NOTA TÉCNICA n. 02/2020 – PGJ/CAOPP1
NOTA TÉCNICA n. 02/2020 – PGJ/CAOPP1
Assunto: fornece subsídios aos membros do Ministério Público do Estado de São Paulo para a celebração de acordos de não persecução cível, em conformidade com a Lei 13.964/2019, com a Resolução 179/2017-CNMP e com a Resolução 1.193/2020 - CPJ.
1 Republicação no Diário Oficial: Poder Executivo – Seção I, São Paulo, v.131, n.38, p.38, de 25 de fevereiro de 2021, por ter havido alteração no conteúdo. (Aviso nº 115/2021-PGJ-SUBJUR, de 24/02/2021.
São Paulo
SUMÁRIO
5.1. Perda da função pública e suspensão dos direitos políticos: a regra do artigo 20, caput, da LIA 23
5.2. Suspensão dos direitos políticos e a irrenunciabilidade dos direitos fundamentais 25
5.3. Critérios para a aplicação das sanções 30
5.4. Concurso de condutas e conflito aparentes de normas 31
5.5. Aplicação das sanções aos sucessores 33
5.6 Efetividade das sanções 37
5.6.1. Providências úteis à efetividade das sanções reparatórias e pecuniárias 38
5.6.2. Providências úteis à efetividade da sanção de suspensão dos direitos políticos 39
5.6.3. Providências úteis à efetividade da sanção de perda da função pública 42
5.6.4. Providências úteis à efetividade da sanção de proibição de contratar com o poder público, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário 44
5.6.5. Providências úteis à efetividade da sanção de proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário 45
5.6.6. A efetivação da proibição de contratar e receber benefícios ou incentivos indiretamente 47
6. OUTRAS OBRIGAÇÕES QUE PODEM SER PACTUADAS 48
7. O MOMENTO PARA A CELEBRAÇÃO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO CÍVEL 50
8.1. ANPC celebrado no curso da ação de improbidade administrativa 58
8.4. Convenções Processuais 62
10. COMPLEMENTAÇAO E IMPUGNAÇÃO DO ANPC 64
O CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DE
PATRIMÔNIO PÚBLICO E SOCIAL (CAOPP), no desempenho das funções previstas no art. 3º, II, da Resolução nº 533/2008-PGJ, e respeitada a independência funcional dos membros da instituição, emite a presente nota técnica relativa à celebração de acordos de não persecução cível, no domínio da improbidade administrativa, norteada pelos valores da coerência e unidade institucional, conformados pela Lei nº 8.429/1992, pela Resolução 179/2017 – CNMP e pela Resolução 1193/2020-CPJ.
1. BASE NORMATIVA
O artigo 17, §1º, da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA), em sua redação originária, vedava a celebração de transação, acordo ou conciliação nas ações de improbidade administrativa. Agora, com a redação dada pela Lei 13.964/2019 (Lei Anticrime), em vigor desde o dia 23 de janeiro de 2020, referida norma passou a admitir expressamente a solução consensual, nos seguintes termos: “As ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não persecução cível, nos termos desta Lei”.
Seguindo a mesma diretriz de consensualidade, a Lei Anticrime inseriu o §10-A no artigo 17 da LIA, estabelecendo que: “Havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes requerer ao juiz a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa) dias”.
A expressão “acordo de não persecução cível” designa a ideia de autocomposição na esfera de improbidade administrativa, que torna desnecessária a propositura ou a continuidade da ação eventualmente proposta com o objetivo principal de impor sanções ao agente ímprobo. Por outras palavras, estabeleceu-se, no plano normativo, instituto de consensualidade e cooperação que permite a conciliação antes ou depois da propositura da ação de improbidade administrativa.
O legislador estabeleceu um claro paralelo entre o acordo de não persecução cível (ANPC) e o acordo de não persecução penal (ANPP), outra importante inovação
trazida pela Lei 13.964/2019 no âmbito do Código de Processo Penal2. Considerando que as sanções penais e as sanções da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) integram o chamado Direito Sancionador (penal e extrapenal, respectivamente), a Lei 13.964/2019 optou pela padronização das terminologias empregadas nessas distintas instâncias de responsabilização para designar as soluções negociadas para os seus respectivos conflitos.
Uma característica importante desse novo instrumento de justiça negociada é que a colaboração do agente infrator com as investigações não é um pressuposto do acordo. Diferentemente, portanto, dos institutos de direito premial3, nos quais o coautor ou partícipe do ilícito, visando a obtenção de algum prêmio, necessariamente coopera com os órgãos de investigação, no acordo de não persecução cível essa colaboração nem sempre será necessária. Essa noção é importante, porque influencia na solução que deverá ser adotada para várias questões importantes relacionadas à aplicação do ANPC, conforme será visto ao longo desta nota.
No particular, uma observação se faz necessária: embora a LIA não exija a colaboração por parte do investigado/réu, poderá o Membro, no espaço de discricionariedade regrada (poder-dever) que lhe concede a legislação e a própria concepção do ANPC, se negar a formular proposta ao infrator se este não concordar em colaborar com as investigações, conforme será tratado no tópico n. 4 desta nota técnica.
Noutras palavras, o que a Lei de Improbidade Administrativa prevê é a possibilidade de o ANPC assumir os contornos tanto de um acordo de pura reprimenda, no qual o investigado/réu aceita a aplicação imediata das penas propostas pelo Ministério Público, independentemente de qualquer colaboração concreta com as investigações, como de um acordo de colaboração, em que o agente infrator precisa cooperar com o Estado para receber algum tipo de benefício. Vale dizer, cabe ao autor da proposta, diante das circunstâncias de cada caso concreto, avaliar qual tipo de acordo se mostra mais adequado à proteção da probidade administrativa.
2 Referido acordo já estava previsto na resolução 181/2017 do CNMP, mas não em lei. A partir da vigência da nova norma, nos casos de infrações penais com pena mínima inferior a 4 anos, praticados sem violência ou grave ameaça, o Ministério Público pode propor o não processamento do investigado, desde que ele repare o dano, confesse a prática da infração, preste serviços à comunidade e pague uma prestação pecuniária.
3 São exemplos de institutos de direito premial os acordos de leniência celebrados com os autores de atos lesivos à administração Pública (Lei 12.846/2013) ou ofensivos à ordem econômica (Lei 12.529/2011), e os acordos de colaboração premiada celebrados com os integrantes de organização criminosa (Lei 12.850/2013).
A possibilidade de acordo na esfera de improbidade administrativa já estava prevista no art. 1º, § 2º, da Resolução 179/2017 do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), mas não em lei. É indiscutível, portanto, o mérito da alteração da redação do
§ 1º do artigo 17 da XXX, que põe fim a uma importante discussão nessa seara. Contudo, não se pode ignorar o fato de a Lei 13.964/2019 não ter trazido parâmetros procedimentais e materiais a serem observados nesse tipo de ajuste, em ordem a padronizar, em todo o território nacional, esse tipo de negociação.
Diante da ausência de regulamentação do ANPC na LIA, o Ministério Público brasileiro deverá observar as normas gerais previstas na Resolução 179/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (art. 130-A, § 2º, da CF), que poderão ser complementadas pelos Ministérios Públicos dos Estados e da União. Subsistindo a lacuna e considerando a natureza difusa dos bens tutelados pela LIA (patrimônio público e moralidade administrativa), faz-se necessária a aplicação, em caráter complementar, de outras normas que integram o microssistema de tutela coletiva, com destaque para as seguintes Leis: 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) e 12.846/2013 (Lei Anticorrupção Empresarial).
No âmbito do Ministério Público do Estado de São Paulo foi editada a Resolução 1193/2020-CPJ, que traz parâmetros procedimentais e materiais para a celebração do ANPC, regulamentando, assim, o disposto no artigo 17, § 1º, da LIA, e no artigo 1º,
§ 2º, da Resolução 179/2017-CNMP. Nos termos do artigo 13 da Resolução 1193/2020-CPJ, “Aplicam-se subsidiariamente, no que couber, as disposições da Resolução nº 484/06- CPJ ou outra norma pertinente”.
2. NATUREZA JURÍDICA
O acordo de não persecução cível tem natureza de negócio jurídico, na medida em que depende da clara e livre manifestação de vontade das partes. Embora os efeitos mais importantes deste negócio jurídico estejam previstos na lei, a declaração de vontade, ínsita ao acordo de não persecução cível, tornará específica a forma de incidência da norma no caso concreto, vinculando os pactuantes aos efeitos expressos no ajuste.
Apesar de não restar dúvida de que se trata de negócio jurídico material4, cujo foco de acertamento é, fundamentalmente, o direito material - a recomposição do patrimônio público lesado e o sancionamento do agente ímprobo -, o ANPC também poderá ostentar funcionalidades processuais (ex.: previsão de inversão dos honorários periciais em caso de rescisão do acordo seguida do ajuizamento de uma ação de improbidade administrativa, renúncia ao direito de recorrer por parte do agente ímprobo etc.). Por outras palavras, nada impede que num ANPC as partes também estipulem convenções de natureza processual, nos termos do artigo 190 do CPC, conforme será visto no tópico n. 8.3.
Justamente em razão da sua natureza consensual bilateral, não estão os legitimados obrigados a propor o acordo5, assim como não se pode obrigar o agente ímprobo a firmá-lo.
Pode o Ministério Público, a partir de um juízo de conveniência e oportunidade, ajuizar a ação de improbidade administrativa ou formalizar o acordo de não persecução cível. Deve-se verificar qual a situação mais adequada, de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Por outras palavras, no espaço de discricionariedade regrada (poder-dever) que lhe concede a legislação e a própria concepção do ANPC, o MP poderá se negar a formular proposta ao investigado, ou ainda, poderá recusar a proposta apresentada pelo agente ímprobo, pois deverá ponderar previamente e fundamentar se o acordo é mais vantajoso ao interesse público do que o ajuizamento da ação civil por ato de improbidade administrativa ou seu prosseguimento, no caso concreto.
A natureza discricionária da decisão de celebrar ou não o acordo de não persecução é reforçada pela redação do artigo 2º da Resolução 1193/2020-CPJ, que assim dispõe:
Art. 2º – Constitui pressuposto do acordo em matéria de improbidade administrativa a verificação de que este meio é mais vantajoso ao interesse público do que o ajuizamento da ação civil por ato de improbidade administrativa ou
4 Nesse sentido, dentre outros, confiram-se: XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Natureza jurídica do instituto da não persecução cível previsto na Lei de Improbidade Administrativa e seus reflexos na lei de Improbidade Empresarial). Acesso em 3/5/2020.
5 Registre-se que para o STJ o Termo de Ajustamento de Conduta é destituído de caráter obrigatório, razão pela qual sua não proposição não induz à carência de ação. Esse mesmo entendimento, por analogia, deverá ser adotado para o acordo de não persecução cível (REsp 1.252.869/DF, 2 T., Rel. Ministro Xxxxxx Xxxxxxxx, x. 15.08.2013.
seu prosseguimento, levando-se em consideração, dentre outros fatores, a possibilidade de duração razoável do processo, a efetividade das sanções aplicáveis e a maior abrangência de responsabilização de agentes públicos, de terceiros envolvidos no ilícito ou que dele tenham auferido vantagem indevida de qualquer natureza.
Frise-se que se as condições se mostrarem favoráveis à celebração do acordo, deve-se privilegiar essa forma de solução do conflito, sendo dever tanto do Ministério Público como da Administração Pública buscar a solução negociada de forma exaustiva. Por outras palavras, sempre que possível e consideradas as peculiaridades do caso concreto, deve ser priorizada a resolução consensual do conflito, quando esta via se mostrar hábil para viabilizar uma solução mais célere, econômica, implementável e capaz de satisfazer as legítimas pretensões dos titulares dos direitos envolvidos, contribuindo para reduzir a litigiosidade. Todavia, não existe para o agente ímprobo um direito subjetivo à celebração do acordo, conforme já decido pelo Superior Tribunal de Justiça:
Como já pontuado, não há razão para retirar o feito da pauta virtual, uma vez que, além de não ser o acordo de não persecução cível um direito subjetivo do réu, o presente processo já ultrapassou a fase de análise dos fatos e provas (primeira e segunda instâncias), já tendo sido até mesmo julgado o agravo em recurso especial submetido a exame desta Corte Superior (que não ultrapassou sequer a admissibilidade recursal). O recurso extraordinário interposto na sequência já teve, por isso mesmo, o seguimento negado por esta Vice-Presidência, o que apenas pende de confirmação pela Corte Especial na sessão virtual que se iniciará em 6/5/2020 (AgInt no RtPaut no AgInt no RE nos EDcl no AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.341.323 – RS, j. 05.05.2020).
É recomendável que a decisão do Ministério Público de não celebrar o ANPC na fase extrajudicial seja formalizada nos autos, em homenagem à transparência. Considerando que essa decisão pressupõe a existência de indícios suficientes de autoria e materialidade do ilícito investigado, poderá ser exteriorizada no próprio despacho que determina a distribuição da petição inicial da ação de improbidade administrativa. Nesse caso, é apropriado que conste expressamente da petição inicial da ação de improbidade administrativa a ausência de
interesse do Ministério Público na solução negociada, com vistas à dispensa da audiência do artigo 334 do CPC.
Eventual recusa do investigado à proposta ministerial de ANPC também deverá ser formalizada nos autos do procedimento investigatório. Nessa hipótese, outrossim, será oportuno constar expressamente da petição inicial a ausência de interesse do Ministério Público na solução negociada, com vistas à dispensa da audiência do artigo 334 do CPC.
3. PRESSUPOSTOS
O acordo de não persecução cível somente poderá ser celebrado
quando estiverem presentes, cumulativamente, os seguintes pressupostos:
1. confissão da prática do ato de improbidade administrativa (art. 5º, V, da Resolução 1193/2020-CPJ);
2. compromisso de reparação integral do dano eventualmente sofrido pelo erário (art. 5º da LIA; art. 1º, § 2º, da Res. 179/2017-CNMP; e art. 5º, VII, da Res. 1193.2020-CPJ);
3. compromisso de transferência não onerosa, em favor da entidade lesada, da propriedade dos bens, direitos e/ou valores que representem vantagem ou proveito direto ou indiretamente obtido da infração, quando for o caso (art. 5º da LIA; art. 1º, § 2º, da Res. 179/2017-CNMP; e art. 5º, VII, da Res. 1193.2020-CPJ);
4. aplicação de uma ou algumas das sanções previstas no artigo 12 da LIA (art. 1º, § 2º, da Res. 179/2017-CNMP; e art. 5º, VIII, da Res. 1193.2020-CPJ; e
5. constatação, no caso concreto, de que a resolução consensual é mais vantajosa ao interesse público do que o ajuizamento da ação civil por ato de improbidade administrativa ou seu prosseguimento (art. 2º da Res. 1.193/2020-CPJ).
A confissão da prática do ato de improbidade administrativa está prevista no artigo 5º, V, da Resolução 1193/2020-CPJ. Tal exigência favorece a coerência do microssistema de tutela do patrimônio público, haja vista que a confissão também condiciona a solução negociada em outras instâncias de responsabilização do direito sancionador, a saber: (i) artigo 16, § 1º, III, da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção Empresarial); (ii) artigo 86, § 1º, IV, da Lei 12.825/2011 (Lei do CADE); (iii) artigo 28-A do Código de Processo Penal, incluído pela Lei
Anticrime (Lei 13.964/2019); e (iv) arts. 3º-C e 4º da Lei 12.850/2013 (Lei do Crime Organizado). Não abona a lógica jurídica sustentar que um agente público que aceitar uma propina, em razão da função, poderá celebrar um acordo de não persecução cível na esfera da improbidade administrativa, pela prática de ato que configura enriquecimento ilícito (art. 9º, I, da LIA), independentemente de confissão, ao passo que, na esfera criminal, esse mesmo agente somente poderá celebrar um acordo de não persecução penal, pela prática do mesmo fato, se confessar sua participação no ilícito (art. 317 do CP).
A respeito da confissão, três observações se fazem necessárias:
(i) a confissão somente será imprescindível no momento da celebração do acordo. Assim, eventual negativa de participação no ilícito manifestada pelo investigado em outra oportunidade, quer seja nos autos do IC, do PPIC ou da ação judicial em que celebrada a avença, quer seja em procedimentos investigatórios da mesma conduta em outras esferas de responsabilização (administrativa e penal, por exemplo), não representará impedimento à celebração do ANPC;
(ii) no acordo de pura reprimenda, não se exige a confissão útil, isto é, aquela que importe em alteração do panorama probatório. Basta que o agente assuma voluntariamente a responsabilidade pela prática do ato de improbidade administrativa. Com efeito, se a celebração do ANPC pressupõe a existência de indícios suficientes de autoria e materialidade do ato de improbidade administrativa, é imperativo de coerência concluir que a confissão não precisa ser útil para o esclarecimento do fato investigado;
(iii) já no acordo de colaboração, exige-se a confissão útil: conforme será visto no tópico 8.2, o acordo de colaboração exige uma confissão circunstanciada por parte do agente xxxxxxx, na qual ele assume a responsabilidade pela infração e identifica os participantes que tem conhecimento, relatando suas respectivas participações no ilícito, com a individualização das condutas e indicação dos correspondentes elementos de prova.
Noutro flanco, importa destacar que a confissão do pactuante ainda produz um importante efeito prático, a saber, a interrupção do prazo prescricional em relação às sanções de natureza patrimonial e/ou pecuniária, nos termos do artigo 202, VI, do Código Civil, conforme será abordado no tópico 11.
O acordo também deverá contemplar o dever de reparação integral do dano atualizado monetariamente, acrescido de juros legais e perdimento de bens e valores
acrescidos ilicitamente, o que se considera o xxxxxx xxxxxxxxxxxxx xx xxxxxx xx xxxxxxxxx xxxxxxx (xxx. 0x xx XXX; art. 1º, § 2º, da Res. 179/2017-CNMP; e art. 5º, VII, da Res. 1193.2020-CPJ), na matéria.
A rigor, a recomposição do patrimônio público lesado não constitui sanção propriamente dita, mas sim consequência necessária do prejuízo causado. A própria jurisprudência do STJ já fixou a compreensão de que o ressarcimento ao erário não possui natureza de sanção, mas de cominação puramente reparadora dos danos causados ao Erário6.
Da mesma forma, a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do agente ímprobo não representa verdadeira sanção, pois buscará unicamente reconduzir o agente à situação anterior à prática do ilícito7.
Assim, caracterizada a improbidade administrativa por enriquecimento ilícito ou dano ao erário, a devolução dos valores é imperiosa. Essa exigência é reforçada pelo artigo 1º, § 2º, da Resolução 179/2017-CNMP: “§ 2º É cabível o compromisso de ajustamento de conduta nas hipóteses configuradoras de improbidade administrativa, sem prejuízo do ressarcimento ao erário e da aplicação de uma ou algumas das sanções previstas em lei, de acordo com a conduta ou o ato praticado”.
A necessidade de o acordo contemplar ao menos uma das medidas genuinamente punitivas previstas no artigo 12 decorre do fato de que a LIA reflete nítido caráter punitivo-repressivo. Não pode o Ministério Público, por exemplo, se contentar com a recomposição do patrimônio público lesado. Se o ressarcimento integral do dano consubstancia simples e inevitável desdobramento de qualquer ato ilícito que importe prejuízo a outrem, faz-se imperiosa a fixação de, pelo menos, uma das outras sanções apontadas no art. 12 da LIA, sob pena de desvirtuamento da função e do papel da Lei de Improbidade Administrativa, que, idealizada como instrumento de punição, transvestir-se-ia em mera norma reparatória. É esse, inclusive, o atual entendimento do STJ. Confira-se:
6 REsp 1.185.114/MG, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, 2.ª Turma, DJe 04.10.2010; REsp 1.184.897/PE, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxxx, 2.ª Xxxxx, DJe de 27.04.2011; REsp 977.093/RS, Rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxxx, 2.ª Xxxxx, DJe 25.08.2009; REsp 1.019.555/SP, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxx, DJe 29.06.2009; REsp 664.440/MG, Rel. Min. Xxxx Xxxxxxx, 1.ª Xxxxx, DJ 08.05.2006.
7 No mesmo sentido: XXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Improbidade administrativa. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 427). No mesmo sentido, aliás, já decidiu o STJ, REsp 631.301/RS, rel. Min. Xxxx Xxx, x. 12.09.2006.
“O ressarcimento não constitui sanção propriamente dita, mas sim consequência necessária do prejuízo causado. Caracterizada a improbidade administrativa por dano ao Erário, a devolução dos valores é imperiosa e deve vir acompanhada de pelo menos uma das sanções legais que, efetivamente, visam a reprimir a conduta ímproba e a evitar o cometimento de novas infrações. Precedentes do STJ” (REsp 1.184.897/PE, 2.ª Turma, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxxx, DJe 27.04.2011).
Nos termos do artigo 2º da Resolução 1.193/2020-CPJ, também constitui pressuposto do acordo em matéria de improbidade administrativa a verificação de que este meio é mais vantajoso ao interesse público do que o ajuizamento da ação civil por ato de improbidade administrativa ou seu prosseguimento, levando-se em consideração, dentre outros fatores, a possibilidade de duração razoável do processo, a efetividade das sanções aplicáveis e a maior abrangência de responsabilização de agentes públicos, de terceiros envolvidos no ilícito ou que dele tenham auferido vantagem indevida de qualquer natureza.
Dada a importância desse pressuposto, trataremos dele no próximo
tópico, isoladamente.
3.1. Interesse Público
Para assegurar uma atuação resolutiva8 do Ministério Público na tutela da probidade administrativa, o artigo 2º da Resolução 1.193/2020-CPJ exige que seja avaliado, diante do caso concreto, se a resolução consensual apresenta vantagens sobre a tutela da probidade administrativa por adjudicação judicial, atentando-se para os seguintes aspectos: I) a
8 Entende-se por atuação resolutiva aquela por meio da qual o Membro ou a Unidade do Ministério Público, no âmbito de suas atribuições, contribui decisivamente para prevenir ou solucionar, de modo efetivo, o conflito, o problema ou a controvérsia envolvendo a concretização de direitos ou interesses para cuja defesa e proteção é legitimado o Ministério Público, bem como para prevenir, inibir ou reparar adequadamente a lesão ou ameaça a esses direitos ou interesses e efetivar as sanções aplicadas em face dos correspondentes ilícitos, assegurando-lhes a máxima efetividade possível por meio do uso regular dos instrumentos jurídicos que lhe são disponibilizados (Recomendação CNMP n.º 54, de 28 de março de 2017, que dispõe sobre a Política Nacional de Fomento à Atuação Resolutiva do Ministério Público brasileiro).
possibilidade de duração razoável do processo; II) a efetividade das sanções aplicáveis; e II) a maior abrangência de responsabilização de agentes públicos, de terceiros envolvidos no ilícito ou que dele tenham auferido vantagem indevida de qualquer natureza.
O que a norma objetiva, portanto, é que a escolha do instrumento jurídico mais adequado para a defesa da probidade administrativa (ANPC ou ação de improbidade administrativa) seja feita de maneira refletida. Essa atuação consequente é importante porque, independentemente do instrumento escolhido, somente será considerada materialmente resolutiva a atuação do Ministério Público quando a respectiva solução for efetivada, não bastando para esse fim apenas o acordo celebrado ou o provimento judicial favorável, ainda que transitado em julgado9.
Para se alcançar uma atuação resolutiva no domínio da improbidade administrativa, sempre que possível e consideradas as peculiaridades do caso concreto, deve ser priorizada a resolução consensual do conflito, quando esta via se mostrar a mais adequada, justa e razoável para a tutela do patrimônio público e da moralidade administrativa. Não obstante essas três palavras serem usadas, com frequência, de um modo indivisível, cada uma delas contêm significações próprias. Assim, justo (fair) significa que o acordo não deve discriminar, de forma arbitrária, entre investigados em situação similar e, também, sugere que o processo de negociação deve possuir a dimensão dos direitos em litígio. Razoável (reasonable) implica que o acordo deve ser considerado um produto de negociação e não uma imposição arbitrária. Adequado (adequate) possui o sentido de que o acordo deve proporcionar, em magnitude, a suficiente proteção do patrimônio público e da moralidade administrativa e, ainda, estar racionalmente relacionado com a ofensa alegada e sofrida10.
Para além dos fatores fixados no artigo 2º da Resolução 1.193/2010- CPJ (possibilidade de duração razoável do processo; efetividade das sanções aplicáveis; e maior abrangência de responsabilização de agentes públicos, de terceiros envolvidos no ilícito ou que dele tenham auferido vantagem indevida de qualquer natureza), a aferição da adequação, da justiça e da razoabilidade da resolução consensual
9 Cf. art. 13 da Recomendação de Caráter Geral CNMP-CN n.º 02, de 21 de junho de 2018; e artigo 1º, § 3º, da Recomendação CNMP n.º 54, de 28 de março de 2017.
10 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx de. Revista de Processo, 2016, repro vol. 251. Direito estrangeiro e comparado – generalidades. O sistema jurídico nos Estados Unidos - common law e carreiras jurídicas (judges, prosecutors e lawyers): o que poderia ser útil para a reforma do sistema processual brasileiro?
ocorrerá também por intermédio da aplicabilidade de testes de fatores e/ou indicadores de resultado, levando-se em consideração, entre outros, os seguintes11:
I - se não há no acordo discriminação entre os responsáveis pela prática do ato de improbidade administrativa;
II - se o acordo é produto de negociação com a participação do
investigado e seu advogado;
IIII - se o acordo proporciona, em magnitude, a suficiente proteção do patrimônio público e da moralidade administrativa, bem como a garantia para os titulares de outros direitos ou interesses difusos, coletivos, individuais homogêneos e/ou individuais puros, tais como aqueles pertencentes à sociedade em geral e ao Estado, à comunidade, ao grupo e aos respectivos Membros afetados;
IV - se o acordo está racionalmente relacionado com a gravidade do fato, a extensão do dano, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente, e se nele estão inseridas as medidas preventivas, ressarcitórias e punitivas necessárias;
V - se no acordo foram considerados, quando possível, prognósticos sobre prováveis efeitos fáticos e jurídicos, a curto, médio e longo prazos;
VI - se foram considerados os argumentos favoráveis e contrários à
proposta de acordo;
VII - se foram analisadas as questões de fato e de direito envolvidas
no litígio;
VIII - se foi considerada a probabilidade de procedência da pretensão repressiva caso fosse levada à adjudicação judicial;
11 Conferir também, nesse sentido, as diretrizes orientativas constantes no artigo 13, § 2º, da Recomendação de caráter Geral CNMP-CN n. 02, de 21 de julho de 2018, que dispõe sobre parâmetros para a avaliação da resolutividade de da qualidade da atuação dos Membros e das Unidades do Ministério Público pelas Corregedorias-Gerais e estabelece outras diretrizes.
IX - se houve prognósticos com a comparação entre o acordo proposto e o provável resultado de um julgamento judicial sobre o mérito da demanda, com ênfase na responsabilidade e nos danos;
X - se foram considerados, para a realização do acordo, os riscos envolvidos no litígio, inclusive as dificuldades para se estabelecer judicialmente a responsabilidade e para se apurarem os danos sofridos e os possíveis prejuízos a terceiros;
XI - se foram adotadas medidas para garantir a ausência, na proposta de acordo, de colusão ou de qualquer espécie de fraude;
XII - se foram considerados a complexidade, o custo e a provável
duração do processo;
XIII - se foram analisados e considerados o comportamento das partes envolvidas, o seu comprometimento e a sua capacidade para o cumprimento do que for acordado.
Note-se que essas diretrizes são importantes e úteis não apenas para a tomada de decisão por parte do Membro do Ministério Público responsável pela celebração do ANPC, como também para o posterior controle da avença pelo CSMP, na hipótese de acordo celebrado extrajudicialmente, ou pelo Poder Judiciário, na hipótese de acordo celebrado no curso da ação de improbidade administrativa.
Por essa razão, é recomendável que no instrumento do ANPC seja elaborado um tópico específico, no qual se justificará a adoção da solução negociada no caso concreto, apresentando as suas vantagens ao interesse público sobre a tutela da probidade administrativa por adjudicação judicial, conforme exemplificado na minuta de ANPC que figura entre as peças de referência desta nota (clique aqui).
4. CONTEÚDO DO INSTRUMENTO
Nos termos do artigo 5º da Resolução 1193/2020-CPJ, o instrumento que formalizar o acordo deverá conter obrigatoriamente os seguintes itens, inseridos separadamente:
I – Identificação do pactuante agente público ou terceiro que, não sendo agente público, induziu ou concorreu para a prática do ato ou dele se beneficiou direta ou indiretamente: o pactuante é o sujeito ativo do ato ilícito, isto é, aquele que pratica o ato de improbidade administrativa, concorre para sua prática ou dele se beneficia. No sistema adotado pela LIA, além do agente público que pratica o ato ímprobo (art. 2.º), responsabiliza-se também aquele que, sendo ou não agente público, tenha induzido, concorrido ou se beneficiado do ato, de forma direta ou indireta (art. 3.º). Daí a importância de o instrumento do acordo identificar, com precisão, o sujeito ativo do ato de improbidade administrativa.
II – Descrição da conduta ilícita, com todas as suas circunstâncias, em especial suas condições de tempo e local: o objeto do acordo é justamente a conduta imputada ao investigado. Daí a necessidade de descrevê-la com todas as suas circunstâncias, em ordem a viabilizar, inclusive, o trabalho de revisão do CSMP, nos casos de acordos celebrados extrajudicialmente, e do Poder Judiciário, nos casos de acordos celebrados no curso das ações de improbidade administrativa.
Na hipótese de o ANPC ser celebrado apenas com o particular, seja porque o agente público recusou a proposta ministerial, seja porque em relação a ele o MP entendeu que a solução negociada não se apresentava como a mais vantajosa ao interesse público, deverá o Xxxxxx descrever a conduta ilícita tanto do particular quanto do agente público. Isso porque a responsabilização de terceiros, na forma do artigo 3º da LIA, está condicionada à prática de um ato de improbidade por um agente público. É dizer: não havendo participação do agente público, há que ser afastada a incidência da XXX, estando o terceiro sujeito a sanções previstas em outras disposições legais.
Por outro lado, se o ANPC for celebrado apenas com o agente público, seja porque o particular recusou a proposta ministerial, seja porque em relação a ele o MP entendeu que a solução negociada não se apresentava como a mais vantajosa ao interesse público, poderá o Membro ajuizar a ação de improbidade administrativa apenas em face do particular. Neste caso, a petição inicial deverá descrever a conduta ilícita tanto do particular quanto do agente público e deverá ser instruída com cópia do ANPC celebrado com o agente público, no qual este assume a responsabilidade pela prática do ato de improbidade. Não se aplica, aqui, a jurisprudência do STJ no sentido de que os particulares não podem ser responsabilizados com base na LIA sem que figure no polo passivo um agente público responsável pelo ato questionado. Esse entendimento está
fundado numa questão de direito material: o envolvimento de um agente público no ilícito é condição para incidência da LIA e para a responsabilização do particular que concorrer, induzir ou se beneficiar do ato (art. 3º). Não se trata, portanto, de uma hipótese de litisconsórcio passivo necessário. Em sendo assim, se o envolvimento do agente público já foi por ele reconhecido no ANPC – possibilidade inexistente na vigência da redação anterior do artigo 17, § 1º, da LIA –, nada impede que a ação de improbidade administrativa seja ajuizada apenas em face do particular.
III – Subsunção da conduta ilícita imputada à específica previsão legal de modalidade de ato de improbidade administrativa: o enquadramento da conduta na tipologia da LIA é indispensável à definição das sanções aplicáveis ao pactuante.
IV – Quantificação e extensão do dano e dos valores acrescidos ilicitamente, quando houver: o acordo necessariamente contemplará a recomposição do patrimônio público lesado pelas práticas ilícitas e o perdimento de bens e valores acrescidos ilicitamente, quando for o caso, o que se considera o núcleo irrenunciável de tutela do interesse público (LIA, art. 5º), na matéria. Daí a importância da sua correta quantificação.
V – Assunção por parte do pactuante da responsabilidade pelo ato ilícito praticado: conforme visto, a exigência da confissão do agente ímprobo favorece a coerência do microssistema de tutela do patrimônio público, além de constituir-se em causa de interrupção da prescrição das sanções patrimoniais ou pecuniárias.
VI – Compromisso, quando for o caso, de colaborar amplamente com as investigações, promovendo a identificação de outros agentes, partícipes, beneficiários, localização de bens e valores e produção de outras provas, durante o curso do inquérito civil ou do processo judicial: conforme visto, o ANPC é uma espécie de acordo pleno, vale dizer, pode assumir os contornos tanto de um acordo de pura reprimenda, no qual o investigado/réu aceita a aplicação imediata das penas propostas pelo Ministério Público, independentemente de qualquer colaboração concreta com as investigações, como de um acordo de colaboração, em que o agente infrator precisa cooperar com o Estado para receber algum tipo de benefício. Nesse passo, cabe ao autor da proposta, diante das circunstâncias de cada caso concreto, avaliar qual tipo de acordo se mostra mais adequado à proteção da probidade administrativa. Poderá o membro do MP, portanto, no espaço de discricionariedade regrada (poder-dever) que lhe concede a legislação e a própria
concepção do ANPC, se negar a formular proposta ao investigado se este não concordar em colaborar com as investigações.
Se o Membro verificar, no caso concreto, que o acordo só se mostrará mais vantajoso ao interesse público do que o ajuizamento da ação de improbidade administrativa ou seu prosseguimento se o investigado colaborar efetivamente com as investigações, promovendo a identificação de outros agentes, partícipes, beneficiários, localização de bens e valores e produção de outras provas, durante o curso do inquérito civil ou do processo judicial, deverá convencionar tal exigência. A rigor, exigir a colaboração nas hipóteses em que o agente ímprobo pode colaborar para uma maior proteção ao patrimônio público é dever de cada membro do MPSP. Se descumprido esse dever, o acordo não deverá ser homologado, porquanto não será mais vantajoso ao interesse público.
Noutro flanco, importa destacar que a colaboração, quando exigida, deverá ser levada em consideração pelo Membro tanto na definição das sanções quanto na sua gradação, por uma questão de equidade. Isso significa dizer que o pactuante colaborador deverá ser sancionado de maneira mais branda do que o pactuante não colaborador, observados, em qualquer hipótese, os limites máximos e mínimos previstos no artigo 12 da LIA. Desse teor o art. 5º, §2º, da Resolução 1193/2020-CPJ: “§ 2º. A definição das sanções e seus patamares deverá ser orientada pela natureza e gravidade do ato, o proveito auferido pelo agente, o dano causado, a importância da colaboração, bem como a repercussão e reprovabilidade social da conduta” (grifamos).
VII – Dever de reparação integral do dano atualizado monetariamente, acrescido de juros legais e perdimento de bens e valores acrescidos ilicitamente: caracterizada a improbidade administrativa por enriquecimento ilícito ou dano ao erário, a devolução dos valores é imperiosa, constituindo-se, conforme visto, em núcleo irrenunciável da tutela do interesse público. Essa exigência é reforçada pelo artigo 1º, § 2º, da Resolução 179/2017- CNMP: “§ 2º É cabível o compromisso de ajustamento de conduta nas hipóteses configuradoras de improbidade administrativa, sem prejuízo do ressarcimento ao erário e da aplicação de uma ou algumas das sanções previstas em lei, de acordo com a conduta ou o ato praticado”.
O ressarcimento do dano e o perdimento de bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio não poderão ser objeto de composição sobre seu montante,
mas tão-somente sobre a forma, prazo e modo de cumprimento da obrigação. Para a correta quantificação do dano, a critério do Membro, pode se mostrar oportuno ouvir o ente lesado.
Destinação: os valores decorrentes da reparação do dano patrimonial efetivo, perdimento de bens e da multa civil serão revertidos à pessoa jurídica interessada.
Parcelamento: nos termos do art. 7º da Resolução 1.193/2020-CPJ, a reparação do dano e devolução de bens e valores acrescidos ilicitamente poderão ser objeto de parcelamento, devendo abranger a previsão de correção monetária e juros pré-fixados na taxa legal. A quantidade de parcelas levará em conta o interesse público, a extensão do prejuízo ao erário e a capacidade financeira do compromissário. A despeito da omissão da norma, eventual multa civil pactuada também poderá ter o pagamento parcelado, levando-se em conta os mesmos parâmetros acima referidos.
Em caso de parcelamento, poderá ser convencionado o desconto mensal na remuneração do devedor que receba dos cofres públicos ou instituto de previdência, subsídios, vencimentos ou proventos, sempre que conveniente ao interesse público, bem como a instituição de garantia real devidamente averbada no registro competente.
Se as possibilidades financeiras do agente ímprobo forem absolutamente insuficientes para a reparação total do dano a curto ou médio prazo, é possível que se estabeleça um parcelamento do débito em prazos extensos, fixando-se valores de parcelas possíveis de serem adimplidos pelo devedor.
Em tais casos, a inserção de uma cláusula que preveja o vencimento antecipado ou o incremento no valor das parcelas em casos de alteração da situação financeira do devedor será muito bem-vinda. O interesse público nesse tipo de acordo, em detrimento do ajuizamento de uma ação estará calcado no fato de que a existência de um título executivo judicial não irá garantir um ressarcimento mais efetivo ou mais célere ao erário.
VIII – Previsão de aplicação de12:
12 Pontue-se que a redação originária da Resolução 1.193/2020-CPJ exigia, em qualquer hipótese de ato previsto no artigo 9º da LIA, a aplicação de duas ou mais sanções do rol do artigo 12. Essa regra foi modificada por recomendação da Comissão de Regimentos e Normas do Colégio de Procuradores de Justiça, datada de 10 de setembro de 2020, e, pela nova redação do artigo 5º, VII, da Resolução 1.193/2020, a exigência de cominação de duas ou mais sanções está limitada ao acordo relativo a ato de improbidade capitulado no artigo 9º da LIA, quando celebrado sem a exigência de colaboração do investigado/réu (acordo de pura reprimenda).
a) duas ou mais medidas sancionatórias na hipótese de ato previsto no art. 9º ou uma ou mais medidas na hipótese de atos elencados nos arts. 10 e 11 da Lei n. 8.429/92, em investigação ou processo que não exija colaboração do investigado, observados os limites máximos e mínimos legais, sem prejuízo do disposto no inciso anterior;
b) uma ou mais medidas sancionatórias nas hipóteses de atos de improbidade administrativa, em investigação ou processo que exija colaboração do investigado, observados os limites máximos e mínimos legais, sem prejuízo do disposto no inciso anterior”.
A LIA tem natureza preponderantemente repressiva, ou seja, seu objetivo principal é punir os responsáveis pela prática do ilícito. Por essa razão, independentemente da fixação das sanções de natureza reparatória (perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio e ressarcimento integral do dano) - imperativas nas hipóteses em que há enriquecimento ilícito ou dano ao erário -, o ANPC sempre deverá prever a aplicação de uma ou mais das medidas genuinamente punitivas previstas no artigo 12 da LIA, quais sejam: (i) perda da função pública, (ii) suspensão dos direitos políticos, (iii) multa civil e (iv) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.
A exigência de aplicação de uma ou mais medidas genuinamente punitivas já estava prevista no artigo 1º, § 2º, da Resolução 179/2017-CNMP e vem reforçada pela Resolução 1.193/2020-CPJ, que logo em suas disposições gerais estabelece que o ANPC será firmado sem prejuízo do ressarcimento ao erário, do perdimento de bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio e da aplicação de pelo menos uma das sanções previstas em lei, considerados a conduta ou o ato praticado e o dano causado (art. 1º, § 1º).
A Resolução n. 1.193/2020-CPJ inova em relação à Resolução 179/2017-CNMP ao exigir a aplicação de duas ou mais medidas sancionatórias na hipótese de ato previsto no art. 9º, em investigação ou processo que não exija colaboração do investigado. Vale dizer, se o ato imputado ao investigado/réu se enquadrar na tipologia do artigo 9º da LIA (enriquecimento ilícito) e o Membro não exigir do agente ímprobo a colaboração com as investigações (acordo de pura reprimenda), para além da fixação do compromisso de ressarcimento ao erário e do perdimento de bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, deverão ser aplicadas, pelo menos, duas das outras sanções previstas no rol do artigo 12, I, da LIA. Por outro
lado, se o ato imputado ao investigado/réu se subsumir na tipologia dos artigos 10 (lesão ao erário) e/ou 11 (ofensa aos princípios da administração pública) da LIA, ou ainda, se o agente ímprobo colaborar com as investigações – inclusive na hipótese do artigo 9º - o ANPC deverá prever uma ou mais medidas sancionatórias.
IX – Estipulação de cláusula específica de aplicação de multa diária ou outra espécie de cominação que se mostre adequada e suficiente para o caso de descumprimento das obrigações assumidas: para compelir o pactuante a cumprir suas obrigações, o ANPC deve prever cominações (sanções). Dependendo do caso podem-se fixar, por exemplo, multas diárias (que incidam a partir de quando configurado o descumprimento do ajuste, até a data em que ele seja adimplido), ou multas que incidam a cada vez que determinada conduta é praticada ou omitida pelo compromissário.
De todo modo, não é mister que a sanção seja pecuniária: podem- se cominar obrigações de fazer ou não fazer. O tipo de sanção escolhida e seu valor devem ser adequados e suficientes às particularidades de cada caso concreto, de modo a desestimular o compromissário a faltar com as obrigações assumidas.
Destinação: as liquidações de multas deverão ser destinadas a fundos federais, estaduais e municipais que tenham o mesmo escopo do fundo previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/1985, nos termos do disposto no artigo 5º da Resolução 179/2017-CNMP, aplicável em caráter complementar.
X – Previsão de que a eventual resolução, perda de efeito ou rescisão do acordo, por responsabilidade do compromissário, não implicará a invalidação da prova por ele fornecida ou dela derivada: as provas eventualmente apresentadas pelo pactuante, ou delas derivadas, poderão ser utilizadas pelo Ministério Público, ainda que o ANPC tenha sido rescindido em razão do inadimplemento injustificado das obrigações assumidas pelo agente ímprobo.
No ponto, é oportuno ressaltar que a cláusula rescisória do ANPC só deve ser incluída no instrumento nas hipóteses em que o Membro tiver fixado, dentre as condições para a celebração do ajuste, a colaboração efetiva do pactuante com as investigações. Nesses casos, se o sujeito descumprir as condições do ANPC, deixando, por exemplo, de apresentar os elementos de prova que se obrigou a fornecer, com o intuito de demonstrar a
existência da prática denunciada, no prazo fixado para a sua disponibilização, opera-se a rescisão parcial do acordo.
Rescindido o acordo, haverá o vencimento antecipado das parcelas
não pagas e serão executados:
a) o valor integral da multa civil, descontando-se as frações
eventualmente já pagas;
b) os valores pertinentes aos danos e ao enriquecimento ilícito; e
c) os valores correspondentes à cláusula cominatória. Por outro lado, será retomado o procedimento investigatório referente aos atos e fatos incluídos no acordo, ou ajuizada ou retomada a ação de improbidade administrativa, conforme o caso, sem prejuízo da utilização das informações prestadas e dos documentos fornecidos pelo responsável pelo descumprimento da composição.
Nos demais casos, nos quais o Membro não exige a colaboração do pactuante com as investigações, não será necessária a inclusão de uma cláusula rescisória no instrumento do ANPC. Isso porque, nos termos do artigo 5º, § 4º, da Resolução 1193/2020, “o descumprimento do acordo, ainda que parcial, acarretará o vencimento antecipado das obrigações em sua totalidade, competindo ao órgão do Ministério Público, no prazo de sessenta dias, promover a execução do título, inclusive da cláusula cominatória prevista no inciso IX”.
XI – Especificação, se for o caso, de tantos bens quanto bastem para a garantia do cumprimento das obrigações assumidas, os quais permanecerão indisponíveis: trata- se de medida de natureza assecuratória do resultado útil da avença, que impede a livre disposição dos bens pelo pactuante, obstando a prática de qualquer ato jurídico que implique a transferência de domínio. A indisponibilidade, quando pactuada, não deve incidir sobre todo o patrimônio do agente ímprobo, limitando-se a constrição aos bens que assegurem o ressarcimento integral do dano ou a restituição dos acréscimos patrimoniais obtidos ilicitamente.
Será oportuna a pactuação dessa medida especialmente nas hipóteses de danos de maior extensão, sem prejuízo da sua fixação para outros casos, a critério do Membro, consideradas as peculiaridades do caso concreto, em especial, a capacidade financeira do agente ímprobo, a extensão do dano e o proveito patrimonial obtido com o ilícito.
XII – Advertência de que a eficácia do acordo extrajudicial estará condicionada a sua homologação pelo Conselho Superior do Ministério Público: o pactuante deve ser advertido de que a eficácia do ANPC extrajudicial estará condicionada a sua homologação pelo CSMP. Nas reuniões de negociação, é importante esclarecer o pactuante sobre essa condição de eficácia do ANPC.
5. SANÇÕES
O acordo de não persecução cível poderá prever a aplicação imediata de quaisquer das sanções previstas no artigo 12 da LIA, a saber:
a) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao
patrimônio;
b) ressarcimento integral do dano;
c) perda da função pública;
d) suspensão dos direitos políticos;
e) multa civil; e
f) proibição de contratar com o poder público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.
Conforme visto, a redação originária da LIA vedava qualquer tipo de transação, acordo ou conciliação na esfera de improbidade administrativa. A Lei 13.964/2019, a seu turno, não só excluiu tal vedação como incluiu no artigo 17, § 1º, da LIA previsão expressa de solução negociada, sem estabelecer qualquer tipo de limite ao acordo. Essa ausência de limitação na LIA autoriza as partes interessadas a convencionarem a aplicação de toda e qualquer sanção prevista em seu artigo 12, por meio do ANPC, quer seja extrajudicialmente, quer seja no curso de uma ação de improbidade administrativa.
Em reforço a esse entendimento, cita-se a própria Resolução 179/2017-CNMP, que autorizou a celebração de acordo na esfera de improbidade administrativa,
mesmo antes da alteração da redação do artigo 17, § 1º, da LIA, sem estabelecer nenhuma restrição quanto às sanções aplicáveis ao agente ímprobo (art. 1º, § 2º).
Na linha dessa tendência de se prestigiar a autocomposição integral das partes, o Ministério Público do Estado de São Paulo, ao regulamentar o ANPC por meio da Resolução 1.193/2020-CPJ, também não estabeleceu nenhum limite ao objeto da avença, vale dizer, não estabeleceu nenhuma restrição quanto às sanções aplicáveis em sede de autocomposição.
Remarque-se que a resolução 1193/2020-CPJ inova em relação à Resolução 179/2017-CNMP ao exigir a aplicação de duas ou mais medidas sancionatórias na hipótese de ato previsto no art. 9º. No âmbito do MPSP, portanto, se o ato investigado se enquadrar na tipologia do artigo 9º da LIA (enriquecimento ilícito), para além da fixação do compromisso de ressarcimento ao erário e do perdimento de bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, deverão ser aplicadas, pelo menos, duas das outras sanções previstas no rol do artigo 12, I, da LIA. Por outro lado, se o ato investigado se subsumir na tipologia dos artigos 10 (lesão ao erário) e/ou 11 (ofensa aos princípios da administração pública) da LIA, o ANPC deverá prever uma ou mais medidas sancionatórias.
5.1. Perda da função pública e suspensão dos direitos políticos: a regra do artigo 20,
caput, da LIA
Nos termos do artigo 20, caput, da Lei 8.429/1992, “a perda da função
pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória”.
No ponto, a questão que se coloca é saber se essa norma representa algum obstáculo à aplicação consensual das sanções de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos, por meio de um ANPC. Por outras palavras, a aplicação de tais sanções está condicionada, inexoravelmente, ao trânsito em julgado de uma sentença condenatória prolatada numa ação de improbidade administrativa? A resposta é negativa.
A incidência da norma em exame pressupõe a necessária resistência à pretensão punitiva por parte do agente ímprobo. Se este concorda com a aplicação amigável das sanções em questão - solução possível a partir da vigência da nova redação dada pela Lei Anticrime ao artigo 17, § 1º, da LIA -, afasta-se a incidência da regra prevista no artigo 20, caput. Prestigia-se,
assim, a interpretação lógico-sistemática da norma em exame, em detrimento de uma interpretação meramente literal. Nesse mesmo sentido, confira-se o escólio de Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxxxx:
Como também não vemos óbice algum para que sejam convencionadas sanções de inelegibilidade, perda de cargo público ou suspensão dos direitos políticos, mesmo havendo previsão legal e constitucional de que elas só se dariam com o trânsito em julgado de sentença condenatória. Observe-se que os art. 20, da lei 8.429/92, e art. 15, da CF, são aplicáveis enquanto é imposto ao investigado/acusado a sanção de inelegibilidade, perda do cargo ou suspensão dos direitos políticos (solução adjudicada do conflito), e não quando ele, voluntariamente, aceita tais sanções como consequência do acordo (solução negociada do conflito)”.13
Em reforço a esse atendimento, obtempera-se que a norma sub examine tem por finalidade impedir o cumprimento provisório das sanções de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos. Dada a gravidade dessas penas, que impõem importantes restrições aos direitos do agente ímprobo, a norma condiciona a sua eficácia ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Claramente pensada para as hipóteses de tutela da probidade administrativa por adjudicação judicial, não abona a lógica jurídica limitar a celebração do ANPC com base na aplicação dessa norma.
Sob esse aspecto, se o agente ímprobo aceitar a aplicação de tais sanções por meio da celebração de um ANPC, numa hipótese em que a resolução consensual do conflito se mostrar a mais adequada, justa e razoável para a tutela do patrimônio público e da moralidade administrativa, sequer haverá interesse de agir para a ação de improbidade administrativa. Afinal, o exame da “necessidade da jurisdição” fundamenta-se na premissa de que a jurisdição tem de ser encarada como última forma de solução de conflito14.
13 xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxxxx-xx-xxxxxxxx-xxxxx/000000/xxxxxxxxx-x-xxxxxx-xxxxxxxxxxxx- sobre-os-acordos-em-tema-de-improbidade-administrativa, acesso em 26.08.2020.
14 XXXXXX XX, Xxxxxx. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo
de conhecimento. 19 ed. Salvador: Juspodivum, 2017, p. 405.
5.2. Suspensão dos direitos políticos e a irrenunciabilidade dos direitos fundamentais
Ainda sobre os limites materiais da solução negociada do conflito no domínio da improbidade administrativa, outra questão importante consiste em saber se a sanção de suspensão dos direitos políticos, que afeta a cidadania do agente ímprobo, restringindo-lhe temporariamente os direitos políticos, obstando, assim, sua participação na vida política do Estado, pode ser aplicada em sede de ANPC.
O art. 15 do texto constitucional indicou expressamente o ato de “improbidade administrativa” (inciso V) entre as hipóteses de suspensão dos direitos políticos (privação temporária). No particular, atente-se que a norma sub analise não exige a condenação definitiva pela prática do ato de improbidade administrativa, mas sim e tão somente a prática do ilícito, diferentemente da hipótese de suspensão relacionada à prática de infração penal, esta sim condicionada ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória (inciso III). Desse teor o artigo 15 da CF:
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em
julgado;
seus efeitos;
II - incapacidade civil absoluta;
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem
IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação
alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;
V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º
(grifou-se).
Complementando esse dispositivo, a Constituição estabeleceu no art. 37, § 4.º, que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Em obediência a esse comando constitucional, a Lei 8.429/1992 previu expressamente a sanção de suspensão dos direitos políticos (art. 12, I, II, III e IV), que poderá ser aplicada pela prática de qualquer modalidade de improbidade administrativa (enriquecimento ilícito, lesão ao erário e atentado contra os princípios regentes da atividade estatal). Já em seu artigo 17, § 1º, com a nova redação dada pela Lei 13.964/2019, passou a admitir expressamente a solução negociada, sem estabelecer nenhum tipo de limitação material ao acordo.
Nessa ordem de ideias, é imperioso concluir que a simples prática do ato de improbidade administrativa, quando confessada pelo agente, autoriza a aplicação consensual da sanção de suspensão de direitos políticos por meio da celebração de um ANPC, quer seja na fase extrajudicial, quer seja na fase judicial.
Esse entendimento, que encontra respaldo em respeitada doutrina15, foi recentemente adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, no julgamento da apelação 7001871-82.2018.8.22.0015- (PJE). In casu, admitiu-se a aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos no domínio da improbidade administrativa, por meio de solução negociada. Confira-se:
Apelação. Ação de improbidade. Ausência de interesse de agir. Não verificado. Acordo judicial. Homologação. Possibilidade. Suspensão dos direitos políticos. Direito indisponível. Inocorrência. Finalidade da sanção. Recurso improvido.
Noutro giro, sobreleva notar que o pactuante, ao confessar a prática do ato de improbidade administrativa, aceita voluntariamente a aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos, tudo mediante a supervisão e orientação de seu advogado (art. 9º, § 1º, da Resolução 1.193/2020-CPJ).16 Não há de se cogitar, na hipótese, em renúncia dos direitos políticos. Tem-se, isso sim, mera aceitação voluntária da aplicação de sanção de matriz constitucional, com a consequente restrição temporária ao exercício de direito fundamental. Sendo assim, com a celebração do ANPC, o investigado/réu opta, na verdade, por aceitar uma restrição temporária ao
15 Entre outros, veja-se: GAJARDONI, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxxxx-xx- processo-civil/326016/primeiros-e-breves-apontamentos-sobre-os-acordos-em-tema-de-improbidade- administrativa, acesso em 26.08.2020.
16 Art. 9º, § 1º. O termo de acordo deverá ser subscrito pelo pactuante ou por representante com poderes específicos para firmá-lo, acompanhado de advogado.
exercício dos seus direitos políticos, como consequência da aplicação de sanção prevista tanto na Constituição Federal (art. 15, V, c.c o art. 37, § 4º), quanto na LIA (artigo 12).
A conclusão pela impossibilidade de aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos em sede de ANPC parte da ideia de que a autocomposição por negociação, necessariamente, importa na disposição sobre o direito. A premissa está equivocada. A aplicação consensual dessa sanção não importa concessão sobre os direitos políticos, isto é, sobre seu conteúdo normativo, residindo o equívoco fundamental na confusão entre o não oferecimento de resistência à pretensão punitiva estatal e a renúncia a direitos. É preciso deixar bem claro esse ponto: a negociação na esfera de improbidade administrativa não comporta concessões (renúncias) sobre o conteúdo de direitos fundamentais do réu/investigado.
Essa questão não deveria causar maiores questionamentos, sem embargo de respeitáveis opiniões em sentido contrário17. Com efeito, o agente ímprobo voluntariamente opta por não oferecer resistência à pretensão punitiva estatal, confessa a prática do ilícito, compromete-se a recompor o patrimônio público lesado, quando for o caso, e aceita a aplicação imediata de uma ou mais sanções do rol do artigo 12 da LIA. Ou seja, espontaneamente e sob a orientação de seu defensor, o sujeito aceita a aplicação da sanção de suspensão de direitos políticos - que se traduz em restrição de matriz constitucional ao exercício de direito fundamental e não em renúncia - em troca de vários benefícios, tais como a programação financeira para pagamento das sanções de natureza patrimonial ou pecuniária, a celeridade e o equacionamento da controvérsia, a valorização de sua imagem pública, a economia de honorários advocatícios e custas processuais etc. Por outro lado, se quiser manter intactos os seus direitos políticos, basta optar por não celebrar o ANPC.
Discussão semelhante existe em torno da renúncia do direito ao silêncio, prevista na Lei 12.850/2013 (Lei do Crime Organizado). Desse teor o artigo 4º, § 14, do citado diploma legal: “Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade”. Como bem observam Xxxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxx00, o legislador não se valeu da melhor técnica legislativa ao redigir o texto desse dispositivo. Ao se referir de forma imperativa à renúncia ao direito fundamental ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII), o legislador parece ter ferido justamente uma
17 Confira-se, nesse sentido, a Nota Técnica n. 01/2020 do CAODPP do Ministério Público do Estado do Ceará.
18 Crime organizado, 3 ed. São Paulo: Método, 2017, p. 197.
das características marcantes dos direitos fundamentais, qual seja: a irrenunciabilidade. Em verdade, a expressão “renúncia”, empregada na Lei do Crime Organizado, designa a ideia de restrição ao exercício do direito constitucional ao silêncio, aceita voluntariamente pelo colaborador, assistido por seu defensor. Xxxxx, ao homologar a colaboração premiada avençada entre o Ministério Público Federal e o senador Xxxxxxxx xx Xxxxxx, o Min. Xxxxxxxx (Pet 5.952/STF) confirmou que a dita “renúncia” deve ser interpretada com a adição restritiva ao “exercício” do direito ao silêncio no âmbito do acordo e para seus fins.
Mutatis mutandis, não há que se falar em renúncia aos direitos políticos na celebração do ANPC, mas sim em aceitação voluntária da aplicação imediata de uma sanção de matriz constitucional, que importa em restrição temporária ao exercício de direito fundamental.
Registre-se que essa possibilidade de se convencionar a aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos em sede de ANPC foi reconhecida formalmente pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Tribunal Superior Eleitoral, por meio da Resolução Conjunta
n. 06, de 21 de maio de 2020, que institui a sistemática unificada para o envio, no âmbito do Poder Judiciário, de informações referentes a condenações por improbidade administrativa e a outras situações que impactem o gozo dos direitos políticos, estabelecendo, ainda, o compartilhamento dessas informações entre o Conselho Nacional de Justiça e o Tribunal Superior Eleitoral.
Nos termos do artigo 1º, parágrafo único, II, da referida Resolução, como os acordos de não persecução cível relativos à improbidade administrativa podem impactar o gozo dos direitos políticos - justamente na hipótese defendida nesta nota técnica, a saber, de aplicação consensual da sanção de suspensão dos direitos políticos -, devem ser comunicados ao TSE pelo órgão do Poder Judiciário responsável pela homologação do acordo, por meio do Sistema de Informações de Óbitos e de Direitos Políticos – INFODIP19.
Ao disciplinar a comunicação das informações referentes a acordos de não persecução cível que impactem no gozo dos direitos políticos dos agentes ímprobos, a Resolução Conjunta 06/2020 - CNJ/TSE esvazia a discussão relativa à (im) possibilidade de se
19 O sistema INFODIP, que se destina ao tratamento das comunicações que podem ensejar restrições ao gozo dos direitos políticos, é formado por dois módulos, um de uso exclusivo da Justiça Eleitoral e outro para uso dos usuários externos que encaminham comunicações por intermédio da ferramenta, denominados, respectivamente, INFODIP (módulo interno) e INFODIP Web.
aplicar consensualmente essa espécie de sanção na esfera de improbidade administrativa. É dizer, tanto o CNJ quanto o TSE consideram essa prática válida.
Se, por um lado, referida resolução só cuida dos acordos celebrados no âmbito do Poder Judiciário, por outro, não há razões para afastar a possibilidade de aplicação consensual dessa sanção também nos acordos celebrados extrajudicialmente, conforme se extrai dos argumentos acima delineados.
Considerando, contudo, que a Resolução Conjunta 06/2020 - CNJ/TSE só alcança os acordos de não persecução cível celebrados no âmbito do Poder Judiciário, enquanto o TSE não disponibilizar ao Ministério Público brasileiro e à Administração Pública o acesso ao sistema INFODIP, o envio à Justiça Eleitoral de informações referentes a acordos celebrados extrajudicialmente que impactem no gozo dos direitos políticos do agente ímprobo deverá ser feito pelas vias ordinárias. Vale dizer, no âmbito do Ministério Público do Estado de São Paulo, deverá o órgão de execução que celebrar o ANPC comunicar a suspensão dos direitos políticos à Corregedoria Regional Eleitoral do TRE-SP, por meio de ofício, nos termos do art. 71,
§2º, do Código Eleitoral (Lei n. 4.737/1965)20. No particular, é oportuno registrar que a Procuradoria-Geral de Justiça já está em tratativas com o TSE para viabilizar o encaminhamento dessas informações por meio de webservice ou de aplicação web, nos termos Resolução Conjunta 06/2020 - CNJ/TSE.
Em conclusão, tem-se que os acordos de não persecução cível celebrados pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, quer seja na fase extrajudicial, quer seja na fase judicial, poderão prever todas as sanções constantes do rol do artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa, inclusive as penas de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos. Essa solução, para além de encontrar fundamento na Constituição Federal e na LIA, está alinhada com a Política Nacional de Fomento à Atuação Resolutiva do Ministério Público brasileiro, implementada pela Recomendação 54/2017 do CNMP.
20 CE, Art. 71, § 2º. § 2º No caso de ser algum cidadão maior de 18 (dezoito) anos privado temporária ou definitivamente dos direitos políticos, a autoridade que impuser essa pena providenciará para que o fato seja comunicado ao juiz eleitoral ou ao Tribunal Regional da circunscrição em que residir o réu.
5.3. Critérios para a aplicação das sanções
A definição das sanções e sua dosimetria observará o binômio suficiência-adequação. Cuida-se de atividade discricionária regrada ou limitada. O Ministério Público - a exemplo dos demais legitimados - está preso aos parâmetros que a lei estabelece. Dentro deles poderá fazer as suas opções, para chegar a uma aplicação justa da sanção, de forma negociada, atento às exigências da espécie concreta, isto é, às suas singularidades, à luz dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade.
Nos termos do vetado artigo 17-A, § 1º, que havia sido inserido na LIA pela Lei Anticrime, “em qualquer caso, a celebração do acordo levará em conta a personalidade do agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do ato de improbidade, bem como as vantagens, para o interesse público, na rápida solução do caso”. A despeito do veto integral ao artigo 17-A, tais critérios podem ser utilizados pelo Membro do Ministério Público na celebração do ANPC.
Por outro lado, também podem ser aproveitados os critérios previstos no artigo 12, caput, e parágrafo único, da LIA, segundo os quais, na aplicação das sanções aos autores de ato de improbidade administrativa, deverá ser considerada a gravidade da conduta, a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelo agente. Mas, não é só isso. No ponto, a lei disse menos do que queria, afinal, esses dois últimos elementos valorativos (extensão do dano e proveito patrimonial) sequer estão presentes nas hipóteses de atos de improbidade que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11).
Cite-se, ainda, o artigo 5º, § 2º, da Resolução 1993/2020 -CPJ, que assim dispõe: “a definição das sanções e seus patamares deverá ser orientada pela natureza e gravidade do ato, o proveito auferido pelo agente, o dano causado, a importância da colaboração, bem como a repercussão e reprovabilidade social da conduta”.
A par desses elementos, é certo que existirão outros que também poderão servir como parâmetros para o Membro do MP decidir quais sanções serão pactuadas e em qual medida, como a intensidade do elemento subjetivo (dolo ou culpa) da conduta, a ofensividade da conduta do agente, a natureza da participação dos agentes, a celebração anterior de ANPC pela prática de outro ato de
improbidade administrativa, a reincidência21, a reiteração22 no cometimento de outros atos de improbidade administrativa, o momento da celebração do acordo, a cooperação do investigado/réu para a apuração das infrações etc.
No ponto, importa registrar que a LIA, diferentemente do regramento dispensado pelo Código de Processo Penal ao acordo de não persecução penal, não veda a celebração do ANPC nas hipóteses em que o agente é reincidente, tem envolvimento reiterado com o ilícito, ou ainda, tenha celebrado um outro ANPC nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração. A despeito disso, nada impede que o Membro, dentro do juízo de discricionariedade que a lei lhe confere, e consideradas as particularidades do caso concreto, entenda que o ANPC, nessas hipóteses, não seja a medida mais adequada para a defesa da probidade administrativa. Por outro lado, caso decida celebrá-lo, deverá considerar tais fatores para a definição das sanções aplicáveis e a correspondente dosimetria, à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Noutro flanco, em se tratando de acordo firmado com pessoa jurídica, também podem ser empregados, em diálogo das fontes, os critérios de aplicação de penas previstos no artigo 7º da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção Empresarial), quais sejam: (i) a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica que concorreu ou se beneficiou do ato de improbidade administrativa; e (ii) o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados.
5.4. Concurso de condutas e conflito aparentes de normas
É possível que, em uma mesma investigação, seja apurada a autoria e a materialidade de diferentes condutas (concurso de condutas), cada qual configuradora de diferentes atos de improbidade administrativa.
21 Para os fins desta nota técnica, considera-se reincidência quando o agente comete novo ato de improbidade administrativa, depois de transitar em julgado a sentença que o tenha condenado por ato de improbidade anterior.
22 Para os fins deste nota técnica, a condenação em primeira instância pela prática de um ato de improbidade anterior
é o suficiente para caracterizar a “reiteração”.
Imaginemos, por exemplo, que num inquérito civil seja apurada a responsabilidade de um prefeito pela prática de três condutas distintas, que encontram abrigo nos tipos previstos nos arts. 9.º (enriquecimento ilícito), 10 (lesão ao erário) e 11 (atentado contra os princípios da Administração Pública) da LIA. Nesse caso, como deverá se convencionada a aplicação das sanções? As sanções aplicáveis a cada ato de improbidade serão somadas? Pode o Membro deixar de aplicar alguma das sanções de natureza ressarcitória?
Para responder a essas e outras indagações, é preciso distinguir:
a) quanto às sanções de cunho ressarcitório (reparação do dano e perda de bens ou valores acrescidos ilicitamente) deverão ser obrigatoriamente somadas, em atenção ao princípio da restituição integral do dano (art. 5.º da LIA)23;
b) quanto às sanções que admitem variação dentro dos limites mínimo e máximo abstratamente cominados (suspensão dos direitos políticos e multa civil), tanto poderão ser somadas quanto dosadas (ex.: o Membro convenciona a aplicação da pena de suspensão dos direitos políticos apenas para o ato mais grave, fixando-a, porém, acima do limite mínimo), observando-se, em qualquer caso, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade;
c) no que concerne à sanção de proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios (não variável24), poderá ser somada (na hipótese de ser fixada para dois ou mais atos) ou não, a critério do Membro, sob o manto dos já citados princípios.
Registre-se, por oportuno, que em caso de concurso de condutas, para cada ato de improbidade administrativa deverá ser aplicada pelo menos uma medida genuinamente punitiva. É dizer, para cada conduta ilícita o acordo deverá prever pelo menos uma das sanções previstas no artigo 12 da LIA, sem prejuízo da reparação do dano, quando for o caso.
23 A propósito: SOBRANE, Xxxxxx Xxxxx. Improbidade administrativa: aspectos materiais, dimensão difusa e coisa julgada. São Paulo: Atlas, 2010. p. 167-168; em igual sentido: STJ, REsp 631.301/RS, rel. Min. Xxxx Xxx, x. 12.09.2006.
24 No particular, a expressão “variável” está sendo empregada para indicar a existência de limites mínimo e máximo abstratamente cominados para as sanções aplicáveis a cada tipo de improbidade. Difere, pois, da expressão “gradação”, usada para designar as diferenças quantitativas existentes entre as sanções aplicáveis às diferentes modalidades de improbidade.
Também é plenamente possível que uma mesma conduta se enquadre, ao mesmo tempo, nos três tipos legais de improbidade (enriquecimento ilícito, lesão ao erário e atentado contra os princípios da Administração). Fazendo um paralelo com o direito penal, tem-se aqui uma espécie de conflito aparente de normas.
Nesses casos de ofensas simultâneas aos bens jurídicos tutelados pelos arts. 9.º, 10 e 11 da LIA, terá aplicação o princípio da subsidiariedade, de forma que a ofensa mais ampla e dotada de maior gravidade, descrita pela norma primária (art. 9.º), engloba as menos amplas, contidas nas normas subsidiárias (arts. 10 e 11), ficando a aplicabilidade destas condicionada à não incidência da outra.
5.5. Aplicação das sanções aos sucessores
Nos termos do artigo 8º da LIA, “o sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilicitamente está sujeito às cominações desta lei até o limite do valor da herança”.
Ao prever que o sucessor do agente xxxxxxx está sujeito às cominações da LIA, o dispositivo em exame estabelece que, em razão do falecimento do responsável pelo ato de improbidade administrativa, seus sucessores passam a ter legitimidade tanto para figurar no polo passivo de uma ação de improbidade administrativa, quanto para celebrar o ANPC. Nesse particular, é importante distinguir:
(i) caso o falecimento do agente ímprobo se verifique antes da celebração do ANPC, esta deverá ser firmado com os seus herdeiros;
(ii) caso o evento morte se dê durante o cumprimento das obrigações pactuadas no ANPC, deverão ser observadas as regras ordinárias de sucessão previstas no Código Civil e no Código de Processo Civil.
Note-se que o artigo 8º da LIA restringe a responsabilidade dos sucessores do agente ímprobo ao limite do valor da herança. Regra semelhante está prevista no artigo 1.792 do Código Civil, segundo o qual o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança. Trata-se do chamado benefício de inventário.
A respeito da responsabilidade dos sucessores, faz-se necessário definir quais das sanções previstas no artigo 12 da LIA lhes são transmissíveis.
Há consenso em doutrina no sentido de que o artigo 8º da LIA deve ser interpretado de forma restritiva, de modo a afastar a possibilidade de transmissão aos sucessores do agente ímprobo das sanções consistentes em perda da função pública e suspensão dos direitos políticos, dado o caráter personalíssimo de tais cominações.
Da mesma forma, há consenso em que as sanções de natureza reparatória, quais sejam o ressarcimento integral dos danos e a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio são transmissíveis aos sucessores do agente ímprobo, dado seu conteúdo exclusivamente patrimonial. A esse respeito, basta a previsão contida no artigo 5º, inciso XLV, da Constituição Federal, que dispõe in verbis:
Art. 5º. (...) XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;
Nessa quadra, resta apenas saber se a sanção consistente em multa civil pode ser transmitida aos sucessores do agente ímprobo e, de conseguinte, pode ser incluída num ANPC. Trata-se de tema polêmico, sobre o qual existem dois entendimentos:
1.º) impossibilidade de transmissão da multa civil25: os adeptos desse entendimento afastam a possibilidade de aplicação da multa civil aos sucessores do agente ímprobo, porquanto se trata de cominação de natureza genuinamente punitiva. Argumenta-se, nesse sentido, que apenas as cominações de natureza reparatória podem ser transmitidas aos sucessores, na linha do que estabelece o supracitado artigo 5º, inciso XLV, da CF;
2.º) possibilidade de transmissão da multa civil26: os defensores dessa tese afirmam que o inciso XLV do art. 5º da CF, em razão da posição topográfica, se refere à
25 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Improbidade administrativa: Lei 8.429/92 comentada. São Paulo: Método, 2011. p. 70; XXXXX, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Manual de improbidade administrativa. São Paulo: Método, 2012. p. 151; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Improbidade administrativa: ação civil e cooperação jurídica internacional. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 130-131; e XXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Probidade administrativa. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 253.
26 XXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Improbidade administrativa. 9. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2017. p.
responsabilidade penal, não podendo, portanto, ser aplicado na esfera de improbidade administrativa, sem temperamentos. Nesse sentido, a possibilidade de a multa civil ser adimplida com o patrimônio deixado pelo agente ímprobo está em consonância com o princípio de que o patrimônio do devedor responde por suas dívidas (arts. 391 e 942 do CC). Ainda, argumenta-se que essa solução guarda grande semelhança com o tratamento legal e doutrinário dispensado às penalidades pecuniárias resultantes do descumprimento da legislação tributária, que também têm natureza sancionatória e às quais é reconhecida a natureza de obrigação tributária principal27, sendo transmissível aos sucessores do de cujus28.
Respeitado o entendimento contrário, também pensamos que a multa civil pode ser transmitida aos sucessores do agente ímprobo. Em reforço aos argumentos acima destacados, pontue-se que a transmissibilidade da multa civil decorre da sua natureza de sanção real29. Diz-se real porque incide sobre o patrimônio do agente ímprobo, e não sobre sua pessoa. Assim, quando transmitida aos sucessores, na forma do artigo 8º, a multa civil recairá sobre o patrimônio deixado pelo de cujus, e não sobre a pessoa do herdeiro.
Nessa mesma trilha, Heraldo Garcia Vitta anota que as sanções pecuniárias são uma modalidade das sanções reais e que umas e outras, para serem transmissíveis, demandam lei formal que disponha em tal sentido30. In casu, a lei formal que autoriza a transmissão da multa civil aos sucessores do agente ímprobo é justamente o artigo 8º da LIA.
O próprio Superior Tribunal de Justiça tem encampado esse segundo entendimento, ou seja, tem admitido a transmissão da multa civil aos sucessores do agente ímprobo, com fundamento na regra do artigo 8º da LIA. Para a Corte Superior, contudo, essa
358-363; e XXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx. Improbidade administrativa. 2. ed. Niterói: Impetus, 2011. p. 65.
27 Art. 113, § 1º, do CTN: “A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente”.
28 Art. 131 do CTN: “São pessoalmente responsáveis: (...) II – O sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, limitada esta responsabilidade ao montante do quinhão, do legado ou da meação”. Este dispositivo é integrado pelo art. 129 do CTN, verbis: “O disposto nesta Seção aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data”.
29 XXXXXXXX, Xxxxxx. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 46.
30 VITTA, Xxxxxxx Xxxxxx. A sanção no direito administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 12.
possibilidade de transmissão da multa civil só se aplica aos atos de improbidade administrativa tipificados nos artigos 9º e 10 da LIA. Na visão do Tribunal, “outra não pode ser a mens legis senão a de que apenas é transmitida ao sucessor do de cujus a multa civil quando associada a valores correspondentes ao ressarcimento ao erário e aos auferidos ilicitamente”31. Em consequência, a multa aplicada em razão do enquadramento da conduta na tipologia do artigo 11 não seria transmissível ao sucessor.
Com a devida vênia do STJ, que adotou uma interpretação literal do artigo 8º da LIA, essa não nos parece a melhor solução. A transmissibilidade, ou não, da sanção pecuniária, deve ser avaliada a partir da sua natureza jurídica. Conforme visto, a multa consubstancia uma sanção real e, como tal, pode ser transmitida aos sucessores do agente ímprobo, com base no artigo 8º, independentemente da modalidade de improbidade administrativa que a tenha originado.
Por outro lado, não podemos olvidar que o artigo 12, III, da LIA também prevê o ressarcimento do dano na hipótese de o ato de improbidade ser tipificado no artigo 11, circunstância que decorre do fato de a LIA promover a proteção do patrimônio público em seu aspecto mais amplo, inclusive em sua parcela não econômica.
Nesse passo, ainda que excepcional, é perfeitamente possível a aplicação cumulativa das sanções de multa civil e ressarcimento integral do dano em caso de ato ofensivo aos princípios da administração pública. Portanto, numa interpretação lógico-sistemática do artigo 8º da LIA, que fala em lesão ao patrimônio público e não em lesão ao erário, sequer haveria como excluir a modalidade de improbidade prevista no artigo 11 como origem da multa aplicada, de onde se conclui que mesmo nessa hipótese a sanção pecuniária em exame poderá ser transmitida aos sucessores do agente ímprobo32.
Em conclusão, na hipótese de o falecimento do agente ímprobo se verificar antes da celebração do ANPC, este poderá ser firmado diretamente com os seus herdeiros,
31 REsp 951.389/SC, 1ª Seção, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxxx, x. 09.06.2010.
32 No mesmo sentido: XXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Improbidade administrativa. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 358-363.
tanto para a aplicação das sanções de natureza reparatória (ressarcimento integral dos danos e a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio), quanto para a aplicação da pena de multa civil, independentemente da modalidade do ato improbidade administrativa cometido pelo de cujus. Neste caso, por imperativo lógico, dispensa-se o requisito da confissão.
5.6 Efetividade das sanções
Ainda hoje, em muitos rincões de nosso país, são inúmeros os casos de corrupção e malversação administrativas. Não raro, os agentes públicos se divorciam dos princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e Republicano), promovendo gestões públicas desastrosas, tudo em detrimento do verdadeiro interesse público.
Nesse cenário, a adoção de um instrumental jurídico eficiente para salutar prevenção e exemplar punição dos agentes ímprobos nas mais variadas instâncias é providência necessária para a credibilidade da democracia e das instituições.
Sob tal perspectiva, merece especial atenção o resultado de uma importante pesquisa da série “Justiça Pesquisa” do Conselho Nacional de Justiça, concluída em 2014, intitulada “Lei de improbidade administrativa: obstáculos à plena efetividade do combate aos atos de improbidade”. Realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, em parceria com a Universidade de Itaúna, referido trabalho teve como finalidade principal identificar os entraves à aplicação efetiva da Lei de Improbidade Administrativa. Com base em dados empíricos colhidos junto a tribunais das cinco regiões do país, verificou-se grave falha no sistema processual, em termos de efetividade das decisões condenatórias lançadas em ações de improbidade administrativa, especialmente no que toca ao ressarcimento dos danos causados. Mesmo após longa tramitação, raras foram as ações nas quais se verificou uma efetiva atuação no sentido de obter a reparação dos danos. Como bem observado pelos pesquisadores, “as ações de improbidade administrativa não têm um fim, ou pelo menos uma parte considerável tem tramitação durante décadas, o que reflete no baixo índice de ressarcimentos”33.
33 Lei de Improbidade Administrativa: obstáculos à plena efetividade do combate aos atos de improbidade. Coordenação Xxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx, equipe Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx et al. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2015, p. 85.
A partir de uma criteriosa análise de dados, essa pesquisa revelou uma realidade que aqueles que militam nessa área já intuíam: a insuficiência do uso da ação de improbidade administrativa como método exclusivo de solução de conflitos nessa matéria.
O estudo lança-nos à incômoda constatação de que os melhores esforços do Ministério Público brasileiro são dirigidos ao reconhecimento judicial da prática de improbidade e à condenação nas sanções previstas em lei, mas são tímidos quando se trata de torná- las efetivas. Como resultado, permanece, involuntariamente, a situação de impunidade que tão arduamente combatemos.
É indiscutível, portanto, o mérito da alteração da redação do § 1º do artigo 17 da LIA, que aperfeiçoa o instrumental jurídico à disposição do Ministério Público para o efetivo combate à corrupção. Sem embargo, independentemente do instrumento escolhido para a defesa da probidade administrativa (ação de improbidade ou ANPC), somente será considerada materialmente resolutiva a atuação do Ministério Público quando a respectiva solução for implementada, não bastando para esse fim apenas o acordo celebrado ou o provimento judicial favorável, ainda que transitado em julgado.
Para assegurar que a resolução negociada não reproduza os problemas de inefetividade constatados na tutela por adjudicação judicial, esta nota técnica apresenta algumas sugestões sobre a forma de efetivação de cada uma das sanções aplicadas ao agente ímprobo em sede de ANPC.
5.6.1. Providências úteis à efetividade das sanções reparatórias e pecuniárias
No ANPC, as sanções consistentes em perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do agente ímprobo, ressarcimento do dano e pagamento de multa civil são típicas obrigações de pagar quantia certa. O descumprimento do acordo, nesse particular, acarretará o vencimento antecipado das obrigações em sua totalidade, competindo ao órgão do Ministério Público, no prazo de sessenta dias, promover a execução do título, inclusive da cláusula cominatória prevista no inciso IX do art. 5º da Resolução 1.193/2020. Sujeitam-se, portanto, à execução de título executivo extrajudicial (art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/1985, c.c. o artigo 1º, § 2º, da Resolução 179/2017-CNMP), na forma dos arts. 824 e ss. do CPC.
A efetivação da obrigação de perda dos bens ou valores ilicitamente acrescidos ao patrimônio do agente ímprobo também poderá se dar pelo procedimento dos artigos 806 a 810 do CPC (execução para a entrega de coisa certa), na hipótese da perda de bens determinados.
Para assegurar a efetividade das sanções em exame, é recomendável
que o Membro:
a) condicione a celebração do ANPC, sempre que possível, à previsão de indisponibilidade de tantos bens quanto bastem para a garantia do cumprimento das obrigações assumidas (art. 5º, XI, da Resolução 1193/2020);
b) em caso de parcelamento da dívida, sempre que possível, convencione-se o desconto mensal na remuneração do devedor que receba dos cofres públicos ou instituto de previdência, subsídios, vencimentos ou proventos, sempre que conveniente ao interesse público, bem como a instituição de garantia real devidamente averbada no registro competente (art. 7º, parágrafo único, da Resolução 1.193/2020);
c) em caso de descumprimento do acordo, providencie-se a averbação cautelar, o protesto de dívida e a inscrição da dívida em cadastros de proteção ao crédito, em observância ao aviso 41/2020-CGMP, de 07 de julho de 2020 (para acessar o passo a passo, clique aqui).
5.6.2. Providências úteis à efetividade da sanção de suspensão dos direitos políticos
Conforme visto, a possibilidade de se convencionar a aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos em sede de ANPC foi reconhecida formalmente pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Tribunal Superior Eleitoral, por meio da Resolução Conjunta
n. 06, de 21 de maio de 2020.
Pelo acordo de cooperação firmado entre o TSE e o CNJ, o INFODIP passará a centralizar informações referentes a condenações por improbidade administrativa e a outras situações que impactem no gozo dos direitos políticos.
Com isso, o Cadastro Nacional de Condenados por ato de Improbidade Administrativa (CNCAIA), então gerido pelo CNJ, passará a ser um apêndice do INFODIP e será gerido pelo TSE. Isso está previsto expressamente na Resolução Conjunta CNJ/TSE n. 06/2020, que prevê a revogação da Resolução CNJ 44/2007, que instituiu o CNCAIA (art. 16). Ou seja, quando todas as informações estiverem sendo transmitidas nos termos da resolução conjunta, a Justiça Eleitoral ficará responsável por todos esses cadastros (e não mais o CNJ). Mas isso só vai acontecer a partir de janeiro de 2021, podendo haver algum atraso no cronograma.
Nesse cenário, enquanto o INFODIP não estiver centralizado e disponível ao MPSP, recomenda-se aos Membros o seguinte:
a) em caso de ANPC celebrado judicialmente, solicitar ao juiz da causa, ou ao Tribunal (na hipótese de acordo celebrado em grau recursal), para informar a suspensão dos direitos políticos à Corregedoria Regional Eleitoral do TRE-SP, com vistas à alimentação do INFODIP, nos termos da Res. Conjunta CNJ/TSE nº 6/2020.
b) em caso de ANPC celebrado extrajudicialmente, comunicar a suspensão dos direitos políticos à Corregedoria Regional Eleitoral do TRE-SP, por meio de ofício, com vistas à alimentação do INFODIP. Nesta hipótese, a comunicação à Justiça Eleitoral deverá conter os seguintes elementos: (i) qualificação pessoal do agente ímprobo; (ii) numeração única completa; (iii) cargo e função, caso o pactuante seja agente público ou político; e (iv) cópia do acordo de não persecução cível.
Noutro flanco, cuidando-se de agente detentor de mantado eletivo por ocasião da celebração do ANPC, para conferir efetividade à sanção de suspensão dos direitos políticos convencionada, deverá o Membro:
a) Em relação aos Deputados federais ou senadores: providenciar a comunicação, via Poder Judiciário (ANPC judicial) ou diretamente (ANPC extrajudicial), da aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos à Mesa da Casa Respectiva, que deverá declarar a extinção do mandato parlamentar, na forma do art. 55, § 3º, da CF. No particular, registre-se que a declaração da extinção do mandado parlamentar pela Mesa é ato vinculado. Vale dizer, comunicada a suspensão dos direitos políticos do parlamentar e solicitada a
adoção de providências para a sua implementação, não cabe outra conduta à Mesa senão declarar a perda do mandato eletivo34;
b) Em relação aos Deputados estaduais: providenciar a comunicação, via Poder Judiciário (ANPC judicial) ou diretamente (ANPC extrajudicial), da aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos à Mesa da Assembleia Legislativa, que também deverá declarar a extinção do mandato parlamentar, na forma do art. 16, § 3º, da Constituição do Estado de São Paulo. Cuida-se, aqui, outrossim, de ato vinculado.
c) Em relação aos Chefes dos Executivos Estadual e Municipais: providenciar a comunicação, via Poder Judiciário (ANPC judicial) ou diretamente (ANPC extrajudicial), da aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos à Mesa da correspondente Casa Legislativa, que também deverá declarar a extinção do mandato, por meio de ato vinculado e declaratório;
d) Em relação aos vereadores: providenciar a comunicação, via Poder Judiciário (ANPC judicial) ou diretamente (ANPC extrajudicial), da aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos à Câmara Municipal, que também deverá declarar a extinção do mandato, por meio de ato vinculado e declaratório.
Uma vez que o pleno exercício dos direitos políticos é pressuposto para o exercício de mandato eletivo, convencionada a suspensão de tais direitos, é evidente que essa suspensão alcança qualquer mandato eletivo que esteja sendo ocupado à época da celebração do ANPC. É descabido restringir a aludida suspensão ao mandato que serviu de instrumento para a prática da conduta ilícita (STF – AP 396 QO, Relat. Min. Xxxxxx Xxxxx, Tribunal Pleno, DJe-
196 4/10/2013). Diante do escopo da Lei de Improbidade Administrativa de extirpar da Administração Pública os condenados por atos ímprobos, a suspensão dos direitos políticos abrange qualquer atividade que o agente esteja exercendo ao tempo da celebração do ANPC. Esse ó entendimento pacificado na jurisprudência do STJ nas hipóteses de condenação irrecorrível (AgInt no RMS 50.223/SP, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 13/5/2019; REsp 1.297.021/PR, Rel. Ministra Xxxxxx Xxxxxx, Segunda Turma, DJe 20/11/2013 e REsp
34 É esse, inclusive, o entendimento do STF nos casos em que a sanção de suspensão dos direitos políticos é aplicada na sentença de uma ação de improbidade administrativa (MS 25461/DF, Pleno, rel. Min. Xxxxxxxxx Xxxxxxxx, x. 29.06.2006). Considerando que o artigo 55, IV, da CF fala apenas em suspensão dos direitos políticos, a mesma solução deverá ser adotada quando se tratar se sanção aplicada em sede de ANPC.
1.813.255 - SP, 3ª Turma, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxxx, x. 03.03.2020) e que também deverá ser adotado, pelas mesmas razões, nos casos de ANPC extrajudiciais e judiciais.
5.6.3. Providências úteis à efetividade da sanção de perda da função pública
A finalidade da sanção em exame, de natureza político- administrativa, é afastar dos quadros da Administração Pública todos os agentes que demonstraram pouco ou nenhum apreço pelos princípios regentes da atividade estatal, denotando uma deformidade de caráter incompatível com a natureza da função exercida.
Entendemos, em sintonia com a doutrina amplamente majoritária35, que a sanção em exame incide sobre toda e qualquer função pública que esteja sendo exercida pelo agente ao tempo do trânsito em julgado da sentença condenatória, mesmo que diferente da exercida à época em que praticou o ato ímprobo.
Seguindo esse mesmo entendimento, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao EREsp 1.701.967-RS (j. 09.09.20120) e uniformizou o entendimento da matéria no âmbito das turmas que julgam Direito Público na corte. Prevaleceu, assim, o entendimento da 2ª Turma, no sentido de que a sanção prevista no artigo 12 da Lei 8.429/92 alcança todo e qualquer vínculo jurídico que o agente mantém com a administração pública.
Reprise-se que a finalidade da norma é afastar da vida pública aquele que cometeu ato de improbidade administrativa, evitando assim que novas ilegalidades sejam praticadas. Desse modo, a perda da função pública é daquela que eventualmente estiver sendo ocupada pelo condenado quando do trânsito em julgado, ainda que diferente da função por ele exercida quando da prática do ilícito.
35 Entre outros, vejam-se: XXXXXXX XXXXX, Xxxxxxx. Atos de improbidade administrativa: Lei 8.429/92 anotada e comentada. 2. ed. Curitiba: Juruá. p. 348-349; XXXXX XXXXXX, Xxxx Xxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx. Comentários à Lei de Improbidade Administrativa: Lei 8.429 de 02 de junho de 1992. 3. ed.; e XXXXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Improbidade administrativa. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 671. XXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxxx. Interesses difusos e coletivos. 10. ed. Método: São Paulo. vol. 1. p. 898.
Mutatis mutandis, é recomendável que essa mesma solução seja adotada pelo Membro por ocasião da celebração do ANPC. Não será incomum que o agente ímprobo, por ocasião da celebração do ANPC, esteja exercendo função diferente daquela em que praticou o ato de improbidade administrativa. Nesse caso, se o Membro entender que a perda da função pública é uma medida adequada e necessária, consideradas as circunstâncias do caso concreto, deverá convencionar a perda da função pública que estiver sendo exercida pelo sujeito quando da celebração do acordo, ainda que diferente da função por ele exercida quando da prática do ilícito.
Nesse cenário, enquanto o enquanto o INFODIP não estiver centralizado e disponível ao MPSP, recomenda-se aos Membros o seguinte:
a) em caso de ANPC celebrado judicialmente, solicitar ao juiz da causa, ou ao Tribunal (na hipótese de acordo celebrado em grau recursal), para informar a perda da função pública à Corregedoria Regional Eleitoral do TRE-SP, com vistas à alimentação do INFODIP, nos termos da Res. Conjunta CNJ/TSE nº 6/2020;
b) em caso de ANPC celebrado extrajudicialmente, comunicar a perda da função pública à Corregedoria Regional Eleitoral do TRE-SP, por meio de ofício, com vistas à alimentação do INFODIP. Nesta hipótese, a comunicação à Justiça Eleitoral deverá conter os seguintes elementos: (i) qualificação pessoal do agente ímprobo; (ii) numeração única completa;
(iii) cargo e função, caso o pactuante seja agente público ou político; e (iv) cópia do acordo de não persecução cível.
Na hipótese de o investigado/réu ainda exercer alguma função pública no ente em que praticou o ato de improbidade administrativa, recomenda-se que o Membro notifique a pessoa jurídica lesada para que, por meio de sua representação jurídica, tome ciência das tratativas de ANPC, manifestando interesse, ou não, no seu acompanhamento. Havendo concordância quanto à solução proposta no ANPC, o Ministério Público poderá celebrar o negócio jurídico em conjunto com a entidade lesada.
Por outro lado, se o investigado/réu não estiver exercendo a função pública na qual cometeu o ilícito, será importante identificar se ele exerce atualmente algum outro cargo, emprego ou função pública. Em caso positivo, deverá o Membro, com vistas à implementação efetiva da sanção, providenciar a comunicação, via Poder Judiciário (ANPC judicial) ou diretamente (ANPC extrajudicial), da aplicação da sanção de perda da função pública
ao ente ao qual está vinculado, que também deverá providenciar o desligamento do agente ímprobo, por meio de ato vinculado.
Para a efetivação da proibição de contratar com o Poder Público, interessam dois tipos diferentes de informação:
1) a identificação de pessoas jurídicas das quais seja sócio majoritário o agente ímprobo pactuante, em razão da proibição indireta expressamente prevista nos incisos do art. 12 das LIA (“proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário”);
2) os contratos com o Poder Público atualmente em fase de execução firmados com as pessoas físicas e jurídicas pactuantes, bem como aqueles firmados com as pessoas jurídicas das quais seja(m) sócio(s) majoritário(s).
Para obter tais informações, deverá o Membro promover diligências com vistas à identificação das pessoas jurídicas que têm como sócio majoritário a pessoa física ou jurídica pactuante, (em atenção à proibição indireta de que trata o art. 12 da LIA) de modo a promover a proibição em face de todas, via inclusão no INFODIP ou comunicação formal da sanção aplicada em sede de ANPC.
As informações obtidas sobre os contratos firmados por todas as pessoas físicas e jurídicas com o Poder Público (item 2 acima) fornecerão ao Membro um panorama das relações jurídicas mantida por essas pessoas com a Administração Pública. A partir desse panorama, deverá o Membro oficiar ao ente contratante, comunicando da sanção de proibição de contratar, para evitar prorrogação do contrato, dado que a sanção retira do contratado uma das condições de habilitação que deve manter durante toda a execução.
Por outro lado, enquanto o INFODIP não estiver centralizado e disponível ao MPSP, recomenda-se aos Membros o seguinte:
a) em caso de ANPC celebrado judicialmente, solicitar ao juiz da causa, ou ao Tribunal (na hipótese de acordo celebrado em grau recursal), para informar a proibição de contratar com o poder público, diretamente ou por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, à Corregedoria Regional Eleitoral do TRE-SP, com vistas à alimentação do INFODIP, nos termos da Res. Conjunta CNJ/TSE nº 6/2020;
b) em caso de ANPC celebrado extrajudicialmente, comunicar a proibição de contratar com o poder público, diretamente ou por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, à Corregedoria Regional Eleitoral do TRE-SP, por meio de ofício, com vistas à alimentação do INFODIP, nos termos da Res. Conjunta CNJ/TSE nº 6/2020. Nesta hipótese, a comunicação à Justiça Eleitoral deverá conter os seguintes elementos: (i) qualificação pessoal do agente ímprobo; (ii) numeração única completa; (iii) cargo e função, caso o pactuante seja agente público ou político; e (iv) cópia do acordo de não persecução cível;
c) providenciar a averbação do acordo no Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins (Junta Comercial) e no Registro das Pessoas Jurídicas, mediante a expedição de ofício informando sua duração.
A proibição de receber benefícios ou incentivos creditícios – como é o caso dos empréstimos a juros subsidiados – depende, para sua efetivação, da adequada comunicação e eficaz apropriação da informação sobre a sanção pelas instituições financeiras que oferecem crédito com benefícios ou incentivos, como é o caso do BNDES e dos outros bancos de fomento, como o Banco da Amazônia, o Banco do Nordeste e, para algumas atividades financeiras, o Banco do Brasil (líder na concessão de crédito rural, por exemplo) ou a Caixa (com vários tipos de concessões de crédito subsidiadas na área habitacional).
Enquanto o INFODIP não estiver centralizado e disponível ao MPSP, recomenda-se aos Membros o seguinte:
a) em caso de ANPC celebrado judicialmente, solicitar ao juiz da causa, ou ao Tribunal (na hipótese de acordo celebrado em grau recursal), para informar a proibição de receber benefícios ou incentivos creditícios, diretamente ou por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, à Corregedoria Regional Eleitoral do TRE-SP, com vistas à alimentação do INFODIP, nos termos da Res. Conjunta CNJ/TSE nº 6/2020;
b) em caso de ANPC celebrado extrajudicialmente, providenciar a comunicação da proibição de receber benefícios ou incentivos creditícios, diretamente ou por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, à Corregedoria Regional Eleitoral do TRE-SP, por meio de ofício, com vistas à alimentação do INFODIP, nos termos da Res. Conjunta CNJ/TSE nº 6/2020. Nesta hipótese, a comunicação à Justiça Eleitoral deverá conter os seguintes elementos: (i) qualificação pessoal do agente ímprobo; (ii) numeração única completa; (iii) cargo e função, caso o pactuante seja agente público ou político; e (iv) cópia do acordo de não persecução cível.
c) providenciar a averbação do acordo no Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins (Junta Comercial) e no Registro das Pessoas Jurídicas, mediante a expedição de ofício informando sua duração.
Para se conferir efetividade à sanção, deverá o Membro providenciar a comunicação, via Poder Judiciário (ANPC judicial) ou diretamente (ANPC extrajudicial), da proibição de receber benefícios ou incentivos creditícios: (i) ao BACEN, que circulariza a informação para todas as instituições financeiras do país; e (ii) diretamente aos principais bancos de fomento, acima especificados.
A proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais, - como é o caso da redução ou eliminação, direta ou indireta, da alíquota do ICMS nas mercadorias ou serviços - depende, para sua efetivação, da adequada comunicação e eficaz apropriação da informação sobre a sanção pelas autoridades fiscais, caso das Receitas Federal e Estadual.
Para se conferir efetividade à sanção, deverá o Membro providenciar a comunicação, via Poder Judiciário (ANPC judicial) ou diretamente (ANPC extrajudicial), da proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais:
(i) à Receita Federal;
(ii) à Receita Estadual;
(iii) à autoridade fiscal do domicílio do pactuante.
Além disso, poderá o Membro requisitar informações específicas sobre benefícios e incentivos fiscais eventualmente concedidos em favor de determinado contribuinte que tenha aceito tal sanção num ANPC, para, a partir dessa informação, providenciar, judicial ou extrajudicialmente, o cumprimento da proibição desse favorecimento.
Constatado o tratamento tributário privilegiado ao contribuinte apenado, poderá se justificar requerimento específico dirigido pelo Membro - por meio do Poder Judiciário (ANPC judicial) ou diretamente (ANPC extrajudicial) - à autoridade fiscal para que cesse esse tratamento pelo período de proibição determinado no ANPC.
5.6.6. A efetivação da proibição de contratar e receber benefícios ou incentivos indiretamente
Antes de promover o cumprimento da sanção, interessará ao Membro promover diligências para identificar se as pessoas físicas ou jurídicas pactuantes (investigados/réus que celebraram o ANPC) são sócios majoritários de outras pessoas jurídicas, de modo a viabilizar a plena efetividade à proibição indireta de contratar e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios de que trata a lei.
Amparado no que dispõe a lei e com base nas informações societárias levantadas nessas diligências, caberá ao Membro:
1) pedir ao TSE, por meio do Poder Judiciário (ANPC judicial) ou diretamente (ANPC extrajudicial) a inclusão no INFODIP não apenas daquelas pessoas físicas e jurídicas pactuantes, como das pessoas jurídicas das quais elas figurem como sócias majoritárias; e
2) comunicar aos órgãos competentes (destacados nos tópicos 5.6.4 e 5.6.5), via Poder Judiciário (ANPC judicial) ou diretamente (ANPC extrajudicial), a sanção de proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, incidente não apenas sobre as pessoas físicas e jurídicas pactuantes, como também sobre as pessoas jurídicas das quais elas figuram como sócias majoritárias.
6. OUTRAS OBRIGAÇÕES QUE PODEM SER PACTUADAS
O acordo de não persecução cível poderá incluir outras medidas que se mostrem necessárias e adequadas à proteção da probidade administrativa. Vale dizer, cumulativamente com uma ou mais das sanções previstas no artigo 12 da LIA, poderão também ser avençadas outras obrigações que se revelem pertinentes ao caso e não sejam defesas em lei.
Pense-se, por exemplo, no caso de um professor da rede municipal de ensino que confesse a prática de assédio sexual contra suas alunas. Caso ele aceite a aplicação imediata da sanção de perda da função pública, num acordo de não persecução cível, poderá também aceitar cumprir outras obrigações, como a inabilitação para o exercício de qualquer função pública por um determinado período de tempo. Embora tal medida não esteja prevista no artigo 12 da LIA, poderá ser incluída no objeto do acordo, porquanto adequada à proteção da probidade administrativa.
Da mesma forma, quando o sujeito ativo do ato de improbidade administrativa for uma pessoa jurídica, poderá ser convencionado o compromisso de implementação ou melhoria dos seus mecanismos internos de integridade.
Outra obrigação que também pode ser pactuada é a de reparação de danos morais coletivos, oportuna nas hipóteses em que o ato de improbidade administrativa provocar grande frustração na comunidade. O próprio STJ tem se manifestado no sentido de que a possibilidade de indenização por dano moral está prevista no art. 5º, inciso V, da Constituição Federal, não havendo restrição da violação à esfera individual. A evolução da sociedade e da legislação tem levado a doutrina e a jurisprudência a entender que, quando são atingidos valores e interesses fundamentais de um grupo, não há como negar a essa coletividade a defesa do seu patrimônio imaterial. O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade, pois o dano é, na verdade, apenas a consequência da lesão à esfera extrapatrimonial de uma pessoa (REsp 1.397.870/MG, Rel. Ministro Xxxxx Xxxxxxxx xxxxxxx, 2ª T., DJe 10/12/2014).
Em julgado recente, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve a condenação em danos morais coletivos em face de agentes ímprobos que promoveram
contratação de servidores sem concurso público. In casu, evidenciou-se que o ato ímprobo efetivamente importou em abalo à confiança depositada pela comunidade local na Administração Pública municipal. Com efeito, havendo contratação de servidores sem concurso, há presunção legal de ilegitimidade dessa conduta e também de lesividade que ultrapassa a simples esfera da Administração Pública para atingir, concomitantemente, valores da coletividade, que, com razão, espera e exige dos administradores a correta gestão da coisa pública e, sobretudo, o estrito cumprimento das leis e da Constituição (AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL n. 538308 – SP, 1ª Turma, Min. Xxxxxx Xxxxxx, x. 31.08.2020).
A fixação do valor do dano moral coletivo terá como parâmetros, além dos efeitos advindos do ato de improbidade administrativa e do grau de censura da conduta do compromissário, a atenção ao seu caráter punitivo e dissuasivo36.
As indenizações referentes a danos morais coletivos deverão ser destinadas a fundos federais, estaduais e municipais que tenham o mesmo escopo do fundo previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/1985, nos termos do disposto no artigo 5º da Resolução 179/2017-CNMP, aplicável em caráter complementar. Também é admissível a destinação dos referidos recursos a projetos de prevenção ou reparação de danos de bens jurídicos da mesma natureza, ao apoio a entidades cuja finalidade institucional inclua a proteção aos direitos ou interesses difusos, a depósito em contas judiciais ou, ainda, poderão receber destinação específica que tenha a mesma finalidade dos fundos previstos em lei ou esteja em conformidade com a natureza e a dimensão do dano.
Em qualquer caso, a celebração do acordo levará em conta a personalidade do agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do ato de improbidade, bem como as vantagens, para o interesse público, na rápida solução do caso.
36 Para o STJ, o reconhecimento do dano moral coletivo cumpre funções específicas, quais sejam a punição do responsável pela lesão e a inibição da prática ofensiva (REsp 1.303.014/RS, 4ª Turma, Rel. pa/acórdão Min. Xxxx Xxxxxx, x. 18.12.2014.
7. O MOMENTO PARA A CELEBRAÇÃO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO CÍVEL
Nos termos do artigo 1º da Resolução 1.193/2020-CPJ:
Art. 1º. Poderá ser celebrado acordo em matéria de improbidade administrativa, na fase extrajudicial ou no curso da respectiva ação judicial, quando verificada a incidência de circunstâncias que demonstrem o pleno atendimento do interesse público, obedecidos aos parâmetros e critérios definidos na presente Resolução.
Vê-se, assim, que o acordo de não persecução cível poderá ser
celebrado:
a) antes da propositura da ação (ANPC extrajudicial): no curso das investigações do IC ou do PPIC, reunidos elementos de convicção a respeito da autoria e da materialidade do ato de improbidade administrativa investigado, poderá o Membro celebrar o ANPC com o agente ímprobo, sempre que verificar, diante do caso concreto, que a resolução consensual apresenta vantagens sobre a tutela da probidade administrativa por adjudicação judicial. Não por acaso, o artigo 5º da Resolução 1.193/~2020-CPJ exige que constem, no instrumento do ANPC, a identificação do agente ímprobo (inciso I), a descrição da conduta ilícita, com todas as suas circunstâncias, em especial suas condições de tempo e local (inciso II), a subsunção da conduta ilícita imputada à específica previsão legal de modalidade de ato de improbidade administrativa (inciso III) e a quantificação e extensão do dano e dos valores acrescidos ilicitamente, quando houver (inciso IV). Somente uma investigação madura possibilitará ao Membro cumprir com tais exigências. Sem esses elementos, não é possível consolidar, de forma segura, a convicção ministerial a respeito da situação ilícita investigada e das pessoas envolvidas, o que invariavelmente resultaria na celebração de um ANPC insuficiente para prevenir, inibir ou reparar adequadamente a lesão ao patrimônio público e a moralidade administrativa, e efetivar as sanções aplicadas em face dos correspondentes ilícitos, assegurando-lhes a máxima efetividade possível;
b) no curso da ação de improbidade administrativa (ANPC judicial): a incidência de circunstâncias que demonstrem o pleno atendimento do interesse público autoriza o Membro a celebrar um acordo de não persecução cível após o ajuizamento da ação de improbidade administrativa.
No particular, questão interessante é saber se existe algum momento oportuno para a celebração do ANPC na fase judicial. Noutras palavras, a LIA estabeleceu algum marco temporal para a celebração do acordo, cuja inobservância resultará em preclusão? Trata-se de tema polêmico, para o qual existem dois entendimentos.
Para uma primeira corrente doutrinária37, ocorre a preclusão para a realização de acordo após a apresentação da contestação pelo(s) requerido(s), em razão da regra prevista no artigo 17, § 10-A, da LIA. Nesse sentido, argumenta-se: (i) permitir que o réu se valha de toda a marcha processual, com os recursos e incidentes quase intermináveis, para, após uma instrução desfavorável, mostrar-se “aberto ao acordo” que antes refutava por certeza de sua inocência ou por conveniências pessoais (como a proximidade de uma eleição), seria algo contra a própria essência do instituto e um prêmio a recalcitrância e comportamento contraditório; (ii) deixar a máquina judicial ser usada como estratégia, para, ao final, diante de um cenário de possível condenação, permitir o acordo vai de encontro com a finalidade concebida para a criação do instituto e depõe contra a boa-fé. Esse entendimento já foi adotado pela 1ª Turma do STJ no julgamento do AgIn no RESp 1659082/PB, da relatoria do Min. Xxxxxx xx Xxxxx (j. 15.12.2020).
Em sentido contrário, respeitadas vozes defendem a ideia de que o ANPC pode ser celebrado a qualquer tempo, isto é, enquanto a ação de improbidade administrativa estiver em curso38.
Também pensamos assim. A Lei Anticrime inseriu a possibilidade de solução negociada na LIA, mas não delimitou um momento estanque para a celebração do acordo de não persecução cível. Conclui-se, assim, que a medida pode ser levada a cabo a qualquer tempo, nos termos do artigo 139, V, do CPC39. Vale dizer, o acordo de não persecução cível poderá ser celebrado e homologado judicialmente enquanto o processo estiver pendente.
37 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Lei anticrime e acordo de não persecução cível: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Jhmizuno, p. 19.
38 Dentre outros, confiram-se: GAJARDONI, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxxxx-xx-xxxxxxxx-xxxxx/000000/xxxxxxxxx-x-xxxxxx-xxxxxxxxxxxx- sobre-os-acordos-em-tema-de-improbidade-administrativa, acesso em 26.08.2020; e XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/0000/0/0X000X000X00XX_Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx Xxxxxxxx, acesso em 31/08/2020. É esse, também, o entendimento da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, positivado na sua orientação n. 10.
39 Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) V - promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais;
Obtempera-se que a modificação no artigo 17, § 1º, da LIA veio aplicar no domínio da improbidade administrativa o princípio do estímulo estatal à solução por autocomposição40, que é uma diretriz expressa do atual sistema processual brasileiro. Não por acaso, no rol das normas fundamentais do processo civil, estão os §§ 2º e 3º do artigo 3º do CPC: “§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”. Não faria sentido, portanto, limitar temporalmente a aplicação desse instituto, na contramão do atual estágio da consensualidade no direito sancionador.
Seguindo essa mesma diretriz de consensualidade, merece destaque o artigo 17, §10-A, também inserido na LIA pela Lei Anticrime, que dispõe o seguinte: “Havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes requerer ao juiz a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa) dias”. Note-se que a intenção da norma não é a de fixar um prazo fatal para a celebração do acordo, mas sim a de ampliar as possibilidades de uma solução negociada, por meio da interrupção do prazo para contestação, por até 90 dias. Nesse prazo, as partes poderão concentrar todos os seus esforços nas tratativas necessárias à celebração do acordo, o que acaba ampliando, indiscutivelmente, a chance de sucesso da negociação.
Frise-se, demais disso, que a ideia da existência de uma preclusão temporal para o ANPC, seja na fase da contestação, seja em outro momento, poderá ser prejudicial à tutela da probidade administrativa. Pense-se, por exemplo, no caso de um réu que, recalcitrante em celebrar o ANPC até a sentença, decide fazê-lo após este momento, mediante o compromisso de colaborar efetivamente para a identificação de outras pessoas responsáveis pelo ilícito, bem como para a recuperação dos bens e valores desviados do erário. Não celebrar o acordo, neste cenário, representaria abrir mão de uma proteção mais ampla ao patrimônio público e à moralidade administrativa, com possível repercussão em outras instâncias de responsabilização, na contramão da tendência internacional de amplo fomento à cooperação de pessoas envolvidas com a prática do ilícito, consequência do reconhecimento da importância desse instrumento de justiça negociada no combate à corrupção41.
40 XXXXXX XX., Xxxxxx. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento.
Vol. 1. 19ª ed. Salvador: Jus Podivum, 2017.
41 A própria Convenção nas Nações Unidas de Combate à Corrupção, conhecida como Convenção de Mérida, assinada
Nessa mesma trilha, e sem perder de vista a noção de que a LIA integra o microssistema de tutela do patrimônio público, especial atenção deve ser dispensada ao artigo 1º, § 5º, da Lei 9.613/1898, com redação dada pela Lei 12.863/2012, que passou a dispor expressamente acerca da possibilidade de a colaboração premiada ser celebrada a qualquer tempo. O dispositivo deixa evidente que o que realmente interessa não é o momento em que a colaboração premiada é celebrada, mas sim a eficácia objetiva das informações prestadas pelo colaborador42. Em sentido semelhante, o artigo 4º, § 5º, da Lei 12.850/2013, também prevê expressamente que, na hipótese de a colaboração ser posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou ser admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.
Mutatis mutandis, essa mesma conclusão deve ser aplicada na esfera de improbidade administrativa. Isto é, o mais importante não é o momento em que o acordo é celebrado, mas sim a efetiva vantagem que ele representa para a tutela do patrimônio público e da moralidade administrativa em relação à tutela por adjudicação judicial, vantagem esta que deve ser demonstrada pelo Membro, de forma motivada, no próprio instrumento do ajuste, que será submetido ao crivo judicial.
Mas não é só isso. Firmada a premissa de que o acordo de colaboração premiada pode ser celebrado a qualquer momento, não abona a efetividade adotar entendimento diverso em relação ao acordo de não persecução cível, dada a utilidade de que as negociações, nos casos envolvendo ofensas ao patrimônio público que repercutam em mais de uma instância de responsabilização, sejam conduzidas de maneira conjunta. Somente haverá tratamento normativo ponderado ao se considerar que, para firmar o acordo de colaboração premiada em grau recursal, por exemplo, a renúncia do infrator à garantia de não autoincriminação, a admissão de participação no ilícito e cooperação plena e permanente com as investigações no âmbito do processo criminal também possam suscitar efeitos benéficos em outras esferas de responsabilização, postas em movimento em razão dos ilícitos desvelados.
pelo Brasil em 2003, aprovada pelo Decreto Legislativo n. 348/2005 e promulgada pelo Decreto n. 5.687/2006, estimula essa cooperação, ao dispor em seu 37, item 1, que: “Cada Estado Parte adotará as medidas apropriadas para restabelecer as pessoas que participem ou que tenham participado na prática dos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção que proporcionem às autoridades competentes informação útil com fins investigativos e probatórios e as que lhes prestem ajuda efetiva e concreta que possa contribuir a privar os criminosos do produto do delito, assim como recuperar esse produto”
42 Nesse sentido, dentre outros, confiram-se: BRASILEIRO, Xxxxxx. Legislação Especial Comentada. 8ª ed. Salvador: Juspodivum, 2020, p. 833; e MARÇAL, Xxxxxxxx; XXXXXX, Cleber. Crime organizado, 3 ed. São Paulo: Método, 2017, p. 246.
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A adoção de entendimento diverso pode prejudicar a efetividade dessas negociações na esfera criminal, uma vez que o agente colaborador pode se sentir desestimulado a cooperar com o Ministério Público, caso não possa ter benefícios no domínio da improbidade administrativa, tão somente em razão de uma indesejada preclusão temporal para a celebração do ANPC.
Nesse cenário de múltipla incidência sancionatória, faz-se necessária uma utilização transversal dos instrumentos de justiça negociada por parte do Ministério Público, sob pena de uma atuação insuficiente na defesa da probidade administrativa.
Com os olhos postos justamente nessa realidade, o Procurador- Geral de Justiça criou, no âmbito do seu gabinete, por meio da Portaria 6.405/2020 (D.O 16.06.2020), um Grupo de Trabalho com o objetivo de articular e fomentar a atuação integrada do Ministério Público do Estado de São Paulo na elaboração de termos de acordos de colaboração premiada e acordos de não persecução cível, de que trata a Portaria nº 6.116/2020-PGJ, de 29 de maio de 2020. Atuação integrada essa que demanda não apenas o estabelecimento de protocolos de ação conjunta por parte dos membros com atribuição para atuar em distintas esferas de responsabilização, como também a harmônica interpretação e aplicação das normas que integram o microssistema de defesa do patrimônio público.
Nessa ordem de ideias, mostra-se possível a celebração do ANPC em fase recursal – que se inicia a partir da interposição do recurso -, hipótese em que o correspondente pedido de homologação deverá ser dirigido ao relator da causa no Tribunal43, observadas as regras de atribuição fixadas nos artigos 116 e 119 da Lei Orgânica do MPSP (LCE 734/1993). O próprio Superior Tribunal de Justiça adotou esse entendimento em julgado recente, da relatoria do Ministro Xxxxxx Xxxxxxxx, no qual se homologou um ANPC celebrado pelo Ministério Público do Estado de Goiás na fase de processamento do Recurso Especial 1.467.807- GO (j. 19.05.2020), na forma do artigo 487, III, “b”, do CPC.
Sob esse prisma, o único limite temporal para a celebração do acordo de não persecução cível é o trânsito em julgado da sentença condenatória. Uma vez fixadas
43 CPC, Art. 932. Incumbe ao relator: I - dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive em relação à produção de prova, bem como, quando for o caso, homologar autocomposição das partes (grifou-se).
as penas, transitada em julgado a sentença, não se admitirá um acordo que possa implicar a afetação desta coisa julgada, reduzindo as sanções ou modificando o regime do seu cumprimento, independentemente do quantum de pena aplicado.
É oportuno reprisar que o momento da celebração do acordo pode e deve ser levado em consideração pelo Membro durante as negociações, constituindo-se em importante critério para a definição das sanções e sua dosimetria. Se um agente ímprobo relutar em celebrar um ANPC durante as investigações, por exemplo, e procurar o MP para negociar um ajuste apenas em grau recursal, quando já existente contra ele uma sentença condenatória em primeira instância, não deverá receber um tratamento leniente por parte do Membro. A falta de cooperação para uma solução negociada manifestada pelo agente ímprobo na fase extrajudicial pode e deve ser levada em consideração pelo Membro no momento de se definir, no curso da ação de improbidade administrativa, quais sanções serão aplicadas no ANPC, e em qual medida. É recomendável, nesses casos, que as sanções sejam pactuadas em patamar mais elevado do que aquelas que seriam normalmente pactuadas com o agente num ANPC celebrado extrajudicialmente. Se, por um lado, o ANPC ainda se mostra possível, nessas circunstâncias, por outro, não deverá prever sanções mais brandas do que aquelas aplicadas a outro agente ímprobo que possua o mesmo grau de responsabilidade na prática do mesmo ato de improbidade administrativa e que tenha celebrado um ANPC extrajudicial.
Neste momento embrionário, em que a matéria ainda não está totalmente pacificada, a orientação do CAO e da Procuradoria-Geral de Justiça, respeitada a independência funcional dos membros, é no sentido de que o ANPC pode ser celebrado até o trânsito em julgado da sentença prolatada na ação de improbidade administrativa, por se entender a mais consentânea com o atual estágio da consensualidade no direito sancionador e com a resolutividade na atuação institucional, sempre atentando para os parâmetros indicados nesta nota técnica (maior rigor na aplicação das sanções para os acordos celebrados após maior marcha processual).
8. PROCEDIMENTO
A iniciativa para a celebração do ANPC caberá ao Ministério Público ou ao responsável pelo ilícito, hipótese em que a proposta poderá ser apresentada isolada, por um ou mais investigados, ou conjuntamente, por todos os envolvidos
As tratativas preliminares assim como o acordo celebrado somente se tornarão públicos após a respectiva homologação, salvo dever legal de comunicação, podendo ser decretado o sigilo do procedimento investigatório como medida de conveniência para a eficiência das investigações ou como garantia da ordem pública.
Todas as reuniões deverão ser registradas em suporte digital, se possível, e conterão informações sobre a data, lugar, participantes, bem como breve resumo dos assuntos discutidos.
O termo de acordo deverá ser subscrito pelo pactuante ou por representante com poderes específicos para firmá-lo, acompanhado de advogado.
É facultada a participação da pessoa jurídica interessada nas negociações, bem como na subscrição do termo, não se exigindo, contudo, sua aquiescência como requisito de validade ou eficácia do acordo.
Antes de sua celebração, o Membro poderá notificar a pessoa jurídica lesada pela improbidade administrativa para que, por meio de sua representação jurídica, tome ciência das tratativas de ANPC, manifestando interesse, ou não, no seu acompanhamento. Havendo concordância quanto à solução proposta no ANPC, o Membro poderá celebrar o negócio jurídico em conjunto com a entidade lesada.
Por outro lado, sendo conveniente a decretação de sigilo para garantia das investigações ou da persecução judicial, a notificação do ente lesado poderá ser realizada no momento avaliado como mais pertinente pelo promotor natural.
O acordo pode ser celebrado para a adoção de medidas provisórias ou definitivas, parciais ou totais44. Nesse caso, esta circunstância deverá constar
44 Resolução 1.193/202-CPJ, art. 1º, § 3º.
expressamente do título respectivo, que será submetido à homologação pelo Conselho Superior do Ministério Público, observadas as disposições da Resolução nº 484/06-CPJ ou outra norma pertinente.
Exemplificativamente, caso a investigação ou a ação judicial verse sobre dois ou mais atos de improbidade administrativa, o Membro poderá celebrar o ANPC apenas em relação a um dos atos, prosseguindo-se as investigações ou a ação de improbidade administrativa em relação aos demais. Ou ainda, caso o ato de improbidade administrativa tenha sido praticado por duas ou mais pessoas, poderá o Membro celebrar o ANPC apenas em relação a um dos investigados/réus, prosseguindo-se as investigações ou a ação de improbidade em face dos demais.
A adoção de medidas provisórias também pode ser útil quando se está diante de um caso muito complexo, em que não se tem, inicialmente, a noção perfeita da natureza e/ou extensão do dano, e/ou a identificação de todos os responsáveis. A título de exemplo, poder-se-ia pensar em um caso de superfaturamento qualitativo e quantitativo na construção de casas populares, cujas perfeita delimitação dos danos e identificação das medidas necessárias à correção dos vícios de construção dependessem de sofisticados e dispendiosos estudos. Nesse caso, seria possível pensar na celebração de um acordo preliminar, em que o compromissário assumisse, ao mesmo tempo, a adoção de medidas emergenciais tendentes à correção dos vícios de construção, bem como custeasse a realização de estudo técnico que elucidasse determinados questionamentos. Com a produção do respectivo laudo, os técnicos do Ministério Público poderiam ter um valioso material sobre o qual se debruçar, e, eventualmente, poderiam identificar a necessidade de novas medidas, ou, quem sabe, já concluir quais obrigações deveriam ser fixadas em um ANPC derradeiro, apto a garantir por completo a recomposição do patrimônio público lesado. Firmado esse novo acordo, definitivo, o inquérito civil seria arquivado, e tal ato submetido à revisão do CSMP45.
O acompanhamento do cumprimento das cláusulas do ANPC firmado em inquérito civil ou procedimento preparatório de inquérito civil dar-se-á nos mesmos autos, e, decorridos os prazos avençados, ou no seu termo final, será providenciada a notificação
45 Resolução 1.193/2020, art. 10 – O arquivamento do inquérito civil em razão do acordo total firmado e, também, o acordo para medidas provisórias ou parciais, deverão ser homologados pelo Conselho Superior do Ministério Público, observadas as disposições da Resolução nº 484/06-CPJ ou outra norma pertinente.
do compromitente para comprovação do cumprimento das obrigações assumidas, sem prejuízo da realização de quaisquer diligências, especialmente técnicas, quando for o caso, a critério do presidente do inquérito civil46.
8.1. ANPC celebrado no curso da ação de improbidade administrativa
Caso as tratativas para a celebração do ANPC se realizem no curso da ação de improbidade administrativa, é apropriado que o Membro instaure um procedimento administrativo de acompanhamento (artigo 8º da Resolução 174/2017 do CNMP e artigo 4º do ATO NORMATIVO nº 934/15-PGJ-CPJ-CGMP, de 15 de outubro de 2015), referenciado ao respectivo processo judicial, em que serão documentados os atos negociais.
Referido procedimento administrativo de acompanhamento (PAA) será instaurado mediante portaria (clique aqui) e terá caráter público, podendo ser decretado o sigilo, em decisão motivada, para garantia de conveniência da negociação ou da preservação de informações sigilosas ou sensíveis que possam tramitar no procedimento.
O juiz ou relator do processo judicial poderá ser cientificado da instauração desse PAA, oportunidade em que poderá ser solicitada pelo Membro, em conjunto com o réu, a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa) dias (LIA, art. 17, § 10-A). Ou ainda, na hipótese de já superada essa fase do processo, poderá ser solicitada, conjuntamente, a suspensão do processo, com fundamento no artigo 313, II, do CPC, pelo prazo necessário à conclusão das negociações, nunca superior a 6 meses (CPC, art. 313, § 4º).
Uma vez celebrado o ANPC, será peticionado ao juiz ou relator do processo para que o homologue. Homologado e cumprido o acordo, o PAA deverá ser arquivado no próprio órgão de execução, com comunicação ao Conselho Superior do Ministério Público, sem necessidade de remessa dos autos para homologação do arquivamento (art. 12 da Resolução 174/2017 - CNMP). Caso as negociações restem infrutíferas, o PAA também deverá ser arquivado, nos mesmos moldes acima.
46 Art. 86, § 2º, da Resolução 484/2006-CPJ.
8.2. Colaboração
Conforme visto, nas hipóteses em que o ato de improbidade administrativa tiver sido praticado em concurso por duas ou mais pessoas, poderá o membro do MP condicionar a celebração do acordo à colaboração efetiva do investigado/réu com as investigações, no espaço de discricionariedade regrada (poder-dever) que lhe concede a legislação e a própria concepção do ANPC.
Após as tratativas iniciais com o infrator sobre os fatos ilícitos, autores envolvidos e provas a serem apresentadas, que ainda não sejam de conhecimento do Ministério Público, uma vez estabelecida a necessidade e oportunidade da avença para as investigações, é apropriado que o início das negociações sobre as cláusulas do acordo seja precedido pela assinatura de um “Termo de Confidencialidade” (clique aqui), a ser autuado em apenso aos autos do IC ou do PPIC, na hipótese de ANPC extrajudicial, ou do PAA, na hipótese de ANPC judicial.
O “Termo de Confidencialidade” deverá ser subscrito pelo pactuante ou por representante com poderes específicos para firmá-lo, acompanhado de advogado. Os documentos relacionados à colaboração serão carreados ao apenso e deverão ser mantidos em sigilo durante toda a fase de negociação e, após a assinatura, até a homologação do ANPC, salvo dever legal de comunicação, podendo ser decretado o sigilo do procedimento investigatório como medida de conveniência para a eficiência das investigações ou como garantia da ordem pública.
É apropriado registrar nesse apenso a realização de todas as reuniões, com as informações sobre data, lugar, participantes e breve sumário dos assuntos tratados.
Para além dos itens previstos no artigo 5º da Resolução 1193/2020-CPJ, é recomendável que do instrumento do ANPC conste, pelo menos:
I - a descrição da prática denunciada, com delimitação dos fatos e atos abrangidos, incluindo a identificação dos participantes que o colaborador tenha conhecimento e o relato de suas respectivas participações no suposto ilícito, com a individualização das condutas;
II - a declaração no sentido de ter cessado completamente o seu envolvimento, antes ou a partir da data de propositura do acordo, comprometendo-se, ainda, a dizer a verdade e não omitir nenhum fato ou dado de que tenha conhecimento;
III - a lista com as informações, elementos de prova e documentos fornecidos ou que o pactuante se obriga a fornecer, com o intuito de demonstrar a existência da prática denunciada, com o prazo para a sua disponibilização;
IV- o prazo e a forma de acompanhamento do cumprimento das condições nele
estabelecidas.
O ANPC celebrado sob a condição de colaboração por parte do pactuante pode resultar na adoção de medidas parciais47. A título de exemplo, caso o ato de improbidade administrativa tenha sido praticado por duas ou mais pessoas, poderá o Membro celebrar o ANPC apenas em relação ao investigado/réu colaborador, prosseguindo-se as investigações ou a ação de improbidade em face dos demais. Nesse caso, esta circunstância deverá constar expressamente do título respectivo, que será submetido à homologação pelo Conselho Superior do Ministério Público quando celebrado extrajudicialmente, observadas as disposições da Resolução nº 484/06-CPJ ou outra norma pertinente.
A qualquer momento anterior à celebração do ANPC, o agente ímprobo proponente poderá desistir da proposta ou o Ministério Público poderá rejeitá-la. A desistência da proposta ou sua rejeição: I – não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado; e II – impedirá a utilização das provas fornecidas pelo infrator exclusivamente em seu desfavor, exceto quando o Ministério Público tiver acesso a elas por outros meios.
Remarque-se que nesse tipo de ANPC convém incluir uma cláusula rescisória. Se o sujeito descumprir as condições do ANPC, deixando, por exemplo, de apresentar os elementos de prova que se obrigou a fornecer, com o intuito de demonstrar a existência da prática denunciada, no prazo fixado para a sua disponibilização, opera-se a rescisão parcial do acordo.
Rescindido o acordo, haverá o vencimento antecipado das parcelas não pagas e serão executados: a) o valor integral da multa civil, descontando-se as frações eventualmente já pagas; b) os valores pertinentes aos danos e ao enriquecimento ilícito; e c) os valores correspondentes à cláusula cominatória.
47 Resolução 1.193/202-CPJ, art. 1º, § 3º.
Por outro lado, será retomado o procedimento investigatório referente aos atos e fatos incluídos no acordo, ou ajuizada ou retomada a ação de improbidade administrativa, conforme o caso, sem prejuízo da utilização das informações prestadas e dos documentos fornecidos pelo responsável pelo descumprimento da composição.
8.3. Atuação integrada
As tratativas que envolverem ilícitos puníveis na esfera cível e criminal serão estabelecidas preferencialmente de forma conjunta pelos órgãos do Ministério Público com atribuições nas respectivas áreas de atuação, em instrumentos distintos, seja com vistas à celebração do acordo de colaboração premiada ou de não persecução penal, seja de acordo em matéria de improbidade administrativa.
Na hipótese de o compromissário, sendo pessoa física, manifestar interesse também na celebração de acordo de colaboração premiada, poderá o Membro sobrestar o andamento do inquérito civil ou do procedimento preparatório, caso verificada a necessidade da conclusão das tratativas de colaboração premiada na investigação de natureza penal, de forma a evitar possíveis incompatibilidades entre o avençado nas esferas cível e criminal.
Da mesma forma, na hipótese de o compromissário, sendo pessoa jurídica, manifestar interesse na celebração do acordo de leniência previsto na Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção Empresarial), poderá o Membro sobrestar o andamento do inquérito civil ou do procedimento preparatório, caso verificada a necessidade de iniciar tratativas conjuntas com a autoridade competente do ente lesado, de forma a evitar possíveis incompatibilidades entre o avençado nos domínios da Lei de Improbidade Administrativa e da Lei Anticorrupção Empresarial.
Essa incidência concomitante de distintas e autônomas instâncias de responsabilização do direito sancionador revela a importância da transversalidade da negociação, para a qual a participação do Ministério Público, na condição de titular da ação penal e responsável, por força de norma constitucional, pela defesa do patrimônio público (art. 129, III, da CF), se mostra indispensável.
O tratamento transversal desses acordos proporciona, a um só tempo, maiores benefícios para os infratores e uma atuação mais coerente por parte do Estado. Por consectário lógico, a cooperação se torna muito mais atrativa, o que torna a corrida pela leniência muito mais acirrada, afinal, os infratores sabem que quanto mais eles demorarem para procurar a Administração e o Ministério Público e oferecer cooperação, maiores serão os riscos de que não obtenham quaisquer benefícios ou obtenham benefícios diminutos
8.4. Convenções Processuais
As convenções processuais são recomendadas toda vez que o procedimento deva ser adaptado ou flexibilizado para permitir a adequada e efetiva tutela jurisdicional aos interesses materiais subjacentes, bem assim para resguardar âmbito de proteção dos direitos fundamentais processuais. Segundo a lei processual, poderá o membro do Ministério Público, em qualquer fase da investigação ou durante o processo, celebrar acordos visando constituir, modificar ou extinguir situações jurídicas processuais.
Confirme visto, embora o acordo de não persecução cível tenha natureza de negócio jurídico material, nada impede que as partes também estipulem convenções de natureza processual, nos termos do artigo 190 do CPC e dos artigos 15 a 17 da Resolução 118/2017 - CNMP.
As convenções processuais podem ser documentadas como cláusulas no ANPC (extrajudicial ou judicial). Quando ajustadas, é apropriado que tais cláusulas constem de um tópico específico do acordo, conforme exemplificado na minuta de ANPC que segue como peça de referência (clique aqui). Dentre as convenções processuais passíveis de serem pactuadas, destacam-se:
(i) previsão de custeio da prova pericial e do adiantamento dos honorários periciais pelo investigado/réu, nas hipóteses de rescisão do acordo seguida do ajuizamento de ação de improbidade administrativa, execução do ANPC e ajuizamento de ação de produção antecipada de provas visando a aquilatar o dano ao erário;
(ii) previsão de renúncia ao direito de recorrer por parte do investigado/réu;
(iii) admissão de prova emprestada;
(iv) previsão de que os atos processuais poderão ser comunicados às partes via e-
mail ou whatsapp; e
(v) dispensa da defesa prévia prevista no art. 17, § 7º, da Lei 8.429/199248.
Na persecução dos atos de improbidade administrativa, a solução negociada autorizada pelo artigo 17, § 1º, da LIA, aliada às convenções processuais acima sugeridas, dentre inúmeras outras que podem ser customizadas de acordo com a sensibilidade e criatividade de cada Membro, têm grande potencial para tornar mais célere e eficiente o combate aos atos de corrupção na administração pública.
9. CONTROLE PELO CSMP
O arquivamento do IC ou do PPIC em razão do acordo total firmado e, também, o acordo para medidas provisórias ou parciais, deverão ser homologados pelo Conselho Superior do Ministério Público, observadas as disposições da Resolução nº 484/06-CPJ ou outra norma pertinente.
No exercício de sua competência revisional, o CSMP poderá:
a) homologar a promoção de arquivamento do IC ou do PPIC em caso de ANPC total firmado e, também, o acordo para medidas provisórias ou parciais;
b) devolver os autos ao promotor natural, se entender inadequadas ou desproporcionais as condições fixadas no ANPC, para que seja reformulada a proposta de acordo: se o promotor natural não promover a adequação proposta, por dela dissentir, o CSMP rejeitará o arquivamento, deliberando pelo ajuizamento da ação de improbidade administrativa.
c) converter o julgamento em diligência para a realização de atos imprescindíveis à sua decisão, especificando-os;
48 Nesse sentido: XXXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx. Convenção processual na tutela coletiva. São Paulo: Juspodivum, 2020.
d) rejeitar o arquivamento, deliberando pelo ajuizamento da ação de improbidade administrativa.
Se o Conselho Superior do Ministério Público deixar de homologar a promoção de arquivamento, na hipótese de rejeição, comunicará o fato, desde logo, ao Procurador-Geral de Justiça, para a designação de outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação49.
Na hipótese de conversão do julgamento em diligências, uma vez que estas tenham sido cumpridas, reabre-se ao promotor natural a oportunidade de reapreciar o caso, podendo manter sua posição favorável ao arquivamento ou propor a ação de improbidade administrativa, como lhe pareça mais adequado. Neste último caso, será desnecessária a remessa dos autos ao Conselho Superior, bastando comunicar, por ofício, o ajuizamento da ação50.
10. COMPLEMENTAÇAO E IMPUGNAÇÃO DO ANPC
Desde que o ANPC celebrado extrajudicialmente seja apto à tutela do bem jurídico a cuja proteção se destina, sua celebração torna desnecessário o ajuizamento de uma de improbidade administrativa. Nesse caso, faltaria interesse processual para a promoção da ação de improbidade não apenas ao ente legitimado que celebrou o acordo com o agente ímprobo, como também a qualquer outro colegitimado.
Não obstante, é possível que um determinado ANPC não seja suficiente ou válido para o resguardo do patrimônio público e da moralidade administrativa. Nessa hipótese, não se pode extrair do fato de um dos legitimados haver celebrado o acordo a conclusão de que os demais legitimados estejam vinculados aos termos desse acordo. Lembre-se que os entes legitimados à celebração do ANPC não são os detentores da moralidade administrativa e do patrimônio público (interesses transindividuais), mas meros “portadores adequados” desses interesses.
Por outro lado, a legitimidade de cada um dos colegitimados à ação civil pública não é exclusiva, mas concorrente: a legitimação de um não exclui a dos demais.
49 Resolução 484/2006-CPJ, art. 100, § 2º.
50 Resolução 484/2006-CPJ, art. 101.
Ademais, a Lei Maior assegura a inafastabilidade do controle judicial para afastamento de lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5.º, XXXV).
Por tais razões, nada obsta a que o MP discorde das cláusulas do ANPC celebrado por um colegitimado, podendo buscar sua complementação e/ou impugnação, quando o título for incompleto (quando as obrigações pactuadas não forem suficientemente abrangentes para a proteção do bem jurídico) ou contiver vício insanável (o que ocorreria, por exemplo, se houvesse desvio de finalidade por parte do órgão tomador do ANPC em benefício do compromissário, ou ilegítima transação a respeito de direito transindividual).
Vejamos alguns exemplos:
a) incompletude do título: imagine-se, por exemplo, que o ANPC contemple a obrigação de um agente ímprobo restituir ao ente lesado apenas 80% dos valores por ele desviados dos cofres públicos. Nesse caso, o MP poderá celebrar com o compromissário um novo ANPC, no qual este se comprometerá a restituir, em acréscimo, os 20% faltantes, ou ir a juízo em face dele, em uma ação de conhecimento, visando a compeli-lo a restituir os 20% restantes. O infrator, nesse caso, não poderia alegar falta de interesse processual do autor da ação, porque as obrigações assumidas no compromisso representam sempre uma garantia mínima em prol dos titulares dos interesses lesados, e não um limite máximo de responsabilidade em favor do causador do dano. A propósito, o STJ já reconheceu a possibilidade de o Ministério Público propor ação civil pública visando à comprovação da exata extensão dos danos e sua reparação, a despeito de prévia composição administrativa tomada pelo Ibama51;
b) vício insanável: aqui, não se trata de mera incompletude, mas de total inadequação do título à tutela do direito envolvido. Se o ANPC for celebrado sem a observância dos requisitos legais, por exemplo (não prever a reparação do dano, quando este restar comprovado; não prever nenhuma medida genuinamente punitiva; fixar sanção manifestamente desproporcional à gravidade do ato, afrontando, claramente, o interesse público etc.), o MP poderá insurgir-se contra o acordo, ante sua inadequação, e buscar sua anulação judicial, em ação civil pública proposta tanto em face do ente lesado tomador do acordo quanto do agente xxxxxxx, na
51 REsp 265.300/MG, 2.ª Turma, rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxxx, x. 21.09.2006, DJ 02.10.2006.
qual também pedirá, de forma cumulativa, a condenação do infrator pela prática do ato de improbidade administrativa, com a aplicação das sanções previstas no artigo 12 da LIA.
Note-se que, até agora, falamos da possibilidade de o MP se insurgir contra os moldes em que o ANPC foi celebrado por outro colegitimado, extrajudicialmente. Quanto aos acordos celebrados em juízo pelos demais legitimados, o Ministério Público deverá ser ouvido antes da apreciação do pedido de homologação da avença, na condição de fiscal da ordem jurídica (art. 17, § 4.º, da LIA). Se, apesar de alguma das falhas acima apontadas (incompletude ou vício), o acordo vier a ser homologado, poderá o Membro apelar da sentença homologatória, quando dela discordar (CPC, art. 996).
11. PRESCRIÇÃO
A norma geral contemplada no estatuto civil é aplicável à interrupção da prescrição no caso de improbidade administrativa. Significa que, cometido o ato de improbidade e iniciado o prazo de prescrição, pode ser ele interrompido pelos fatos previstos na lei civil. Uma vez que o prazo seja alvo de interrupção, novo prazo prescricional será contado, abandonando-se o período transcorrido anteriormente a partir do respectivo termo a quo da contagem.
As causas de interrupção da prescrição estão enumeradas no artigo 202 do CC. Sem dúvida, a hipótese mais importante e comum de interrupção da prescrição é a que consta do inciso I: o despacho do juiz que ordena a citação.
Para além dessa hipótese, o protesto, nas condições do inciso I, também pode interromper o prazo prescricional no domínio da improbidade administrativa (CC, art. 202, II). A hipótese, todavia, apenas remotamente será empregada para fins de improbidade, embora - é verdade – nada impeça que o membro utilize desse instrumento cautelar. Poder-se-ia conceber, em tese, a situação em que o ato de improbidade só tenha sido conhecido às vésperas do termo final do prazo de prescrição, hipótese em que o MP seria, de fato, compelido a pedir a medida cautelar de protesto para evitar a consumação prescricional. Tal diligência - é forçoso reconhecer – lhe permitiria colher dados adicionais para a propositura da ação principal de improbidade. De todo modo – repita-se -, é situação que se afigura excepcional.
Outra hipótese de interrupção prevista no artigo 202 e que se aplica na esfera de improbidade administrativa é a que figura no inciso VI, ou seja, qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor. O fluxo da prescrição fica interrompido porque, com o reconhecimento pelo devedor, não há falar em inércia ou desinteresse do credor. Ao contrário, o ato do devedor importa a confirmação da pretensão do credor, de modo que o prazo prescricional deve ter sua contagem reiniciada a partir da manifestação do devedor.
Assim, embora a celebração do ANPC não esteja prevista na LIA como hipótese de interrupção da prescrição, fato é que a exigência da confissão como condição para a avença acaba produzindo esse efeito. Isto é, a assunção por parte do sujeito da responsabilidade pelo ato ilícito praticado interrompe a prescrição: será iniciada nova contagem, abandonando-se o período anteriormente transcorrido52.
Frise-se, demais disso, que nos acordos em que o pagamento das sanções patrimoniais (reparação do dano e perda dos bens acrescidos ilicitamente ao patrimônio) e pecuniárias (multa civil) for parcelado, não correrá o prazo prescricional enquanto não vencido o prazo, nos termos do artigo 199, II, do CC.
Figure-se o exemplo em que o titular de mandato, após ter praticado ato de improbidade quando do exercício das funções, e tendo-se iniciado a contagem do prazo de 5 anos ao fim do mandato, celebre um ANPC no qual reconhece a prática do ilícito no terceiro ano do fluxo prescricional. A confissão interromperá a prescrição quinquenal, e esta não voltará a correr enquanto não estiver vencido o prazo concedido ao pactuante nesse acordo para a recomposição do patrimônio público lesado e/ou o pagamento da multa civil.
Note-se, contudo, que tanto a interrupção em razão da confissão (CC, art. 202, II), quanto o impedimento em razão do não vencimento do prazo (CC, art. 199, II) se relacionam às sanções de natureza patrimonial e financeira. Somente em relação a tais penas se pode falar em reconhecimento de dívida e prazo para cumprimento da obrigação. Quanto às demais sanções, não há a interrupção do prazo prescricional.
52 Nesse sentido: XXXXXXXX XXXXX, Xxxx xxx Xxxxxx. Improbidade administrativa: prescrição e outros prazos extintivos. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2016.
Como regra, o fato de a confissão não interromper a prescrição da pretensão punitiva em relação às sanções de suspensão dos direitos políticos, perda da função pública e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário não trará maiores problemas para a atuação ministerial. Afinal, a efetivação de tais sanções é imediata e não depende de execução judicial forçada, mas apenas de atos executivos – extrajudiciais ou judiciais - direcionados a terceiros que assegurem a eficácia da solução negociada.
Quanto ao risco de prescrição, a hipótese que exigirá uma maior atenção do Membro é aquela em que o ANPC celebrado extrajudicialmente estabelecer, como condição, a colaboração do agente, fixando-se prazo para o cumprimento dessa obrigação, sob pena de rescisão do acordo. Nessa situação, o Membro deverá cuidar para que o prazo prescricional das sanções não patrimoniais não se encerre antes do prazo fixado no acordo para o sujeito promover a identificação de outros agentes, partícipes, beneficiários, localização de bens e valores e produção de outras provas.
12. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta Nota Técnica tem por objetivo contribuir para o desenvolvimento de uma cultura de atuação institucional mais resolutiva no domínio da improbidade administrativa.
Naturalmente, pela complexidade e abrangência das temáticas abordadas e por se tratar de um conhecimento institucional em fase de consolidação, é provável que esta Nota Técnica e as peças de referência sugeridas venham a ser bastante aprimoradas e até mesmo corrigidas em determinados pontos nas atualizações futuras.
Impõe-se, contudo, publicá-la sem demora para permitir que esse aprimoramento envolva todos os membros da Instituição, aos quais, desde logo, solicitamos críticas construtivas e sugestões.
PEÇAS DE REFERÊNCIA
1. Minuta de acordo de não persecução cível extrajudicial (clique aqui)
2. Minuta de acordo de não persecução cível judicial (clique aqui)
3. Minuta de termo de confidencialidade (clique aqui)
4. Minuta de portaria de procedimento administrativa de acompanhamento (clique aqui)