SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL
Acórdão
Processo
309/19.0T8VRL.G1.S1
Data do documento
17 de junho de 2021
Relator
Xxxxx Xx Xxxxxxx Xxxxxxx
DESCRITORES
Contrato de arrendamento rural > Forma do contrato > Direito de preferência > Comunicação do projecto de venda > Recurso de apelação > Junção de documento
SUMÁRIO
I - As hipóteses previstas de apresentação de documentos na fase de recurso, limitam-se às situações em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se torna necessário provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente prever antes da decisão proferida, surgindo, por isso, pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento.
II – A apresentação de documento com as alegações do recurso de apelação, formado em data posterior à da prolação da sentença na 1ª instância e cuja produção se encontre na inteira disponibilidade do interessado, só deve ser admitido se o recorrente demonstrar as razões da sua “tardia” realização, de molde a afastar quaisquer dúvidas que pudessem surgir sobre eventual negligência daquele na sua produção.
III – O distrate da alienação não prejudica o exercício do direito de preferência
cujo reconhecimento se peticiona, conforme decorre do disposto no art. 1410º, nº 2, do CC.
IV – Tendo sido junto com a petição inicial um exemplar do contrato de arrendamento rural invocado na ação com vista ao exercício do direito de preferência na alienação feita a terceiros do prédio objeto daquele contrato, mostra-se cumprida a exigência prevista na Lei 76/77, não relevando, para este efeito, a questão de saber se o mesmo enferma, ou não, de patologias que possam pôr em causa a sua validade.
V – O contrato de arrendamento rural celebrado antes da publicação do DL nº 201/75 de 14.4.1975, diploma que revogou os artigos 1064.º a 1082.º do Código Civil e veio impor a redução a escrito do contrato arrendamento rural, não está sujeito a forma especial, podendo ser celebrado verbalmente.
VI – O vício que possa afetar o contrato de arrendamento rural, não reduzido a escrito, corresponde a uma “nulidade atípica”, já que o contrato se encontra sujeito à possibilidade de “validação” e se veda a legitimidade para a sua invocação à parte que tenha recusado a formalização.
VII - A lei reguladora do direito de preferência é a vigente à data da celebração do ato de alienação, por o direito legal de preferência não passar de uma faculdade que integra o conteúdo do direito do arrendatário e que, só a prática do negócio translativo da propriedade, sem que o senhorio lhe tenha oferecido a preferência, o transforma em direito potestativo.
VIII – O vinculado à preferência deve comunicar ao preferente o projeto do contrato «ajustado», bem como as cláusulas essenciais, designadamente a identificação do bem a vender, o preço convencionado, as condições de
pagamento e a data de celebração do respetivo contrato. Para além disso, deverá ainda transmitir-lhe os elementos que, em cada caso concreto, possam influir sobre a decisão do preferente de exercer, ou não, o seu direito.
TEXTO INTEGRAL
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I – Relatório
1. AA instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e Minfo - Comércio de Micro Informática, Limitada, pedindo que:
a) – Seja reconhecido o direito a haver para si o prédio rústico (que melhor identificou) vendido pela 1.ª Ré (BB) à 2.ª Ré (Minfo - Comércio de Micro Informática, Limitada), mediante o pagamento do preço declarado na escritura pública de compra e venda;
b) – Seja ordenado o cancelamento do registo da aquisição e inscrição relativa à apresentação 4202 de 11/10/2019, do dito prédio a favor da 2.ª Ré.
Alegou para o efeito, e em síntese, que:
É arrendatária rural do prédio identificado nos autos, por contrato escrito de 16 de Setembro de 1969, objeto de duas denúncias escritas sucessivas e de uma prorrogação, por acordo das suas partes iniciais.
Desde sempre explorou o dito imóvel, fazendo-o agora com a ajuda de dois filhos, que com ela vivem.
Mais alegou que, não obstante ter sido notificada pela 1.ª Ré, na qualidade de sua atual senhoria, por carta de 7 de Dezembro de 2018, para exercer o direito legal de preferência na venda do dito prédio rústico à 2.ª Ré, pelo preço de € 82.500,00, viu sucessivamente ignoradas as duas cartas que lhe enviou, informando-a de que pretendia preferir e pedindo informações mais detalhadas sobre o negócio.
Alegou ainda que o negócio se realizou, transmitindo a favor da 2.ª Ré a propriedade do prédio rústico de que é arrendatária, assistindo-lhe por isso o direito de preferir na venda havida, cujos contornos concretos nunca lhe chegaram a ser indicados, impedindo-a de exercer o direito aqui em causa.
2. Regularmente citadas, apenas a 2.x Xx veio contestar, pedindo que a ação fosse julgada improcedente, sendo ela própria absolvida da instância. Além disso, deduziu reconvenção, pedindo que:
a) – Seja declarado que o prédio por si adquirido à 1.ª Ré e onde se inclui a área ocupada pela Autora é sua propriedade;
b) – Xxxx a Autora condenada a restituir-lhe esse prédio, bem como a abster-se da prática de quaisquer atos que impeçam ou diminuam a sua utilização por si própria;
c) - Seja a Autora condenada no pagamento da quantia de € 750,00, por cada mês que dure a ocupação do prédio, a contar da notificação da reconvenção.
Alegou para o efeito e em síntese, que:
A lei exige a redução a escrito de qualquer contrato de arrendamento rural, pelo que o invocado pela Autora é nulo.
Além disso, não tendo sido junto com a petição inicial esse contrato de arrendamento rural, deve ser declarada a extinção da instância.
Mais alegou que a própria Autora reconheceu, na sua petição inicial, ter exercido o seu pretenso direito de preferência depois de decorrido o prazo de oito dias que lhe tinha sido fixado para o efeito, tendo por isso o mesmo caducado.
Ainda assim, impugnou os factos alegados pela Autora, negando designadamente que a mesma seja arrendatária rural do prédio em causa.
Por fim, defendeu ter adquirido validamente o dito prédio rústico, ocupando a Autora parte dele, sem qualquer título que o legitime.
3. A Autora replicou, pedindo que, quer as exceções deduzidas, quer o pedido reconvencional formulado, fossem julgados totalmente improcedentes, e reiterando o seu pedido inicial.
4. Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho a admitir a reconvenção.
No saneador, foi julgada improcedente a exceção dilatória inominada de falta de contrato escrito de arrendamento rural, bem como a exceção perentória de caducidade do exercício do direito de preferência em causa.
5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente.
6. Inconformada com esta decisão, a 2.ª Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação …. que proferiu acórdão a julgar improcedente o recurso, bem como o pedido de condenação da Ré como litigante de má-fé, confirmando integralmente a sentença recorrida.
7. De novo irresignada, a 2ª Ré veio interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, como revista «normal» e, subsidiariamente, como revista excecional, formulando as seguintes conclusões:
1 - Nos termos do artigo 671°, n° 1 do C.P.C., cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância, que conheça do mérito da causa.
2 - A presente ação é de valor superior a 30 000,00 € que é a alçada dos tribunais da Relação, sendo o Supremo Tribunal de Justiça competente para conhecer, em recurso, da presente causa - artigos 42°, n° 2 e 44°, n° 1 da Lei n° 62/2013, de 26 de Agosto, pelo que o presente recurso de revista é legalmente admissível nos precisos termos em que é formulado.
3 - A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, na parte em que indeferiu a junção aos autos do documento apresentado pela recorrente com as suas alegações de recurso, nem com o segmento decisório que julgou improcedente a exceção dilatória de inutilidade e/ou impossibilidade supervenientes da lide, nem com o entendimento do Tribunal de que a A. foi notificada por ser arrendatária e que a preferência não continha todos os
elementos necessários.
4 - Com o recurso para o Tribunal da Relação a Recorrente juntou, com as suas alegações de recurso, certidão de uma escritura pública epigrafada «DISTRATE DE COMPRA E VENDA», celebrada em 09 de Março de 2020, através do qual as partes distrataram a referida escritura de Compra e Venda, tendo a constituinte do primeiro outorgante já restituído à sociedade MINFO-COMÉRCIO DE MICRO INFORMÁTICA LDA o preço que ela pagou na escritura revogada, através do cheque número …04, sacado sobre o Banco Santander Totta, no dia da escritura.
5 - O documento é superveniente, pois a escritura pública apenas foi celebrada em 09 de Março de 2020, o que impossibilitou a sua junção aos autos pela recorrente com os articulados.
6 - Conforme resulta do disposto no art. 651°, n.° 1, do C. P. Civil, as partes podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425°, do C. P. Civil, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na Ia instância.
7 - As partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excecional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1ª instância, cabendo à parte que pretende oferecer o documento demonstrar a referida superveniência objetiva ou subjetiva; ora, a sentença foi proferida em 04 de Dezembro de 2019, a escritura pública de Distrate de Compra e Venda foi celebrada em 09 de Março de 2020 e foi junto com as alegações de Recurso interpostas pela recorrente em 16-03-2020, logo, estamos perante um documento superveniente.
8 - Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, deverá o acórdão ser revogado nesta matéria e substituído por outro que admita a junção aos autos do documento apresentado pela recorrente com as suas alegações de recurso denominado por Distrate de Compra e Venda.
9 -Tendo a 1ª Ré (BB) e a 2ª Ré (aqui recorrente) celebrado, em 09 de Março de 2020, uma escritura pública de «DISTRATE DE COMPRA E VENDA» do prévio negócio de alienação do prédio rústico de que a Autora (AA) se reclama arrendatária, e por isso onde pretende preferir no lugar da adquirente, com a existência daquele documento a instância deve ser extinta por inutilidade superveniente da lide.
10 - De acordo com o disposto no art.° 277.°, al. e) do Código de Processo Civil, a inutilidade superveniente da lide constitui, com efeito, causa de extinção da instância, impedindo, por conseguinte, o conhecimento do mérito da ação, o mesmo valendo para a impossibilidade superveniente.
11 - A instância extingue-se sempre que se torne supervenientemente inútil, i.e., sempre que por facto ocorrido na pendência da instância, a continuação da lide não tenha qualquer utilidade, e ainda, extingue-se ou finda de forma anormal todas as vezes que, ou por motivo atinente ao sujeito, ou por motivo atinente ao objeto, ou por motivo atinente à causa, a respetiva relação jurídica substancial se torne inútil, i.e., deixe de interessar a sua apreciação.
12 - A inutilidade da lide é simples reflexo, no plano processual, da inutilidade aa relação jurídica substancial, quer esta inutilidade diga respeito ao sujeito, ao objeto ou à causa, e sempre que o efeito jurídico que se pretendia obter com a ação se mostre supervenientemente inútil, é claro que o processo não deve
continuar - mas antes cessar, e extingue-se porque se tornou inútil o prosseguimento da lide: verificado o facto, o tribunal não conhece do mérito da causa, limitando-se a declarar aquela extinção.
13 - A escritura pública de distrate de compra e venda "nasceu", e, por conseguinte, foi apresentada, nos presentes autos em devido tempo, consubstanciando uma inutilidade superveniente da lide, uma vez que, o direito de que a. se arroga se extinguiu por via daquela escritura pública, pelo que, ocorreu no presente caso uma revogação do contrato por comum acordo, com eficácia retroativa entre as partes, sendo o chamado contrato extintivo ou abolitivo ou "contrarius consensus" - artigo 406°, n° 1 do C.C. - com o qual as partes, por mútuo consentimento, extinguem a relação contratual existente entre eles.
14 - Deixaram de estar reunidos os requisitos para o invocado exercício do direito de preferência por parte da A., estipulado no artigo 31°, n° 2 do Decreto- Lei n° 294/2009, de 13 de Outubro, e existe extinção da instância, por inutilidade superveniente ou impossibilidade superveniente da lide nos termos do artigo 277°, e) do C.P.C..
15 - No caso dos autos não existe qualquer direito de preferência da A., como previsto no artigo 31°, n° 2 do Decreto-Lei n° 294/2009, de 13 de Outubro, com remissão para o artigo 416° do C.C..
16 - O contrato de arrendamento invocado pela A. não tem qualquer validade, uma vez que, a A. e o seu marido apenas eram os caseiros da Quinta …, sendo certo que, o alegado contrato particular de arrendamento de prédio rústico, referente à Quinta …., sita na freguesia …, excluídos os pomares da mesma Quinta e as macieiras e outras fruteiras plantadas na parte restante, não se
mostra assinado pelos donos do terreno (alegados senhorios) ou RR., nem por qualquer outra pessoa que ocupasse uma posição ativa na discutida relação contratual.
17 - Não existe qualquer redução a escrito de um contrato de arrendamento rural, nem qualquer outro negócio, sofrendo o mesmo de nulidade.
18 - O artigo 35°, n° 5 do Decreto-Lei n° 358/88, de 25 de Outubro estabelece que "Nenhuma ação judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato quando exigível", não permitindo a supressão desta situação à posteriori, pois exige que com a petição inicial se alegue os motivos da falta de redução a escrito, o que não se verificou, sendo que o Decreto-Lei n° 294/2009, de 13 de Outubro, revogou o Decreto-Lei n° 358/88, de 25 de Outubro, mas manteve a mesma solução acima descrita - Cfr. artigo 6° e 35°, n° 5.
19 - O artigo 6º do Decreto-Lei n° 294/2009, de 13 de Outubro, no seu n° 1 estipula que “Os arrendamentos rurais são obrigatoriamente reduzidos a escrito, constando dos mesmos a identificação completa das partes contratantes, a indicação do número de identificação fiscal e respetiva morada de residência ou sede social, bem como a identificação completa do prédio ou prédios objeto do arrendamento", e o seu n°2 mais adianta que “A não redução a escrito dos contratos de arrendamento rural celebrados ou renovados na vigência do presente decreto-lei gera a sua nulidade.”.
20 - Reafirma-se no art. 7.° seguinte que o «contrato de arrendamento rural é reduzido a escrito» (n.° 1); e são «elementos obrigatórios do mesmo» a
«identificação completa das partes», a «identificação do bem objeto de arrendamento», o «fim a que se destina», o «valor estipulado para a renda», e a
«indicação da data de celebração» (n.° 2, als. a), b), c), d) e e) do mesmo preceito).
21 - Esta imperativa redução a escrito consubstancia uma formalidade ad substantiam (e não meramente uma formalidade ad probationem), refirmando- se no regime particular em causa a solução geral consagrada no art. 220.° do CC, segundo o qual a «declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei, pelo que, desta maneira, a falta de assinatura por parte dos contraentes num contrato de arrendamento rural constitui uma formalidade "ad substanciam”, é de conhecimento oficioso, o que implica a nulidade desse contrato - conforme estipula o artigo 220° do C.C..
22 - Com efeito, o artigo 220° do C.C. consagra explicitamente, como regra, a solução que considera as formalidades legais da declaração como formalidades ad substanciam (e não como meras formalidades ad probationem) - Cfr. Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição, revista e atualizada, Pires de Lima e Xxxxxxx Xxxxxx, com a colaboração de M. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Coimbra Editora, Lda., págs. 210 e 211.
23 - Por outro lado, está em causa o conceito de declaração negocial como verdadeiro elemento do negócio jurídico, como está regulado nos artigos 217º e ss. do C.C, trata-se de um verdadeiro elemento do negócio, uma realidade componente ou constitutiva da estrutura do negócio, de tal maneira, que a sua falta conduz à inexistência material do negócio.
24 – Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal-resulta do disposto no artigo 393°, n° 1 do C.C..
25 - Também é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objeto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos particulares mencionados nos artigos 373° a 379° do C.C., quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores - artigo 394°, n° 1 do C.C..
26 - O contrato junto pela autora não se mostra assinado por qualquer das alegadas partes respetivas, sendo certo que a autora, hoje viúva, reconheceu que quem ali figura como senhorio veio posteriormente promover a denúncia do contrato por via/meio de duas sucessivas notificações judiciais avulsas que promoveu, operadas a partir de 01 de Outubro de 1972 e de 01 de Outubro de 1973.
27 - CC requereu a notificação judicial avulsa de DD e mulher AA, no qual o requerente invoca que não convém a continuação nem a prorrogação do arrendamento em causa, pelo que pretendeu denunciá-lo e por isso, requereu ao Juiz de Direito da Comarca … se dignasse mandar notificar judicialmente os requeridos, os ditos arrendatários, para, no dia um de Outubro de 1972 (ano corrente), se considerarem despedidos e deixarem e entregarem ao requerente a referida Quinta … e seus pertences e alfaias que tinham em seu poder para o granjeio da propriedade, tudo nos precisos termos e para os fins do artigo 964° e seguintes do Código do Processo Civil, na parte a esta notificação aplicável.
28 - Também é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objeto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos particulares mencionados nos artigos 373° a 379° do C.C., quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores - artigo 394°, n° 1 do C.C..
29 - CC requereu outra notificação judicial avulsa de DD e mulher AA, no qual o requerente invoca que não convém a continuação nem a prorrogação do arrendamento em causa, pelo que pretendeu denunciá-lo e por isso, requereu ao Juiz de Direito da Comarca de …. se dignasse mandar notificar judicialmente os requeridos, os ditos arrendatários, para, no dia um de Outubro de 1973 (ano corrente), se considerarem despedidos e deixarem e entregarem ao requerente a referida Quinta … e seus pertences e alfaias que tinham em seu poder para o granjeio da propriedade, tudo nos precisos termos e para os fins do artigo 964° e seguintes do Código do Processo Civil, na parte a esta notificação aplicável.
30 - A considerar-se tal contrato de arrendamento de 16 de Setembro de 1969 como nulo, o mesmo não produz desde o início (ab initio), por força da falta ou vício de um elemento interno ou formativo, os efeitos a que tendia, e a ser o mesmo inexistente, a realidade não corresponde à noção do negócio aludido, visto que, por esta via, a declaração não pode produzir os seus efeitos, daí que, por qualquer uma destas vertentes, o documento em análise sempre seria irrelevante ou inócuo em termos jurídicos.
31 - Tendo já antes cessado (por denúncia) o dito contrato de arrendamento inicial, não podia o mesmo ser objeto de prorrogação e, em segundo lugar, contudo, como do próprio documento se alcança, o senhorio através dele operou a cessação do contrato de arrendamento datado de 16 de Setembro de 1969 por oposição à renovação ou por denúncia, a partir do dia 1 de Outubro de 1972.
32 - Nunca se poderia ter celebrado, como não se celebrou, uma prorrogação de um contrato de arrendamento denunciado e terminado, pelo menos a 30 de Setembro de 1973 e para vigorar a partir de 1 de Outubro de 1973 pela simples
e decisiva razão que não se pode prorrogar algo que não existe juridicamente, nem factualmente, e ainda que, tal documento não se mostra assinado pelos donos do terreno (alegados senhorios) ou RR., nem por qualquer outra pessoa que ocupasse uma posição ativa na discutida relação contratual.
33 - Os rogos alegadamente contantes do documento não foram dados nem confirmados perante notário, depois de lido o documento ao rogante, como exige o disposto no artigo 373°, n°4, do C.C.
34 - O documento também não se mostra assinado por quem nele figura como senhorio; e, tendo sido assinado a rogo por conta de quem nele figura como arrendatário, o dito rogo não foi «dado ou confirmado perante xxxxxxx, depois de lido o documento ao rogante», conforme o exige o art. 373º, nº 4, do CC.
35 - Ora, se é certo que posteriormente a Autora reconheceu, como própria, a declaração de vontade que aí lhe é imputada, certo é que outro tanto não sucedeu por quem aí figura como senhorio, ou por quem lhe sucedeu mortis causa, nomeadamente a aqui xx Xx.
36 - Acresce que se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal - artigo 393°, n° 1, do C.C..
37- Também é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objeto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos particulares mencionados nos artigos 373° a 379° do C.C., quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores - artigo 394°, n° 1 do C.C..
38 - Daí que não existindo qualquer prorrogação do contrato de arrendamento reduzida a escrito o invocado documento sempre sofre de nulidade.
39 - Com efeito, o artigo 220º, do C.C. consagra explicitamente, como regra, a solução que considera as formalidades legais da declaração como formalidades ad substanciam (e não como meras formalidades ad probationem) - Cfr. Código Civil Anotado, Volume I, 4a edição revista e atualizada, Pires de Lima e Xxxxxxx Xxxxxx, com a colaboração de M. Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Coimbra Editora, Lda., págs. 210 e 211.
40 - Por outro lado, está em causa o conceito de declaração negocial como verdadeiro elemento do negócio jurídico, como está regulado nos artigos 217º e ss. do C.C., trata-se de um verdadeiro elemento do negócio, uma realidade componente ou constitutiva da estrutura do negócio, de tal maneira, que a sua falta conduz à inexistência material do negócio.
41 - Não deve ser declarado como existente o contrato escrito de arrendamento rural de 29 de Novembro de 1973, nem ser o mesmo considerado válido e eficaz.
42 - Mas para além disso, em terceiro lugar, mesmo que assim não se entendesse, adverte-se que tal prorrogação apenas diria respeito aos seguintes prédios rústicos: Lameiro …; Lameiro …; Lameiro … (até à … Exclusive); Terras
…. ou …. (menos o pomar); Matas e Lameiro, que entronca com a Estrada que conduz a…. .
43 - Desta maneira, em bom rigor, não se trata da eventual prorrogação do contrato de arrendamento datado de 16 de Setembro de 1969, referente ao prédio rústico, denominado Quinta …, sito em …, freguesia … (extinta), …,
composto de lameiro, pomar, vinha, pastagem, mato e instalações agrícolas, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n° …..24 da mesma freguesia (agora artigo ….63 da freguesia ….. e …) e descrito na Conservatória do Registo Predial …. sob o n° ……62 .
44 - Por referência aos depósitos bancários à ordem do senhorio ou de quem o representa, é fundamental esclarecer que os donos do imóvel nunca reconheceram a validade de tal alegado depósito de rendas, que até desconheciam, tanto assim que nunca fizeram uso de tais quantias alegadamente depositadas.
45 - A A. nem sequer cumpriu com tal alegado depósito com as regras exigidas pelo artigo 14º, n° 2, a) a 3) do D.L. 294/2009, de 13 de Outubro, uma vez que, o depósito deve ser feito em qualquer agência de instituição de crédito, perante um documento em dois exemplares, assinado pelo arrendatário e do qual constam: A identidade do senhorio e do arrendatário; A identificação do locado; O quantitativo da renda; O período a que respeita; O motivo pelo qual é solicitado o depósito.
46 - No caso em apreço, o depósito não foi assinado por nenhum dos alegados arrendatários, sendo assinado por pessoa diferente da A. e que não foi efetuada a rogo da alegada arrendatária -artigo 373°, n° 1 do C.C..
47- Por conseguinte, deveria ter sido declarada procedente a exceção dilatória inominada decorrente da aplicação do artigo 35°, n° 5 do Decreto-Lei 294/2009, de 13 de Outubro, ao abrigo do artigo 576°, n° 2 do C.P.C..
48 - Noutro segmento, mais se dirá que não existe qualquer direito da autora a exercer o direito de preferência na compra e venda em causa nos autos.
49 - O art. 31º, do Decreto-Lei n.° 294/2009, de 13 de Outubro determina que, no «caso de venda ou dação em cumprimento de prédios que sejam objeto de arrendamento agrícola ou florestal, aos respetivos arrendatários cujo contrato vigore há mais de três anos, assiste o direito de preferirem na transmissão» (n.° 2); e no «caso do exercício judicial do direito consagrado no n.° 2, o preço é pago ou depositado dentro de 30 dias após o trânsito em julgado da respetiva sentença, sob pena de caducidade do direito e do arrendamento» (n.° 6).
50 - O motivo para a preferência foi feito ao abrigo do disposto no artigo 1380°, n° 1 do C.C. o qual estipula que os proprietários de prédios confinantes, de área inferior à unidade cultura gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.
51 - As comunicações para preferência foram feitas aos confinantes e, por via das buscas efetuadas pelo sócio-gerente da 2ª R. junto da Conservatória do Registo Predial e dos serviços de finanças, tendo-se apurado que a A. seria também uma das confinantes, ou seja, por ser confinante a A. foi notificada, não podendo o Tribunal considerar que ela foi notificada por ser arrendatária e, assim, dar como provado a existência de qualquer contrato de arrendamento válido.
52 - Mas, mesmo que assim não se entendesse, sempre a comunicação para preferência preenche todos os requisitos e elementos essenciais exigidos pelo artigo 31°, n° 2 do D.L. 294/2009, de 13 de Outubro e do artigo 416° do C.C..
53 - O artigo 416°, n° 1, do C.C. estabelece que, querendo «vender a coisa que é objeto» da preferência, «o obrigado deve comunicar ao titular do direito o
projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato» (n.° 1); e, recebida «a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinalar prazo mais longo».
54 - Estabelece aquele artigo que o obrigado, querendo vender a coisa que é objeto da preferência, deve comunicar ao titular do direito: o projeto da venda e as cláusulas do respetivo contrato.
55 - Ou seja, o obrigado à preferência deve comunicar os elementos essenciais do negócio, entendidos como todos aqueles que possam influenciar a decisão de exercer ou não a preferência.
56 - Sobre o conteúdo da comunicação, a que o alienante está vinculado, por força do art. 416°, do CC, não tem havido unanimidade de posições, mora se afirma que o sujeito passivo deve comunicar o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato, ora se exige a necessidade de comunicar apenas os elementos da alienação que possam influenciar a decisão do preferente.
57 - A este respeito, sufragamos o entendimento de que o vinculado à preferência deve comunicar ao preferente o projeto do contrato «ajustado», bem como as cláusulas (objetivamente) essenciais: a identificação do bem a vender e o preço convencionado, a identificação do terceiro com que se ajustou o contrato.
58 - Relativamente aos concretos elementos que devam ser objeto de comunicação pelo obrigado à preferência, os mesmos só em concreto poderão ser considerados, muito embora entre eles deva figurar, inelutavelmente, a intenção de venda, o preço e as condições fundamentais que determinam o
negócio.
59 - A este propósito refere Xxxxx Xxx Xxx, citando as diferentes posições doutrinais: Isto quer dizer, no que diz respeito ao conteúdo da comunicação, a lei (tanto o art. 416°, nº 1, do Código Civil, como o art. 1028°, n° l, do novo CPC) não faz referência às cláusulas que sejam relevantes, na perspetiva do preferente, para a sua decisão de exercer ou não o seu direito, nem menciona a necessidade da identificação do terceiro com quem o obrigado à preferência negociou a alienação, mas apenas faz referência ao projeto de venda e às cláusulas do projeto de contrato (...). Se considerarmos que o obrigado à preferência só tem a obrigação de comunicar as cláusulas que sejam relevantes para o preferente decidir se pretende ou não exercer o seu direito, as questões que se suscitam são: como pode o obrigado à preferência, para além do próprio preferente, saber quais as cláusulas que são relevantes para este tomar a decisão? Para além das informações que fazem parte das cláusulas do contrato projetado, se o obrigado à preferência deve integrar na comunicação as informações que não constam das cláusulas do contrato projetado mas também são relevantes para o preferente tomar a decisão? Na verdade, todas estas dúvidas podem ser resolvidas por lei. Isto é, o art. 416. °, n.º 1, do Código Civil já determina o objeto da comunicação para preferência, que é o projeto de alienação e as cláusulas do contrato projetado, sem mais nem menos. Isto quer dizer, a norma não faz referência a quaisquer informações que sejam relevantes, na perspetiva do preferente, para a sua formação da vontade de exercer o seu direito, assim, a nosso ver, estas não devem ser consideradas como objeto da comunicação.
60 - Desta maneira, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que os elementos essenciais dizem respeito a: Projeto negocial; Preço; Condições de Pagamento; Identidade do adquirente, verificando-se que o obrigado à
preferência enunciou todos esses elementos essenciais, desde logo, comunicou o projeto negocial, dado que informou ser intenção da dona e possuidora do imóvel celebrar, sobre o imóvel, um contrato de compra e venda, depois, informou o respetivo preço no valor de 82 500,00 €, por outro lado, as condições de pagamento foram claramente informadas, designadamente o valor de 82 500,00 € devia ser pago na escritura; por último, foi ainda identificado o terceiro adquirente, como sendo a sociedade Minfo, Lda., aqui 2ª R., mais se indicou o prazo para o exercício da preferência de 8 dias, nos termos do artigo 416°, n° 2 do C.C., e ainda se forneceu o endereço para a Resposta, como sendo EE, …. .
61 - A comunicação para preferência foi recebida pela A. em 7 de Dezembro de 2018, como consta do documento em causa e foi confessado nos autos pela própria A., de modo que é forçoso concluir que a A. conheceu os elementos essenciais do negócio a 7 de Dezembro de 2018.
62 - A A. enviou uma resposta com a alegada comunicação de exercício do direito de preferência na transmissão da propriedade do prédio rústico sob o artigo matricial …63 e registo predial n° ….24, ato que terá sido praticado em … a 17 de Dezembro de 2018, mas recebido pela 1ª R. apenas a 18 de Dezembro de 2018, datas que ultrapassam o prazo de 8 dias dado pelo obrigado à preferência e conhecido pela A. a 7 de Dezembro de 2018.
63 - No período de 8 dias a A. xxxx fez para com a 1ª Ré, não tendo respondido à carta que esta lhe tinha remetido dentro do prazo que tinha para o efeito, não tendo exercido o direito de preferência correspondente, sendo que o seu eventual direito não foi, assim, exercido no tempo em que tal poderia ter tido lugar, tendo caducado, verificando-se que o alegado direito da A. se havia extinto por caducidade.
64 - A caducidade cominada no artigo 416°, n° 2 do C.C. resulta de uma atitude passiva do titular do direito de preferência que, era face de uma comunicação correta do projeto do contrato com terceiro, nada declara dentro do prazo devido.
65 - A autora deixou decorrer integralmente o referido prazo - de 8 dias - sem manifestar a intenção de pretender preferir, a qual, na realidade, apenas assinalou na missiva que remeteu à primeira ré em 17-12-2018, ou seja, já muito depois de decorridos os 8 dias que lhe tinham sido assinalados para o efeito, e neste sentido, a comunicação por esta remetida em 17/12/2018 não tem o efeito de alterar a posição jurídica da autora que, nessa data já não beneficiava do prazo que lhe tinha sido concedido para manifestar o seu interesse por preferir no negócio de compra e venda do imóvel dos autos.
66 - A A. denota ter compreendido os elementos essenciais do negócio, porém a
A. não declarou querer preferir, com efeito, a A. limitou-se a manifestar um interesse em exercer o direito de preferência e o interesse na propriedade referida, tendo solicitado uma reunião para obter informações mais detalhadas, no entanto, nem sequer concretizou que tipo de informações mais detalhadas pretendia, e por esta via, a alegada resposta da A. não cumpre os requisitos legais para ser considerada uma verdadeira aceitação da preferência, antes pelo contrário, equivale a uma renúncia à luz princípios gerais da boa fé e da segurança do comércio jurídico com a consequente extinção do invocado direito de preferência.
67 - Por conseguinte, deveria ter sido declarada procedente a exceção perentória de caducidade do exercício do alegado direito de preferência da A., ao abrigo do artigo 576°, n° 2 do C.P.C..
68 - Pelo que deve a reconvenção ser julgada provada e procedente e por via dela: Declarar-se que o prédio identificado em 64 da contestação/reconvenção, onde se inclui o trato de terreno identificado em 75 da contestação/reconvenção é propriedade da aqui recorrente; Ser a A. condenada a restituir à R. Minfo esse trato de terreno; Ser a A. condenada a abster-se da prática de qualquer ato que impeça ou diminua a utilização por parte da R. M…. do terreno; Ser a A. condenada ao pagamento da quantia de € 750,00 por cada mês que ocupe o terreno a contar da notificação da reconvenção.
69 - O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 651 n.° 1, 425°, 423°, 277 al. e) todos do CPC e 406°, n.° 1 do CC, o disposto nos artigos 14°, 31°, n° 2 do Decreto-Lei 294/2009, de 13 de Outubro, assim como do artigo 416°, n° 2 do C.C. e o disposto nos artigos 1305° e 1344° do CC.
8. Nas contra-alegações, pugnou-se pela confirmação do acórdão recorrido.
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9 . Uma vez que o acórdão recorrido confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, a revista «normal» não foi admitida. No tocante à revista excecional, interposta a título subsidiário, determinou-se a remessa do processo à Formação (art. 672º, nº 3, do CPC) para apreciação dos invocados pressupostos da sua admissibilidade, tendo sido proferido acórdão a admitir a revista excecional.
10 . Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões apresentadas (arts. 608.º, n.º 2, 635.º, nº 4 e 639º, do CPC), pelo que só
abrange as questões aí contidas.
Sendo assim, as questões de que cumpre conhecer consistem em saber se:
a) - Deve ser admitida a junção de documento apresentado com as alegações do recurso de apelação;
b) – Foi apresentado com a petição inicial o contrato de arrendamento invocado na ação e se o mesmo enferma de nulidade;
c) - Estão verificados os pressupostos do direito de preferência que a autora pretende fazer valer nesta ação.
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II – Fundamentação de facto
11. As instâncias deram como provados os seguintes factos:
1 - Existe um prédio rústico, denominado em Quinta ……., sito em ……., freguesia … (extinta), …., composto de lameiro, pomar, vinha, pastagem, mato e instalações agrícolas, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º …..24 da mesma freguesia (agora artigo …..63 da freguesia … e …) e descrito na Conservatória do Registo Predial … sob o n.º ….62. (facto provado na sentença recorrida sob o número 1)
2 - O referido terreno confronta a norte com estrada, a sul com ribeiro e
estrada, a nascente com FF e outros, e a poente com caminho. (facto provado na sentença recorrida sob o número 46)
3 - Em 16 de Setembro de 1969, por contrato particular de arrendamento de prédio rústico, reduzido a escrito, realizado entre a AA (aqui Autora) e o então marido, DD, na qualidade de arrendatários, e CC, na qualidade de senhorio, o referido prédio, com exclusão de algumas parcelas aí mencionadas, foi dado de arrendamento à Autora e seu marido. (facto provado na sentença recorrida sob o número 2)
4 - O contrato de arrendamento efetuado em 16 de Setembro de 1969, por vontade expressa do proprietário, CC, foi objeto de duas denúncias. (facto provado na sentença recorrida sob o número 4)
5 - A primeira denúncia referida no facto anterior foi operada a partir do dia 01 de Outubro de 1972. (facto provado na sentença recorrida sob o número 5)
6 - A segunda denúncia referida no facto provado enunciado sob o número foi operada a partir de 01 de Outubro de 1973. (facto provado na sentença recorrida sob o número 6)
7 - Em 29 de Novembro de 1973, foi celebrado entre as partes um contrato denominado de «Prorrogação de Contrato de Arrendamento de Prédio Rústico», do qual consta que se prorroga o contrato de arrendamento inicial, de 16 de Setembro de 1969, agora limitado às parcelas aí identificadas, renovando-se automática e legalmente por períodos sucessivos, mantendo-se até aos dias de hoje. (facto provado na sentença recorrida sob o número 7)
8 - A renda anual devida pelo arrendamento foi estipulada à data em Esc.
4.500$00 (quatro mil, quinhentos escudos e zero centavos). (facto provado na sentença recorrida sob o número 8)
9 - A Autora (AA) sempre cumpriu com o pagamento pontual das rendas, através de depósito bancário à ordem do senhorio ou de quem o representa. (facto provado na sentença recorrida sob o número 9)
10 - A Autora (AA) e o seu marido, enquanto este foi vivo, sempre cultivaram aquele prédio em conformidade com os fins constantes do contrato. (facto provado na sentença recorrida sob o número 12)
11 - A Autora (AA) cultivou e cultiva aquele prédio rústico para fins agrícolas, conforme se encontra estipulado no contrato de arrendamento. (facto provado na sentença recorrida sob o número 11)
12 - A Autora (AA), desde o início do arrendamento, que cria e apascenta gado, roça mato, planta e poda árvores, cultiva hortícolas, granjeia o terreno, lavra, rega e aduba. (facto provado na sentença recorrida sob o número 10)
13 - A Autora (AA) vive em economia comum com dois dos seus sete filhos, solteiros, maiores, que a ajudam no cultivo e manutenção do prédio arrendado. (facto provado na sentença recorrida sob o número 13)
14 - Dada a avançada idade da Autora (AA) (87 anos), são estes dois filhos, que sempre com ela viveram e assim continuam, que conferem o apoio inerente ao trabalho e cultivo do prédio, adequados à execução da atividade prevista no contrato, contribuindo para o sustento da casa de família. (facto provado na sentença recorrida sob o número 14)
15 - Em 19 de Março de 1983, CC celebrou um contrato de arrendamento através do qual declarou dar de arrendamento a Quinta … a GG e a HH. (facto provado na sentença recorrida sob o número 39)
16 - A Autora (AA) nunca reagiu contra o arrendamento identificado no facto provado anterior, com o esclarecimento de que sempre continuou a cultivar parte dessa quinta, ao abrigo do contrato de arrendamento referido supra. (facto provado na sentença recorrida sob o número 40)
17 - Ao longo dos anos, CC e seus herdeiros tiraram dividendos do terreno e suportaram as despesas, nomeadamente:
a. Pagamento de prémios de seguros do terreno em causa nos presentes autos (Quinta ……);
b. Realização de estudo da fertilidade do solo;
c. Procederam à instalação de energia elétrica através da celebração de contrato de fornecimento de energia elétrica;
d. Pagamento da energia elétrica consumida;
e. Contrataram com os serviços municipalizados de água e saneamento o respetivo fornecimento, suportando o depósito de garantia, a construção do ramal de acesso, a taxa de ligação e os consumos;
f. Procederam à venda das uvas recebendo o respetivo preço;
g. Procederam ao registo da vinha no Instituto da Vinha e do Vinho; h.
Adquiriram os produtos de tratamento das culturas, máquinas;
h. Procederam à venda da fruta recebendo o respetivo preço;
j. Adquiriram árvores de fruto para as plantarem no terreno;
k. Cederam a água e lenha existente no terreno a terceiros;
l. Pagaram aos diversos trabalhadores agrícolas que no terreno executaram trabalhos. (facto provado na sentença recorrida sob o número 41)
18 - O prédio rústico referido nos factos anteriores (Quinta …) proveio à propriedade de BB (aqui 1.ª Ré) por escritura de partilhas, inscrito como «verba número um», efetuada no ano de 2008, após decesso do anterior proprietário, CC. (facto provado na sentença recorrida sob o número 3)
19 - Em 30 de Novembro de 2018, a 1.ª Ré (BB) remeteu à Autora (AA) uma carta com o seguinte assunto: «Exercício do direito de preferência – Transmissão da propriedade do prédio rústico situado em …, na freguesia …, concelho …». (facto provado na sentença recorrida sob o número 37)
20 - A 1.ª Ré (BB) comunicava através da referida carta o projeto de venda do terreno em causa nos presentes autos; e da mesma constava o prazo para o exercício da preferência, de 8 dias. (facto provado na sentença recorrida sob o número 38)
21 - No dia 07 de Dezembro de 2018, a Autora (AA) recebeu uma carta, em nome de EE, na qualidade de procurador da 1.ª Ré (BB), a comunicar-lhe a intenção de vender o prédio rústico arrendado à Autora, identificado no facto
provado enunciado sob o número 1. (facto provado na sentença recorrida sob o número 15)
22 - Mais dizia, na referida carta, que a venda iria ser feita a favor de Minfo - Comércio de Micro Informática, Limitada (aqui 2.ª Ré), pelo valor de € 82.500,00 (oitenta e dois mil, quinhentos euros, e zero cêntimos), pagos à data da escritura. (facto provado na sentença recorrida sob o número 16)
23 - Mais dizia, na referida carta, que a Autora (AA) poderia exercer o seu direito de preferência sobre a venda anunciada e pelo preço indicado, comunicando para isso a sua pretensão no prazo de 8 dias. (facto provado na sentença recorrida sob o número 17)
24 - A data e o local previstos para a escritura, e o modo ou forma de pagamento, representam fatores decisivos na formação da vontade da Autora (AA) de preferir ou não, já que, do seu conhecimento, dependia diligenciar, no curto lapso de tempo que dispunha, para disponibilizar o dinheiro e os mais adequados meios de pagamento. (facto provado na sentença recorrida sob o número 33)
25 - Para a Autora (AA), pessoa de parcas posses financeiras, não é fácil ter que dispor em duas semanas de uma quantia daquela importância, e mais ainda sem saber a melhor maneira de conseguir esse financiamento. (facto provado na sentença recorrida sob o número 34)
26 - A Autora (AA) respondeu ao procurador da 1.ª Ré (BB), também através de carta registada enviada no dia 17 de Dezembro de 2018, que estava interessada em exercer o seu direito de preferência na transmissão do imóvel de que é arrendatária. (facto provado na sentença recorrida sob o número 18)
27 - Acrescentou, porém, a Autora (AA) que pretendia saber informações mais detalhadas sobre a transmissão da propriedade. (facto provado na sentença recorrida sob o número 19)
28 - A Autora (AA) disponibilizou para tal o contacto telefónico, a fim de facilitar e trocar melhor a informação. (facto provado na sentença recorrida sob o número 20)
29 - A 1.ª Ré (BB) não respondeu à carta enviada pela Autora (AA), nem tão pouco a contactou por qualquer outra via. (facto provado na sentença recorrida sob o número 21)
30 - No dia 26 de Dezembro de 2018, o prédio referido no facto provado enunciado sob o número 1 veio à titularidade da 2.ª Ré (M…. - Comércio de Micro Informática, Limitada), por escritura pública de compra e venda outorgada nesse dia, no Cartório Notarial em …., sito … . (facto provado na sentença recorrida sob o número 29)
31 - O prédio identificado no número anterior adveio ao domínio da Ré (Minfo - Comércio de Micro Informática, Limitada) por contrato de compra e venda outorgado por escritura pública celebrado no Cartório Notarial II, sito em …., em 26 de Dezembro de 2018. (facto provado na sentença recorrida sob o número 44)
32 - Foi parte vendedora a então proprietária do prédio, a 1.ª Ré (BB), representada no ato pelo seu procurador, EE. (facto provado na sentença recorrida sob o número 30)
33 - Na referida escritura, a 1.ª Ré (BB) declarou vender à 2.ª Ré (Minfo - Comércio de Micro Informática, Limitada), e esta declarou comprar, pelo preço de € 82.500,00, o terreno identificado nos autos. (facto provado na sentença recorrida sob o número 45)
34 - Na escritura pública declarou-se que o preço da venda pago pela 2.ª Ré (Minfo - Comércio de Micro Informática, Limitada) foi de € 82.500,00 (oitenta e dois mil, quinhentos euros e zero cêntimos). (facto provado na sentença recorrida sob o número 31)
35 - Consta também da escritura pública de compra e venda, que o Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis e o documento de liquidação do Imposto de Selo, foram pagos no dia 21 de Novembro de 2018. (facto provado na sentença recorrida sob o número 32)
36 - No dia 26 de Dezembro de 2018, estiveram com a Autora (AA), na sua residência em …, o procurador da 1.ª Ré (BB), EE, e um senhor que dizia ser da 2.ª Ré (Minfo - Comércio de Micro Informática, Limitada), dizendo-lhe que já havia novos proprietários do prédio de que ela era arrendatária. (facto provado na sentença recorrida sob o número 22)
37 - No dia 04 de Janeiro de 2019, a Autora (AA) recebeu uma carta enviada pela 2.ª Ré (Minfo - Comércio de Micro Informática, Limitada), intitulando-se nova proprietária e que a mudança de propriedade da Quinta …. foi feita na manhã do dia 26 de Dezembro de 2018. (facto provado na sentença recorrida sob o número 23)
38 - Perante aquela informação dada pela 2.ª Ré (Minfo - Comércio de Micro Informática, Limitada), e de forma a obter da 1.ª Ré (BB), na qualidade de
obrigada à prelação, uma resposta mais detalhada e completa sobre a propalada alienação do prédio, enviou-lhe a Autora (AA) uma segunda carta. (facto provado na sentença recorrida sob o número 24)
39 - A Autora (AA) reiterou à 1.ª Ré (BB) que clarificasse melhor os elementos essenciais da projetada venda, para assim poder decidir de forma mais esclarecida e decisiva quanto ao exercício dos seus direitos em causa. (facto provado na sentença recorrida sob o número 25)
40 - A 1.ª Ré (BB) nada disse sobre o solicitado. (facto provado na sentença recorrida sob o número 26)
41 - No dia 16 de Janeiro de 2019, perante os acontecimentos descritos, a Autora (AA) dirigiu-se à Conservatória de Registo Predial …, tendo ali confirmado a venda do referido prédio a favor da 2.ª Ré (Minfo - Comércio de Micro Informática, Limitada). (facto provado na sentença recorrida sob o número 27)
42 - Encontra-se inscrito a favor da 2.ª Ré (Minfo - Comércio de Micro Informática, Limitada), na matriz predial rústica n.º …63º (matriz n.º …24 da extinta freguesia …..) da freguesia … e ……, e descrito na Conservatória do Registo Predial ……. sob o n.º ….62 o prédio rústico denominado …., correspondente a uma quinta com oliveiras, árvores de fruto, videiras, macieiras, lameiros, mato e instalações agrícolas. (facto provado na sentença recorrida sob o número 43)
43 - Aparece a 2.ª Ré (Minfo - Comércio de Micro Informática, Limitada), com sede em ….., ……. e ……. – …, mencionada em documento público de registo como sendo dona de um prédio rústico, sito em Quinta …, freguesia ….. e ….,
…., com a área de 34240 m2, composto de lameiro, pomar, vinha, pastagem, mato e instalações agrícolas, a confrontar, a norte com estrada camarária, a sul com ribeiro e estrada camarária, a nascente com FF e a poente com caminho público, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …..63, o qual proveio do artigo rústico n.º ……24 da extinta freguesia ………, e descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial …… sob o n.º ….62 . (facto provado na sentença recorrida sob o número 28)
44 - A Autora (AA) só veio ter conhecimento de todos os elementos essenciais da alienação do prédio no dia 16 de Janeiro 2019. (facto provado na sentença recorrida sob o número 35)
45 - A Autora (AA), que sempre exerceu a atividade agrícola, pretende continuar essa mesma atividade no prédio durante, pelo menos, 5 anos. (facto provado na sentença recorrida sob o número 36)
46 - A Autora (AA) não entrega qualquer quantia (a título de renda ou outra) à 1.ª Ré (BB) ou à Ré (Minfo - Comércio de Micro Informática, Limitada), depositando a renda numa conta na Caixa Geral de Depósitos, S.A., titulada pelo marido da 1.ª Ré. (facto provado na sentença recorrida sob o número 42)
47 - Os antecessores das Rés cultivavam, pelo menos, os pomares e as vinhas, fizeram obras e melhorias ou consentiram que o fizessem no terreno identificado, e suportaram as despesas com água, luz e seguros. (facto provado na sentença recorrida sob o número 47)
48 - O referido no facto provado anterior que sucede há mais de 30 anos. (facto provado na sentença recorrida sob o número 48)
49 - O referido no facto provado enunciado sob o número 47 sucede à vista de todas as pessoas. (facto provado na sentença recorrida sob o número 49)
50 - O referido no facto provado enunciado sob o número 47 sucede sem a oposição de quem quer que seja. (facto provado na sentença recorrida sob o número 50)
51 - O referido no facto provado enunciado sob o número 47 sucede de forma ininterrupta. (facto provado na sentença recorrida sob o número 51)
52 - O referido no facto provado enunciado sob o número 47 sucede na intenção e convicção dos antecessores das Rés de que o mesmo lhes pertencia. (facto provado na sentença recorrida sob o número 52)
53 - A 2.ª Ré (Minfo - Comércio de Micro Informática, Limitada) já solicitou que a Autora (AA) abandonasse o prédio que cultiva. (facto provado na sentença recorrida sob o número 53)
54 - A Autora (AA) recusa a entrega do terreno. (facto provado na sentença recorrida sob o número 54)
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12. As instâncias deram como não provado que:
a) A Autora (AA) e seu marido sempre obtiveram do cultivo do referido prédio rústico os frutos suficientes para o sustento da família, o que constituía a única fonte de rendimento.
b) Não existe qualquer arrendamento em vigor entre a Autora (AA) e as Rés.
c) A Autora (AA) tem vindo a ocupar o prédio num trato do terreno de cerca de 7000 metros quadrados junto ao limite sul do terreno.
d) A ocupação referida no facto não provado anterior é feita sem autorização das Rés ou anteriores donos do prédio.
e) A Autora (AA) não tem qualquer motivo para estar a ocupar o terreno.
f) A 2.ª Ré (Minfo - Comércio de Micro Informática, Limitada) cultivava e colhia frutas, tomates, alfaces, milho, cebolas, vinhos e outros produtos, fez e faz obras e melhorias ou consente que o façam no terreno identificado e suporta as despesas com água, luz e seguros.
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III – Fundamentação de Direito
13. Da junção de documento com as alegações do recurso de apelação
Com as alegações de recurso interposto para o Tribunal da Relação, a apelante juntou a certidão de uma escritura pública epigrafada «DISTRATE DE COMPRA E VENDA», outorgada em 9.3.2020, em que intervieram, como outorgantes as ora Rés, tendo ali declarado que “distratam a referida escritura de Compra e Venda (relativa ao prédio rústico em discussão nesta ação), tendo a constituinte do primeiro outorgante já restituído à sociedade MINFO -COMÉRCIO DE MICRO INFORMÁTICA LDA o preço que ela pagou na escritura revogada, através do cheque número …04, sacado sobre o Banco Santander Totta no dia da
escritura.”.
Como se sabe, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (art. 423º, n.º 1, CPC) podendo, ainda, os que não o forem nessa fase, ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (art. 423º, nº 2). Depois disso, apenas podem ser juntos documentos nas condições previstas no nº 3, do mencionado artigo.
Por sua vez, em caso de recurso de apelação, a apresentação de documentos é admitida nos termos do art. 651º, nº 1, do CPC, segundo o qual “as partes podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou quando a sua junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.”.
E no mencionado art. 425º, consigna-se que, depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Do regime legal supra enunciado podem retirar-se as seguintes conclusões:
Na fase de recurso, a apresentação de documentos reveste carácter excecional.
A junção de documentos, após o encerramento da discussão, em primeira instância, só é possível desde que se verifique a superveniência (objetiva ou subjetiva) do documento ou a necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.[1]
Como refere Xxx Xxxxx, “a superveniência objetiva é facilmente determinável: se
o documento foi produzido depois do encerramento da discussão em 1.ª instância, ele é necessariamente superveniente.”.[2]
Por seu turno, segundo Lebre de Freitas/Xxxxxx Xxxxxxxxx, a superveniência subjetiva ocorre no caso de o documento se encontrar em poder da parte ou de terceiro, que, apesar de lhe ser feita a notificação, nos termos do artigo 429.º ou 432.º do CPC só posteriormente o disponibiliza, ou quando a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente é emitida ou no caso de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento.[3]
Seja como for, cabe à parte que oferece o documento demonstrar a referida superveniência, objetiva ou subjetiva.
Importa, ainda, ter presente que, apesar de a lei possibilitar a junção de documentos na fase de recurso, o documento não pode servir para demonstrar factos essenciais, ainda que supervenientes, pois que estes apenas podem ser introduzidos na causa mediante alegação em articulado superveniente (Cfr. art. 588º, do CPC).
Ou seja: o documento junto com as alegações do recurso de apelação destina- se a provar facto ocorrido antes do encerramento da discussão em 1ª instância, e não facto novo somente trazido a juízo na fase recursória.
Por outro lado, tem sido entendido que as hipóteses previstas de apresentação de documentos depois do encerramento da discussão da causa, se limitam às situações em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se torna necessário provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente prever antes da decisão proferida, surgindo, por isso, pela
primeira vez a necessidade de junção de determinado documento.
Como a este respeito, salientam Abrantes Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx e Xxxxx xx Xxxxx, em anotação ao art. 651.º, n.º 1, do CPC[4], “A jurisprudência tem entendido, de modo uniforme, que não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”.
E acrescentam: “No que tange à parte final do n.º 1, tem-se entendido que a junção de documentos às alegações só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam”.[5]
Ora, no caso em apreço, a recorrente juntou com as alegações do recurso de apelação um documento com o qual pretende provar a celebração, em data posterior à da elaboração da sentença em primeira instância, de um contrato entre as Rés, em que distratam a escritura de compra e venda do prédio identificado nesta ação e que anteriormente havia sido outorgado entre as mesmas partes.
Contudo, e como acertadamente se decidiu no acórdão recorrido, não pode o documento em causa ser admitido nos autos, já que se reporta a factos novos, ocorridos posteriormente ao encerramento da discussão em primeira instância e que não foram objeto de debate na ação.
Por outro lado, é patente que a junção do dito documento não se tornou
necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, isto é, por a fundamentação da sentença, ou o objeto da condenação terem exigido a prova de factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes daquela decisão ter sido proferida.
Por outro lado, e muito embora o documento em causa tenha sido formado em data posterior à da prolação da sentença na 1ª instância (que – como se disse - foi desfavorável à ora recorrente), nem por isso a sua admissibilidade se mostraria assegurada, pois ficaram por demonstrar as verdadeiras razões da sua “tardia” realização, de molde a afastar quaisquer dúvidas que pudessem surgir sobre eventual negligência da parte, sendo certo que a celebração da escritura de distrate se encontrava na inteira disponibilidade da vontade das outorgantes.
É, portanto, de concluir pela inadmissibilidade da junção do documento com as
Diga-se, por fim, que, ao contrário do que sustenta a recorrente, o distrate da alienação nunca poderia prejudicar o exercício do direito de preferência cujo reconhecimento se peticiona nesta ação, conforme decorre expressamente do disposto no art. 1410º, nº 2, do CC.
Com efeito, e tal como refere Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxxx xx Xxxx, a afirmação de que a rescisão por mútuo acordo da alienação (o distrate) não prejudica o direito de preferência é tida como uma “reação contra um expediente de que comprador e vendedor se serviam para afastar o direito de preferência, quando viam a situação perdida.”[6]
Improcede, assim, nesta parte, o recurso.
***
1 4 . Da falta de apresentação, com a petição inicial, do contrato de arrendamento e da sua nulidade
14.1. Alega a recorrente que a petição inicial não foi acompanhada de um exemplar do contrato de arrendamento, razão que deveria ter obstado ao seu recebimento e, em qualquer caso, ao prosseguimento da ação e que, além disso, o contrato devia ter sido reduzido a escrito, e não foi, o que acarreta a sua nulidade.
Não foi esse, porém, o entendimento do Tribunal da Relação que considerou que o contrato de arrendamento a que os autos dizem respeito não enferma de vício que possa comprometer a sua validade e, por outro lado, que a autora com a petição inicial juntou um exemplar desse contrato, desta forma dando satisfação ao comando legal que determina que nenhuma «ação judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária».
Faremos de seguida uma breve incursão na evolução legislativa do regime jurídico do arrendamento rural[7] para depois se chegar à conclusão de que a decisão recorrida, ao afastar a nulidade do contrato dos autos, não merece qualquer censura.
Pois bem.
Quer o Decreto nº 5411, publicado no Diário do Governo n.º 80/1919, 1º Suplemento, Série I de 17.4.1919, quer a Lei nº 2214, publicada no Diário do
Governo n.º 136/1962, Série I de 15.6.1962, que promulgou as Bases do Arrendamento Rural, estipulavam que o contrato não necessitava de ser reduzido a escrito, sem prejuízo de, como se afirmava na Base II desta lei, as alterações ao regime supletivo do contrato ou dos usos e costumes locais só por escrito poderem provar-se.
O princípio da consensualidade manteve-se no Código Civil, aprovado pelo DL n.º 47344/66, de 25 de Novembro de 1966, como decorre dos artigos da Secção VII, sob a epígrafe Arrendamento rural, e da subsecção I e dos preceitos das secções antecedentes no que não for contrariado pelos daquela (cf. art. 1064º, nº 2).
O DL nº 201/75 de 14.4.1975 revogou os artigos 1064.º a 1082.º do Código Civil e veio impor a redução a escrito do contrato de arrendamento rural e estabelecer que, na sua falta, os contratantes não podiam requerer qualquer procedimento judicial, a menos que alegassem e provassem que a falta era imputável ao outro contraente, presumindo-se que era imputável quando, tendo ele sido notificado para assinar o contrato em prazo razoável, injustificadamente se tivesse recusado a isso (cf. art. 2º).
Por sua vez, estipulava-se no art. 39º do referido diploma que o mesmo se aplicava aos arrendamentos em vigor à data do início da sua vigência, incluindo os automaticamente renovados nos termos do Decreto-Lei n.º 573/74, de 31 de Outubro, devendo os senhorios dar cumprimento ao disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 2.º até 31 de Dezembro de 1975, prazo que foi mais tarde prorrogado até 30.7.1976.
A Lei nº 76/77 de 28 de Agosto manteve o princípio da redução a escrito e concedeu uma dilação no tempo, de forma que todos os contratos de
arrendamento rural fossem obrigatoriamente reduzidos a escrito a partir de 4.10.1983 (cf. art. 3º), sob pena de nenhuma ação judicial podia ser recebida ou prosseguir se não fosse acompanhada de um exemplar do contrato, a menos que se provasse documentalmente que a falta era imputável à parte contrária (cf. art. 42º).
Esta Lei foi, entretanto, alterada pela Lei nº 76/79 de 3.12.1979 que eliminou a expressão "documentalmente" do art. 42º.
Também o Decreto-Lei nº 385/88 de 25.10.88, que entrou em vigor a 30 de Outubro de 1988, veio estabelecer que os contratos fossem obrigatoriamente reduzidos a escrito, tendo qualquer das partes a faculdade de exigir, mediante notificação à outra parte, a redução a escrito do contrato. A nulidade do contrato não podia, no entanto, ser invocada pela parte que, após notificação, tivesse recusado a sua redução a escrito (cf. art. 3º, nºs 1, 3 e 4).
Mais se estabeleceu, que nenhuma ação judicial podia ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não fosse acompanhada de um exemplar do contrato, a menos que logo se alegasse que a falta era imputável à parte contrária (cf. art. 35º, nº 5).
O regime prescrito nesta lei era aplicável aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor, mas quanto à forma escrita só a partir de 1 de Julho de 1989, aplicabilidade que ocorria mesmo em processos pendentes, exceto se já tivesse sido proferida decisão (cf. art. 36º).
Por fim, foi publicado o Decreto-Lei nº 294/2009, de 13 de Outubro, com o objetivo de agregar a regulamentação relativa ao arrendamento de prédios rústicos dispersa por diversos diplomas, simplificar e consolidar a legislação
existente, adaptá-la à nova realidade económica, social e ambiental e privilegiar o estabelecimento de acordos contratuais entre o senhorio e o arrendatário, com a consequente eliminação dos dispositivos que permitiam ou determinavam a intervenção do Estado.
No que se refere à forma, manteve-se a exigência de celebração do contrato por escrito, sob pena de nulidade (art. 6º), reafirmando-se que nenhuma ação judicial podia ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não fosse acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se alegasse que a falta era imputável à parte contrária (art. 35º, nº 5).
No que toca à aplicação no tempo, determina-se no art. 39º que:
Aos contratos de arrendamento, existentes à data da sua entrada em vigor, se aplica o regime nele prescrito, de acordo com os seguintes princípios:
a) O novo regime apenas se aplica aos contratos existentes, a partir do fim do prazo do contrato, ou da sua renovação, em curso;
b) O novo regime não se aplica aos processos pendentes em juízo que, à data da sua entrada em vigor, já tenham sido objeto de decisão em 1.ª instância, ainda que não transitada em julgado, salvo quanto a normas de natureza interpretativa;
Por seu turno, prescreve-se no art. 41.º que os contratos de arrendamento rural existentes à data de entrada em vigor deste decreto-lei devem, no momento da sua renovação, ser alterados em conformidade com o mesmo.
E no art. 44.º que “sem prejuízo do disposto no artigo 39.º, o presente decreto-
lei apenas produz efeitos relativamente aos contratos de arrendamento existentes na data da sua entrada em vigor, após os mesmos serem alterados nos termos estabelecidos no ar. 41º.
Retornando, agora, ao caso em apreço.
A autora alegou ter celebrado, em 16.9.1969, com o então proprietário do prédio identificado na ação um contrato de arrendamento rural, que as partes, em 29.11.1973, vieram a prorrogar, tendo anexado à sua petição inicial um documento intitulado “contrato escrito de arrendamento rural de prédio rústico», em que figuram como senhorio, CC (tendo a ora 1ª Ré sucedido, mortis causa, na posição daquele) e, como arrendatários, a ora autora e marido (cf. fls.
7 v. e 8). Juntou ainda um outro documento denominado “prorrogação de contrato de arrendamento de prédio rústico” (cf. fls. 23 e 24), relativo ao mesmo prédio e em que intervieram as mesmas partes.
Deve, assim, considerar-se cumprida a formalidade exigida pela lei, a respeito da junção do contrato escrito do arrendamento rural invocado na ação com vista ao exercício do direito de preferência na alienação feita a terceiros do prédio objeto daquele contrato, não relevando, para este efeito, a questão de saber se o mesmo enferma, ou não, de patologias que possam pôr em causa a sua validade.
Efetivamente, como se decidiu no acórdão do STJ de 3.4.1991, proc. 1215/89, in xxx.xxxx.xx, deve considerar-se cumprida a formalidade exigida no artigo 3º da Lei nº 76/77 de 29 de Setembro (redução do contrato a escrito), se com a petição se juntou documento onde se consubstancia o arrendamento rural questionado, sendo questão de fundo saber se esse contrato ainda está em vigor ou se, pelo contrário, foi substituído por um outro contrato não reduzido a
escrito.
Improcede, pois, a alegação da recorrente.
***
14.2. A recorrente veio invocar a nulidade do contrato de arrendamento em que a autora funda a sua qualidade de arrendatária, por não ter sido reduzido a escrito, como determinava o DL n.º 385/88, de 25 de Outubro e, atualmente, o DL nº 294/2009, de 13 de Outubro.
Não é, contudo, assim, já que ficou provado que, em 16.9.1969, por documento particular junto aos autos com a petição inicial, CC, na qualidade de senhorio, deu de arrendamento à ora autora e ao seu marido, entretanto falecido, o prédio ali identificado (cf. facto provado sob o nº 3).
Mais se provou que o referido contrato veio a ser denunciado e, na sequência disso, em 29.11.1973, foi celebrado entre as mesmas partes um contrato intitulado «Prorrogação de Contrato de Arrendamento de Xxxxxx Xxxxxxx», do qual consta que se prorroga o contrato de arrendamento inicial, de 16 de Setembro de 1969, agora limitado às parcelas aí identificadas, renovando-se automática e legalmente por períodos sucessivos, mantendo-se até aos dias de hoje (facto provado sob o nº 7).
Tendo sido celebrados, sucessivamente, dois contratos, há que dizer que sufragamos o entendimento perfilhado pela Relação no sentido de que, não obstante a qualificação que as partes lhe atribuíram, o contrato celebrado em 29.11.1973, ou seja, num momento em que o anterior já teria cessado por denúncia, configura um novo contrato de arrendamento rural e não uma mera
prorrogação do antecedente.
Vejamos, porquê.
Antes de prosseguir, relembraremos, porém, que é jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça que a interpretação de declarações negociais só constitui matéria de direito quando o sentido da declaração deva ser determinado segundo o critério do nº 1, do art. 236º ou surja a questão de saber se foi respeitado o art. 238º, do CC, estando-lhe vedado o apuramento da vontade real das partes por constituir matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias.
Como se sabe, o nº 1, do art. 236º, do CC consagra a denominada doutrina da impressão do destinatário, segundo a qual o sentido juridicamente relevante com que deve valer uma declaração negocial há de corresponder àquele que lhe seria dado por um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, que, conhecendo as circunstâncias que este concretamente conhecia, atribuiria à declaração, agindo com capacidade e diligência médias.
Nesta tarefa interpretativa, partindo embora do elemento literal, há que convocar outros elementos ou circunstâncias que ajudem a precisar o sentido (decisivo) da declaração, designadamente “circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respetivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial (…)", bem como "os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento), a finalidade prosseguida (…).” .
Como xxxxxxxx Xxxx xx Xxxxxxxxxxx, "na interpretação deve ser procurado, não
apenas o sentido das declarações negociais artificialmente isoladas do seu contexto negocial global, mas antes o discernir do sentido juridicamente relevante do complexo regulativo que é o negócio jurídico com um todo, como ação de autonomia provada, e como globalidade da matéria negociada ou contratada.”.
Tem sido, este, também, o entendimento perfilhado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, podendo citar-se, entre outros, o Acórdão proferido em 19.1.2017, no proc. nº 1626/12, de que foi Relator o Exmo. Xxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (disponível em xxx.xxxx.xx), em que, invocando o princípio da interpretação sistemática e contextual, se considerou que o negócio deve ser visto no seu todo, considerando as expressões utilizadas no contexto e nas circunstâncias em que foram proferidas.
Ora, no caso sub judice, com os elementos que constam dos autos, atendendo designadamente ao clausulado no seu conjunto e ao seu contexto temporal, e à luz dos critérios interpretativos acima referidos, é de concluir, como bem decidiu a Relação, que os outorgantes quiseram estabelecer entre si um novo vínculo contratual, distinto e autónomo do anterior.
É, esta, a nosso ver, a interpretação que faria um declaratário medianamente sagaz, prudente e diligente, posicionado no lugar dos destinatários da declaração negocial.
Dito isto, na medida em que o contrato de arrendamento rural invocado na presente ação foi, por vontade das partes, reduzido a escrito, é manifesto que não padece da apontada nulidade, por vício de forma.
De todo o modo, importa salientar que, mesmo que o contrato não tivesse sido
reduzido a escrito, os contratos de arrendamento rural celebrados antes da publicação do DL nº 201/75 de 14.4.1975, como sucede in casu, diploma que revogou os artigos 1064.º a 1082.º do Código Civil e veio impor a redução a escrito do contrato arrendamento rural, não estavam sujeitos a forma especial, podendo ser celebrados verbalmente (cf. art. 219º, do CC), sem vício que pudesse comprometer a sua validade.
A tal não obsta a circunstância de a lei nova determinar a observância da forma escrita nos contratos de arrendamento rural, pois que as condições de validade substancial ou formal do contrato, em sintonia com o art. 12º, do CC, continuam a reger-se pela lei vigente à data da sua celebração, mesmo que esta já tenha sido revogada quando a questão vier a ser dirimida.
Isto mesmo foi realçado no acórdão do STJ de 19.2.2019, processo nº 406/17.6T8GDM.P1.S1, disponível em xxx.xxxx.xx em que, a propósito da validade de um contrato de arrendamento rural verbal, celebrado em 1983, se considerou que “a validade dos contratos deve aferir-se pelo momento da sua celebração e não ser afetada por uma exigência legal posterior.”.[8]
Mais:
O vício de que pudesse padecer o contrato de arrendamento rural verbal, celebrado anteriormente à vigência do diploma que impôs determinada forma, corresponderia, quando muito, a uma “nulidade atípica”, desde logo porque, estando o contrato sujeito à possibilidade de “validação”, se veda a legitimidade para a sua invocação à parte que tenha recusado a formalização.[9]
E sendo assim, mesmo na vigência da lei nova, a prova da existência do título
de arrendamento poderia fazer-se pelo recurso a quaisquer meios probatórios.
Em suma, no caso em apreciação, o contrato de arrendamento que legitima a autora a invocar a sua qualidade de arrendatária/preferente não tinha que ser reduzido a escrito, ainda que o tenha sido, nem se encontra ferido de nulidade (cf. arts. 219º e 222º, do CC), mormente por não conter a assinatura dos contratantes ou por não ter sido estritamente observada a disciplina da assinatura a rogo (pois não consubstanciam requisitos de validade), não obstante a sua força probatória ser, como foi, livremente apreciada pelo tribunal (cf. arts. 373, 376º e 366º, todos do CC). Naufraga, portanto, a alegação da recorrente ao afirmar que o contrato é nulo e que não é admitida prova testemunhal sobre o conteúdo da declaração.
Isso mesmo se concluiu no aresto deste Supremo Tribunal proferido em 19.2.2019, acima citado, ao sustentar que, não se exigindo a forma escrita, a prova da existência do contrato de arrendamento rural e do seu clausulado pode ser feita com recurso a quaisquer meios de prova, não sendo aqui aplicável o disposto no art.º 364.º, nº 1, do CC.
***
15. Do exercício do direito de preferência
Invocando ser titular do direito de preferência na compra e venda do prédio rústico de que é arrendatária e ter sido preterida no exercício desse direito potestativo, veio a autora instaurar a presente ação.
É entendimento unânime deste Supremo Tribunal que a lei reguladora do direito de preferência é a vigente à data da celebração do ato de alienação, por o
direito legal de preferência não passar de uma faculdade que integra o conteúdo do direito do arrendatário e que, só a prática do negócio translativo da propriedade, sem que o senhorio lhe tenha oferecido a preferência, o transforma em direito potestativo (cf., entre outros, o ac. do STJ de 21.01.2016, proc. nº 9065/12.1TCLRS.L1.S1, disponível em xxx.xxxx.xx).
In casu, à data da outorga da escritura pública de compra e venda (26.12.2018), vigorava (como ainda hoje) o disposto no art. 31.º do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro, segundo o qual, no «caso de venda ou dação em cumprimento de prédios que sejam objeto de arrendamento agrícola ou florestal, aos respetivos arrendatários cujo contrato vigore há mais de três anos, assiste o direito de preferirem na transmissão» (n.º 2); e no «caso do exercício judicial do direito consagrado no n.º 2, o preço é pago ou depositado dentro de
30 dias após o trânsito em julgado da respetiva sentença, sob pena de caducidade do direito e do arrendamento» (n.º 6).[10]
É à luz deste normativo que será apreciado se assiste à autora o direito de preferir, na qualidade de arrendatária do prédio rústico objeto do ato translativo do direito de propriedade.
Ao direito de preferência previsto no DL nº 294/2009 é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416º, 418º e 1410º, todos do Código Civil (cf. art. 42º, daquele diploma).
Segundo o disposto no art. 416º, do CC, o obrigado à preferência deve comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato (nº 1); recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinalar prazo mais longo (nº
2).
Estabelece-se, por sua vez, no art. 1410º, do CC que o comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação.
Como refere Xxxxxxxx Xxxxxxxx, “o preferente, mesmo que tenha conhecimento do projeto de alienação, nada pode fazer senão aguardar que o mesmo lhe seja notificado pois não pode, como credor, exigir a notificação, porque o sujeito passivo da relação de preferência, enquanto não alienar a coisa a terceiro, está sempre a tempo de a efetuar; e não pode exercer o seu direito potestativo, declarando à contraparte que pretende preferir, porque, para tanto, é imprescindível, nos termos do art. 416º, que o vinculado à prelação lhe manifeste a intenção de alienar a coisa e lhe dê a conhecer as cláusulas essenciais do contrato que projeta realizar”.[11]
Sabendo-se que a obrigação imposta ao alienante consiste em impor-lhe que, querendo alienar, tem de transmitir a coisa ao titular da preferência, se este o quiser, é de concluir que a comunicação para preferência – visando dar conhecimento de um projeto concreto de venda, acompanhado das respetivas cláusulas – constitui uma declaração negocial, mais precisamente uma proposta contratual.[12]
É assim de ter em conta o disposto no art. 219º, do CC, nos termos do qual “a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei o exigir.” Ora, o art. 416º, nº 1, do CC não exige qualquer forma especial para a comunicação pelo que se tem entendido que a
comunicação (extrajudicial) para preferência pode ser feita por qualquer meio idóneo, nomeadamente por simples declaração verbal.[13]
Sobre o conteúdo da comunicação, a que o alienante está vinculado, por força do art. 416º, do CC., sufragamos o entendimento de que o vinculado à preferência deve naturalmente comunicar ao preferente as cláusulas essenciais do contrato projetado, designadamente a identificação do bem a vender, o preço convencionado, as condições de pagamento e a data de celebração do respetivo contrato. Para além disso, deverá ainda transmitir-lhe os elementos que, em cada caso concreto, possam, em abstrato, influir sobre a decisão do preferente de exercer, ou não, o seu direito. Inclui-se, nesta hipótese, a identificação do terceiro com quem se ajustou o contrato, pelo menos nos casos em que o preferente seja um arrendatário, por ser razoavelmente compreensível que não lhe seja indiferente a pessoa que pode vir a ser o seu senhorio.
A este respeito, afirma Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx que “a lei impõe (ao alienante) o dever de fazer uma comunicação exaustiva do negócio projetado, porque isso não representa um encargo demasiado pesado e, ainda porque, uma vez recebida a comunicação, o preferente terá apenas oito dias (em regra) para exercer o seu direito.[14]
No mesmo sentido se pronuncia Xxxxxxx Xxxxxx, dizendo que o legislador se refere ao projeto de venda, mas também às cláusulas do respetivo contrato, pelo que deverão ser comunicados os elementos gerais do negócio, mas também que terão “de ser comunicadas todas as estipulações particulares acordadas, que sejam relevantes para a decisão de exercício de preferência.[15]
Esta posição, que igualmente perfilhamos, vai também encontrar acolhimento na norma do art. 1028º, nº 1, do CC, ao determinar que “quando se pretenda que alguém seja notificado para exercer o direito de preferência, especificar-se- ão no requerimento o preço e as restantes cláusulas do contrato projetado, indicar-se-á o prazo dentro do qual, segundo a lei civil, o direito pode ser exercido e pedir-se-á que a pessoa seja pessoalmente notificada para declarar, dentro desse prazo, se quer preferir”.
Ora, a indicação da data de celebração do contrato definitivo reveste-se, a nosso ver, de importância fundamental, na medida em que, no caso de não ser comunicada ao preferente a data da celebração do contrato, poderá suceder que este não consiga obter/ mobilizar meios financeiros para proceder ao pagamento do preço.
Como a propósito sustenta Xxxxxxxx Xxxxxxxx, “a indicação da data no que diz respeito à celebração da escritura é um “outro elemento imprescindível”, pois o preferente necessita de saber quando deve estar preparado para proceder ao pagamento do preço.[16]
Dito isto, voltemos ao caso concreto.
Resulta do elenco factual que a autora é arrendatária, pelo menos desde 29 de Novembro de 1973, de um prédio rústico, pelo que lhe assiste, nos termos da lei, o direito de preferir na sua eventual alienação a terceiro.
Resultou ainda provado que a 1ª Ré, respetiva proprietária e senhoria, pretendendo vender o prédio anunciou esse propósito à autora por cartas de 30.11.2018 e de 7.12.2018.
Todavia, muito embora lhe tenha indicado o preço (€ 82.500,00), a ser pago no ato da escritura de compra e venda, bem como a identidade da suposta adquirente (aqui 2.ª Ré) e o prazo de oito dias para o exercício desse direito, não a informou da data de realização da dita escritura, nem lhe precisou o modo ou a forma de pagamento do dito preço.
Ora, no circunstancialismo concreto apurado nos autos, tendo designadamente em conta a situação pessoal e económica e financeira da ora autora, titular do direito de preferência, a data prevista para a formalização da venda e o modo ou forma de pagamento do preço não podiam deixar de se considerar elementos essenciais à formação da sua vontade, já que, como se provou, “do seu conhecimento, dependia diligenciar, no curto lapso de tempo que dispunha, para disponibilizar o dinheiro e os mais adequados meios de pagamento” (Cfr. facto provado sob o nº 24) e, sendo pessoa de parcas posses financeiras, não lhe era fácil dispor em duas semanas da quantia correspondente ao preço a pagar e/ou conseguir financiamento adequado. (Cfr. facto provado sob o nº 25).
Compreende-se assim que a autora tenha solicitado à 1ª Ré (através do seu procurador) informações mais detalhadas sobre a anunciada alienação do imóvel, que a 1ª ré, contudo, não lhe transmitiu, tendo-se remetido ao silêncio (Cfr. factos provados sob os nºs 26, 27 e 29).
Neste contexto, e tal como se decidiu no acórdão recorrido, é de concluir que a comunicação realizada não respeitou os requisitos legais exigíveis, legitimando a autora a instaurar a presente ação, o que fez no prazo fixado para o efeito.
***
Nas alegações da revista, tal como já havia feito no recurso de apelação, a
recorrente alega que se verifica a exceção de caducidade, por a autora ter alegadamente deixado decorrer o prazo de oito dias previsto no art. 416º, nº 2, do CC.
Sucede que essa exceção perentoria foi objecto de decisão no despacho saneador, que a julgou improcedente, e da qual não foi oportunamente interposto qualquer recurso.
Neste contexto, sob pena de ofensa do caso julgado emergente do trânsito em julgado daquela decisão, não pode este Supremo Tribunal voltar a pronunciar- se sobre a matéria.
Improcede, pois, a alegação da recorrente.
***
Relativamente aos depósitos de rendas em instituição bancária à ordem do senhorio ou de quem o representar, a recorrente, na revista, volta a reeditar os argumentos já esgrimidos perante a Relação, sustentando que os depósitos não obedecem às regras exigidas pelo artigo 14º, n° 2, a) a 3) do D.L. 294/2009, de 13 de Outubro e que, portanto, não são liberatórios.
O acórdão recorrido, a este respeito, considerou que tal problemática consubstanciava uma «questão nova», por não ter sido anteriormente submetida a contraditório e apreciada pela 1ª instância, e, com tal fundamento, sobre a mesma não se pronunciou.
Com razão.
Como ali se escreveu, “esta questão foi invocada pela primeira vez pela 2.ª Ré (Minfo - Comércio de Micro Informática, Limitada) em sede de alegações de recurso próprias, isto é, não foi oportunamente (com a sua contestação) invocada (sendo alegadamente de verificação anterior), conforme o exige o art. 573.º do CPC, ao consagrar o efeito preclusivo da contestação. (…)”
Ora, como vem sendo repetidamente afirmado – os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais hierarquicamente inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao contraditório e ao exame do tribunal a quo.
Nesta perspetiva, a questão enunciada configura uma questão nova, já que não foi suscitada por nenhuma das partes nos articulados da ação, nem o tribunal recorrido tomou conhecimento dela.
Daí que esteja vedado a este Tribunal dela conhecer.
***
IV – Decisão
16. Nestes termos, negando provimento ao recurso, acorda-se em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 17.6.2021
Relatora: Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx
1º Adjunto: Xxxxxxxx Xxxxx
2º Adjunto: Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx