Conluios e Descaminhos no contrato dos dízimos: Rio de Janeiro (1700-1730)
Conluios e Xxxxxxxxxxx no contrato dos dízimos: Rio de Janeiro (1700-1730)
Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxx*
Resumo:
Na transição para o século XVIII, o Rio de Janeiro vai gradativamente se firmando como importante eixo comercial e político. Nesse período, a emergência de grupos de comerciantes no Rio de Janeiro traz ao cenário novas formas de investimentos e acumulação, sendo uma delas a arrematação dos contratos. A aliança entre Coroa e particulares através da arrematação de contratos se constituiu em importante alicerce da administração fazendária, levando ao estabelecimento de inúmeras redes de poder e conhecimento. Este trabalho visa a uma análise do contrato dos dízimos, um dos mais importantes da capitania durante as três primeiras décadas do século XVIII, buscando apreender as dinâmicas de arrematação, os conluios e descaminhos que envolveram esse contrato, bem como perceber as posturas régias perante o não pagamento dos valores devidos, que oscilam entre um maior controle e a necessidade de negociação.
Palavras-chave: contratos, descaminhos, negociação
Abstract:
In the shift from the XVIIth to the XVIIIth century, the city of Rio de Janeiro gradually establishes itself as an important commercial and political axis. In this period of time, the emergence of commercial groups in the city makes arise new ways of investment and accumulation, one which is the auction of contracts. The alliance between the Crown and particulars, through the auction of contracts, became an important foundation of the economical administration, leading to the establishment of countless networks of power and knowledge. This article intends to analyze the “contrato dos dízimos” (“tithe contracts”), one of the most important in the captaincy, during the first three decades of the XVIIIth century, seeking to apprehend the auction dynamics, the collusions and contrabands that involved this contract, as well as perceive the royal postures before the non payment of the charged values, oscillating this postures between a major control and the necessity of negotiation.
Keywords: contracts, contrabands, negotiation
O arrendamento da exploração de produtos ou tributos permeou grande parte da história fazendária lusa, sendo praticada no Reino e nas possessões coloniais. No caso brasileiro, esteve presente desde os primórdios da colonização, uma vez que ainda em 1502, a exploração do pau- brasil fora arrendada a Fernão de Noronha. Inúmeros foram os arrendamentos, ou contratos, estabelecidos a partir de então nas terras americanas, variáveis de acordo com a época e local, como os contratos da pesca das baleias, do sal, do tabaco, envio de escravos para as Minas,
* Graduanda em História pela UNIRIO. Bolsista IC-UNIRIO.
entradas, dízima da alfândega e dízimos reais. Este último, embora se tratasse de um imposto de caráter eclesiástico, era administrado pela Coroa desde o século XV, quando os reis portugueses assumem o mestrado da Ordem de Cristo (LYRA, 1970: 3-4).
No Rio de Janeiro setecentista, os dízimos se constituíam em um dos mais importantes contratos. Embora a produção agrária correspondesse à parte mais significativa dos valores dos dízimos, estes também incidiam sobre a criação de gado, aves ou peixes, e mesmo sobre a venda de madeira ou lenha. O contrato alcançava valores elevados, ainda que inferiores aos valores alcançados pelo contrato da dízima da Alfândega do Rio de Janeiro, sendo arrematado por elites possuidoras de grandes cabedais.
A primeira metade do século XVIII, marcada pela ascensão dos homens de negócio no cenário fluminense e nas arrematações dos contratos, não excluía a participação dos membros das melhores famílias da terra nas arrematações ou mesmo de negociantes lisboetas. Ao contrário: ainda que os contratos se constituíssem em uma das mais importantes atividades dos homens de negócios, bem como o mercado de crédito, já que possibilitavam acumulação de capital (SAMPAIO, 2003: 257-260) e um status social diferenciado, uma vez que estendia a área de atuação e influência, aproximando os contratadores dos círculos de exercício do poder político, nos anos iniciais do século XVIII há ainda uma grande presença das elites da terra nas arrematações, como ocorrera ao longo do século XVII.
A proximidade com os círculos de poder, tanto camaristas como funcionários régios, era especialmente interessante para a obtenção de novos contratos, a ocultação de conluios e descaminhos e o não pagamento dos valores devidos ou, ao menos, a prorrogação do prazo de pagamento dos valores dos contratos. Dessa forma, há o estabelecimento de uma rede de alianças, entre o grupo mercantil e os melhores da terra e funcionários régios, através de relações de amizade, compadrio ou casamento, além da compra de terras e pedidos de sesmaria oriundos dos homens de negócios. O motor da apropriação das terras por parte de um grupo mercantil não se restringia apenas a um ideal arcaizante (FLORENTINO; FRAGOSO, 2001), ao ethos do senhor de engenho, mas funcionava como tentativa de abrir novas fontes de crédito (LAMAS, 2005: 69) e de acesso ao mundo dos contratos (ARAÚJO, 2002: 49). Os contratos se constituíram, assim, em importante forma de investimento dos homens de negócio, possibilitando o alargamento de suas atividades, mas também para a elite senhorial participante das arrematações e funcionários régios, estes últimos beneficiados sobretudo no caso de conluios e descaminhos.
Aliás, vários foram os casos de envolvimento direto de funcionários régios em conluios, através da preferência dada a determinados lançadores, quando o que se defendia era que, para o crescimento da Fazenda, a arrematação deveria ser feita por quem desse o lance maior. Pelo menos desde o século XVII foram denunciados provedores ou governadores pelo envolvimento em diversos contratos (BN, Documentos Históricos, vol. 66. p. 116-117; XXXXXXX, 0000: 99). Além disso, era comum que os contratadores não fossem cobrados por suas dívidas, ou que fossem cobrados de forma pouco eficaz, já que na década de 1730, o estado de penúria dos cofres régios é atribuído às dívidas dos contratadores dos dízimos (BN, Documentos Históricos, vol. 90,
p. 255-256). Emblemático é o caso do contrato dos dízimos que Xxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx assumiu na virada para o século XVIII. O contratador era proprietário do Engenho da Pedra (RHEINGANTZ, 1965, vol. I: 93) e membro da extensa família dos Pontes, que chegou a monopolizar, junto de seus aliados, cerca de 16% dos postos na Câmara na primeira metade do século XVIII, além de contar com representantes no xxxxx xx xxxxxx x xx xxxxxxxxx (XXXXXXX, 0000: 56 e 87). Não tendo quitado suas dívidas, Xxxxxxxxxx consegue arrastar por toda a primeira década do século XVIII a cobrança, argumentando tanto que havia dado lance bastante elevado, como que sua fazenda possibilitava os meios necessários para o pagamento, ou mesmo que a execução de suas dívidas desanimaria outros a fazerem lances em contratos futuros (AN, cód 60, vol. 10, p. 400-402; AN, cód. 61, vol. 15, p. 194v.).
A comum prorrogação, assim como os escassos casos de execução pelas dívidas ou por conluios apontam no sentido de uma certa complacência da Coroa, de uma necessidade de negociação com as elites econômicas, ou políticas, arrematantes. Isto significa que, também nos contratos, se fazia presente a distância entre o instituído e a prática colonial (SANCHES, 2001), e onde o limite da negociação se desenha a partir da posição social dos envolvidos (PIJNING, 2001: 404-405).
Referências Bibliográficas
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