (consenso) entre a Administração Pública e particulares diretamente interessados na resolução do conflito. De forma exemplificativa, pode-se trazer à tona a repactuação contratual de concessões de infraestrutura aeroportuária do Galeão e de
2 xxxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx/xxxx-xxxxxxx-x-xxxx-xxxxxxxxxxx-xx-xxxxxxxx- consensuais-do-tcu.htm. Acesso em 29 de julho de 2024.
Viracopos.
11. Nesses dois casos, ao invés de seguir o rito da relicitação, autorizado pela legislação federal em vigor, o TCU possibilitou a repactuação contratual do Poder Executivo com os contratados, alcançando, inclusive, a possibilidade de reprogramação de investimentos e pagamento de outorgas totalmente distintos da previsão inicial expressa no edital de licitação.
12. Ou seja, o TCU possibilitou que o Poder Executivo nesses dois casos desconfigurasse toda a sistemática de cláusulas contratuais, sem a necessidade de abertura de nova licitação ou de relicitação do objeto contratual.
13. Isso evidencia que a Corte de Contas Federal passou a ser um órgão de negociação ampla entre Poder Executivo e pessoas diretamente interessadas nos conflitos, com total protagonismo no processo de tomada de decisão, inclusive com a criação de parâmetros não previstos em lei, mas autorizados pelo órgão de controle externo da atividade administrativa.
14. Além da forma como a SecexConsenso vem desempenhando suas atividades, desperta a noção de que acordos são realizados para atendimento de interesses controversos, com a roupagem de higidez, de moralidade e de legalidade por serem oriundos do órgão fiscalizador do Poder Executivo.
15. Como será demonstrado, esses fatos, que serão aprofundados na sequência, evidenciam circunstâncias de que a Instrução Normativa TCU nº 91, de 2022, viola diversos preceitos fundamentais: princípio da legalidade administrativa (art. 37, caput, da CRFB), princípio da separação de poderes (art. 2º da CRFB), princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, da CRFB/1988) e princípio republicano (art. 1º, caput, da CRFB).
II - DO CABIMENTO
16. A arguição de descumprimento de preceito fundamental, prevista no § 1º, do art. 102, da CRFB, encontra-se regulamentada na Lei nº 9.882, de 1999. O art. 1º, caput, é o art. 4º, §1º, da aludida Lei exigem três requisitos para o cabimento da ADPF, a saber: (i) violação a preceitos fundamentais; (ii) existência de ato do Poder Público; e (iii) subsidiariedade.
17. Quanto à existência de violação a preceitos fundamentais, é interessante relembrar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se inclina na direção de que são preceitos fundamentais as disposições expressas nos arts. 1º a 4º da CRFB, os dispositivos atinentes a direitos e garantias fundamentais individuais e coletivas, assim como as normas de estruturação do Estado, tais como as expressas nos incisos do art. 37 da CRFB.
18. No caso em comento, tem-se que a Instrução Normativa TCU nº 91, de 2022, viola diversos preceitos fundamentais, tais como o princípio da legalidade administrativa (art. 37, caput, da CRFB), o princípio da separação de poderes (art. 2º da CRFB), o princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, da CRFB/1988) e o princípio republicano (art. 1º, caput, da CRFB).
19. No que concerne à existência de ato do Poder Público, interessante pontuar que o propósito da ADPF foi elastecer e tornar mais democrático o acesso à Suprema Corte brasileira em temas que não pudessem ser aviados através das demais espécies de ação de controle de constitucionalidade.
20. Porém, o escopo foi de impugnar aqueles atos imperativos emanados por quaisquer Entes Federados. Ou seja, a pretensão do legislador foi de permitir a impugnação pelos legitimados do art. 103 da Constituição Federal de 1988 de atos impositivos editados ou emanados dos agentes públicos que vulnerassem preceito fundamental.
21. No caso em comento, tem-se que o ato impugnado é uma Instrução Normativa expedida pelo Tribunal de Contas da União, que na prática, inova claramente o ordenamento jurídico e, pior, distorce e distancia o Tribunal de Contas da União da sua atividade constitucional precípua de órgão de controle externo de fiscalização concomitante e posterior ao exercício da atividade administrativa.
22. Por essa razão, a Instrução Normativa TCU nº 91, de 2022, se insere dentro da perspectiva de ato do Poder Público, sobretudo por extrapolar os limites normativos e viola diversos preceitos fundamentais.
23. No que tange à subsidiariedade, é relevante destacar que o seu conteúdo correlaciona-se com a ideia de se exigir o esgotamento de todas as vias possíveis para sanar a lesão ou a ameaça de lesão a preceitos fundamentais, ou a verificação, ab initio, de sua inutilidade para a preservação do preceito.
24. Na hipótese, não existe outro instrumento hábil e eficaz o suficiente para sanar a violação aos preceitos fundamentais indicados, sendo necessário o ajuizamento da ADPF para que esse Supremo Tribunal Federal ponha termo final à potencial controvérsia constitucional a ser instaurada pela aplicação da aludida Instrução Normativa pelo Tribunal de Contas da União, consistente na criação de superpoderes não previstos constitucionalmente a órgão de controle externo e na execução de atividade consensual sem atender o interesse público e com claro desvio de finalidade.
III - DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. DO RECEBIMENTO DA PRESENTE ADPF COMO ADI
25. Apesar da violação aos preceitos fundamentais deflagrada pela Instrução Normativa TCU nº 91, de 2022, a presente ADPF deve ser recebida como ação direta de inconstitucionalidade. São dois motivos
para a adoção de tal providência.
26. Primeiro, a aludida Instrução Normativa exorbita o poder regulamentar do Tribunal de Contas da União previsto no art. 3º da Lei nº 8.443, de 1992, por criar uma função estabelecida no art. 71 da CRFB e no art. 1º da aludida Xxx, o que afronta ao princípio da separação dos poderes.
27. Segundo, a referida Instrução Normativa viola claramente diversos princípios constitucionais, tais como o princípio da legalidade administrativa (art. 37, caput, da CRFB), o princípio da separação de poderes (art. 2º da CRFB), o princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, da CRFB/1988) e o princípio republicano (art. 1º, caput, da CRFB).
28. Veja-se que a conversão da presente ADPF em ADI ocorre pelo fato de que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica quanto à admissão de ADI contra atos normativos infralegais que inovem originariamente no ordenamento jurídico, a citar:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. RESTRIÇÃO AO COMÉRCIO E USO DE TESTES PSICOLÓGICOS. CABIMENTO. LIMITAÇÃO DESPROPORCIONAL À LIBERDADE DE ACESSO À INFORMAÇÃO (ART. 5º, XIV, CF) E À LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, CRIAÇÃO, EXPRESSÃO E INFORMAÇÃO (ART. 220, CAPUT, CF). 1. A Jurisprudência do SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL admite o uso da ação direta de inconstitucionalidade contra atos normativos infralegais que inovem originariamente no ordenamento, em confronto direto com o texto constitucional. 2. A competência dos Conselhos Profissionais para regulamentar o exercício das respectivas profissões não permite a limitação ao comércio e uso de livros, revistas, apostilas ou qualquer meio editorial pelo qual se veiculem conteúdos relacionados ao exercício profissional. 3. A regulamentação deve recair sobre as situações concretas em que se realiza diagnóstico, orientação ou tratamento, mas não sobre a mera aquisição e leitura de material bibliográfico destinado a subsidiar materialmente a prática de atos privativos de profissional habilitado. 4. A restrição da aquisição de testes psicológicos apenas a psicólogos habilitados, uma vez que não proporciona útil e necessária tutela à saúde pública e ao exercício regular de profissão relacionada à saúde humana, é restrição desproporcional à liberdade de acesso à informação e à livre comunicação social. 5. Ação direta julgada procedente. (ADI 3481, Relator: XXXXXXXXX XX XXXXXX, Tribunal Pleno, julgado em 08/03/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-062 DIVULG 05-04-2021 PUBLIC 06-04-2021)
29. Por essa razão, é possível a aplicação da fungibilidade no presente caso para o recebimento da presente ADPF como ADI.
IV - DA LEGITIMIDADE ATIVA
30. O art. 103, inc. VIII, da Constituição Federal de 1988 e o art. 2º, inc. VIII, da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, fixam que o partido político com representação no Congresso Nacional possui legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade.
31. Trata-se de uma das espécies de legitimados universais para a deflagração do controle abstrato e concentrado de constitucionalidade, razão pela qual os partidos políticos com representação no Parlamento não precisam demonstrar a pertinência temática com a discussão constitucional subjacente.
32. No caso, o Partido NOVO encontra-se devidamente registrado perante o Tribunal Superior Eleitoral, conforme documentos em anexo.
33. De acordo com a posição pacífica desse Supremo Tribunal Federal, a representação não precisa ser em ambas as Casas do Congresso Nacional, bastando a existência de uma única cadeira ocupada por parlamentar, seja na Câmara dos Deputados, seja no Senado Federal.
34. O Partido NOVO possui representação, tanto na Casa Alta, quanto na Casa Baixa, já que, pela sua sigla, foram eleitos três Deputados Federais, consoante documentos comprobatórios em anexo, e um Senador da República migrou de legenda partidária, filiando-se ao NOVO.
35. Assim, conclui-se que o Diretório Nacional do Partido NOVO possui legitimidade ativa para ajuizar a presente ação direta de inconstitucionalidade.
V - DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
V.A - DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (ART. 37, CAPUT, DA
CRFB)
36. O art. 3º da Lei nº 8.443, de 1992, estabelece que ao Tribunal de Contas da União, no âmbito de sua competência e jurisdição, assiste o poder regulamentar, podendo, em conseqüência, expedir atos e instruções normativas sobre matéria de suas atribuições e sobre a organização dos processos que lhe devam ser submetidos, obrigando ao seu cumprimento, sob pena de responsabilidade.
37. O legislador federal fixou que o poder regulamentar do Tribunal de Contas da União seria delimitado tão somente para estabelecer procedimentos e criar estrutura organizacional necessária para exercer suas competências dispostas no art. 1º da Lei nº 8.443, de 1992, e no art. 71 da CRFB.
38. Quer-se dizer: o Congresso Nacional possibilitou que o Tribunal de Contas da União criasse normas internas de observância obrigatória para viabilizar o exercício de sua atividade de controle e de fiscalização do Poder Executivo, podendo culminar na responsabilidade de quem não as observasse.
39. A atividade de controle e de fiscalização, prevista detalhadamente no art. 71 da CRFB, é passível de ser exercida de forma concomitante ao exercício da atividade administrativa ou posteriormente à sua execução. O Poder Constituinte não possibilitou que o Tribunal de Contas da União exercesse de forma ampla o controle prévio, controle esse entendido como aquele que condiciona a eficácia do ato administrativo ou de gestão à sua apreciação e validação pela Corte de Contas. Em realidade, a CRFB permitiu que o TCU exercesse o controle prévio em apenas duas situações, previstas no inciso III do art. 71:
III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas
pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório (grifo nosso);
40. O aperfeiçoamento da atuação da Corte de Contas ao longo da história corrobora a lógica de esvaziamento do controle prévio e de foco no controle concomitante e a posteriori. O texto abaixo, retirado do sítio3 oficial do TCU, explica bem a evolução do papel da Corte nas diferentes constituições da história do Brasil. Com efeito, o controle prévio, central nas Constituições de 1891, 1934, 1937, passou a ser incidental em 1967 e excepcional em na carta magna vigente:
“Desde a constituição de 1891, o Tribunal de Contas esteve presente em todas as cartas magnas, por vezes ganhando visibilidade, por vezes perdendo direitos conquistados. As constituições brasileiras de 1934, 1937, 1946 e 1967 retiraram e acrescentaram funções ao TCU, como o julgamento da legalidade de concessões de aposentadorias, reformas e pensões e a apresentação de parecer prévio sobre as contas do Presidente da República ao Congresso Nacional.
A primeira constituição republicana concedeu status constitucional ao Tribunal de Contas da União, embora o tenha situado nas Disposições Gerais e Transitórias, no art. 89 daquela Carta. Originariamente, o Tribunal dispunha de competência para exame, revisão e julgamento de todas as operações relacionadas com a receita e a despesa da União. A fiscalização se fazia pelo sistema de registro prévio. A Constituição de 1891 institucionalizou o Tribunal, conferindo-lhe competência para liquidar contas de receita e despesa e apreciar sua legalidade, antes de sua remessa ao Congresso Nacional. Não havia, no entanto, menção ao julgamento das contas dos responsáveis que administravam o dinheiro público, e o detalhamento de suas atribuições só seria disposto em legislação posterior.
A Constituição de 1934 reservou ao Tribunal de Contas da União uma Seção dentro do Capítulo dos Órgãos de Cooperação nas Atividades Governamentais. Com isso, o Tribunal conquistava maior relevância, eis que a Carta Política lhe concedia capítulo próprio. Foi, também, a primeira vez que uma Constituição lhe conferia competências específicas. No art. 101, positivou-se o controle prévio dos contratos
3 xxxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxx-xxxxxxxx-xxx/xxxxx-xx-xxxxxxxx-xx-xxxxxx-xx-xxxxx/xxx-x- evolucao-do-controle/tcu-e-as-constituicoes.htm
administrativos, e o art. 102 atribuía expressamente ao Tribunal a emissão de parecer prévio sobre as contas do Presidente da República. A Constituição seguinte, de 1937, pouco tratou dos Tribunais de Xxxxxx, apenas mencionando-os em um artigo e relegando sua regulamentação a normativos infraconstitucionais.
A Constituição democrática de 1946, em seu art. 22, pertinente às competências do legislativo, inaugura a expressão “com auxílio do Tribunal de Contas”. Estabelece, com isso, que o responsável pelo controle externo no âmbito federal é o Congresso Nacional, tendo por órgão auxiliar o Tribunal de Contas. Entre as competências da Corte de Contas, a Carta de 1946 introduzia o julgamento da legalidade das concessões iniciais dos atos de aposentadoria, reforma e pensão, bem como o julgamento das contas dos responsáveis por dinheiros e outros bens públicos. A Constituição de 1967 veio suspender a necessidade do controle prévio dos contratos administrativos.
Atualmente, tem o dever de prestar contas ao TCU qualquer pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens ou valores públicos pelos quais a União responda ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”.
41. Dessa forma, é inconcebível que instrução normativa do tribunal contrarie a vontade do constituinte originário e crie nova hipótese de controle prévio. O TCU, no âmago da Constituição de 1998, deve fiscalizar a execução das políticas públicas, não cabendo ao órgão fiscalizador - por nítido conflito de interesses - participar do processo decisório de construção da política pública.
42. Dessa forma, qualquer atuação do Tribunal de Contas da União na direção de participar do processo de tomada de decisão pelo Poder Executivo no desenho e na própria execução da política pública deve ser vista como uma afronta à Constituição, em especial ao seu art. 71.
43. E mais: qualquer ato normativo interno que regulamente as atribuições da Corte de Xxxxxx, com a inserção de sua atuação em controle prévio, atenta contra o art. 1º da Lei nº 8.443, de 1992, que é norma legal repetidora do comando do art. 71 da CRFB, e, por consequência, torna o poder regulamentador inválido, por atentar contra o princípio da
legalidade administrativa.
44. Segundo o princípio da legalidade administrativa, a Administração Pública em geral, onde se incluem todos os Poderes da República e, até mesmo, o Tribunal de Contas da União, deve atuar de acordo com a permissividade constitucional e legal.
45. O agir fora desses parâmetros é violador da ideia de legalidade administrativa (art. 37, caput, da CRFB), principalmente quando se está diante do exercício do poder regulamentar que deve observar obrigatoriamente as balizas legais.
46. A principal norma guia do poder regulamentar do Tribunal de Contas da União é expedir atos e instruções normativas sobre matérias de suas atribuições, o que, como visto, não engloba em nenhum momento uma atividade de consensualidade que leva à participação do processo de tomada de decisão.
2. Onde está prevista essa forma de atuação do TCU? Ela concorre com as outras competências de atuação do Tribunal?
A solução consensual de conflitos é uma das prioridades do Tribunal de Contas da União (TCU) em 2023, motivo pelo qual foi criada a Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso). A Instrução Normativa 91/2022 disciplina os procedimentos para tratamento das solicitações de solução consensual. Esse normativo teve inspiração no princípio da eficiência, incluído na Constituição Federal do Brasil apenas com a Emenda Constitucional 19/1998. [...]
3. Se o princípio da eficiência inspirou a norma da SecexConsenso, como fica a observância ao princípio da legalidade?
O princípio da eficiência e a busca da solução consensual não podem se sobrepor ao princípio da legalidade, pois se assim o fizesse poderia pôr
4 xxxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx/xxxx-xxxxxxx-x-xxxx-xxxxxxxxxxx-xx-xxxxxxxx- consensuais-do-tcu.htm. Acesso em 26 de julho de 2024.
em risco o próprio Estado de Direto. Importante observar que toda proposta de solução consensual buscará, dentro do princípio da legalidade, a alternativa mais eficiente para a sociedade. E dentro dos mecanismos de freios e contrapesos do próprio TCU, a minuta de solução consensual passará pelo crivo tanto do Ministério Público do TCU, quanto do próprio Plenário.
48. Como se percebe, a Corte de Contas Federal é sabedora de que a Instrução Normativa nº 91, de 2022, não se encontra embasada em nenhuma das competências previstas no art. 71 da CRFB e no art. 1º da Lei nº 8.443, de 1992, o que revela a exorbitância do poder regulamentar previsto no art. 3º da Lei nº 8.443, de 1992, e, por consequência, a violação ao princípio da legalidade administrativa (art. 37, caput, da CRFB) para ser tachada como inconstitucional.
V.B - DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES (ART. 2º DA CRFB)
49. Não bastasse a violação ao princípio da legalidade administrativa, é certo que a criação dessa nova atribuição do Tribunal de Contas da União, por ele mesmo, transgride o princípio da separação de poderes. Senão veja-se.
50. No ordenamento constitucional, o Tribunal de Contas da União é órgão auxiliar do Congresso Nacional no exercício do controle externo. Essa é a conclusão a ser extraída do texto do art. 71, caput, da CRFB, ao fixar que o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União.
51. Como cediço, cabe ao Parlamento o exercício de duas atividades precípuas: fiscalizar e legislar. Esse é o modelo derivado do pensamento do filósofo francês Xxxxxxxxxxx, que foi incorporado secularmente no Brasil e, hoje, se encontra expresso no art. 2º da CRFB.
52. No exercício da atividade fiscalizatória, cujo desempenho é feito em grande parte pelo Tribunal de Contas da União, por ser órgão
auxiliar nessa atribuição, o Congresso Nacional ou qualquer outra entidade parlamentar brasileira não pode atuar como avalizador prévio ou participante ativo (protagonista) da atividade administrativa a ser desempenhada pelo Poder Executivo.
53. De há muito, o Supremo Tribunal Federal estabelece que o Parlamento não pode criar normas jurídicas que suprimam do Poder Executivo a condução da administração pública, sobretudo no que se refere à formulação de qualquer política pública e ao poder decisório administrativo. Essa foi a posição, por exemplo, adotada quando do julgamento das ADI 3.343, red. p/ acórdão Min. Xxxx Xxx, ADI 523, rel. Min. Xxxx Xxxx, ADI 676, rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxx, e ADI 770, rel. Min. Xxxxx Xxxxxx.
54. Isso acontece pelo fato de que, como consectário lógico, incumbe privativamente ao Poder Executivo o desempenho da atividade administrativa por essência, o que se concretiza pelo desenho da política pública dentro da ideia do ciclo de política pública em que se englobam diversas etapas: agenda, tomada de decisão, execução e controle.
55. O Poder Legislativo somente possui protagonismo na participação do desenho da política pública pelo exercício de sua função legislativa de criação de normas autorizativas para que o Poder Executivo possa desempenhar as suas competências dentro dos parâmetros legais, como exige o princípio da legalidade administrativa (art. 37, caput, da CRFB).
56. A execução em si do processo de tomada de decisão cabe privativamente ao Poder Executivo, inclusive no que toca à forma e ao modelo a serem utilizados para a concretização dos objetivos desenhados para o alcance do preenchimento da necessidade pública constatada como importante para fins de agenda pública.
57. Trata-se de pensamento necessário e convergente com a ideia de reserva de administração, que é um consectário lógico do
princípio da separação de poderes (art. 2º da CRFB).
58. Segundo esse princípio, o Poder Legislativo está impedido de realizar ingerência normativa em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. Repare-se: o princípio da reserva de administração é um limite imanente ou implícito à liberdade de conformação do legislativo.
59. Isto é, a reserva de administração delimita propriamente a atividade de criação de norma jurídica do Poder Legislativo, que por essência é a delineadora da atuação em estrita legalidade do Poder Executivo. Se assim o é em relação à atividade legiferante, com muito maior razão o Parlamento possui limites mais claros de atuação quando da atuação fiscalizadora.
60. Em outras palavras, a função de fiscalização do Parlamento deve ter maior atenção à reserva de administração para que o controle não atue diretamente na forma sobre o desenho e a execução da política pública desempenhada pelo Poder Executivo, principalmente porque o art. 71 da CRFB não criou a competência constitucional de controle prévio das atividades administrativas.
61. Se ao Parlamento como poder essencialmente pertencente à República brasileira deve ser aplicado esse raciocínio, o Tribunal de Contas, enquanto órgão auxiliar da atividade fiscalizadora, está muito mais sujeito a esse parâmetro normativo constitucional.
62. Com isso, não pode o Tribunal de Contas da União criar um órgão interno em que autoridades públicas, particulares interessados na resolução do conflito e a estrutura administrativa da Corte pudessem dialogar para chegar a um “consenso” sobre como deve ser o desenho e a decisão sobre determinada política pública de qualquer natureza que seja.
63. A consensualidade administrativa, por sua própria natureza,
determina que o consenso seja buscado dentro da própria Administração Pública. Em nenhum momento, cogita-se de que órgão de controle externo de qualquer natureza participe como ator protagonista nesse processo de construção.
64. Entender dessa maneira é o mesmo que retirar da tripartição de funções dos Poderes da República a atividade administrativa como competência exclusiva/privativa do Poder Executivo, subjugando-o como subpoder abaixo do Poder Legislativo e de outras instituições constitucionais de controle.
65. Por isso, é assente na doutrina que o controle externo da atividade administrativa é, por natureza, posterior à execução da política pública, inserindo-se como a última etapa do ciclo de política pública em geral para indicar ao Poder Executivo sobre qual forma será mais eficiente atender o interesse público a partir das experiências públicas apreendidas pelo processo de tomada de decisão feito no passado.
66. A Instrução Normativa TCU nº 91, de 2022, configura todo esse modelo da separação de poderes, ao colocar o Tribunal de Contas da União no centro do poder decisão sobre a política pública em si a ser executada, concentrando a importância de uma única figura dentro da Corte de Contas: o seu Presidente.
67. Isso porque, pela própria estruturação da referida IN, cabe ao Presidente do TCU avaliar discricionariamente sobre qual conflito relevante atuará para obter o consenso a partir de uma visão de conveniência e oportunidade. Trata-se de uma previsão que outorga grande parcela de poder a um Ministro da Corte de Contas dentro de palavras com conceitos vagos e imprecisos, como “conflito relevante”. Quem dirá o que é relevante? Um membro do TCU ou o Ministro de Estado, por exemplo?
68. Essa é apenas uma das idiossincrasias práticas existentes a partir da Instrução Normativa TCU nº 91, de 2002, que demonstram a
outorga pelo próprio Tribunal de Contas de um superpoder de participação ativa e protagonista em processo de tomada de decisão de políticas públicas que incumbe, dentro da sistemática de tripartição de poderes, ao Poder Executivo.
69. Por isso, tem-se que a Instrução Normativa TCU nº 91, de 2002, viola o princípio da separação de poderes (art. 2º da CRFB) e, logo, é inconstitucional.
V.C - DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA MORALIDADE (ART. 37, CAPUT, DA CRFB) E AO PRINCÍPIO REPUBLICANO (ART. 1º, CAPUT, DA CRFB)
70. A própria estruturação normativa fora dos parâmetros constitucionais e legais, como demonstrado, é um prenúncio de que a atividade da SecexConsenso na prática levaria ao aniquilamento de princípios republicanos e da própria moralidade que deve conduzir a atuação de qualquer agente público.
71. A realidade denota essa ocorrência até pela estruturação normativa. Como dito acima, a Instrução Normativa TCU nº 91, de 2022, fixou que o Presidente do TCU decidirá sobre a instauração, ou não, do processo de solução consensual.
72. O Presidente da Corte de Contas Federal passa a ostentar um poder importante para negociações políticas incoerentes com a ideia republicana de que a coisa pública pertence ao povo, e não às autoridades públicas, dando azo a movimentos políticos indiciários de sobreposição de interesses particulares sobre o interesse público e potencialmente reveladores de práticas escusas.
73. Nessa linha, conforme noticiado por reportagem jornalística, o atual Presidente do TCU vem agindo desde o ano de 2023, com o objetivo de aumentar os seus poderes sobre questões complexas de políticas públicas em curso nos setores de infraestrutura em geral do país.
74. São bem elucidativas as seguintes passagens da reportagem:
[...] Com Dantas, a oportunidade chegou. Ainda no período de transição do governo, ele levou ao Grupo de Trabalho sobre Infraestrutura um relatório do TCU falando, entre outros pontos, das inúmeras obras paradas – e apresentou a ideia da criação de um órgão mediador dentro do próprio tribunal. A ideia foi bem recebida. Já no dia 22 de dezembro, Xxxxxx baixou uma instrução normativa criando a SecexConsenso, que foi aprovada pelo plenário. Num evento sobre infraestrutura, realizado em Brasília naquele mesmo mês, explicou sua intenção. “O que vimos nos últimos tempos foi o crescimento da necessidade de um fórum institucional para discutir com abertura, com franqueza, com sinceridade as soluções do ponto de vista negocial. Isso, de certa forma, é fruto dos anos pesados que tivemos aí de Xxxx Xxxx, em que se criminalizou a conversa.” Também disse que a unidade seria vinculada à presidência do tribunal.
Criada a SecexConsenso, o governo suspendeu os primeiros processos de relicitação e despachou pedidos de renegociação para a nova unidade do TCU. Segundo Xxx Xxxxx, da Casa Civil, as concessionárias estavam querendo renegociar em razão da “virada de página” ocorrida com a posse do governo Xxxx, empenhado em retomar os investimentos. Em paralelo, Xxxxxx mergulhou numa missão dupla: estruturar a nova secretaria, atraindo para si a discussão sobre projetos bilionários de infraestrutura, e, ao mesmo tempo, acumular capital político para correr atrás do sonho de ser ministro do STF. (Seu nome foi cotado para ocupar a vaga da ex-ministra Xxxx Xxxxx, aberta em setembro do ano passado, mas Xxxx acabou escolhendo Xxxxxx Xxxx.) Xxxxxx entregou a direção da secretaria para Xxxxxx Xxxxxx, engenheiro, advogado e auditor do TCU. Em sua missão, Xxxxxx foi bater nas portas da Esplanada dos Ministérios, apresentando sua criação e tentando atrair casos para mediação. “Ele fez um roadshow, demonstrando as vantagens do modelo, e foi aos ministérios ou mandou representantes”, relembra um ministro que pediu para não ser identificado. Xxxxxx Xxxxxx fez o mesmo nas agências reguladoras, informando sobre a secretaria e oferecendo sua mediação. Deu certo. “Quando idealizamos a secretaria, imaginávamos que ela começaria devagar para ir se estabelecendo, e com o tempo os governos iriam percebendo que essa é uma boa ferramenta”, disse Xxxxxx, em uma entrevista ao SBT, e completou com ar de satisfação: “O que aconteceu foi que essa secretaria virou uma coqueluche, e todos os ministros do governo têm demandas para essa nova secretaria.”
Com apenas um ano e meio de criação, a coqueluche já recebeu 28 solicitações de solução consensual. Cinco já foram aprovadas, três terminaram sem acordo e quatro não foram aceitas por não preencherem os requisitos mínimos. Restam dezesseis pedidos na mesa. É um balcão, com muitos bilhões de reais em jogo. No início deste ano, o jornal Valor Econômico publicou uma entrevista com Xxxxx Xxxxxx cujo título informava: TCU prevê análise de casos que somam R$ 220 bi neste ano. No corpo da entrevista, Xxxxxx comparou: “Em volume de recursos, essas otimizações contratuais envolvem até mais do que está no PAC para novas concessões.” Mais que isso: supera o orçamento de quase todos os ministérios, incluindo pastas fundamentais como Educação. [...]
75. Infelizmente, o aumento de poder político de membro do Tribunal de Contas da União não foi o único problema constatado. Na verdade, os processos de solução consensual abertos perante a Corte de Contas passaram a ser vistos como uma oportunidade de atender os interesses do governo de ocasião, ainda que tivesse havido uma posição consensual em algum momento do governo anterior.
76. Foi o caso da concessionária Malha Paulista, a sociedade empresária Rumo. Nesse episódio, o próprio Ministro Xxxxxxx Xxxxxx não se sentiu confortável de o Tribunal de Contas da União autorizar a quantidade de valor a ser investido para privilegiar determinada empresa contratada para operar importante infraestrutura para o Brasil.
77. Isso, aliás, foi o motivo de os Ministros Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxx realçarem que o acordo proposto pela SecexConsenso naquele momento não seria uma decisão para fins de consolidação jurisprudencial da Corte de Contas a ser utilizada em casos análogos. Veja-se o trecho da reportagem investigativa:
[...] Em um dos grandes casos que analisou, a SecexConsenso mostrou-se eficaz. Deu-se o seguinte. Em 2020, a Rumo, concessionária da Malha Paulista, recebeu um presente de pai para filho do governo Xxxxxxxxx. Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, então ministro, fez a renovação antecipada da concessão da Rumo, com aprovação unânime do TCU. A Rumo, no entanto, não demorou a descumprir os prazos de investimento. Assim, com a troca de governo, começou-se uma tentativa de reparar o prejuízo. Na SecexConsenso, chegou-se a um acordo segundo o qual a Rumo terá de pagar quase 1,2 bilhão de reais pela renovação da concessão e poderá adiar parte de seus investimentos para 2028. O plenário do tribunal aprovou o acordo, por 7 votos contra 2, sob protestos do ministro Xxxxxxx Xxxxxx. “Qual a credibilidade que passa o tribunal para ter investimentos nesse país se muda o acordo e se privilegia uma empresa em detrimento da sociedade?” Embora positivo para os cofres públicos, o acordo demonstra como o TCU pode ser servil ao governo da hora. Em 2020, a área técnica foi contra a renovação automática da concessão, mas o tribunal aprovou-a, atendendo ao governo Xxxxxxxxx. Agora, adotou posição contrária à de quatro anos atrás, atendendo ao governo Xxxx. Por insistência dos ministros Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxx, ficou
claro que os termos do acordo, ainda que vantajosos para o erário, não deveriam ser automaticamente aplicados a outras negociações pelo governo. [...]
78. A mesma atuação controversa permissiva de interesses do governo de ocasião se deu no âmbito do setor de energia elétrica no caso da Âmbar Energia, solicitado pelo atual Ministro de Minas e Energia Xxxxxxxxx Xxxxxxxx.
79. No caso apreciado pela Corte de Contas da União, a SecexConsenso passou a desvalorizar a opinião de auditores de controle externo do Tribunal, que são técnicos por natureza de excelente competência, pois os considerou como mera opinião técnica, sem cunho vinculativo.
80. Isso permitiu que, mesmo com a falta de conclusão de um acordo no caso da Âmbar Energia, a maioria dos Ministros do Tribunal de Contas da União sinalizassem ao Poder Executivo Federal de ocasião a possibilidade de celebrar um acordo, mesmo que não tenha sido ele nos mesmos termos aceito pela Corte de Contas.
81. Essa postura demonstrou a insatisfação de alguns Ministros da Corte de Contas da União, sobretudo a do Ministro Xxxxxxxx Xxxxxx, que alertou sobre a existência de um risco moral ao se adotar uma posição complexa de desvalorização da área técnica do Tribunal e de possibilidade de celebração de um mesmo acordo que não foi homologado pelo Tribunal por problemas técnicos.
82. O caso Âmbar Energia revela que os interesses políticos de alguns têm se sobreposto ao interesse público e à própria moralidade administrativa. Ou seja, a SecexConsenso tem agido, cada dia mais, de forma descontrolada por buscar atender os interesses governamentais de ocasião, ainda que isso leve à derrocada da ideia republicana de respeito à coisa pública e à ética.
83. Veja-se trechos da reportagem investigativa que trazem tais pontos à tona:
[...] Dois auditores – o da unidade especializada em energia e o da própria SecexConsenso – foram contra o acordo com a Âmbar. O principal motivo: os testes não conseguiram comprovar que as usinas da Âmbar estavam prontas para operar. Os auditores, que constataram a “insuficiência” do esforço da empresa, propuseram então o arquivamento. O representante do Ministério Público no TCU, em seu parecer, disse que o resultado do teste fora “um evidente fracasso”.
Portanto, como não havia consenso, o acordo não poderia ser feito, segundo as regras criadas pelo próprio TCU. Começou então a mágica. O secretário da SecexConsenso, Xxxxxx Xxxxxx, mudou o conceito de consenso. Entendeu que um acordo não dependia da concordância dos auditores. O novo entendimento foi rapidamente introduzido na instrução normativa que criou a secretaria, deixando claro que a opinião dos auditores era apenas isso: uma opinião. E os processos na SecexConsenso deixaram de exigir consenso para seguir em frente.
O casuísmo orwelliano era tão evidente que o relator Xxxxxxxx Xxxxxx, embora quisesse aprovar o acordo com a Âmbar, ficou constrangido de fazê-lo. Alegou que a mudança da instrução normativa, segundo a qual consenso agora era outra coisa, só valeria para casos futuros, mas não para aquele, que já estava em curso quando a alteração foi feita. Além disso, o TCU estava acuado pelo deputado Xxxxxx Xxxx que, com a cartucheira habitualmente carregada, ameaçava abrir uma CPI sobre o caso. Xxxxxx chamou a atenção para o “risco moral” – conceito que, na economia, refere-se ao risco de devedores obterem vantagens em relação a bons pagadores – e equilibrou-se numa solução salomônica. Votou pelo arquivamento, mas disse que tinha “simpatia” pelo acordo. [...]
[...] Era a senha para mostrar que o entendimento com a Âmbar, sabe- se lá por que razão, tinha que ser feito a qualquer custo – mesmo que um segundo teste nas usinas da empresa, realizado pela Aneel, tivesse dado errado. As usinas tinham que fornecer energia por 96 horas ininterruptas, com mínima variação de potência, mas não aguentaram o tranco. Durante o teste, a potência variou mais que o permitido. Em seu relatório, a Xxxxx não disse com todas as letras que a Âmbar não passara no teste. Antes de votar pelo arquivamento, o ministro Xxxxxx ainda tentou uma saída para selar o acordo e consultou a Xxxxx para ouvir, quem sabe, que a empresa fora aprovada.
A resposta é uma pérola do burocratês malandro que facilitou a vida da Âmbar e provocou a “simpatia” oficial. Segundo a Xxxxx, as usinas passaram no teste, sim, mas mediante “flexibilizações” da norma, aprovada pela diretoria colegiada da agência. Ou seja: como o aluno não respondeu a pergunta corretamente, mudou-se um pouquinho a pergunta. Com isso, os ministros do TCU formaram uma súbita convicção de que a Âmbar usaria o parecer da Xxxxx para recorrer à Justiça. Era melhor selar então um acordo do que abrir uma briga judicial. Claro que a Âmbar tinha poucas chances de obter uma vitória na Justiça, mas agora pelo menos contava com um pedaço de papel no qual poderia
apoiar sua causa. Foi o que bastou para o TCU dizer que o acordo era a melhor saída.
“Se você me perguntar se eu tenho uma simpatia por essa proposta, xxx, eu tenho uma simpatia por essa proposta”, disse Xxxxxx, durante o julgamento. Os demais ministros também votaram pelo arquivamento e também fizeram questão de elogiar os termos do acordo. O ministro Xxxxxxx Xxxxxxxxx, ex-senador por Minas Gerais, ao expressar sua “adesão à simpatia”, disse: “Xxxxxxxxx também aquela frase muito comum em meu estado: mais vale o mau acordo do que a boa demanda”. (A exceção foi o voto do ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, que viu “problemas insuperáveis quanto ao mérito” do contrato.)
Assim, o caso da Âmbar acabou indo mesmo para o arquivo, mas logo ficou claro o significado da simpatia geral: apesar do arquivamento, os ministros do TCU resolveram dizer ao governo que nada o impedia de seguir em frente com aquele acordo, mesmo sem o aval formal do tribunal. Criou-se então a esdrúxula situação em que um tribunal de fiscalização arquiva um acordo, mas sugere que uma das partes celebre esse mesmo acordo. [...] “E, além de surpreendente, é altamente lesivo aos consumidores brasileiros de energia.” Xxxxx Xxxxxxx, presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais e de Consumidores Livres, observou: “É oportuno refletir se os consumidores, que pagam a conta final e são a parte mais interessada nos processos, não deveriam ter voz ativa na construção dos consensos.” E acrescentou: “Também é oportuno refletir se o TCU não deveria ser deslocado desses consensos, ficando como a instância que os fiscalizaria.”
Com a sugestão do TCU de que o governo poderia ir em frente com o acordo, o ministro Xxxxxxxxx Xxxxxxxx não perdeu tempo. Notificado da decisão do tribunal, fechou o arranjo com a Âmbar sem aguardar manifestação prévia da Xxxxx, responsável por analisar as medidas tomadas diante de descumprimento de contratos. A notificação chegou no dia 15 de abril ao Ministério de Minas e Energia. Dois dias depois, às 17h36, o texto do acordo chegou à Consultoria Jurídica da Advocacia- Geral da União e, 56 minutos mais tarde, estava aprovado pelo consultor Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx Xxxxx. Na manhã do dia seguinte, o ministro assinou o despacho. Um mês depois, a Xxxxx carimbou o acordo. O ministério e a agência, então, enviaram a papelada ao TCU. Se o tribunal concordar, ou simplesmente não se manifestar, o acordo entra em vigor no dia 22 de julho.
Pelo acordo, em vez de operar as quatro termelétricas, a Âmbar poderá optar por uma antiga usina em Cuiabá – o que, por ironia, era a solução que Xxxxxx Xxxx, então secretário de Minas e Energia, havia proposto tempos antes e que acabara sendo rejeitada pelo colegiado da Xxxxx. Além disso, a Âmbar receberá multa de 1,1 bilhão por atraso, seu contrato será ampliado de 44 para 88 meses e o valor será reduzido de 18,7 para 9,4 bilhões de reais, porque a empresa deixará de ser obrigada a gerar energia ininterruptamente, passando a fazê-lo apenas sob demanda. [...]
84. Trata-se de fatos comprovados diante dos acontecimentos públicos realizados pela SecexConsenso. Não são mera ilações ou
suposições. Todos eles revelam o quanto essa estruturação do processo de solução consensual e a própria atuação da SecexConsenso têm levado à violação prática dos princípios republicano (art. 1º, caput, da CRFB) e da moralidade administrativa (art. 37, caput, da CRFB).
85. Não é concebível admitir que a estrutura de um órgão de controle externo possibilite uma atuação permissiva de acordos prejudiciais ao interesse público, com a diminuição de ritmos de investimentos pactuados anteriormente pela União e no aumento de custos para os consumidores brasileiros em insumos básicos, como é o caso da energia elétrica.
86. A bem da verdade, o Tribunal de Contas da União deveria agir ao contrário. Isto é, ao invés de chancelar essa atuação, caberia a ele, no exercício das competências do art. 71 da CRFB e do art. 1º da Lei nº 8.443, de 1992, julgar irregularmente as contas governamentais e os atos praticados, com a eventual aplicação de multas às autoridades públicas participantes do ato imoral e antirrepublicano.
87. Essas circunstâncias revelam o quanto é incompatível moral e republicanamente a criação de uma atividade de consensualidade a ser desempenhada por um órgão de controle. Existe o risco - que, na verdade, tem se mostrado como fato - de serem praticados atos ilegais e ilegítimos que não serão passíveis de posterior responsabilização do gestor público, uma vez que chancelados pelo órgão de controle.
88. Com isso, pode-se deduzir que a forma como tem atuado o Tribunal de Contas da União, através da SecexConsenso, gera uma proteção deficiente da própria moralidade administrativa e da forma republicana de se governar o Brasil.
89. Entenda-se que a proteção deficiente tem relação com a transgressão do princípio da proporcionalidade, sob a ótica de proteção ao direito fundamental à boa administração inerente a qualquer cidadão.
90. O direito fundamental à boa administração é englobado pelo agir moral e republicano no trato da coisa pública, em específico na condução de políticas públicas de qualquer natureza, haja vista que a ética e a probidade são inerentes ao exercício da atividade pública e administrativa.
91. Por essa razão, a manutenção da SecexConsenso da forma como estabelecida e exercida cria uma zona de proteção deficiente ao direito fundamental à boa administração e viola frontalmente a moralidade administrativa e o agir republicano.
92. Consequentemente, a Instrução Normativa TCU nº 91, de 2022, viola os preceitos fundamentais da moralidade administrativa e do princípio republicano, razão pela qual deve ser tachada como inconstitucional.
VI - DA CONCESSÃO DA MEDIDA CAUTELAR
93. O art. 5º da Lei nº 9.882, de 1999, permite que o Tribunal, por decisão da maioria absoluta, suspenda os efeitos do ato normativo impugnado - no caso, a Instrução Normativa TCU nº 91, de 2022.
94. Para a sua concessão, mostra-se necessária a comprovação do fumus boni iuris e do periculum in mora.
95. Pela análise dos fundamentos jurídicos lançados no item V desta petição inicial, verifica-se que o fumus boni iuris está comprovado, pois a Instrução Normativa TCU nº 91, de 2022, padece de vícios materiais.
96. Consistem, em resumo, na violação aos preceitos fundamentais da legalidade administrativa, da separação de poderes, da moralidade administrativa e do princípio republicano, com a demonstração de que, na prática, tem levado à proteção deficiente do direito fundamental à boa administração por criar um cenário de que “o controlador não possui controle”.
97. E mais do que isso, de que o órgão de controle externo tem se
colocado como órgão de “balcão de negócios políticos” para que os gestores públicos se isentem de responsabilidade cível, criminal e administrativa posterior pelo desempenho de seu munus público, haja vista que a sua atuação, ainda que ilegal, ilegítima e imoral, passa a ser chancelada pelo órgão que deveria controlá-lo e penalizá-lo pela prática de irregularidade e ilegalidade administrativas.
98. Ou seja, a Instrução Normativa TCU nº 91, de 2022, além de criar atribuição não desejada e prevista constitucional para a Corte de Contas Federal, criou um cenário favorável ao superdimensionamento de autoridade de controle como chanceladora de práticas administrativas mesmo de dúvida validade e coadunadora de princípios éticos e republicanos.
99. Quanto ao periculum in mora, é bom rememorar que o Supremo Tribunal Federal, enquanto guardião da Constituição (art. 102, caput), deve buscar o equilíbrio e a harmonia entre os Poderes Constituídos da República, sobretudo no que tange à criação de competências de órgãos fora da previsão constitucional, sob pena de causar um desequilíbrio à separação de poderes e uma violação frontal à legalidade administrativa.
100. No caso em comento, demonstrou-se que não se está a discutir a ideia de consensualidade administrativa, que é saudável à Administração Pública. Porém, debate-se, na presente demanda de controle concentrado de constitucionalidade, sobre quem deve participar dessa atividade de consensualidade administrativa.
101. A resposta aqui indicada é que não cabe ao Tribunal de Contas da União, enquanto órgão auxiliar do Congresso Nacional no controle externo, agir na atividade fiscalizadora prévia, à míngua de previsão legal correspondente. E mais: buscou-se demonstrar que a eficiência administrativa não pode se sobrepor à legalidade constitucional.
102. A manutenção do cenário ora indicado revela que a sua perpetuação por maior período de tempo possibilitará que acordos sejam encaminhados entre os atores interessados e que, na prática, poderão ser futuramente impugnados por falta de validade jurídica, uma vez que feitos por autoridade absolutamente incompetente - no caso, uma Corte de Contas fora de suas competências constitucionais do art. 71 da CRFB.
103. Por essa razão, a mantença da Instrução Normativa TCU nº 91, de 2022, ocasionará maior insegurança jurídica a todos os atores interessados, possibilitando que o pensamento de que “até no Brasil o passado é incerto” passe a ser verdadeiro, porquanto os consensos formados estão vindo a lume através de órgão sem legitimidade constitucional no modelo de separação de poderes.
104. Logo, pugna-se pela concessão de medida cautelar inaudita altera pars e ad referendum do Plenário, nos termos do § 1º, do art. 5º, da Lei nº 9.882, de 1999, a fim de que sejam suspensos imediatamente os efeitos da Instrução Normativa TCU nº 91, de 2022, até o trânsito em julgado da presente demanda de controle de constitucionalidade concentrado.
VII - DOS PEDIDOS
105. Ante o exposto, o Partido NOVO requer:
(i) seja concedida a medida cautelar para suspender os efeitos da da Instrução Normativa TCU nº 91, de 2022, bem como impedir a criação pela Corte de Contas de novas unidades de solução consensual e prevenção de conflitos nos moldes na prevista no ato normativo impugnado, até o trânsito em julgado da presente demanda de controle de constitucionalidade concentrado, por estarem presentes os requisitos do art. 5º da Lei nº 9.882/1999;
(ii) a intimação do Tribunal de Contas da União e da
Presidência da República para prestar as informações necessárias no prazo de dez dias, nos termos do art. 6º da Lei nº 9.882/1999;
(iii) a intimação da Procuradoria-Geral da República e da Advocacia-Geral da União para, querendo, se manifestarem no prazo legal, na forma do art. 7º da Lei nº 9.882/1999; e
(iv) no mérito, a procedência do pedido para declarar a inconstitucionalidade total da Instrução Normativa TCU nº 91, de 2022, com a consequente extinção da Secex Consenso e declaração de prejudicialidade de todos os acordos celebrados no âmbito da referida secretaria, assim como para impedir a criação pela Corte de Contas de novas unidades de solução consensual e prevenção de conflitos nos moldes na prevista no ato normativo impugnadopor violar os preceitos fundamentais do princípio da legalidade administrativa (art. 37, caput, da CRFB), do princípio da separação de poderes (art. 2º da CRFB), do princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, da CRFB/1988) e do princípio republicano (art. 1º, caput, da CRFB), causando uma proteção deficiente ao direito fundamental à boa administração.
Brasília/DF, 29 de julho de 2024.