Direito Administrativo III
Direito Administrativo III
Quando falamos em contratos públicos, falamos em relações contratuais que envolvem operadores económicos, muitas vezes de diferentes locais, ou seja, contratos à escala global. A componente europeia é, portanto, uma componente muito importante para os contratos públicos. Dizemos então que os contratos públicos têm matriz europeia.
Os contratos públicos implicam, em regra, a utilização de dinheiros públicos ou de outros meios públicos. Estes submetem-se a uma disciplina de direito público, ainda que em maior ou menor medida, especialmente relevante no que diz respeito ao procedimento pré-contratual e à sujeição ao contencioso administrativo. Do ponto de vista do controlo, os contratos públicos encontram-se submetidos a controlos públicos especiais e o respetivo contencioso é atribuído à jurisdição dos tribunais administrativos.
No art. 1º/2 os contratos públicos são definidos como “todos aqueles que, independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados pelas entidades adjudicantes referidas no presente Código”. O legislador adotou assim uma noção de contrato público baseada num critério subjetivo (sem prejuízo de os arts. 275º a 277º estenderem o âmbito de aplicação da Parte II a contratos celebrados por entidades que não são qualificadas pelo CCP como entidades adjudicantes).
NOTA: A qualificação como contrato público é independente da natureza pública ou privada das partes. Em qualquer dos casos, trata-se sempre de relações jurídicas externas que, necessariamente, se estabelecem entre sujeitos dotados de personalidade jurídica e que tenham uma capacidade de direito público.
Exemplos de contratos públicos:
(a) Empreitadas de obras públicas;
(b) Concessões de obras ou de serviços públicos;
(c) Prestações de serviços;
(d) Compras públicas.
O critério tradicional para escolher a entidade com quem o Estado iria contratar era o do preço mais baixo.
Os contratos públicos não são um fim em si mesmo, são um instrumento para a realização de tarefas pelas entidades públicas. Quais são as tarefas a cargo das entidades públicas é uma questão que tem que ser esclarecida. Assim, os contratos públicos têm que estar instrumentalizados à concretização desses fins, tendo em vista também o interesse público.
» Surgimento dos contratos públicos
O contrato público foi criado pelo legislador europeu, e a necessidade do seu surgimento prende-se com três conceitos nucleares: concorrência, mercado e igualdade. Ou seja, houve uma necessidade de abolir fronteiras e de criar um regime que se aplicasse à escala europeia, assim tirando discricionariedade da esfera nacional de cada país, como acontecia com o regime dos contratos administrativos, não permitindo que os Estados manipulassem os conceitos de forma a melhor beneficiar o seu país.
Concebeu-se assim uma figura comum a todos os Estados-Membros, que estes tinham de cumprir, sob pena de serem alvos de uma ação por incumprimento.
A lógica das normas de contratação pública é a de que onde há dinheiros públicos, tem de haver normas de contratação pública, de forma a garantir que a entidade adjudicante toma a melhor decisão para o interesse
público. Para além disso, servem também para garantir a concorrência e a para assegurar determinados princípios subjacentes à contratação pública, nomeadamente os princípios da eficiência e da igualdade.
» Espécies de contratos públicos
Remonta ao séc. XIX este contratualismo que conhecemos hoje. Aliás, é no séc. XIX que surge o Direito Administrativo.
No séc. XIX apareceu um tipo de contratos públicos – concessões de obras públicas. Essas concessões surgem então numa altura em que se viam inúmeras construções de grandes obras públicas, caminhos de ferro, etc. e é para isso que as entidades públicas recorrem a este esquema jurídico. Este é um contrato através do qual uma entidade contrata com um particular (concessionário) a construção de uma obra pública, mas, nesta altura do liberalismo, quem vai arcar com o encargo e a despesa é o próprio particular, numa lógica de iniciativa privada. Os concessionários vir-se-iam a ressarcir destes encargos pela exploração da obra, cobrando taxas de utilização (ex: portagens nas pontes). O prazo normal para estas concessões, para a cobrança de taxas era, nesta altura, de 99 anos.
Estes concessionários eram considerados beneméritos do interesse público, uma vez que arriscavam o seu património para a construção destas obras públicas.
Já no séc. XX, na mudança do liberalismo para o Estado-Providência, surge a empreitada de obra pública, onde já não é o empreiteiro que paga, mas sim o Estado.
No final do séc. XX, surgem os contratos de atribuição, quem vêm substituir os atos administrativos, deixando de ser a Administração Pública a decidir sozinha, para passar a negociar essas decisões.
No séc. XXI, tudo isto se torna complexo. Nos anos 80 em diante, com a crise do Estado Social/Providência, o Estado passa a pagar por “fatias” aos empreiteiros e não a totalidade no final. As concessões foram redescobertas nos anos 90, como foi o caso, em Lisboa, da Ponte Vasco da Gama.
» Âmbito de Aplicação do Código dos Contratos Públicos (CCP)
O CCP é de 2008, revisto em 2018.
Em 2008, o legislador tomou a opção de ir mais longe que as Diretivas Europeias. Fez pela primeira vez um CCP em Portugal, sendo que este surgiu porque o legislador tinha a obrigação de transpor as Diretivas Europeias para o direito interno. Em 2018, transpôs as Diretivas de 2014.
Em 2008, contudo, surgiram algumas dificuldades na aplicação dos regimes, na medida em que havia círculos diferenciados de contratos, sujeitos a regimes também eles diferenciados. Por exemplo, o CCP distingue os contratos dos setores clássicos dos contratos dos setores especiais, o que dificultou um pouco a interpretação de alguns artigos.
o Âmbito objetivo de aplicação – a que contratos se aplica.
→ O CCP aplica-se quer aos contratos dos chamados setores clássicos quer aos contratos dos chamados
setores especiais.
→ O CCP aplica-se quer aos contratos abrangidos pelas Diretivas europeias sobre sobre contratos públicos quer a contratos que estão fora do âmbito de aplicação dessas.
→ O critério que o legislador invoca (nomeadamente, nos arts. 16º e 5º) para efeitos de sujeição aos procedimentos previstos na Parte II é o do objeto do contrato abranger prestações que estejam ou sejam suscetíveis de estar sujeitas à concorrência de mercado.
Exclusões:
→ Art. 4º/1 – o legislador, ao dizer que se trata de um Código dos Contratos Públicos, que é uma expressão abrangente, exclui neste artigo alguns contratos do âmbito do CPP, contratos esses relacionados com o DIP. Muitas destes contratos estão também excluídos do âmbito de aplicação das Diretivas Europeias.
→ Art. 4º/2 – exclui realidades bastantes diferentes daquelas presentes no nº 1 do mesmo artigo, nomeadamente contratos de trabalho em funções públicas e contratos individuais de trabalho.
A Prof. critica o facto de o âmbito de exclusões de contratos do CCP ser muito amplo. Se existe legislação especial aplicável a alguns dos contratos excluídos do âmbito do CCP, há muitos outros casos em que ficamos um pouco no “limbo”, sem saber muito bem que regime aplicar (por exemplo, os contratos de permuta de bens imóveis).
O CCP, em 2008, optou por distinguir contratos públicos de contratação pública, sendo que a contratação pública são os procedimentos pré-contratuais, de formação dos contratos. A Parte II do CCP tem uma epígrafe que refere precisamente essa contratação pública.
→ O art. 5º tem por epígrafe “Contratação Excluída”. Esse termo significa o conjunto de exceções à aplicação da Parte II. O legislador entendeu que à Parte II só estão sujeitos contratos sujeitos à concorrência (“contratos de procura pública”). A Prof. critica esta solução, uma vez que qualquer entidade pública que celebre um contrato público deveria estar sujeita a regras (mesmo que não
muito rigorosas) de procedimento.
Muitos autores afirmam que este artigo tem uma cláusula geral no nº 1: “a Parte II não é aplicável à formação de contratos cujo objeto abranja prestações que não estão nem sejam suscetíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, designadamente em razão da sua natureza ou das suas características, bem como da posição relativa das partes no contrato ou do contexto da sua formação”. Ou seja, a Parte II do CCP só se aplica no caso de contratos de procura pública. Só quando as entidades públicas querem procurar dirigir-se ao mercado é que se aplica a Parte II.
A regente critica o facto de se dizer que esta é uma cláusula geral: ou se fazia uma lei de contratos públicos de âmbito restrito ou, tendo-se tomado a opção de fazer um Código, não faz sentido esta técnica legislativa de partir de algo aparentemente abrangente para depois o reduzir desta forma.
→ Mais tarde, acrescentou-se o art. 5º-B que vem procurar suprir um pouco a crítica que a Prof. menciona, ao estabelecer que “a celebração dos contratos a que se referem os artigos 5.º e 5.º-A fica sujeita aos princípios gerais da atividade administrativa, bem como, com as devidas adaptações face à natureza do contrato, aos princípios gerais da contratação pública previstos no n.º 1 do artigo 1.º-A, devendo sempre ser feita menção à norma que fundamenta a não aplicação da parte ii ao contrato
em causa”.
Mais uma vez aqui a Prof. critica o facto de o elenco de exclusões do âmbito do CCP ser demasiado extenso.
→ No art. 5º-A, no seu nº 1 exclui-se da parte II os contratos hoje conhecidos como contratos in house. Esta é uma figura que já em 2008 ficou prevista. São contratos celebrados entre duas pessoas coletivas distintas, mas em que uma delas está numa relação de dependência organizacional tão forte com a
outra, que faz com que ela possa ser encarada como um serviço da outra. Como se sabe quais são os contratos in house? Os critérios estão presentes nas alíneas do nº 1.
O Xxxxxxx Xxxxxx é o acórdão mais importante na matéria dos contratos in house, tendo vindo a estabelecer dois critérios para a definição de um contrato como contrato in house, que ainda hoje se mantêm:
1. A entidade adjudicante exerça, direta ou indiretamente, sobre a atividade da outra pessoa coletiva, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços (art. 5º-A/1 a));
2. A entidade controlada desenvolva mais de 80% da sua atividade no desempenho de funções que lhe foram confiadas pela entidade adjudicante ou entidades adjudicantes que a controlam, ou por outra ou outras entidades controladas por aquela ou aquelas entidades adjudicantes, consoante se trate de controlo isolado ou conjunto (art. 5º-A/1 b)).
Mais tarde, vem ser acrescentado um terceiro requisito:
3. Não haja participação direta de capital privado na pessoa coletiva controlada, com exceção de formas de participação de capital privado sem poderes de controlo e sem bloqueio eventualmente exigidas por disposições especiais, em conformidade com os Tratados da União Europeia, e que não exerçam influência decisiva na pessoa coletiva privada (art. 5º-A/1 c)). Isto porque quem exerce a influência dominante tem que ser a entidade adjudicante.
Apesar desta relação de dependência, o Acórdão Parking Brixen vem estabelecer que a entidade controlada tem ainda assim alguma autonomia, mesmo que a primeira entidade exerça sobre ela uma influência decisiva sobre os objetivos estratégicos e as decisões significativas da empresa, o que é mais do que mero controlo societário.
No nº 5 exclui-se também do âmbito da parte II os conhecidos que são conhecidos como parcerias público- públicas (ou de cooperação horizontal). São contratos do setor público, celebrados entre duas entidades públicas. A Regente diz que se estes contratos são verdadeiramente de cooperação, em que duas entidades públicas vão cooperar numa determinada situação, então efetivamente não faria sentido estarem sujeitos aos procedimentos de contratação pública. O problema é que hoje estes contratos de cooperação já não são verdadeiramente de cooperação, são efetivamente contratos.
Aparentemente, nos arts. 5º, 5º-A e 6º-A, o CCP coloca um segundo nível de exclusões: nestes artigos, o que o CCP diz é que “a parte II não é aplicável à formação de determinados contratos”. A contrario, pensar-se-ia (e é o que a Regente pensa) que, por exemplo, o que está na parte III se aplicaria ou se deveria aplicar a estes contratos.
O art. 280º inicia a parte III, sendo que este artigo exclui determinados contratos da aplicação do regime da parte III. Conjugando o nº 2 do art. 280º com os artigos atrás mencionados, a conclusão que alguns autores tiram é a de que existe uma dupla exclusão do Código (é o que diz o Prof. Xxxxx Xxxxxxxxx). A regente diz que, mesmo que tenha sido essa intenção do legislador, não faz muito sentido uma dupla exclusão: o que o legislador deveria ter feito era ter enquadrado no art. 4º todos os contratos excluídos do CCP.
NOTA: a Regente defende que, embora um contrato esteja excluído do âmbito de aplicação das Diretivas europeias, tal não deve significar diretamente que também deva estar excluído do âmbito do CCP. São duas coisas distintas.
o Âmbito subjetivo de aplicação – a que entidades se aplica, ou seja, que entidade é que vai contratar.
Ainda que se trate de forma separada o âmbito objetivo e o âmbito subjetivo, não é possível separar os dois no CCP.
O art. 2º diz quais são as entidades adjudicantes, as entidades que vão abrir os procedimentos para celebrar contratos públicos. São distinguidos dois tipos de entidades adjudicantes: as do nº 1 do art. 2º e as do nº 2.
→ As entidades adjudicantes do art. 2º/1 são as “clássicas”, as pessoas coletivas de direito público que integram a nossa Administração Pública.
→ No art. 2º/2 aparece outra categoria de entidades adjudicantes: os organismos de direito público. Esta expressão chega-nos por via das Diretivas europeias e não é específica do Direito português. A AP portuguesa atual é o resultado de reestruturações ao longo de décadas, sendo que um dos fenómenos que foi acontecendo foi a criação, por parte de entidades públicas, de pessoas coletivas de direito privado (ex: sociedades anónimas).
Todos estes fenómenos de criação, por parte de entidades públicas, de outras entidades de natureza privada, significaram, durante algum tempo, que quando essas outras entidades fossem celebrar um contrato público, se as regras clássicas fossem aplicadas, significaria que estas entidades de direito privado não estariam sujeitas às regras de procedimento.
Assim, através da criação destes organismos de direitos público, que são independentes da sua natureza (podem ser de natureza privada), conseguiu-se que, se determinadas entidades, mesmo sendo de natureza privada, cumprirem os requisitos previstos para a caracterização de uma entidade como organismo de direito público (art. 2º/2), então estarão também sujeitas às regras de procedimento pré-contratuais.
Segundo as Diretivas, será organismo de direito público qualquer organismo:
(i) Criado para satisfazer de um modo específico necessidades de interesse geral, sem caráter industrial ou comercial – o Acórdão Mannesmann (1998) acrescentou ser indiferente que, simultaneamente com a satisfação de necessidades públicas, tal organismo exerça outras atividades, designadamente de caráter industrial ou comercial. O Acórdão Comissão/França (2001) reafirma que o conceito funcional de organismo de direito público mais não visa do que garantir o efeito útil do Direito comunitário, o qual seria posto em causa de ficasse dependente de opções nacionais dos Estados que através de mecanismos de fuga para o direito privado têm procurado escapar ao cumprimento das exigências comunitárias.
(ii) Dotado de personalidade jurídica;
(iii) Cuja atividade seja financiada maioritariamente pelas entidades referidas no art. 2º/1 ou por outros organismos de direito público, ou cuja gestão esteja sujeita a um controlo por parte destes últimos, ou ainda cujos órgãos de administração, de direção ou de fiscalização sejam compostos, em mais de metade, por membros designados pelas entidades referidas no art. 2º/1 – em relação ao controlo da gestão, o Tribunal tem entendido que se trata de uma relação de dependência do ente em causa em relação a uma entidade pública, de modo a permitir que esta última influencie as decisões do primeiro em matéria de contratos públicos (sendo, contudo, suficiente, um controlo indireto).
Estes três requisitos são cumulativos, sendo que os subrequisitos do terceiro requisito são de verificação alternativa.
→ O art. 3º define quem são os contraentes públicos: pessoas coletivas públicas; organismos de direito público, quando os contratos respetivos forem qualificados pelas partes como contratos administrativos ou submetidos a um regime substantivo de direito público; as entidades adjudicantes nos setores especiais, nos termos do art. 8º.
→ O art. 6º-A/1, vem dizer que “a parte II não é aplicável à formação dos contratos públicos que tenham por objeto a aquisição de serviços sociais e de outros serviços específicos referidos no anexo IX ao presente Código, que dele faz parte integrante, salvo quando o valor de cada contrato for igual ou superior ao limiar previsto na alínea d) do n.º 3 do artigo 474.º, caso em que se aplica o disposto nos artigos 250.º-A a 250.º-C.”
Ou seja, se o valor do contrato for acima de 750.000€, as Diretivas obrigam a que se respeite o regime europeu de formação de contratos públicos; mas se o valor do contrato for menor que esse número, já não ficarão obrigadas a esse regime.
Serviços sociais são, de acordo com o tal anexo, serviços de lavandaria, de catering, etc.
Contudo, no nº2 deste artigo dispõe-se que “à celebração dos contratos referidos no número anterior são aplicáveis, com as devidas adaptações, os princípios gerais da contratação pública previstos no artigo 1.º-A”.
~ É possível alterar cláusulas do contrato?
XXX, desde que não se altere substancialmente o próprio contrato, de modo a que passe a ser um novo contrato – art. 313º/1. Se tal acontecesse, violar-se-ia o princípio da concorrência, dado que, sendo um novo contrato, deveria estar sujeito aos procedimentos de contratação pública exigidos para um contrato público.
Por exemplo, num contrato de fornecimento de laranjas não se pode modificar o contrato de forma a que agora a entidade passe a fornecer pêssegos e não laranjas. Isto porque, caso não se abrisse um novo procedimento concursal, não se estaria a dar possibilidade aos fornecedores de pêssegos de apresentar propostas para o fornecimento de pêssegos. Esta proibição vem referida no art. 313º/1 c).
PRINCÍPIOS GERAIS DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA – ART. 1º A
Do art. 1º A resulta que os princípios se aplicam e têm consequências quer quanto à formação dos contratos, quer quanto à sua execução.
Estes princípios decorrem da CRP, do CPA e da UE. Os princípios são:
1- Princípio da legalidade – muitas vezes, este princípio foi associado à prática de atos administrativos. No caso dos contratos, durante muito tempo, houve até a lógica contrária: uma vez que estava no âmbito de um acordo de vontades, não seria tão importante. A ideia é a de que não existe um princípio de liberdade, de autonomia privada como acontece com os privados, uma vez que nos contratos públicos se trata de competências públicas.
Este princípio exige o cumprimento das regras relativas à competência, subjetiva e objetiva. Note-se que o art. 55º estabelece um rol de impedimentos à participação nestes procedimentos.
2- Princípio da prossecução do interesse público – qualquer contrato público tem de prosseguir fins de interesse público.
3- Princípio da imparcialidade – a AP tem de ser isenta, equidistante.
4- Princípio da proporcionalidade – o próprio cumprimento de um iter procedimental pretende desde logo criar condições para que a entidade com competência decisória possa formar a sua vontade, fazendo as melhores escolhas do ponto de vista do interesse público, garantindo-se o respeito por
este princípio da proporcionalidade. Compreende-se, assim, que, em caso de desconformidade entre as peças de um procedimento e as normas do CCP, estas últimas prevaleçam (art. 51º).
5- Princípio da boa fé – impõe especiais deveres de proteção e de lealdade. As negociações preliminares não podem servir de pretexto para que se inflinjam danos à contraparte e os deveres de lealdade obrigam à prestação de todos os esclarecimentos necessários a uma negociação correta e honesta.
6- Princípio da tutela da confiança.
7- Princípio da sustentabilidade – quer ambiental, quer social. 8- Princípio da responsabilidade.
9- Princípio da concorrência – este princípio não decorre apenas das imposições postas pelas Diretivas europeias, mas também de todos estes princípios. Muito antes das Diretivas, o legislador já manifestava preocupação com esta questão. Impõe medidas de transparência e publicidade relativamente aos procedimentos adjudicatórios, a preferência por concursos públicos, a colaboração das entidades adjudicantes no detetar de eventuais práticas restritivas, etc.
10- Princípio da publicidade.
11- Princípio da transparência – deste princípio decorrem exigências em termos de publicidade, quer quanto à intenção de contratar, quer quanto às condições exigidas e à tramitação do procedimento.
12- Princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação.
⮚ Evolução das Diretivas europeias em matéria de Contratos Públicos
As Diretivas europeias cruzam-se pela primeira vez com o Ordenamento Jurídico português em 1995, naturalmente depois da entrada deste na CEE. Em 1995 sai um diploma muito importante sobre as despesas públicas, diploma esse que é então consequência da transposição das Diretivas.
Antes de entrarmos para a CEE, nos anos 80, já existiam Diretivas europeias:
❖ Tratado de Roma (1957) – forma-se a CEE. Neste tratado, contudo, não há uma palavra sobre contratos públicos. Apenas no art. 163º/2, a propósito do incentivo à investigação e ao desenvolvimento tecnológico, contém uma alusão incidental à abertura dos concursos públicos nacionais, a fim de proporcionar às empresas a possibilidade de explorarem plenamente as potencialidades do mercado interno. Significativa parece ter sido a própria diversidade dos modelos tradicionais de contratação pública na Europa, a qual explica em grande parte que o Direito comunitário tenha evitado adotar, num momento inicial, um verdadeiro modelo comunitário de contrato. No entanto, foi fundamental a consagração neste tratado de determinados princípios que, por si, implicavam a proibição de práticas discriminatórias também em matéria de contratação pública, impondo nesse setor, como noutros, uma lógica de concorrência (ex: princípio da livre circulação de mercadorias e princípio da não discriminação em razão da nacionalidade).
No que diz respeito à contratação pública, é possível identificar vários níveis de influência dos princípios contidos no tratado:
(a) Em primeiro lugar, é em nome desses princípios que se elaboram as Diretivas em matéria de contratação pública;
(b) Em segundo lugar, os referidos princípios marcam o contexto teleológico e sistemático para a
interpretação das Diretivas;
(c) Em terceiro lugar, e após o Acórdão Telaustria (2000), reconhece-se que os princípios têm relevância autónoma relativamente a contratos não abrangidos pelas Diretivas. Neste acórdão, o TJUE considerou que do Tratado, e precisamente dos referidos princípios, decorrem implicações procedimentais para a formação dos contratos de concessão de serviços públicos, apesar de estes não
estarem contemplados em qualquer Diretiva específica, ou seja, os contratos de concessão, apesar de não estarem previstos expressamente nas Diretivas, também estão sujeitos aos regimes de contratação. É dizer que o TJUE disse que qualquer contrato público, celebrado num país europeu, está sujeito aos princípios gerais.
É possível identificar quatro fases de evolução em matéria de Diretivas Comunitárias relativas à contratação pública, até à elaboração, em março de 2004, das novas Diretivas dos setores clássicos e especiais:
1) Alargamento progressivo do universo de contratos abrangidos – primeiro fornecimentos e obras, mais tarde prestação de serviços; primeiro apenas contratos dos setores clássicos, depois também dos setores excluídos; primeiro apenas entidades adjudicantes públicas, depois também entidades privadas.
2) Constante aprofundamento das regras – primeiro apenas regras substantivas, depois também regras garantísticas; durante muito tempo, apenas regras procedimentais, aos poucos também regras sobre execução dos contratos.
3) Movimento no sentido da progressiva codificação das regras.
A primeira Diretiva sobre o primeiro contrato público versou sobre a empreitada de obras públicas (1961). A partir de 1961, mais ou menos de 10 em 10 anos existe um novo pacote de legislação europeia sobre os contratos públicos. Este era o contrato que estava a envolver os gastos públicos na altura. Mas atente-se: se fossem empreitadas relacionadas setores económicos (águas, energias, transportes, etc.) ficavam excluídas dos regimes da contratação. Só nos anos 90 sai uma Diretiva referente ao regime dos setores excluídos (especiais).
As Diretivas de 2004 vêm atualizar e modernizar o anterior regime relativo à coordenação dos processos de ajudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, podendo mesmo dizer-se que tem subjacente uma nova filosofia, que procura compatibilizar o regime da contratação pública com as novas preocupações comunitárias, assumindo que a contratação pública é um instrumento privilegiado de execução de políticas estruturais e setoriais da UE, nomeadamente políticas sociais e ambientais.
Um dos aspetos mais importantes destas Diretivas prende-se com os critérios de adjudicação e com o incentivo à prossecução de políticas secundárias, de natureza social ou ambiental. Prende-se com a necessidade de clarificar a forma como as entidades adjudicantes poderão contribuir para a proteção do ambiente e para a promoção do desenvolvimento sustentável, garantindo ao mesmo tempo a possibilidade de obterem, para os seus contratos, a melhor relação qualidade/preço.
→ Foi a transposição das Diretivas de 2004 que serviu de pretexto para se elaborar um Código dos Contratos Públicos que reunisse num único diploma, de modo uniforme, sistematizado e coerente, normas que haviam estado dispersas por uma série de diplomas legais.
Mais tarde, através da Diretiva 2007/66/CE pretendeu-se resolver essencialmente dois problemas: os fenómenos de corrida à assinatura dos contratos e os casos de ilegal adjudicação direta de contratos. Para obviar a estes problemas, a Diretiva estabeleceu duas medidas fundamentais: a previsão de um período mínimo de suspensão entre a decisão de adjudicação e a celebração do contrato e a previsão da privação de efeitos como sanção para a adjudicação ilegal de contratos mediante ajuste direto.
Só em 2014 surge uma Diretiva que introduz outro contrato público – as concessões.
As Diretivas europeias de 2014 pretenderam, através do regime dos contratos públicos, nomeadamente através da promoção de contratos públicos sustentáveis, ser um instrumento para ultrapassar a crise que se vivia na altura.
Âmbito subjetivo das Diretivas (e consequentemente do regime da contratação):
Nos anos 60 e 70, as entidades que ficaram sujeitas a estas Diretivas eram as pessoas coletivas de direito público.
Já nos anos 80, começa a surgir o fenómeno das entidades públicas criarem entidades sob forma de direito privado.
Nos anos 90, nos setores especiais, alargou-se a verdadeiras entidades privadas.
Há, assim, um sucessivo alargamento do âmbito subjetivo de aplicação das Diretivas.
A que é que as Diretivas obrigam:
Inicialmente, eram bastante minimalistas, em nome de preocupações com a concorrência, da criação do mercado único. Com este objetivo em mente, as Diretivas impunham a observação de um procedimento para a formação de contratos públicos.
Um dos lemas das Diretivas de 2014 é a proteção das PME, o que deve ser levado a sério em termos de contratação pública, o que implica lógicas diferentes das da centralização de compras.
Outra das bandeiras das entidades europeias é a sustentabilidade dos contratos públicos, mas sem por em causa os restantes princípios.
Parte II – arts. 16º e ss. CCP
Esta parte dedica-se à formação dos contratos.
Fases da Contratação Pública:
1º Decisão de contratar.
2º Escolha do procedimento – o art. 16º, que estabelece os tipos de procedimento, obedece a um princípio de tipicidade. A escolha do procedimento encontra-se nos arts. 17º e ss. Na escolha do procedimento vai decidir-se o valor do contrato e com quem se irá celebrar o mesmo.
3º Tramitação do procedimento pré-contratual. 4º Adjudicação.
5º Celebração do contrato – aqui “morre” a figura adjudicante (que já foi adjudicada) e “renasce” aqui
como contraente público.
★ Decisão de contratar (art. 36º) – A decisão de vir a celebrar um contrato marca juridicamente o início do procedimento.
A decisão de contratar tem de ser vista, antes de mais, à luz, entre outros, do princípio da prossecução do interesse público e do princípio da legalidade.
Esta decisão cabe ao órgão competente para autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar. O legislador juntou a decisão de contratar com a decisão de autorização de despesa, uma vez que a celebração de um contrato destes implica despesas públicas. Este órgão vai ser também o órgão competente para designar o júri que vai conduzir o procedimento (art. 67º).
É ainda necessário colocar, à luz do princípio da imparcialidade, a questão dos eventuais impedimentos por parte dos titulares do órgão (art. 55º). Na celebração de contratos públicos, como na prática de atos administrativos, os titulares dos órgãos de entidades públicas têm de manter-se rigorosamente equidistantes, garantindo a sua isenção.
Aliás, esta decisão de contratar consubstancia um ato administrativo, pelo que tem que se lhe aplicar o regime dos atos administrativos. Uma vez que consubstancia uma decisão, a decisão de contratar tem de ser fundamentada. Esta fundamentação tem de ser feita à luz, desde logo, dos princípios gerais.
O art. 36º/3, relativamente aos contratos com valor igual ou superior a 5.000.000€, foi acrescentado em 2018. A regente considera que este número vem dar a entender que os contratos que tenham um valor abaixo deste valor não merecem também uma fundamentação detalhada, e com base numa avaliação custo/benefício, o que é errado. Ou seja, a prof. defende que este número não veio acrescentar nada.
Os arts. 34º e ss. vêm, em 2018, introduzir a preparação do procedimento: antes da decisão, tem de haver uma preparação, que passa, nomeadamente, por fazer o levantamento das necessidades coletivas, das alternativas, etc.
★ Decisão de escolha do procedimento (art. 38º) – esta decisão deve também ser fundamentada.
Trata-se de saber quais as regras que a entidade adjudicante está obrigada a observar, a fim de garantir que a escolha daquele com quem vai celebrar o contrato é a mais adequada da perspetiva da prossecução do interesse público, garantindo-se também a observância de princípios tais como o da imparcialidade ou o da concorrência.
→ Tipos de procedimentos – art. 16º:
Em 2018 acrescentou-se a parceria para inovação, e desdobrou-se o ajuste direto em ajuste direto e consulta prévia.
⮚ O ajuste direto e a consulta prévia (arts. 112º e ss.) são os únicos procedimentos não concorrenciais. Em 2008, só havia ajuste direto, com duas submodalidades:
a) Ajuste direto com convite a uma entidade.
b) Ajuste direto com convite mais de uma entidade.
Em 2018, o ajuste direto desdobrou-se em dois procedimentos:
a) Ajuste direto - a entidade adjudicante convida diretamente uma entidade à sua escolha a apresentar uma proposta.
b) Consulta prévia – procedimento pelo qual a entidade adjudicante convida pelo menos 3 entidades à sua escolha a apresentar proposta, podendo com elas negociar os aspetos da execução do contrato a celebrar.
⮚ Concurso público – art. 130º. É um procedimento aberto à concorrência, em que a entidade ajudicante publicita a intenção de vir a celebrar um contrato, permitindo à concorrência apresentar- se.
⮚ Concurso limitado por prévia qualificação;
⮚ Procedimento de negociação – art. 193º;
⮚ Diálogo concorrencial – foi uma criação das Diretivas de 2004. Em Portugal, nunca foi utilizado. Neste procedimento, a entidade ajudicante dialoga com os candidatos acerca da elaboração do caderno de encargos, ao contrário dos restantes procedimentos, nos quais a entidade adjudicante elabora o caderno de encargos por si só e apresenta-o no início do procedimento.
⮚ Parceria para a inovação – arts. 18-A e ss. É um procedimento que foi introduzido apenas em 2018.
Críticas:
1. A Prof. afirma que a choca que o art. 16º comece pelo ajuste direto, uma vez que o objetivo deste art. era a transposição das Diretivas europeias que impunham procedimentos concorrenciais, e o ajuste direto é um procedimento não concorrencial. Para além disto, se na Parte II se inclui no seu âmbito o ajuste direto, porque ficam de fora procedimentos e contratos a que não se aplica esta Parte II por não serem concorrenciais, quando esta tem um procedimento que permite que se celebrem contratos sem concorrência?
2. Não faz sentido que o legislador tenha optado por definir apenas dois dos tipos de procedimento (ajuste direto e consulta prévia).
3. A lista de procedimentos é demasiado longa. Na verdade, os procedimentos previstos no art. 16º desdobram-se depois em vários casos, ao admitir-se uma panóplia diversificada de possibilidades em termos de sub-fases, em vários outros procedimentos.
→ Critérios de escolha dos procedimentos - arts. 17º e ss.
A fundamentação exigida no art. 38º é de facto e de direito. Ou seja, tem de se basear num dos arts. 17º e ss. para justificar a escolha. Contudo, tal não basta, é também necessária uma justificação de facto.
Existem dois tipos de critérios:
a) Valor do contrato (art. 17º) – é um critério tradicional.
b) Art. 18º - regra geral – a escolha do contrato deve ter por base o valor do contrato. Nos arts. 19º e ss. estabelece-se o valor do contrato para cada tipo de procedimento.
c) Critérios materiais – arts. 23º e ss. No art. 23º dispõe-se que a escolha do procedimento, neste capítulo, permite a celebração de contratos de qualquer valor (havendo, contudo, exceções).
★ Tramitação do procedimento pré-contratual – arts. 112º e ss.
→ Regras gerais aplicáveis a todos os procedimentos - arts. 40º ao 111º:
a) Fase inicial – o procedimento inicia-se com a decisão de contratar e de autorizar a despesa e com a decisão de escolha do procedimento. É nesta fase inicial que se elaboram e publicitam as peças do procedimento: estas e as exigências em termos de publicidade variam consoante o tipo de procedimento – arts. 40º e 42º.
b) Fase de qualificação – em alguns procedimentos, há uma fase de qualificação de candidatos (por exemplo, no concurso limitado por prévia qualificação).
c) Fase de apresentação e aceitação das propostas – a proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta a sua vontade de contratar e o modo como está disposto a fazê-lo (art. 56º). A proposta é constituída por vários documentos (art. 57º). O júri, no dia seguinte ao prazo para a apresentação das propostas, procede à elaboração e publicitação da lista dos concorrentes (art. 138º).
d) Fase de avaliação das propostas e de preparação da adjudicação – a avaliação das propostas e a preparação da adjudicação cabem ao júri do procedimento. Os arts. 67º a 69º regulam os aspetos relativos com a nomeação, composição, competências e funcionamento do júri. A nomeação de júri é obrigatória (exceto ajuste direto- art. 67º/1) e deve ter lugar aquando da decisão de contratar e da decisão de aprovação das peças de procedimento, uma vez que o júri inicia funções no dia útil subsequente ao do envio do anúncio para publicação ou do convite (art. 68º).
Nos termos do art. 69º, as competências do júri são proceder à apreciação das candidaturas, à apreciação das propostas, à apreciação de soluções e projetos e elaborar os relatórios de análise das candidaturas, das propostas e das soluções e projetos. O júri pode ainda exercer competências por delegação de poderes do órgão competente para contratar (art. 69º/2).
O júri do procedimento vai analisar e avaliar as propostas de acordo com as exigências dos arts. 56º e ss. (arts. 70º e ss.), após o que elabora o seu relatório preliminar (podendo propor a exclusão de determinadas propostas e devendo propor a ordenação das restantes). Segue-se a audiência dos interessados e o relatório final. Em alguns procedimentos existem subfases de leilão eletrónico e de negociação das propostas.
e) Fase da adjudicação – a decisão de adjudicação é o ato pelo qual o órgão competente para a decisão de contratar aceita a única proposta apresentada ou escolhe uma de entre as propostas apresentadas
– art. 73º.
f) Fase da preparação da celebração do contrato e outorga do contrato – após a adjudicação segue-se a habilitação e a prestação de caução (arts. 81º e ss.). Importante nesta fase é a preparação,
aprovação e aceitação da minuta do contrato – art. 98º- (e de eventuais ajustamentos ao conteúdo do contrato). A outorga do contrato não pode, em regra, ter lugar antes de decorridos 10 dias sobre a data da notificação da decisão de adjudicação a todos os concorrentes (período de standstill, art. 104º).
Apesar de a tramitação processual prevista nos arts. 112º e ss., é preciso, para cada procedimento, voltar aos arts. a seguir ao art. 18º, pois nestes existem regras importantes.
a) Ajuste direto e consulta pública (art. 112º) – o legislador, apesar de ter desdobrado o ajuste direto em dois procedimentos, trata-os aqui de forma unitária:
⇒ Art. 67º/1 – ao contrário do que sucede com os restantes procedimentos, no ajuste direto não é constituído um júri para a condução do procedimento.
⇒ Art. 113º - estabelece-se quem tem competência para iniciar o procedimento.
⇒ Art. 114º - quem deve ser convidado. Ter em conta o art. 55º quanto aos impedimentos: quem não pode participar no procedimento.
⇒ Art. 115º - estabelece o que deve constar do convite. Aqui, é necessário ter em conta os arts. 40º e ss. referentes às peças do procedimento.
⇒ Arts. 118º a 121º - Nos procedimentos de consulta prévia, se tal possibilidade tiver sido prevista desde o início no convite, haverá uma fase de negociações conduzidas por um júri.
⇒ Art. 121º e ss. – depois de feitas as negociações, e estarem apresentadas as propostas (arts. 56º e ss.), a entidade vai apreciar as propostas finais (arts. 70º e ss.) e aplicar o critério de adjudicação (art. 122º) e vai fazer um relatório preliminar fundamentado, enviando-o o júri a todos os concorrentes, fixando- lhes um prazo, não inferior a três dias, para que se pronunciem, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia (art. 123º), elaborando depois o relatório final (art. 124º). Nestas disposições, o CCP
impõe diversos deveres ao júri, por exemplo no que diz respeito a facultar a todos o acesso a informações e esclarecimentos prestados, às versões finais das propostas e às atas das sessões de negociação, que decorrem das exigências de transparência, imparcialidade e igualdade.
⇒ Art. 125º - no caso de ser apresentada apenas uma proposta, a tramitação procedimental é toda ela simplificada.
⇒ Art. 127º - a celebração de quaisquer contratos na sequência de consulta prévia ou ajuste direto deve ser publicitada, pela entidade adjudicante, no portal dos contratos públicos. A publicitação é condição de eficácia do respetivo contrato, independentemente da sua redução ou não a escrito, nomeadamente para efeitos de quaisquer pagamentos (nº 3). Isto serve para reiterar a ideia de que
um procedimento fechado não é um procedimento secreto; antes pelo contrário, quanto menos aberto à concorrência é o procedimento, maiores devem ser as cautelas que rodeiam a sua celebração, nomeadamente no que diz respeito à publicitação, para que o caráter fechado do procedimento não signifique qualquer atropelo a princípios como a imparcialidade ou a prossecução do interesse público.
⇒ Art. 128º - ajuste direto simplificado: no caso de se tratar de ajuste direto para a formação de um contrato de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços cujo preço contratual não
seja superior a 5.000 €, ou no caso de empreitadas de obras públicas, a 10.000 €, a adjudicação pode ser feita pelo órgão competente para a decisão de contratar, diretamente, sobre uma fatura ou um documento equivalente apresentado pela entidade convidada, com dispensa de tramitação eletrónica, pressupondo-se que a decisão de adjudicação tem subjacente a decisão de contratar e a decisão de escolha do procedimento de ajuste direto. Nestes casos é impedida a revisão de preços e a prorrogação de prazos (art. 129º).
b) Concurso público – arts. 130º e ss. Este é o procedimento mais exigente e complexo, que se caracteriza por ser um procedimento aberto à concorrência, não havendo limite numérico ao número de concorrentes, uma vez que podem concorrer todos quantos preencham os requisitos genericamente determinados. Conclui-se assim que este é o procedimento mais eficaz de prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses particulares.
⇒ Art. 40º - elaboração das peças do procedimento, em especial o programa do concurso (art. 132º) e o caderno de encargos (arts. 42º e ss.).
⇒ Art. 130º - o concurso público é publicitado no Diário da República, através de anúncio conforme modelo aprovado por portaria dos membros do Governo responsáveis pela edição do Diário da República e pelas áreas das finanças e das obras públicas.
⇒ Art. 132º - no concurso há um programa de concurso (que não há no ajuste direto), onde se descreve como o concurso vai decorrer. Estes programas são verdadeiros regulamentos. Neste artigo estabelece-se o que deve estar indicado no programa.
⇒ Art. 133º - corolários dos princípios da transparência e da concorrência são, entre outras, as exigências relativas ao acesso e consulta das peças do procedimento.
⇒ Arts. 135º e 136º - estabelecem-se prazos diferentes consoante haja publicidade em termos europeus ou apenas no DR.
⇒ Art. 139º - avaliação das propostas. Aqui também têm de se ter em consideração os arts. anteriores relativos à análise das propostas.
⇒ Arts. 140º e ss. – no caso de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis ou de aquisição de serviços, a entidade adjudicante pode, após a avaliação das propostas, recorrer a um leilão eletrónico, convidando os concorrentes (art. 142º) a participar nesse sistema interativo que lhes permite melhorar os atributos das respetivas propostas (art. 140º). O leilão não pode, naturalmente, servir
para falsear a concorrência (art. 140º/3).
⇒ Arts. 146º e ss. – preparação da adjudicação: relatório preliminar (art. 146º), audiência prévia (art.
147º), relatório final (art. 148º).
⇒ Arts. 149º e ss. – fase de negociação das propostas. A entidade adjudicante, em alguns contratos, pode adotar uma fase de negociação das propostas, restringida aos concorrentes cujas propostas sejam ordenadas nos primeiros lugares ou aberta a todos os concorrentes cujas propostas não foram anteriormente excluídas. Neste caso, após a fase de negociação, o júri elabora novo relatório
preliminar, procede a nova audiência prévia e, finalmente, elabora um segundo relatório final, com base no qual o órgão competente irá proceder à adjudicação.
Note-se que, quer no caso de leilão eletrónico (art. 141º), quer no caso de haver fase de negociação de propostas (art. 150º), os respetivos programas do concurso devem prever em que termos tais vicissitudes podem vir a ter lugar. Assim o exige, entre outros, o princípio da concorrência.
⇒ No final do concurso público, a adjudicação segue as regras previstas nos arts. 73º e ss. e está sujeita às obrigações de publicidade referidas nos arts. 78º e 78º-A.
⇒ Arts. 155º e ss. – concurso público urgente: nos termos do art. 155º, em caso de urgência na celebração de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis ou de aquisição de serviços de uso corrente ou de contratos de empreitada, desde que o respetivo valor seja inferior aos limiares de aplicação das Diretivas e que o critério de adjudicação seja o do preço mais baixo, é possível utilizar o procedimento de concurso público urgente.
Este procedimento baseia-se na tramitação geral do concurso público, mas caracteriza-se basicamente pela simplificação de tramitação e pelo encurtamento de prazos.
c) Concurso limitado por prévia qualificação – arts. 162º e ss.: é um procedimento concorrencial, mas é limitado por uma qualificação dos candidatos prévia à fase de apresentação das propostas. Este é o único procedimento em que se pode olhar para o candidato em si, as suas qualidades e características; nos restantes, só se pode olhar para as propostas.
⇒ Art. 162º - o concurso limitado por prévia qualificação rege-se, com as necessárias adaptações, pelas
disposições que regulam o concurso público, em tudo o que não esteja especialmente previsto nos artigos seguintes. Neste não pode, por exemplo, existir fase de negociações.
⇒ Art. 163º - fases do procedimento:
1- Apresentação das candidaturas e qualificação dos candidatos; 2- Apresentação e análise das propostas e adjudicação.
⇒ Art. 40º - regras sobre a elaboração das peças do procedimento, em especial as especificidades do programa do concurso (art. 164º) e do caderno de encargos (arts. 42º e ss.).
⇒ Arts. 167º e ss. - início do procedimento: apresentação das candidaturas e qualificação dos candidatos.
⇒ Art. 167º - em relação à publicitação o anúncio no DR parece surgir como a regra neste art., pese embora se chame à colação o art. 131º relativo à publicação de anúncio no Jornal Oficial da EU.
⇒ Art. 170º - como se apresentam as candidaturas.
⇒ Arts. 173º e 174º – fixam-se prazos diferentes em função de serem abertos à concorrência em termos
europeus, em que os prazos são mais extensos (são os da Diretivas), ou de não serem abertos à concorrência europeia (são internos, têm prazos mais curtos).
⇒ Art. 177º - o júri, no dia imediato ao termo do prazo fixado para a apresentação das candidaturas, vai publicitar a lista dos candidatos. Ou seja, com este artigo garante-se o princípio da transparência, da
igualdade, da imparcialidade.
⇒ Arts. 178º e ss. – análise das candidaturas e avaliação dos candidatos, segundo os modelos de qualificação previstos nos arts. 179º (modelo simples) e 181º (sistema de seleção).
⇒ Art. 184º - após a análise das candidaturas e a aplicação às mesmas do critério de qualificação, o júri elabora fundamentadamente um relatório preliminar, no qual deve propor a qualificação dos candidatos.
⇒ Art. 186º - cumprido o dever de audiência prévia (art. 185º), o júri elabora um relatório final fundamentado, no qual pondera as observações dos candidatos efetuadas ao abrigo do direito de audiência prévia, mantendo ou modificando o teor e as conclusões do relatório preliminar, podendo ainda determinar a exclusão de qualquer candidatura se verificar, nesta fase, a ocorrência de qualquer dos motivos previstos no n.º 2 do art. 184.º
⇒ Art. 187º - o órgão competente para a decisão de contratar, que também aqui é competente para a decisão de qualificação, deve notificar os candidatos, sendo este um ato administrativo que, como tal,
pode ser impugnado.
⇒ Arts. 189º e ss. - fase da apresentação e análise das propostas e da adjudicação.
⇒ Art. 189º - aqui, o órgão competente para a decisão de contratar envia aos candidatos qualificados, em simultâneo, um convite à apresentação de propostas. As propostas devem ser elaboradas de
acordo com o previsto nos arts. 56º e ss.
⇒ Arts. 190º e 191º - prazos diferentes para a apresentação de propostas por parte dos candidatos qualificados e convidados, consoante se trate de concurso publicitado apenas no DR ou em termos europeus.
⇒ Após este momento do procedimento, o CCP não prevê outras regras específicas para o concurso limitado por prévia qualificação, pelo que há que chamar à colação as disposições relativas ao concurso público, retomando os arts. 137 e ss.:
⇒ Findo o prazo para a apresentação das propostas, o júri deve então elaborar e publicitar a lista de concorrentes (art. 138º), seguindo-se depois a avaliação de propostas (arts. 139º e ss. e 70º e ss.) e a adjudicação (art. 73º).
d) Negociação – arts. 193º e ss.
⇒ Art. 193º - o procedimento de negociação rege-se, com as necessárias adaptações, pelas disposições que regulam o concurso limitado por prévia qualificação, em tudo o que não esteja especialmente previsto nos artigos seguintes. Ao contrário do que se passa no concurso limitado por prévia qualificação, aquilo que caracteriza este procedimento é a existência de uma fase de negociação das propostas.
⇒ Art. 194º - fases do procedimento:
1. Apresentação das candidaturas e qualificação dos candidatos;
2. Apresentação e análise das versões iniciais das propostas;
3. Negociação das propostas;
4. Análise das versões finais das propostas e adjudicação.
⇒ Art. 195º - neste procedimento não pode haver leilão eletrónico.
⇒ Art. 196º - indica o que deve constar do programa de concurso.
⇒ Arts. 197º e 198º - fase da apresentação das candidaturas e da qualificação dos candidatos.
⇒ Arts. 199º e 200º - fase da apresentação e análise das versões iniciais das propostas. Após a fase de
qualificação dos candidatos, é enviado o convite para a apresentação das versões iniciais das propostas. Este é, efetivamente, um marco distintivo deste procedimento: o facto de ele incluir necessariamente uma fase de negociação e, assim, haver primeiro versões iniciais das propostas e, só depois da negociação, surgirem as versões finais integrais das propostas.
⇒ Arts. 201º e 202º - fase da negociação das propostas. Há aqui uma remissão para as regras relativas ao ajuste direto (arts. 118º a 121º).
⇒ Art. 203º - fase da análise das versões finais das propostas e da adjudicação. Apresentadas as versões finais integrais das propostas, retoma-se a tramitação do concurso limitado por prévia qualificação, nomeadamente a partir do que está disposto nos arts. 152º a 154º relativos à elaboração dos relatórios (preliminar e final) de análise das propostas e à realização de audiência prévia.
A REGENTE sustenta que não pode deixar de causar perplexidade que um procedimento que, em geral, segue o modelo do concurso limitado por prévia qualificação, ou seja, que se assume como um procedimento concursal, seja afinal, ao contrário do que se passa no concurso limitado por prévia qualificação, caracterizado pela existência de uma fase de negociação das propostas regulado nos termos previstos para o ajuste direto.
e) Diálogo concorrencial – arts. 204º e ss. Diz-se que nunca foi utilizado em Portugal. O art. 204º não apresenta uma definição deste procedimento.
⇒ Art. 204º - o procedimento de diálogo concorrencial rege-se, com as necessárias adaptações, pelas disposições que regulam o concurso limitado por prévia qualificação, em tudo o que não esteja
especialmente previsto nos artigos seguintes. Assim, também este procedimento tem uma fase de qualificação dos candidatos. Neste procedimento não pode haver, todavia, leilão eletrónico nem fase de negociações (art. 204º/2).
⇒ Art. 205º - fases do procedimento:
1. Apresentação das candidaturas e qualificação dos candidatos;
2. Apresentação das soluções e diálogo com os candidatos qualificados;
3. Apresentação e análise das propostas e adjudicação.
⇒ Art. 206º - o programa de procedimento tem de ser elaborado de acordo com as exigências deste art.
⇒ Art. 207º - neste procedimento, só há lugar à elaboração do caderno de encargos posteriormente, pelo que, de início, a entidade competente para a decisão de contratar deve aprovar uma memória
descritiva, na qual identifica as necessidades que pretende satisfazer com a celebração do contrato.
⇒ Art. 208º - fase da apresentação das candidaturas e da qualificação dos candidatos.
⇒ Arts. 209º e ss. – fase da apresentação das soluções e de diálogo com os candidatos qualificados. Terminada a fase de apresentação de candidaturas e de qualificação de candidatos (a qual segue, com
as necessárias adaptações, o disposto para o concurso limitado por prévia qualificação, nomeadamente os arts. 184º e ss., relativos à preparação da decisão de qualificação), segue-se a decisão de qualificação e o convite à apresentação de soluções. Nos termos do art. 209º, o órgão competente envia a todos os candidatos qualificados, em simultâneo com a notificação da decisão de qualificação, o convite para a apresentação de soluções suscetíveis de satisfazer as exigências constantes da memória descritiva.
⇒ Art. 212º - após a apresentação das soluções pelos candidatos qualificados e convidados, o júri elabora um relatório preliminar no qual propõe, fundamentadamente, a admissão e a exclusão das soluções.
⇒ Arts. 213º a 216º - o júri do procedimento estabelece com os candidatos qualificados cujas soluções tenham sido admitidas um diálogo com vista a discutir todos os aspetos nelas previstos ou omitidos relativos à execução do contrato a celebrar e que permitam a elaboração do caderno de encargos. No final desta fase, o júri elabora um relatório do diálogo, com base no qual o órgão com competência
para decidir se pronuncia sobre a aprovação das soluções e a escolha da solução adequada a satisfazer as necessidades da entidade adjudicante (art. 215º), sendo tal decisão notificada (art. 216º).
⇒ Arts. 217º e 218º - fase da apresentação e análise das propostas e da adjudicação. Caso tenha sido identificada uma solução suscetível de satisfazer as necessidades e as exigências da entidade
adjudicante, o órgão competente para a decisão de contratar envia a todos os candidatos qualificados cujas soluções tenham sido admitidas, simultaneamente com a notificação referida no artigo anterior, um convite à apresentação de propostas (art. 217º/1).
⇒ A partir daqui, o procedimento segue a tramitação do concurso limitado por prévia qualificação. Torna-se necessário chamar à colação as regras aplicáveis às propostas (arts. 56º e ss.), à elaboração
da lista de concorrentes (art. 138º), à avaliação das propostas (arts. 139º e ss.) ou à preparação da adjudicação (arts. 146º a 148º, respetivamente sobre o relatório preliminar, a audiência prévia e o relatório final).
f) Parceria para a inovação – arts. 218º-A e ss. (artigos inseridos na revisão de 2018). É um procedimento que surgiu nas Diretivas de 2014. É um procedimento que, quando mal aplicado, pode desperdiçar recursos.
⇒ Art. 218º-A – este procedimento tem as seguintes fases:
a) Fase de apresentação das candidaturas, podendo a respetiva seleção incluir a qualificação dos candidatos quando se trate do desenvolvimento de projetos dotados de especial complexidade;
b) Fase de apresentação de propostas de projetos de investigação e desenvolvimento;
c) Fase de análise das propostas de projetos de investigação e celebração da parceria. Deve ter-se em conta, no âmbito de parceria para inovação, os arts. 29º e 30º-A.
Nas peças do procedimento a entidade adjudicante deve:
a) Identificar a necessidade de bens, serviços ou obras inovadores que não possam ser obtidos mediante a aquisição de bens, serviços ou obras já disponíveis no mercado, indicando ainda os requisitos mínimos que concretizam a necessidade;
b) Xxxxxxx as disposições aplicáveis aos direitos de propriedade intelectual;
c) Incluir os requisitos inerentes às capacidades que os concorrentes devem possuir no domínio da investigação e desenvolvimento, bem como no desenvolvimento e implementação de soluções inovadoras.
A parceria para a inovação não pode ser utilizada com o intuito de restringir ou falsear a concorrência (nº 4).
Este artigo, no seu nº 5, remete supletivamente a parceria para a inovação para o regime previsto para o procedimento de negociação.
⇒ Art. 218º-D - A entidade adjudicante pode decidir estabelecer a parceria para a inovação com um só concorrente ou com vários concorrentes, designados parceiros, competindo, neste caso, a cada um deles realizar atividades de investigação e desenvolvimento distintas (nº 2).
Uma das especificidades deste procedimento em relação aos restantes é que, em bom rigor, isto não é apenas um procedimento pré-contratual, pelo contrário, vai fluindo para a fase de execução (por meio de etapas).
Críticas:
1. Quanto à tramitação, o legislador usa sucessivas técnicas remissivas que dificultam a tarefa do intérprete. O resultado é uma “teia confusa” de procedimentos, sujeitos a um “novelo emaranhado” de regras procedimentais que se torna difícil deslindar. O resultado final torna-se ainda mais inaceitável quando as normas relativas à tramitação dos procedimentos são conjugadas com as normas do CCP que estabelecem os critérios de escolha dos procedimentos adjudicatórios.
★ A adjudicação é um ato administrativo pelo qual o órgão competente para a decisão de contratar aceita a única proposta apresentada ou escolhe uma de entre as propostas apresentadas – art. 73º - de acordo com os critérios referidos nos arts. 74º e 75º:
Trata-se de um ato administrativo indelegável (arts. 69º/2 e 109º).
O critério tradicional de ajudicação era, em Portugal e noutros países, o do preço mais baixo. A certa altura, contudo, passa a falar-se no critério da proposta economicamente mais vantajosa (art. 74º/1): este critério pressupõe uma ponderação de vários aspetos, relativamente à proposta, à execução da proposta, às consequências, etc. O legislador acabou por admitir que existem várias modalidades para descortinar a proposta economicamente mais vantajosa:
a) Melhor relação qualidade-preço;
b) Custo-benefício, tendo em conta que o custo não é necessariamente o preço; sendo que, contudo, o legislador português, na alínea b) do art. 74º/1 faz referência àvaliação do preço ou custo enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar, solução essa que gerou alguma polémica.
O art. 75º estabelece fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa. Isto significa que o critério de ajudicação vai ser desdobrado em vários parâmetros e vai ser atribuída uma pontuação/percentagem a cada um desses parâmetros (art. 139º).
O art. 75º/7 vem estabelecer alguns aspetos a ter em conta aquando da avaliação custo-benefício. Assim, conclui-se que a entidade adjudicante não deve escolher apenas com base no preço mais baixo.
O órgão competente para contratar decide adjudicar com base no relatório fundamentado do júri. Note-se, contudo, que o órgão decisor não está vinculado à proposta do júri. Se alterar a ordenação proposta pelo júri, terá de haver nova audiência prévia e nova fundamentação.
O art. 76º estabelece um dever de adjudicação, o que decorre, nomeadamente do dever de boa fé. Caso a entidade adjudicante recuse a adjudicação, terá de indemnizar a entidade adjudicatária, numa lógica de culpa in contrahendo (art. 76º/3). Isto porque ao longo dos tempos foi-se reconhecendo que a participação num procedimento pré-contratual envolve uma série de despesas que, com a desistência da entidade adjudicante, se tornam inúteis, como também gera expectativas que no caso de tal desfecho se frustram.
Contudo, esse dever de adjudicação não é absoluto: o art. 79º enuncia exceções a este dever de adjudicação, enunciando causas de não adjudicação. O art. 80º determina que a decisão de não adjudicar implica uma revogação da decisão de contratar.
A Prof. Xx XXXX XXXXXXXXXX discorda que haja um dever absoluto de adjudicação, uma vez que é razoável que possa haver situações em que, tendo sido aberto um procedimento, se justifique ou até se deva que não venha a haver contrato ou nem sequer adjudicação.
Aliás, o momento no qual se recusa a adjudicação ou a celebração do contrato é relevante, nomeadamente para efeitos de indemnização.
A adjudicação tem de ser notificada (art. 77º) e, a partir desse momento, surgem determinadas consequências, nomeadamente a expectativa para o adjudicatário da celebração do contrato.
O CCP preocupa-se com a fase pós-adjudicação: depois da adjudicação e antes da celebração do contrato:
⇒ Art. 78º - anúncio da adjudicação no JOUE. Por uma questão de transparência, a adjudicação tem de ser publicitada.
⇒ Arts. 81º e ss. – habilitação
⇒ Arts. 88º e ss. – caução: é uma garantia que o adjudicatário presta.
⇒ Arts. 94º e ss. – regras sobre o próprio contrato: o que deve constar dele, quando pode ou não haver contrato escrito, etc. O art. 99º prevê a possibilidade de, ao preparar a minuta do contrato, a entidade
adjudicante poder introduzir ajustamentos ao conteúdo do contrato a celebrar. Os riscos que a admissibilidade de tais ajustamentos pode implicar nesta fase pós-adjudicatória para, entre outros, o princípio da concorrência, explicam a necessidade de introduzir especiais cautelas relativamente aos fundamentos invocados para justificar esses ajustamentos e aos limites a estes impostos.
⇒ Art. 104º - prevê o prazo de standstill: este prazo vem do Direito europeu, da Diretiva Recursos, na
versão de 2007, no seguimento da conclusão de que a “corrida à assinatura dos contratos”, ou seja, o facto de se adjudicar o contrato e celebrá-lo logo imediatamente, impedia um verdadeiro controlo sobre a legalidade da adjudicação. Ou seja, tem de haver um mínimo de 10 dias entre a ajudicação (publicitada) e a celebração dos contratos, período esse que permite a possíveis interessados analisarem a decisão de adjudicação e suscitar pedidos de controlo da mesma, por exemplo, dentro da própria Administração (garantias administrativas). Esta é também uma garantia jurisdicional, que permite que aos interessados a efetiva possibilidade de impugnar a adjudicação antes da celebração do contrato evitando-se, se for caso disso, a própria celebração do contrato. O art. 95º/3 consagrou idêntico prazo de 10 dias para efeitos de condicionar a possibilidade de dar início à execução do contrato nos casos em que não haja redução do contrato a escrito.
❖ GREEN PUBLIC PROCUREMENT: Contratação Pública Sustentável
⇒ Green Public Procurement:
Às finalidades tradicionais da contratação pública foram-se somando novas preocupações. Aos poucos, foi-se tomando consciência de que a contratação pública, a par dos seus objetivos imediatos, pode servir como instrumento de realização das mais variadas políticas públicas, nomeadamente ambientais e sociais.
Ora, as entidades públicas, enquanto entidades adjudicantes, têm a obrigação de exercer o seu poder de compra de modo social e ambientalmente responsável.
Coloca-se então a questão: Como integrar as considerações ambientais e sociais na contratação pública? Pense-se num exemplo singelo: um contrato de empreitada de obra pública deve ser encarado como um meio não apenas de obtenção da obra pública em si mesma (permitindo a realização direta de determinado fim de interesse público, por exemplo, a instalação de uma escola pública) mas também como um instrumento de prossecução de políticas públicas ambientais (por exemplo, exigindo-se do empreiteiro a utilização de materiais de construção amigos do ambiente) e de políticas públicas sociais (por exemplo, impondo-se ao empreiteiro a contratação de determinada percentagem de trabalhadores desempregados).
Nos últimos anos, foi lançado um conjunto de iniciativas políticas específicas, tanto a nível europeu como nacional, para incentivar a utilização dos contratos públicos em apoio aos objetivos políticos já referidos, com destaque para os trabalhos em curso no domínio da promoção dos contratos públicos ecológicos, da inclusão das considerações sociais nos contratos públicos e do fomento da inovação. Na verdade, para além do aperfeiçoamento do regime jurídico, as entidades europeias têm investido em ações de formação, de divulgação e de esclarecimento das entidades adjudicantes.
Ao celebrar contratos públicos ecológicos (Green Public Procurement), as entidades adjudicantes públicas podem/devem reduzir o impacto ambiental das suas próprias atividades (por exemplo, procurando reduzir as emissões de CO2 ou promovendo a eficiência energética e a conservação dos recursos naturais) e, ao mesmo tempo, podem/devem incentivar a inovação, influenciando o mercado no sentido de este passar a fornecer produtos, obras e serviços mais ecológicos.
O Green Public Procurement é apenas um dos vetores de uma contratação pública sustentável, já que a sustentabilidade da contratação pública não pode deixar de ser vista nas suas diversas dimensões, sustentabilidade financeira, sustentabilidade ecológica e sustentabilidade social, entre outras.
Note-se, contudo, que uma contratação pública sustentável exige também que a introdução de critérios ambientais ou sociais num procedimento pré-contratual seja acompanhada de mecanismos de prevenção do desperdício e da corrupção.
Em matéria de Green Public Procurement, são fundamentais as sinergias entre o Direito dos Contratos Públicos e o Direito do Ambiente: o Direito dos Contratos Públicos reforça os instrumentos do Direito do Ambiente e efetiva os seus mecanismos, por exemplo, quando exige uma avaliação de impacto ambiental num procedimento pré-contratual ou quando incentiva a utilização de rótulos ecológicos.
⇒ O Livro Verde de Janeiro de 2011 sobre a modernização da política de contratos públicos da UE, COM(2011) 15 final, e os contratos públicos social e ambientalmente responsáveis:
O Livro Verde de Janeiro de 2011 sobre a modernização da política de contratos públicos da UE, no processo de revisão das Diretivas de 2004 sobre contratos públicos, sob o lema Para um mercado dos contratos públicos mais eficiente na Europa, invocou a estratégia Europa 2020 para um crescimento inteligente, sustentável e
inclusivo, e apresentou, entre outras, propostas no sentido de fomentar que as entidades adjudicantes utilizassem melhor os contratos públicos para apoiar objetivos sociais comuns, incluindo a proteção do ambiente.
Nesse contexto, os contratos públicos foram encarados como um dos instrumentos para:
(a) Estimular a inovação empresarial;
(b) Apoiar a transição para uma economia hipocarbónica;
(c) Fomentar uma utilização o mais eficiente possível dos fundos públicos.
No Livro Verde chamou-se particularmente a atenção para o facto de, num contexto de grandes restrições orçamentais e dificuldades económicas que se viva na altura, ser especialmente importante otimizar os resultados dos contratos públicos através de procedimentos eficazes.
A referida Comunicação da Comissão de 3 de Março de 2010 - COM(2010) 2020 – consagrando a estratégia Europa 2020 para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo apresentou três prioridades:
1. Desenvolver uma economia baseada no conhecimento e na inovação;
2. Promover uma economia hipocarbónica, que utilize eficazmente os recursos e seja competitiva;
3. Fomentar uma economia com níveis elevados de emprego e que assegure a coesão social e territorial.
Nesse contexto, reconheceu-se que as autoridades públicas poderiam dar um grande contributo para a consecução dos objectivos da estratégia Europa 2020, utilizando o seu poder de aquisição para contratar bens e serviços com valor acrescentado para a sociedade em termos de promoção da inovação, respeito pelo ambiente e luta contra as alterações climáticas, redução do consumo energético, melhoria do emprego, da saúde pública e das condições sociais, assim como da igualdade, incrementando simultaneamente o nível de inclusão dos grupos desfavorecidos.
⇒ O Acórdão do TJUE, Concordia Bus, de 17 de Dezembro de 2002 (Proc. C513/99):
As Diretivas 92/50/CEE (prestação de serviços), 93/36/CEE (fornecimentos) e 93/37 (obras) continham uma enumeração exemplificativa de critérios de ponderação para a adjudicação dos contratos públicos que não incluía expressamente as considerações ambientais.
Tornava-se necessário esclarecer se, para a escolha da proposta economicamente mais vantajosa, era possível recorrer a critérios ambientais. Foi nesse quadro normativo, anterior às Diretivas de 2004, que o TJUE veio proferir este acórdão, em 2002.
O caso reporta a um contrato de aquisição de serviço de transporte público municipal pela autarquia de Helsínquia, com o objetivo de renovar a frota de autocarros. O caso remonta a 1997, quando por um anúncio publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias os serviços de aprovisionamento da cidade de Helsínquia anunciaram a aceitação de propostas para a gestão da rede de autocarros urbanos da cidade de Helsínquia. Segundo o referido anúncio de concurso, o adjudicatário seria a empresa que apresentasse a proposta mais vantajosa para o município no plano económico global, tendo em conta três categorias de critérios:
(1) O preço global pretendido pela exploração;
(2) A qualidade do material (autocarros);
(3) A gestão da qualidade e do ambiente por parte do empresário.
Ora, as empresas reclamaram deste último critério, sustentando que tal limitava a substancialmente a concorrência, na medida em que só se poderiam escolher autocarros com determinado nível de emissão de gases. O caso chegou assim ao TJUE, que definiu que:
“Quando, no quadro de um concurso público referente à prestação de serviços de transportes urbanos por autocarro, a entidade adjudicante decida adjudicar um concurso ao proponente que apresente a proposta economicamente mais vantajosa, pode tomar em consideração critérios ecológicos, como o nível de emissões de óxido de azoto ou o nível sonoro dos autocarros, desde que:
1. Esses critérios estejam relacionados com o objecto do concurso;
2. Não confiram à referida entidade adjudicante uma liberdade de escolha incondicional;
3. Xxxxxxx expressamente mencionados no caderno de encargos ou no anúncio de concurso;
4. Respeitem os princípios fundamentais do direito comunitário, designadamente o princípio da não discriminação.”
O caráter inovador deste Acórdão Concordia reside na defesa da compatibilidade entre a introdução de exigências ambientais em termos de critério de adjudicação e o princípio da não discriminação. Como argumentos, o TJUE salientou, entre outros, o facto de que os critérios de adjudicação em questão no processo eram objectivos e indistintamente aplicáveis a todas as propostas e que os referidos critérios estavam diretamente relacionados com o material proposto.
Aliás, o Tribunal acrescentou ainda que o facto de um dos critérios fixados pela entidade adjudicante a fim de identificar a proposta economicamente mais vantajosa só poder ser satisfeito por um reduzido número de empresas não é, por si só, susceptível de constituir uma violação do princípio da igualdade de tratamento.
⇒ A Diretiva 2009/33/CE, de 23 de Abril de 2009, relativa à promoção de veículos de transporte rodoviário não poluentes e energeticamente eficientes:
Esta diretiva ilustra bem as sinergias entre o Direito dos Contratos Públicos e o Direito do Ambiente, dando- se a integração de considerações ambientais na contratação pública por via do Direito do Ambiente. Esta Diretiva 2009/33/CE, de 23 de Abril de 2009, estabelece que as entidades adjudicantes quando compram veículos de transporte terrestre devem optar por estabelecer especificações técnicas para o comportamento energético e ecológico dos veículos ou por incluir os impactos energético e ambiental na decisão de compra.
Esta Diretiva obriga a utilizar os custos do consumo de energia durante a vida útil, as emissões de CO2, entre outros, como critérios de adjudicação na compra de veículos para transportes públicos.
⇒ Momentos–chave de um procedimento de formação de um contrato público ambiental e socialmente responsável: Questões jurídicas à luz do Código dos Contratos Públicos:
1. Decisão de contratar e delimitação do objeto do contrato:
A fase inicial de um qualquer procedimento de formação de um contrato público é o momento privilegiado para integrar as considerações ambientais e sociais. A decisão de contratar, a definição das necessidades a satisfazer através do contrato, a delimitação do objeto do contrato a celebrar são momentos decisivos, nos quais devem ser chamadas à colação as referidas considerações sociais e ambientais.
O procedimento de formação de um contrato público inicia-se com a decisão de contratar (art. 36º CCP). Esta decisão deve basear-se numa correta avaliação das necessidades de interesse público que justificam a
celebração do contrato em causa. É uma excelente ocasião para que a entidade adjudicante faça escolhas acertadas, também do ponto de vista ambiental. Em relação a este aspeto em particular, o CCP é omisso, mas obviamente que tais escolhas se impõem a partir dos próprios princípios gerais da contratação pública e, em especial, do princípio da prossecução do interesse público, do princípio da boa administração, etc.
Vejamos alguns exemplos de escolhas que, neste momento inicial, faz sentido que sejam tomadas em consideração, também à luz de critérios ambientais:
(a) Em primeiro lugar, ponderando se não existem alternativas à própria celebração do contrato que permitam igualmente satisfazer a necessidade em causa, embora com muito menos consequências do ponto de vista ambiental – por exemplo, reutilizando determinados bens, em vez de adquirir novos; ou optando pela utilização de meios desmaterializados de comunicação, em vez de celebrar contratos para distribuição de cartazes, folhetos ou anúncios na imprensa escrita.
(b) Depois, prestando especial atenção às quantidades da compra – ao reduzir o volume das compras ao estritamente necessário, está-se também, obviamente, a reduzir o impacto ambiental a ela associado.
A legislação ambiental condiciona, em diversos casos, as entidades adjudicantes no momento da definição do objeto de determinados contratos e respetivas especificações técnicas.
2. Decisão de escolha do procedimento:
Nos termos do art. 38º, a decisão de escolha do procedimento a seguir deve ser fundamentada. É o momento de perguntar até que ponto podem os fundamentos ambientais ou sociais servir de causa legítima de justificação da escolha de um determinado procedimento de formação do contrato público.
- Tem-se colocado a questão de saber se as considerações ambientais podem servir como fundamento justificativo da utilização de procedimentos de ajuste direto. A jurisprudência tem apontado no sentido de que uma razão técnica relacionada com a proteção ambiental possa justificar o recurso a procedimento negociado sem abertura à concorrência. No entanto, frisa-se que tal configura uma exceção ao princípio da concorrência e, por isso, o conceito de razão técnica deve ser interpretado de forma restritiva, para reduzir os riscos de discriminações encobertas.
- Outra questão importante prende-se com a escolha de procedimentos que envolvem fases de qualificação de candidatos e com as possibilidades de tomar em consideração características técnico-ambientais na seleção de candidatos nessas fases. Estes procedimentos limitados por prévia qualificação permitem valorizar aspetos subjetivos dos candidatos – experiência, competência, capacidade de gestão ambiental – na fase de seleção dos candidatos. Assim, só avançam para a fase de apresentação de propostas e de adjudicação aqueles que ofereçam garantias de integrar a componente ambiental na execução do contrato.
3. Cadernos de encargos:
O CCP, no seu art. 42º/6, previu expressamente a possibilidade de integrar considerações sociais e ambientais no caderno de encargos. Além disso, o art. 43º/5 c) e d), prevê que o projeto de execução deve integrar o caderno de encargos e deve ser acompanhado, entre outros aspetos: dos estudos ambientais, incluindo a declaração de impacto ambiental, nos termos da lei; dos estudos de impacto social, económico ou cultural. Trata-se, assim, de um instrumento decisivo de integração das considerações ambientais na contratação pública.
4. Definição de especificações técnicas e rótulos ecológicos:
Em relação à integração de considerações ecológicas nas especificações técnicas, deve ter-se em consideração o art. 49º/7 a), nos termos do qual as especificações técnicas devem ser fixadas no caderno de encargos em termos de desempenho ou de requisitos funcionais, que podem incluir práticas e critérios ambientais, desde
que os parâmetros sejam suficientemente precisos para permitir a determinação do objeto do contrato pelos interessados e que a entidade adjudicante proceda à respetiva adjudicação.
Alguns exemplos de especificações técnicas relativas a características funcionais: exigir certo tipo de matérias- primas, percentagens mínimas de material reciclado, proibição de utilização determinada substância. Alguns exemplos de especificações técnicas sobre a produção: exigir determinado método de produção (ex. madeira proveniente de florestas geridas de modo sustentável, alimentos de agricultura biológica, eletricidade proveniente de fontes de energia renovável).
5. Critérios de adjudicação:
Ao interpretar os arts. 74º e 75º (nomeadamente o art. 75º/2 b)), relativos aos critérios de adjudicação, há que tomar em consideração a jurisprudência do TJUE (Concordia Bus), segundo a qual, os critérios de adjudicação ambientais podem ser utilizados desde que se verifiquem determinadas condições:
i) Os critérios estejam diretamente ligados com o objeto do contrato;
ii) A entidade adjudicante não tenha liberdade ilimitada;
iii) Os critérios sejam mencionados no anúncio e cadernos de encargos;
iv) Se respeitem os princípios fundamentais dos Tratados.
6. Possibilidade de apresentação de propostas variantes:
O art. 59º não o prevê expressamente, mas poderia tratar-se de um bom incentivo à apresentação de propostas alternativas e inovadoras do ponto de vista ambiental.
CONCLUSÃO:
Em termos europeus, o que tem vindo a ser trabalhado é entender que deve a sustentabilidade deve ser a lógica e a regra subjacente à contratação pública. É verdade que há um longo caminho a percorrer, mas a contratação verde tem vindo a ser bastante incentivada. Algumas propostas que têm sido feitas, no que diz respeito às considerações sociais e ambientais na contratação pública, são:
(a) Cálculo dos custos ao longo do ciclo de vida – a proposta dá aos adquirentes públicos a oportunidade de basearem as suas decisões de adjudicação nos custos ao longo do ciclo de vida dos produtos, serviços ou obras a adquirir. O ciclo de vida abrange todas as etapas da vida de um produto, das empreitadas de obras ou da prestação de um serviço, desde a aquisição das matérias-primas ou geração dos recursos até à disponibilização, autorização e finalização. Os custos a ter em conta incluem não só as despesas monetárias diretas, mas também os custos ambientais externos, se os mesmos puderem ser quantificados monetariamente e verificados.
(b) Procedimento de produção – as autoridades adjudicantes podem fazer referência, nas especificações técnicas e nos critérios de adjudicação, a todos os aspetos diretamente associados ao procedimento de produção, na medida em que estejam estritamente relacionados com a produção dos produtos ou com a prestação dos serviços adquiridos em concreto. Ficam excluídos os requisitos não relacionados com o procedimento de produção dos produtos ou de execução das obras ou serviços abrangidos pelo contrato, como por exemplo requisitos gerais de responsabilidade social das empresas que abranjam toda a estrutura funcional do contratante.
(c) Rótulos – as autoridades adjudicantes podem exigir que as obras, produtos ou os serviços ostentem rótulos específicos que certifiquem características ambientais, sociais ou outras, desde que aceitem
também rótulos equivalentes. Esta regra aplica-se, por exemplo, aos rótulos ecológicos europeus ou (pluri)nacionais ou aos rótulos que certificam que um produto foi fabricado sem recurso ao trabalho infantil.
(d) Inovação – a investigação e a inovação desempenham um papel central na Estratégia Europa 2020 para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo. Devem ser dadas condições aos adquirentes públicos para poderem adquirir produtos e serviços inovadores, que promovam o crescimento futuro e aumentem a eficiência e a qualidade dos serviços públicos. Neste sentido, foi introduzido em 2018 um novo procedimento – parceria para a inovação – um procedimento especial para o desenvolvimento e a posterior aquisição de produtos, obras e serviços novos e inovadores, desde que os mesmos possam ser disponibilizados de acordo com níveis de desempenho e custos previamente acordados.
Problemas: a Europa não está só preocupada com os procedimentos de escolha, como acontece em Portugal; é, portanto, de refletir se será legítima ou não esta “intromissão” nos critérios de escolha, ao nível do que se pode ou não comprar.
Deve também entender-se que se deve propugnar por uma sustentabilidade ambiental e social o mais possível, mas sempre num quadro de sustentabilidade financeira (XXXXX XXXX XXXXXXXXXX).
Parte III – Regime Substantivo dos Contratos Administrativos
O art. 280º define o âmbito de aplicação da Parte III. Este art. foi alterado em 2018 (na opinião da Regente, de forma infeliz). O legislador optou, em 2008, por submeter a esta Parte apenas os contratos administrativos. Embora a doutrina continue a fazer essa leitura, a Regente sustenta que tal não corresponde à realidade: os contratos sujeitos à Parte III não são efetivamente apenas aqueles que, em termos doutrinais e tradicionais, se denominam contratos administrativos.
O nº 3 deste art. significa que no nosso OJ, como não podia deixar de ser por via das Diretivas, em bom rigor, os regimes mais importantes da Parte III (invalidades, modificações, cessão da posição contratual, etc.) aplicam-se, quer aos contratos que tradicionalmente em Portugal se chamavam contratos administrativos, quer a todos os outros que o estão, nomeadamente por via das Diretivas de 2014, que se preocuparam também com a execução dos contratos.
☼ Invalidades – arts. 283º e ss.
Há que distinguir entre:
a) Invalidade própria do contrato (art. 284º) – prende-se com o contrato em si mesmo, com a preterição dos requisitos de validade que dizem respeito à celebração do contrato em si mesmo ou às respetivas cláusulas contratuais. Este art. distingue duas situações:
→ Os contratos celebrados com ofensa de princípios ou normas injuntivas, que são anuláveis (nº 1).
→ Os contratos são nulos quando se verifique algum dos fundamentos previstos no presente Código, no art. 161º do CPA ou em lei especial, designadamente (nº 2):
a) Os contratos celebrados com alteração dos elementos essenciais do caderno de encargos e da proposta adjudicada que devessem constar do respetivo clausulado;
b) Os contratos celebrados com aposição de cláusulas de modificação que violem o regime previsto no presente Código quanto aos respetivos limites.
Esta remissão para lei especial foi acrescentada em 2018, decorrente das Diretivas de 2014 que se preocuparam com as modificações durante a execução dos contratos, no seguimento do entendimento de que não se pode na fase de execução do contrato frustrar o princípio da concorrência que presidiu à celebração do contrato. A REGENTE acrescenta que estas proibições de modificação, estas imposições de fiscalização também visam garantir outros princípios gerais da contratação pública, como o princípio da transparência.
O nº 3 deste art. vem ainda acrescentar que são aplicáveis aos contratos públicos as disposições do Código Civil relativas à falta e vícios da vontade – neste âmbito, são importantes os arts. 240º/2 (nulidade de contratos simulados), 246º (nulidade em caso de coação física), 247º (anulabilidade em caso de erro na declaração) e 251º (anulabilidade em caso de erro sobre a pessoa ou sobre o objeto) CC.
b) Invalidade consequente (art. 283º) – resulta da invalidade de atos do procedimento contratual, que precedem e preparam a celebração do contrato. Esta invalidade foi muito importante de ser afirmada, nomeadamente porque é nesta que se estabelece a ligação entre a Parte II e a Parte III. Trata-se de uma invalidade que “não se apanhou a tempo” (ESTORNINHO). Pode dizer-se que inavlidade consequente é uma dupla patologia: significa uma ilegalidade procedimental e que o não funcionamento dos mecanismos preventivos (ex: período de standstill).
O art. 283º estabelece o princípio do paralelismo de formas:
→ Os contratos são nulos se a nulidade do ato procedimental em que tenha assentado a sua celebração tenha sido judicialmente declarada ou possa ainda sê-lo (nº 1). A Prof. critica muito este art., porque estabelece a existência de um prazo para a nulidade do ato procedimental em que tenha assentado a celebração do contrato, o que para a Prof. é chocante. Para além disso, pela referência a “nulidade do ato em que assenta a sua celebração” parece restringir estes casos aos casos de nulidade da
adjudicação; contudo, não é apenas a nulidade da adjudicação que pode conduzir à nulidade do contrato: qualquer ilegalidade cometida ao longo do procedimento do contrato pode vir a conduzir à nulidade do contrato, pois poder-se-ão repercutir na própria adjudicação. Para interpretar este art. 283º/1 é preciso ter em consideração o art. 161º CPA que elenca os atos administrativos nulos. Na opinião da REGENTE, as causas de nulidade deveriam estar também plasmadas no CCP. O CPA, em 2015, veio acrescentar ao art. 161º um outro caso de nulidade – o de atos praticados com preterição total do procedimento legalmente previsto. Nos contratos públicos, tal aconteceria se tivesse sido celebrado um contrato por ajuste direto quando teria de ter sido por concurso público.
→ Os contratos são anuláveis se tiverem sido anulados ou se forem anuláveis os atos procedimentais em que tenha assentado a sua celebração, devendo demonstrar-se que o vício é causa adequada e suficiente da invalidade do contrato, designadamente por implicar uma modificação subjetiva do contrato celebrado ou uma alteração do seu conteúdo essencial (nº 2). A Prof. critica a exigência de
demonstração de que o vício com base no qual se anulou o ato procedimental é causa adequada e suficiente da invalidade do contrato.
O nº 4 do art. vem acrescentar que o efeito anulatório previsto no nº 2 pode ser afastado por decisão judicial ou arbitral, quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vício do ato procedimental em causa, a anulação do contrato se revele desproporcionada ou contrária à boa-fé. Significa que, mesmo nos poucos casos em que se chega à conclusão de que deve haver efeito anulatório, depois podem ponderar-se interesses públicos e privados e salvar-se o contrato.
O art. 285º/1 determina que, no mundo dos contratos públicos, há contratos substitutivos de atos administrativos e que, por isso, se remete para o CPA, mandando aplicar o regime dos atos administrativos.
Críticas:
1. Se as partes optam por celebrar um contrato em vez de praticarem um ato administrativo, que sentido faz aplicar o regime dos atos administrativos? Dever-se-ia aplicar um regime contratual.
2. Os contratos substitutivos de atos administrativos não são verdadeiros atos administrativos, pelo que têm especificidades em relação a estes, o que depois tem complicações ao nível da aplicação do regime dos atos administrativos.
O nº 2 do art. 285º vem estabelecer uma cláusula aberta (ESTORNINHO) ao determinar a aplicação aos demais contratos públicos do regime de invalidade do CCP e o previsto na legislação administrativa, uma vez que permite qualquer legislação avulsa administrativa.
Já o nº 3 estabelece que todos os contratos públicos são suscetíveis de redução e conversão, nos termos do disposto nos arts. 292º e 293º do CC, independentemente do respetivo desvalor jurídico. A REGENTE defende que faltou no preceito a inclusão da expressão “nos casos em que tal for possível”, uma vez que haverá casos em que tal não será possível.
A REGENTE conclui que é necessário poder retirar-se consequências de eventuais ilegalidades nos procedimentos, na celebração dos contratos, em vez de tentar a todo o custo salvar os contratos públicos.
Em 2015 consagrou-se a competência dos tribunais arbitrais para apreciar questões contratuais e de validade de atos administrativos em matéria contratual (adjudicação e atos durante a formação e execução dos contratos). Ou seja, os tribunais arbitrais passaram a ser competente para invalidar atos administrativos, o que na opinião da REGENTE não é razoável.