ASPECTOS DO CONTRATO DE AGÊNCIA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
ASPECTOS DO CONTRATO DE AGÊNCIA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
JEAN CARLOS FERNANDES
Mestre em Direito Comercial pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Professor Titular de Direito Comercial do Centro Universitário Newton Paiva.
Professor de Direito Comercial dos cursos de pós-graduação e preparatórios às carreiras jurídicas da Associação dos Magistrados Estaduais -ANAMAGES.
Advogado em Belo Horizonte.
RESUMO: O Código Civil de 2002 inseriu no elenco dos contratos típicos o novo contrato de agência, com regras específicas ditadas pelos artigos 710 a 721, não exigindo forma escrita, devendo, portanto, o instrumento contratual regular detalhadamente a sua consecução. Assim, o contrato de agência, antes identificado pela doutrina e jurisprudência como sinônimo de representação comercial, trata-se atualmente de modalidade de contrato típico, com regras específicas que o diferenciam sobremaneira do contrato de representação comercial regulado pela Lei n. 4.886/65.
PALAVRAS-CHAVE: contrato; código civil; agência; representação comercial.
SUMÁRIO: 1 – Introdução. 2 – O contrato de representação comercial autônoma. 3 – O contrato de agência no Código Civil de 2002. 4 – Agência e representação comercial. 5 – Conclusão. 6 – Bibliografia
1. INTRODUÇÃO
A dinâmica da atividade empresarial, incrementada pela intensa circulação de produtos e serviços, em busca do melhor atendimento ao mercado de consumo, faz com que os empresários utilizem métodos de aproximação aos consumidores por meio de interpostas pessoas, sejam físicas ou jurídicas.
Instaura-se, assim, uma intensa colaboração entre o produtor, fornecedor e intermediários para que os produtos e serviços possam chegar, de uma maneira rápida, eficiente e segura, nas mãos dos consumidores.
Na circulação de mercadorias surgem os contratos de representação comercial e agência, que integram o conjunto dos chamados “contratos de colaboração empresarial”.
Segundo XXXXX XXXXX XXXXXX0, “contratos de colaboração empresarial, relacionado ao escoamento de mercadorias, são aqueles em que um dos contratantes (empresário colaborador) se obriga a criar, consolidar ou ampliar o mercado para o produto do outro contratante (empresário fornecedor).”
Os contratos de colaboração, portanto, instrumentalizam o escoamento de mercadorias, dividindo-se em duas espécies. Na primeira inserem-se os contratos de distribuição e concessão mercantil, sendo o núcleo da operação a compra pelo colaborador da mercadoria fabricada ou comercializada pelo fornecedor para revendê-la. Na segunda espécie, enquadram-se os contratos de representação comercial autônoma, agência, mandato e comissão mercantil, onde não ocorre a compra da mercadoria para revenda.
No campo dos contratos de colaboração o escoamento de mercadorias se expressa em duas formas importantes de contratação, representação comercial autônoma e a agência - que precisamente ora nos interessa – ambas voltadas para o objetivo final de alcançar e ampliar a clientela.
2. O CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL AUTÔNOMA
O contrato de representação comercial autônoma é contrato típico, disciplinado pela Lei n. 4.886/65, com as alterações realizadas pela Lei n. 8.420/92.
1 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de direito comercial. Vol. 3, p. 85.
O artigo 1º da Lei n. 4.886/65 não definiu especificamente o contrato de representação comercial, mas o exercente de tal atividade, estabelecendo que "Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não-eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios''.
XXXX XXXXXXX0 conceitua o contrato de representação comercial como sendo "aquele em que uma parte se obriga, mediante remuneração, a realizar negócios mercantis, em caráter não-eventual, em favor de uma outra. A parte que se obriga a agenciar propostas ou pedidos em favor da outra tem o nome de representante comercial; aquela em favor de quem os negócios são agenciados é o representado.”
Para XXXXXXXX XXXXXXXXXX0, tal modelo contratual trata-se de uma atividade de intermediação "exercida pelo representante comercial autônomo, em caráter profissional, sem dependência (hierárquica, pois deve agir de acordo com as instruções do representado), em que não há verdadeiramente representação, posto que além de não ser mandatário (o que poderá ser também, desde que assim ajustado com o representado) nem comissário (o que também poderá ocorrer, cumulando ambas as situações), o representante meramente recolhe (ou agencia, como diz a lei) propostas ou pedidos para transmiti-los ao representado.''
Colhe-se, ainda, das lições de XXXXXX XXXXXXX XXXXXX0 que o contrato de representação comercial é o ajuste "por meio do qual uma das partes (o representante), em favor e por conta da outra (o representado, normalmente empresa produtora ou fabricante), colhe e encaminha pedidos de compras, realizando-se posteriormente o negócio jurídico visado entre os interessados. Constitui, assim, contrato de aproximação ou de intermediação entre os interessados ou de recepção de clientela para posterior efetivação da venda diretamente pelo representado.''
2 XXXXXXX, Xxxx. Contratos e obrigações comerciais, p. 327.
3 BULGARELLI, Waldírio, Contratos Mercantis, p. 500.
Observa-se que os elementos caracterizadores do representante comercial são a autonomia com que atua e a habitualidade no exercício de suas atividades, sendo certo que a Lei n. 4.886/65 conferiu-lhe o status de atividade profissional regulamentada, com a criação de um Conselho Federal e diversos Conselhos Regionais, como órgãos de inscrição e fiscalização, a teor dos artigos 3º e 4º daquele diploma legal5.
É necessário, ainda, que haja, por parte do representante, a independência de ação; a delimitação da área de atuação, com ou sem exclusividade, conforme o caso, e a remuneração em função dos negócios efetivados, podendo ser variável, em percentual sobre o valor das operações concretizadas, ou fixa, em valor certo para determinadas operações
Até o advento do Código Civil de 2002, a doutrina considerava o contrato de representação comercial como sinônimo de contrato de agência, referindo-se a representante comercial ou a agente, sem traçar qualquer diferença entre eles.
Nesse contexto, XXXX XXXXXXX0 chegou a afirmar que “O contrato de representação comercial é também chamado contrato de agência, donde representante e agente comercial terem o mesmo significado”.
Por seu turno, XXXXXX REQUIÃO7 destacou que o Código Comercial Brasileiro de 1850, atualmente em vigor apenas quanto à sua Parte Segunda – Do Comércio Marítimo, disciplinou as várias atividades de agentes intermediários do comércio, não o
4 BITTAR, Xxxxxx Xxxxxxx, Contratos comerciais, p. 81.
5 Estabelecem os artigos 3º e 4º da Lei n. 4.886/65 que: “Art. 3º O candidato a registro, como representante comercial, deverá apresentar: a) prova de identidade; b) prova de quitação com o serviço militar, quando a ele obrigado; c) prova de estar em dia com as exigências da legislação eleitoral; d) folha corrida de antecedentes expedida pelos cartórios criminais das comarcas em que o registrado houver sido domiciliado nos últimos dez (10) anos; e) quitação com o imposto sindical. § 1º O estrangeiro é desobrigado da apresentação dos documentos constantes das alíneas b e c deste artigo. § 2º Nos casos de transferência ou de exercício simultâneo da profissão, em mais de uma região, serão feitas as devidas anotações na carteira profissional do interessado, pelos respectivos Conselhos Regionais. § 3º As pessoas jurídicas deverão fazer prova de sua existência legal.”
“Art. 4º Não pode ser representante comercial: a) o que não pode ser comerciante; b) o falido não reabilitado;
6 XXXXXXX, Xxxx. Op. cit., p. 327.
7 XXXXXXX, Xxxxxx. Do representante comercial, p. 10.
fazendo "especificamente quanto ao representante ou agente comercial, cujos atos de representação ou autores incluíam geralmente no domínio do mandato”.
Segundo XXXXXXX XXXX0, tais posições doutrinárias deram-se pelo ao fato de que a representação comercial é denominada na legislação continental européia e norte- americana de agência (ou agenciamento).
WALD9 descreve a evolução histórica do contrato de representação comercial, destacando que essa “atividade integra a técnica atual de comercialização dos produtos manufaturados, dinamizando as transações comerciais, em conseqüência das características de economia moderna. No tempo em que as diversas praças comerciais eram ligadas por meios de comunicação rudimentares, a circulação das mercadorias entre elas utilizava-se de contratos tradicionais, como o de comissão mercantil. Em razão das dificuldades de comunicação e transporte, o produtor consignava nas mãos do comissário as mercadorias de sua propriedade, para que fossem vendidas aos clientes como de propriedade do comissário, em nome deste, mas por conta do comitente. Ao comissário cabia prestar contas ao comitente e suportar as reclamações e ações dos clientes. Simultaneamente com os comissários concorriam como auxiliares do comerciante, prestando valorosos serviços ao comércio entre praças distantes, os vendedores viajantes, também chamados de caixeiros-viajantes ou mascates, figuras até há bem pouco tempo, bastante populares nas cidades do interior do País, que vendiam diretamente ao consumidor. Com a melhoria das estradas e a implantação das ferrovias, as indústrias que então dispunham de maiores recursos passaram a enviar seus empregados para outras praças comerciais, onde colhiam os pedidos que, em seguida, eram aviados e remetidos pelas fábricas. Com o passar do tempo, a organização da empresa moderna foi se tornando cada vez mais complexa e, simultaneamente, foram evoluindo a noção de responsabilidade do proponente pelos atos do preposto e os direitos sociais. Tais fatores levaram os empresários a optar por mecanismos jurídicos que lhes assegurassem a colaboração de terceiras pessoas - os agentes - que não fossem nem empregados, nem comissários”.
8 XXXX, Xxxxxxx. Do regime jurídico do contrato de representação comercial. Revista Jurídica n. 213, jul/1995, p. 5.
9 XXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 5.
Destaca, ainda, ARNOLDO WALD10 que, embora já usual nos meios empresarias, o contrato de representação comercial surgiu no mundo jurídico sem regulamentação legal. Pouco a pouco, foram surgindo construções doutrinárias e jurisprudenciais, com destaque para os franceses e os italianos. Atualmente, as legislações dos países modernos regulam o contrato de agência comercial. Entre elas podemos citar o Código de Comércio alemão; o Dec. francês 68.765, de 22.08.1968; a Lei austríaca, de 24.06.1921; o Código Civil italiano e a Lei argentina 14.546, de 27.10.1958.
No Brasil, a Lei n. 4.886, de 09 de dezembro de 1965 regulamentou a figura do representante comercial, instrumentalizada em um contrato de representação comercial, arrendando dos modelos jurídicos estrangeiros que preferiram denominá-lo contrato de agência.
Quanto aos direitos do representante comercial em decorrência da rescisão do contrato, a Lei n. 4.886/65, em seus artigos 27, “j” e 34, conferiu-lhe, em caso de denúncia desmotivada do representado, indenização e aviso prévio.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 81.128, destacou o “caráter social” do contrato de representação comercial, razão pela qual a lei concede ao representante inocente indenização e aviso prévio, inspirado nos dispositivos da legislação trabalhista.
Convém, finalmente, estabelecer que todas as regras especiais que a Lei n. 4.886/65 disciplinou para a profissão do representante comercial, principalmente quanto aos seus direitos e deveres, continuam em vigor com a edição do Código Civil de 2002, o qual veio apenas a regular o “contrato de agência”, mesmo porque lei geral não revoga lei especial.
3. O CONTRATO DE AGÊNCIA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
10 XXXX, Xxxxxxx. Op. cit. p. 5.
O Código Civil de 2002 disciplinou, nos artigos 710 a 721, o contrato típico de agência, conceituando-o como sendo o contrato pelo qual, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, podendo estar investido de poderes para representar o proponente na conclusão dos contratos.
O contrato de agência é bilateral, oneroso, consensual, informal, comutativo, de duração e intuitu personae11 , envolvendo: a) colaboração entre empresários para a circulação de bens ou serviços; b) inexistência de vínculos de dependência entre as partes contratantes, apesar do agente ter de cumprir programas e instruções do proponente, conforme estabelecido contratualmente; c) existência de habitualidade na prática de determinando negócios; d) direito a remuneração ou retribuição por parte do agente; e) zona determinada de atuação do agente, conforme delimitado contratualmente; f) pode o agente concluir os contratos mediante poderes conferidos pelo proponente.
Aliás, a lei não exige para o contrato de agência a forma escrita, embora seja conveniente que assim se apresente, podendo ser provado por todos os meios de provas em direito permitidas.
O estatuto civil estabeleceu ainda que o proponente não pode constituir, ao mesmo tempo, mais de um agente, na mesma zona, com idêntica incumbência; nem pode o agente assumir o encargo de nela tratar de negócios do mesmo gênero, à conta de outros proponentes, salvo ajuste contratual em sentido contrário.
O agente, no desempenho que lhe foi cometido, deve agir com toda diligência, atendo-se às instruções recebidas do proponente, correndo, salvo estipulação diversa, todas as despesas com a agência a cargo do agente.
reduzi-lo tanto que se torna antieconômica a continuação do contrato. A remuneração será devida ao agente também quando o negócio deixar de ser realizado por fato imputável ao proponente.
Na rescisão do contrato por justa causa, terá o agente direito a ser remunerado pelos serviços úteis prestados ao proponente, sem embargo de haver este perdas e danos pelos prejuízos sofridos. Por outro lado, fará jus o agente à remuneração até então devida, inclusive sobre os negócios pendentes, além das indenizações previstas em lei especial, caso não tenha culpa pela dispensa.
Não podendo o agente continuar o trabalho por motivo de força maior, fará jus também à remuneração correspondente aos serviços realizados, cabendo esse direito aos herdeiros no caso de morte.
Sendo o contrato celebrado por prazo indeterminado, qualquer das partes poderá resolvê-lo, mediante aviso prévio de noventa dias, desde que transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente.
Em suma, a atividade do agente é de intermediação autônoma, em caráter profissional, sem dependência hierárquica, mas, de acordo com as instruções do proponente. Trata-se de figura jurídica típica e, embora guarde alguma semelhança, o agente não é, em princípio, mandatário, nem comissário, nem tampouco empregado, ou
11 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, vol. III, p. 630
12 Estabelece o art. 711 do Código Civil que: “Xxxxx xxxxxx, o proponente não pode constituir, ao mesmo tempo, mais de um agente, na mesma zona, com idêntica incumbência; nem pode o agente assumir o encargo de nela tratar de negócios do mesmo gênero, à conta de outros proponentes.”
4. AGÊNCIA E REPRESENTAÇÃO COMERCIAL
Embora se tenha verificado que parte da doutrina cuida do contrato de agência como sinônimo do contrato de representação comercial, tal entendimento não pode perdurar com o advento do Código Civil de 2002.
O novo estatuto civil disciplinou expressamente em seu artigo 710 o “contrato de agência”, dedicando 11 artigos para a sua regulação.
Trata-se, portanto, de contrato típico, com regras específicas ditadas pelo Código Civil de 2002, o qual, inclusive, ressalva a legislação especial em seu artigo 721, incluindo ai a Lei n. 4.886/65, que trata do representante comercial. Percebe-se ter o legislador objetivado a criação de um novo tipo contratual, diverso do modelo de representação comercial autônoma já existente.
Tanto é assim que o Código Civil, ao adotar regramento específico para o contrato de agência, deu-lhe contornos diversos do contrato de representação comercial. Exemplificando, o artigo 711 daquele diploma legal estabelece ser implícitas as cláusulas de exclusividade de agenciamento e de zona, ao passo que o artigo 41 da Lei n. 4.886/65, acrescentando pela Lei n. 8.420/92, permite ao representante comercial exercer sua atividade para mais de uma empresa e empregá-la em outro mister ou ramos de negócios, ressalvada expressa vedação contratual. Outrossim, estabelece o parágrafo único do artigo 31 da Lei n. 4.886/65 que “A exclusividade de representação não se presume na ausência de ajustes expressos”.
13 XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Do contrato de agência e distribuição no novo Código Civil. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxx/xxxxxxxxxx/xxxxx000.xxx. Acesso em 05/07/2004.
Diversamente do contrato de representação comercial, onde é limitada a prorrogação indefinida, considerando por prazo indeterminado todo contrato que suceder, dentro de seis meses, a outro contrato, com ou sem determinação de prazo.14
Outrossim, o contrato de representação comercial celebrado por prazo indeterminado somente pode ser denunciado, por qualquer das partes, sem causa justificada, desde que haja vigorado por mais de seis meses, hipótese em que obriga o denunciante, salvo outra garantia prevista no contrato, à concessão de pré-aviso, com antecedência mínima de trinta dias, ou ao pagamento de importância igual a um terço (1/3) das comissões auferidas pelo representante, nos três meses anteriores, conforme estabelece o artigo 34 da Lei n. 4.886/65.
Já o contrato de agência celebrado por prazo indeterminado poderá ser resolvido por qualquer das partes, a qualquer tempo, mediante aviso prévio de, no mínimo, noventa dias, desde que transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente.
Quanto ao valor devido “pelo vulto do investimento exigido do agente”, a lei faculta às partes, mediante estipulação contratual, estabelecerem o valor indenizatório correspondente e até mesmo eliminá-lo, somente exigindo-se a interferência do Poder Judiciário “no caso de divergência entre as partes.” É o que se depreende do disposto o artigo 720 e seu parágrafo único, do Código Civil de 2002.
VENOSA15 adverte que “A lei que regula o representante comercial, como vimos, possui normas próprias sobre a resilição unilateral. No art. 34, essa lei estipula que a denúncia, por qualquer das partes, sem justa causa, no contrato por prazo indeterminado e que haja vigora por mais de seis meses, obriga o denunciante à concessão de pré-aviso com antecedência mínima de trinta dias, ou de importância igual a um terço das comissões auferidas pelo representante, nos três meses anteriores. O prazo mínimo foi estendido para noventa dias pelo novo Código, mas, por outro lado, esse novel diploma não se refere à indenização nem ao prazo mínimo de vigência de seis meses. É de se perguntar se estará
14 Segundo o art. 27, § 3º da Lei n. 4.886/65 “Considera-se por prazo indeterminado todo contrato que suceder, dentro de seis meses, a outro contrato, com ou sem determinação de prazo.” (redação dada ao artigo pela Lei n. 8.420/92)
15 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Vol. III, p. 619.
derrogado o art. 34 em sua totalidade ou só quanto ao prazo de notificação. Questão difícil que somente poderá ser acomodada pela futura jurisprudência. Ademais, como a lei dos representantes comerciais autônomos é detalhada a respeito do recebimento de comissões, recusa de pedidos, justa causa para rescisão etc. poderá ser utilizada supletivamente ao Código e ao que for expresso pelas partes no contrato. A matéria, como apontamos desde o início, não é de fácil deslinde no caso concreto”.
Cremos que as respostas às indagações de SÍLVIO DE SALVO VENOSA estão consubstanciadas na natureza das leis que tratam do contrato de agência e do contrato de representação comercial. Sendo este último regulado por lei especial (Lei n. 4.886/65) não há que se falar em revogação ou derrogação pelo Código Civil de 2002, que se trata de norma geral.
Repise-se que o Código Civil inseriu no elenco dos contratos típicos o novo contrato de agência, com regras específicas ditadas pelos artigos 710 a 721, não exigindo forma escrita, devendo, portanto, o instrumento contratual regular detalhadamente a sua consecução.
Omitindo-se o contrato de agência sobre determinadas situações envolvendo as partes contratantes, aplica-se o Código Civil, em seus artigos 710 a 721, não sendo, ainda assim, possível sanar as omissões invoca-se a legislação especial naquilo que for compatível com a natureza do contrato de agência, não olvidando que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, a teor do artigo 5º, inciso II da Constituição da República Federativa do Brasil
Por derradeiro, cumpre destacar que o artigo 718 do Código Civil de 2002 estabelece que se a dispensa se der sem culpa do agente, fará este jus à remuneração até então devida, inclusive sobre os negócios pendentes, além das indenizações previstas em lei especial.
Segundo XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXX00, o novo Código Civil, sancionado em janeiro de 2.002, insere o contrato de agência e distribuição entre os contratos típicos, mas não revoga a legislação especial em vigor, como se ressalva no artigo 721, especialmente, no tocante às indenizações asseguradas pelas Lei n. 4.886 e 8.420 (artigo 718).
Contudo, não é esse o melhor entendimento. Primeiramente, deve-se repisar que o Código Civil disciplina um novo tipo contratual, ou seja, o contrato de agência, com regramento específico, em muitos pontos diverso do estatuído pela legislação especial para o contrato de representação comercial, como anteriormente destacado.
De outro lado, a aplicabilidade da parte final do artigo 718 do estatuto civil deve ser vista com reservas, na medida em que determina o pagamento ao agente despedido injustamente das “indenizações previstas em lei especial.” Entendo-se que a lei especial invocada pelo dispositivo trata-se da Lei n. 4.886/65, isso nos leva a examinar o disposto em seu artigo 27, letra “j”, que elenca como cláusula obrigatória do contrato de representação comercial a “indenização devida ao representante, pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35, cujo montante não poderá ser inferior a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação.”
Nota-se que a Lei n. 4.886/65 não fixa a indenização do representante comercial17, devida quando não culpado pela rescisão, devendo tal valor ser estipulado no contrato, respeitando o mínimo estabelecido pela lei específica.
Quando se tratar de rescisão de contrato de agência, sem culpa do agente, tal indenização somente será devida caso estipulada no contrato, afastando a possibilidade, na omissão contratual, de aplicação da indenização mínima prevista no artigo 27, letra “j ” da Lei n. 4.886/65, prevista especificamente para o representante comercial.
16 XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Do contrato de agência e distribuição no novo Código Civil. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxx/xxxxxxxxxx/xxxxx000.xxx. Acesso em: 05/07/2004.
17 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de direito comercial. Vol. 3, p. 111.
Tal entendimento é agasalhado pelo artigo 721 do Código Civil de 2002, que determina a aplicação ao contrato de agência das regras constantes em lei especial, somente quando compatível e no que couber. Não tendo o Código Civil elencado cláusulas obrigatórias a serem inseridas no contrato de agência, não se pode invocar o disposto no artigo 27, letra “j” da Lei n. 4.886/65 para cobrir lacunas envolvendo indenização do agente, quando omisso o contrato de agência, já que tal dispositivo refere-se à elaboração do contrato de representação comercial, ditando as cláusulas obrigatórias que deve este conter.
Nas precisas e atuais palavras de SÍLVIO DE SALVO VENOSA18, tendose, portanto, “em vista a natureza dos dois contratos, ao menos em nosso sistema, não há razão para identificar a representação autônoma com a agência. Ambos os negócios jurídicos devem ser tratados como contratos distintos. O representante comercial é mais do que um agente, porque seus poderes são mais extensos. O agente prepara o negócio em favor do agenciado; não o conclui necessariamente. O representante deve concluí-lo. Essa é a sua atribuição precípua. Não é necessário que o agente seja qualificado como comerciante. A agência pode ter natureza civil. O representante, por via da própria orientação legal, será sempre comerciante”.
Acrescente-se, ainda, que o artigo 715 do Código Civil de 2002 traz disposição menos favorável do que a prevista para o representante comercial, pelo § 7º do artigo 32 da Lei n. 4.886/65. Nesse último dispositivo, veda-se na representação comercial alteração que implique, direta ou indiretamente, a diminuição da média dos resultados auferidos pelo representante nos últimos seis meses de vigência do contrato; ao passo que no Código Civil o agente tem direito à indenização se o proponente, sem justa causa, cessar o atendimento das propostas ou reduzi-lo tanto que se torna antieconômica a continuação do contrato, sem qualquer limitação temporal para se pleitear tal reparação.
novo estatuto civil. Tais circunstâncias, porém, não constituem fatores preponderantes para afastar as demais vantagens do contrato típico de agência sobre o contrato de representação comercial.
5. CONCLUSÃO
Das premissas anteriores, deriva a conclusão lógica de que o contrato de agência possui regramento específico no Código Civil de 2002, inclusive mais vantajoso do que o contrato de representação comercial.
Advirta-se que a orientação doutrinária20 é no sentido de que se aplica a lei do representante comercial sempre que este for devidamente registrado, nos termos do artigo 5º da Lei n. 4.886/65 e realiza negócios em razão dessa profissão habitual, pouco importando que pratique ele negócios de agência ou de representação comercial, já que, tratando-se de profissão regulamentada, estando o sujeito de direito inscrito nos Conselhos Regionais dos Representantes Comerciais, subordinados estes ao Conselho Federal, aplicar-se-á a lei protetiva específica da classe profissional.
De tudo se extrai a conclusão de que o contrato de agência, antes identificado pela doutrina e jurisprudência como sinônimo de representação comercial, trata-se atualmente de modalidade de contrato típico, previsto nos artigos 710 a 721 do Código Xxxxx xx 0000,
00 XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxx. Direito civil. Vol. III, p. 566.
19 Estabelece o artigo 715 do Código Civil de 2002 que: “O agente ou distribuidor tem direito à indenização se o proponente, sem justa causa, cessar o atendimento das propostas ou reduzi-lo tanto que se torna antieconômica a continuação do contrato”.
20 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Vol. III, p. 612.
com regras específicas que o diferenciam sobremaneira do contrato de representação comercial regulado pela Lei n. 4.886/65.
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