Contract
EMENTA: Arbitragem e franquia. Validade da cláusula compromissória inserida em contrato de franquia. Dever de informação do franqueador com relação ao franqueado sobre os custos da arbitragem. Impecuniosidade do franqueado.
Referência: Indicação nº 010/2023, de autoria do consocio Dr. Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx, sobre dois acórdãos da 1a Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, que afastaram a validade de cláusula compromissória firmado pelas partes e constante de contratos de franquia.
Palavras-chave: Arbitragem. Franquia. Hipossuficiência informacional. Impecuniosidade
Sumário
2. Franquia e contrato de adesão ou contrato padrão 5
2.1. A franquia não é necessariamente um contrato de adesão 5
2.2. O contrato de franquia como contrato de adesão ou contrato padrão 7
2.3. A cláusula compromissória inserta em contrato de franquia por adesão ou padrão, ainda que em desacordo com a forma prevista no § 2º do art. 4º Lei nº 9.307/96 deveria ser considerada válida 10
3. Franquia, arbitragem e hipossuficiência informacional e financeira 14
3.1. Franquia, arbitragem e a falta de informação 16
3.1.1. A alegada falta de informação sobre o custo da arbitragem não caracteriza vício de vontade 17
3.1.2. A informação sobre o custo da arbitragem está disponível para todos.
3.1.3. O franqueador não tem a obrigação de fornecer ao franqueado a informação sobre o custo da arbitragem. 21
3.2. Franquia, arbitragem e falta de recursos (a impecuniosidade) 23
3.2.1. As decisões do Superior Tribunal de Justiça segundo as quais a vulnerabilidade financeira de uma das partes não é suficiente para afastar a cláusula compromissória em contrato de franquia. 24
3.2.2. Até mesmo o devedor em recuperação judicial, a massa falida e o próprio falido estão sujeitos à arbitragem, cabendo ao tribunal arbitral a preferência para decidir a respeito da validade da cláusula compromissória.
3.2.3. Os diferentes mecanismos que existem na arbitragem para contornar a falta de recursos de uma das partes 28
3.2.4. A alocação de riscos e a paridade das partes 30
Introdução
O consócio Dr. Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx, através da Indicação nº 010/2023, solicitou parecer sobre dois acórdãos da 1a Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, um proferido na Apelação nº 1003513- 24.2020.8 26.02711 e o outro proferido na Apelação nº 1006072-45.2021.8.26.01002.
Ambos estes acórdãos, conforme consta na Indicação:
[. ] afastaram a validade de cláusula compromissória firmado pelas partes e
constante de contratos de franquia, permitindo que o litígio entre franqueador e franqueado prosseguisse perante o Poder Judiciário, em razão da suposta hipossuficiência do franqueado.
Aponta o consócio Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx que estes dois acórdãos tiveram repercussão negativa na comunidade arbitral:
[. ] por terem estabelecido um requisito de validade e eficácia da convenção
arbitral que não consta da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996), qual seja, a capacidade econômica das partes para arcar com os custos do procedimento arbitral. Pior, segundo as decisões, essa avaliação deve ser feita não só
1 v. íntegra do acórdão em anexo, como doc. 1
2 v. íntegra do acórdão em anexo, como doc. 2
quando da contratação, mas também no momento quando surgir o litígio, o que acarreta em imensa insegurança jurídica.
De igual modo, os dois acórdãos suscitaram apreensão na comunidade das franquias, segundo a Indicação:
Para o setor econômico específico os efeitos dessa decisão mostram-se ainda mais danosos. Quantidade significativa de sistemas de franquias organizaram-se tendo como fundamento que eventuais disputas seriam resolvidas por arbitragem, o que pode ser desmontado se a jurisprudência consolidar-se no sentido das recentes decisões paulistas.
O primeiro acórdão da 1a Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferido na Apelação nº 1003513-24.2020.8.26.0271, declarou “inválida”3 a cláusula compromissória arbitral que constava em um contrato de franquia pois a “[...] informação e o esclarecimento das condições do contrato de franquia, são fatores de validade da própria relação contratual.” e a franqueadora não teria informado os franqueados os custos de uma arbitragem. Não tendo os franqueados recursos para pagar as despesas com a arbitragem:
Com isso, há uma situação em que:
a) o franqueado não tem acesso ao sistema estatal de justiça, em razão da cláusula que prevê a arbitragem como forma de solução de conflitos;
b) o franqueado não tem acesso ao sistema privado de justiça, pois não tem capacidade financeira de arcar com os custos de uma arbitragem (enquanto na justiça estatal tem direito a justiça gratuita, como no caso).
Com isso, o franqueado fica sem acesso ao sistema de justiça (estatal e privado), razão pela qual a cláusula compromissória priva de todo o efeito a escolha da arbitragem para dirimir conflitos.
O segundo acórdão, proferido na Apelação nº 1006072-45.2021.8.26.0100, 1006072-45.2021.8.26.0100, tinha fatos praticamente idênticos aos do primeiro. Os apelantes alegaram que:
[...] (b) a instauração de procedimento arbitral (no caso, no Centro de Solução de Disputas em Propriedade Intelectual – CSD) impõe ônus financeiro demasiadamente gravoso aos franqueados, uma vez que os valores envolvidos em tal procedimento aproximam-se de R$ 100.000,00; (c) “a cláusula é de adesão, não permitindo tergiversar sobre seu conteúdo ou
3 Sem esclarecer se seria caso de nulidade ou anulabilidade ou ineficácia, as formas técnicas previstas no Código Civil.
alcance dos seus efeitos, fundamentando que houve imposição da cláusula arbitral”; (d) mais, não possuem as litigantes a mesma capacidade negocial, uma vez que a franqueadora determina o conteúdo do contrato de franquia, garantindo-lhe poderes para impor exclusividade no fornecimento de produtos e preço de vendas; (e) “a natureza da cláusula compromissória neste contrato (...) funciona apenas como instrumento para estabelecer um salvo conduto para que a franqueadora (...) possa praticar toda a sorte de ilegalidade comercial”, pois “a cláusula teria apenas o condão de impedir a abertura de processos judiciais (pela existência da própria cláusula arbitral e a interpretação absoluta de sua competência) e arbitral (pela incapacidade de custear a disputa neste juízo)”.
Este segundo acórdão invocou os argumentos do primeiro acórdão e concluiu:
O precedente da Câmara na citada Ap. 1003513-24.2020.8.26.0271, amolda- se perfeitamente ao caso dos autos, em que os franqueados tiveram ciência efetiva da cláusula compromissória, conforme se denota da leitura do contrato (cláusula 24ª – fls. 472/473), bem assim do termo de declaração e aceite à fl. 477, de que consta a assinatura do sócio operador da franqueada.
Mas, apesar dessa inequívoca ciência, havendo hipossuficiência, reconhecida pela isenção ora concedida às custas processuais, fato é que os franqueados não poderão suportar as despesas de uma arbitragem.
Sua situação, perante a franqueadora, é de sujeição: [...]
Nos termos da indicação que deu origem a este parecer:
A importância da matéria objeto dos acórdãos do TJ-SP reside no impacto avassalador não só no setor de franquias, que precisa saber se pode ou não contar com um sistema de resolução de conflitos fundado em jurisdição arbitral, como também no próprio desenvolvimento futuro da arbitragem no Brasil. Dessa forma, entende-se que o Instituto dos Advogados Brasileiros poderia contribuir para esse debate, na forma de parecer com análise dos aludidos acórdãos e opinião acerca da validade e eficácia de cláusula compromissória em contratos de franquia, quando o franquiado tornar-se hipossuficiente.
Cabe, então, analisar estes dois acórdãos, sob a perspectiva da sua juridicidade.
Antes, porém, é importante deixar claro que o contrato de franquia não é uma relação de consumo. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem consolidada jurisprudência, de que é exemplo a seguinte ementa:
Contrato de fiança. Relação entre o franqueador e franqueado. Lei nº 8.955/94. Código de Defesa do Consumidor. Fiança. Exoneração.
1. A relação entre o franqueador e o franqueado não está subordinada ao Código de Defesa do Consumidor.
2. Afastando o acórdão a existência de moratória com base na realidade dos autos e em cláusula contratual, não há espaço para acolher a exoneração da fiança, a teor das Súmulas nºs 5 e 7 da Corte, ademais da falta de prequestionamento dos dispositivos indicados no especial.
3. Recurso especial não conhecido.
(REsp n. 687.322/RJ, relator Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito, Terceira Turma, julgado em 21/9/2006, DJ de 9/10/2006, p. 287.)
Em consequência, não cabe examinar a relação entre o contrato de franquia e a arbitragem sob a perspectiva do art. 51, inciso VII, do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
[...]
VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;
Na verdade, os pontos suscitados nos dois acórdãos objeto deste parecer devem ser analisados, em primeiro lugar, sob a perspectiva dos contratos de adesão ou padrão (1.), para, em seguida, serem analisados sob o ponto de vista da hipossuficiência informacional e financeira (2.)
2. Franquia e contrato de adesão ou contrato padrão.
2.1. A franquia não é necessariamente um contrato de adesão.
A Lei nº 13.966/19, denominada Lei de Franquia, nada diz se o contrato é, ou não, por adesão.
O fato dessa lei prever que o franqueador deve fornecer ao interessado na implantação da franquia uma Circular de Oferta de Franquia não tem o condão de transformar o contrato de franquia em um contrato por adesão.
Com efeito, a Circular de Oferta de Franquia é apenas a proposta feita pelo franqueador (policitante) ao interessado (oblato), nos termos do art. 427 do Código Civil.
Essa proposta pode evoluir para uma negociação e resultar em um contrato no qual as cláusulas tenham sido discutidas, negociadas e acordadas, sem seguir uma padronização total, à qual adere o franqueado.
Aliás, nos primeiros acórdãos em que tratou do contrato de franquia (a propósito de questão tributária), o Superior Tribunal de Justiça o definiu, sem fazer qualquer referência à sua natureza de contrato de adesão:
TRIBUTÁRIO. ISS. "FRANCHISING".
1. Franquia empresarial está conceituada no art. 2º, da Lei nº 8.955/94.
2. O referido contrato é formado pelos seguintes elementos: distribuição, colaboração recíproca, preço, concessão de autorizações e licenças, independência, métodos e assistência técnica permanente, exclusividade e contrato mercantil (Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxx, "Franchising", SP, 3ª ed. Atlas, 1988, pp. 33/55).
3. Compreende-se dos elementos supra que o referido contrato é formado por três tipos de relações jurídicas: licença para uso da marca do franqueador pelo franqueado; assistência técnica a ser prestada pelo franqueador ao franqueado; a promessa e as condições de fornecimento dos bens que serão comercializados, assim como, se feitas pelo franqueador ou por terceiros indicados ou credenciados por este (Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxx, em "Franchising", Forense, 2ª ed.).
4. É, portanto, contrato de natureza complexa, afastando-se da caracterização de prestação de serviço.
5. ISS não devido em contrato de franquia. Ausência de previsão legal.
6. Recurso da empresa provido por maioria.
(REsp n. 221.577/MG, relator Ministro Xxxxxx Xxxxxx, relator para acórdão Ministro Xxxx Xxxxxxx, Primeira Turma, julgado em 23/11/1999, DJ de 3/4/2000, p. 117.)
O TJSP tem admitido, de forma reiterada que não é da natureza da franquia ser um contrato de adesão, pois trata-se de vínculo contratual estabelecido entre partes empresariais, como é exemplo a seguinte ementa:
APELAÇÃO – CONTRATO DE FRANQUIA – NULIDADE – SENTENÇA – [...]
CONTRATO DE ADESÃO – CDC – Inaplicabilidade – Não há hipossuficiência em contratos assinados entre empresários, presumindo-se ciência e experiência daquele que assume a responsabilidade de administrar uma unidade franqueada, a par da assistência técnica e administrativa a ser prestada pela franqueadora – Precedentes do STJ [...] (TJSP; Apelação Cível 1105393-87.2020.8.26.0100; Relator (a): Xxxxxxx Xxxxxx; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível
- 2ª VARA EMPRESARIAL E CONFLITOS DE ARBITRAGEM; Data do
Julgamento: 27/06/2023; Data de Registro: 29/06/2023)
Assim, sempre que a franquia não for um contrato de xxxxxx, a cláusula compromissória e as demais questões relativas à arbitragem devem seguir as regras gerais da Lei nº 9.307/96.
No entanto, a franquia pode ser um contrato de adesão, com as consequências que o se passam a examinar.
2.2. O contrato de franquia como contrato de adesão ou contrato padrão
É conhecido o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça que afastou a regra da competência-competência e, sem remeter as partes previamente para a arbitragem, declarou que a cláusula compromissória era nula, pois inserida em um contrato de franquia, porque este tipo de contrato é de adesão4:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE FRANQUIA. CONTRATO DE ADESÃO. ARBITRAGEM. REQUISITO DE VALIDADE DO ART. 4º, § 2º, DA LEI 9.307/96. DESCUMPRIMENTO. RECONHECIMENTO PRIMA FACIE DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA "PATOLÓGICA". ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. NULIDADE RECONHECIDA. RECURSO PROVIDO.
[...]
2. O contrato de franquia, por sua natureza, não está sujeito às regras protetivas previstas no CDC, pois não há relação de consumo, mas de fomento econômico.
4 Neste ponto, o Superior Tribunal de Justiça alterou também a sua jurisprudência anterior, que aplicava a regra da competência-competência e afirmava caber ao caber ao juízo arbitral decidir sobre a
existência, validade e eficácia da cláusula compromissória, devendo o juízo estatal aguardar esta decisão e só examiná-la em sede de ação para anular a sentença arbitral ou de ação para executá-la: RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. CONTRATO DE FRANQUIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO,
CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. INCOMPETÊNCIA
DO JUÍZO ESTATAL. KOMPETENZ-KOMPETENZ. [...] 2- O propósito recursal é definir se o Juízo da 8ª Vara Cível Central da Comarca de São Paulo - SP é competente para processar e julgar a presente ação, em razão da existência de cláusula arbitral no contrato de franquia que constitui o objeto da lide. [...] 4- A convenção de arbitragem prevista contratualmente afasta a jurisdição estatal, impondo ao árbitro o poder-dever de decidir as questões decorrentes do contrato, além da própria existência, validade e eficácia da cláusula compromissória. 5- Recurso especial provido. (REsp n. 1.597.658/SP, relator Ministro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx, relatora para acórdão Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, Terceira Turma, julgado em
18/5/2017, DJe de 10/8/2017.); para uma discussão a respeito, v. SISTER, Xxxxxxx Xxxxxxxxx, XXXXXXXX, Thiago del Pozzo. Nova Lei de Franquias e Arbitragem. Revista Brasileira de Arbitragem nº 67, Jul-Set/2020, p. 7-31
3. Todos os contratos de adesão, mesmo aqueles que não consubstanciam relações de consumo, como os contratos de franquia, devem observar o disposto no art. 4º, § 2º, da Lei 9.307/96.
4. O Poder Judiciário pode, nos casos em que prima facie é identificado um compromisso arbitral "patológico", i.e., claramente ilegal, declarar a nulidade dessa cláusula, independentemente do estado em que se encontre o procedimento arbitral.
5. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1602076/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 15/09/2016, DJe 30/09/2016.)
Os termos deste acórdão foram retomados em outros posteriores:
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE FRANQUIA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTATAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. INVALIDADE. CONTRATO DE ADESÃO. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 4º, § 2º, DA LEI 9.307/1996. MULTA DO ART. 1.021, § 4º, DO NCPC. ANÁLISE CASUÍSTICA. NÃO OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
1. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de caber ao Poder Judiciário, nos casos em que é identificado um compromisso arbitral claramente ilegal, declarar a nulidade dessa cláusula. Destacou, ainda, que os contratos de franquia, mesmo não se tratando de relação de consumo, possuem a natureza de contrato de adesão. Por fim, consignou que deve ser conferida à cláusula compromissória integrante do pacto firmado entre as partes o devido destaque, em negrito, tal qual exige a norma em análise, com aposição de assinatura ou de visto específico para ela, sob pena de manifesta ilegalidade.
[...]
(AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.560.937/SP, relator Ministro Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, Terceira Turma, julgado em 14/3/2022, DJe de 18/3/2022.)
Assim, segundo o Superior Tribunal de Justiça, se a franquia for um contrato de adesão, aplica-se, em princípio, a regra do § 2º do art. 4º Lei nº 9.307/96, específica sobre contratos de adesão ou por adesão, segundo a qual:
Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.
Em consequência, a situação é, à primeira vista, simples: se a franquia for um contrato de adesão, a cláusula compromissória é válida se figurar em documento anexo ou no próprio instrumento contratual, mas em negrito e, em ambos os casos, nela for aposta uma assinatura ou um visto específico. Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CONTRATOS. FRANQUIA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL. ANUÊNCIA EXPRESSA PARA TAL FINALIDADE. ART. 4º, § 2º, DA LEI 9.307/96. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. INVIABILIDADE. SÚMULAS 5 E 7/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. Os contratos de adesão, mesmo aqueles que não apresentam relação de consumo, devem observar o que prescreve o art. 4º, § 2º, da Lei 9.307/96, que dispõe que, nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.
2. No caso dos autos, o Tribunal de origem reconheceu a presença dos requisitos do art. 4º, § 2º, da Lei 9.307/96, no caso, consignando que a cláusula compromissória se encontra expressamente redigida no contrato (cláusula XXII), além de constar expressamente no anexo I, o que torna válido não só o contrato como todo o seu conteúdo, incluindo aí a cláusula arbitral. A alteração de tal conclusão demandaria o reexame das provas acostadas aos autos e a interpretação de cláusulas contratuais, providência vedada em sede de recurso especial, nos termos das Súmulas 5 e 7 do STJ.
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp n. 1.809.792/SP, relator Ministro Xxxx Xxxxxx, Quarta Turma, julgado em 14/2/2022, DJe de 18/2/2022.)
Se esta formalidade não for cumprida, a cláusula compromissória é nula, por força do art. 166, III, do Código Civil, segundo o qual: “É nulo o negócio jurídico quando: [...] IV - não revestir a forma prescrita em lei;”.
Na verdade, ao assim decidir quanto à cláusula compromissória, o Superior Tribunal de Justiça apenas estendeu à arbitragem, a jurisprudência que havia construído em torno da cláusula de eleição de foro:
Conflito negativo de competência. Eleição de foro. Contrato de franquia. Adesão. Abusividade.
1. Em contrato de adesão, unilateralmente elaborado pela franqueadora, que impõe todas as cláusulas que regem a relação com o franqueado, sopesadas
as circunstâncias peculiares do presente caso, deve ser reconhecida a abusividade da cláusula de eleição de foro, pois afirmada nos autos a impossibilidade do franqueado efetuar regular defesa no Juízo contratualmente eleito, face a sua difícil situação econômica, decorrente do próprio contrato de franquia. Ressaltado, ainda, o alto poder econômico da franqueadora em contraste com a situação do franqueado.
2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Lajeado/RS.
(CC n. 32.877/SP, relator Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito, Segunda Seção, julgado em 26/2/2003, DJ de 7/4/2003, p. 217.)
No entanto, há, aqui, há um ponto que merece melhor debate, pois, na verdade, a anulabilidade da cláusula de eleição de foro ou da cláusula compromissória em contrato de franquia não tem relação com o fato do contrato ser por xxxxxx ou não.
2.3. A cláusula compromissória inserta em contrato de franquia por adesão ou padrão, ainda que em desacordo com a forma prevista no § 2º do art. 4º Lei nº 9.307/96 deveria ser considerada válida.
A razão de ser do § 2º do art. 4º Lei nº 9.307/96 é garantir a livre consentimento da parte na submissão do eventual litígio à arbitragem.
O destaque dado à cláusula compromissória – seja por ser consubstanciada em documento separado ou por sê-lo em negrito e a necessidade de assinatura ou visto específicos – explica-se apenas pela necessidade de assegurar que a parte está consciente da existência dessa cláusula e com ela consentiu.
Com efeito, o livre consentimento é regra fundamental na arbitragem. Não existe, no Brasil, arbitragem compulsória. A solução do litígio por via arbitral depende, sempre, que as partes o tenham consentido, direta ou indiretamente.
Assim, o essencial para a validade da cláusula compromissória não é que o contrato seja de adesão ou não.
O essencial é que a parte tenha manifestado conscientemente a sua vontade no tocante a essa cláusula.
Deste modo, a anulação da cláusula compromissória de arbitragem5 não depende de estar inserida em contrato de adesão ou não ou de ter sido respeitada a forma prevista no § 2º do art. 4º Lei nº 9.307/96.
Esta cláusula pode ser anulável é se houver vício de vontade6.
Ora, é possível haver contrato de adesão, sem haver vício de vontade quanto à cláusula compromissória arbitral.
A situação da cláusula compromissória arbitral é em tudo semelhante à cláusula de eleição de foro.
O próprio Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que, quando as partes são hiper suficientes, não faz sentido afastar a cláusula de eleição de foro em contrato de franquia:
PROCESSO CIVIL - AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL - FRANQUIA - COMPETÊNCIA - VALOR EXPRESSIVO DO CONTRATO - VALIDADE DO FORO DE ELEIÇÃO - INCIDÊNCIA DO ARTIGO 111 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - RECURSO PROVIDO.
1 - Inexiste abusividade em cláusula contratual de franquia que prevê o foro de eleição como o competente para dirimir eventual litigio entre as partes, quando a franqueada detém ostensiva capacidade econômica. Há que se privilegiar o princípio do pacta sunt servanda (incidência do art. 111 do CPC). Precedentes.
2 - Recurso especial provido para restabelecer o decisum monocrático, que reconheceu a competência do foro eleito pelas partes para conhecer e julgar a ação de rescisão contratual em questão.
(REsp n. 765.171/SE, relator Ministro Xxxxx Xxxxxxxxxxx, Quarta Turma, julgado em 11/10/2005, DJ de 7/11/2005, p. 307.)
Conflito Positivo de Competência. Contrato de franquia. Conexão. Cláusula de eleição de foro.
1. [...]. Somente poderia ser fixada a competência em razão do Juízo prevento para o julgamento, ou seja, no qual tenha ocorrido primeiramente citação válida (art. 219 do Código de Processo Civil), se reconhecida a nulidade da cláusula de eleição de foro, o que não ocorreu.
2. O expressivo valor do contrato sugere à franqueada relativa estrutura para se envolver no empreendimento, não estando demonstrada a impossibilidade
5 Como também, por igual motivo, da cláusula de eleição de foro
6 Aqui não parece ser caso de nulidade (art. 166 do Código Civil), pois não se trata de negócio jurídico a) celebrado por pessoa absolutamente incapaz; b) com objeto ilícito, impossível ou indeterminável; c) cujo motivo determinante, comum a ambas as partes, seja ilícito; d) não revestir a forma prescrita em lei;
de exercer a franqueada regular defesa no foro contratualmente eleito, que deve ser respeitado, não se justificando a declaração de nulidade da cláusula. [...]
(CC n. 37.374/RJ, relator Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito, Segunda Seção, julgado em 27/8/2003, DJ de 20/10/2003, p. 169.)
PROCESSO CIVIL. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. CONTRATO DE ADESÃO ENTRE FRANQUEADA E FRANQUEADORA. EMPRESAS DE GRANDE PORTE. VALIDADE DA CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO.
A só e só condição de a eleição do foro ter se dado em contrato não acarreta a nulidade dessa cláusula, sendo imprescindível a constatação de cerceamento de defesa e de hipossuficiência do aderente para sua inaplicação.
[...]
(REsp n. 545.575/RJ, relator Ministro Xxxxx Xxxxx Xxxxx, Quarta Turma, julgado em 9/9/2003, DJ de 28/10/2003, p. 295.)
Por igual razão, não faz sentido afastar a cláusula compromissória arbitral inserida em contrato de adesão que não respeite a forma do § 2º do art. 4º Lei nº 9.307/96 quando nenhuma das partes sofre de hipossuficiência.
Na realidade, o fato do contrato ser por adesão é apenas um indício que uma das partes pode ser vulnerável, sem, contudo, criar uma presunção absoluta.
Assim, sem sentido o acórdão, acima referido, proferido pelo Superior Tribunal de Justiça em 2016 declarando a invalidade prima facie da cláusula compromissória inserta em contrato de franquia que não atenda o § 2º do art. 4º Lei nº 9.307/967.
Esta posição, aliás, foi reiterada em diversos outros acórdãos8, tendo o mais recente a seguinte ementa:
7 BRASIL. STJ, 3ª Turma, RESP 1.602.076/SP, rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxx, julg. 15.09.2016.
8 Porém, em acórdão recente, o Superior Tribunal de Justiça confirmou acórdão do TJSP entendeu que quando houver dúvida se o contrato é de adesão ou não, aplica-se a regra da competência-competência: PROCESSO CIVIL. [...] CONTRATO EMPRESARIAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. CONTRATO DE ADESÃO. REQUISITOS DO ART. 4º, § 2º, DA LEI 9.307/96. ANÁLISE DA NATUREZA JURÍDICA PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM. NECESSIDADE. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTATAL. SÚMULAS 5 E 7, DO STJ. RETORNO DOS
AUTOS. [...] 3. Nos casos de contrato de adesão, ainda que não regidos pelo CDC, há disposição restritiva explicitada pela própria Lei de Arbitragem, estabelecendo que o "magistrado pode analisar a alegação de ineficácia da cláusula compromissória por descumprimento da formalidade do art. 4º, § 2º, da Lei n.
9.307/1996, independentemente do estado do procedimento arbitral. [...]. 4. No caso em debate, o Tribunal estadual entendeu que caberia ao próprio juízo arbitral analisar se o contrato seria de adesão ou não, a fim de verificar a validade da cláusula compromissória, de modo que, em razão dos óbices contidos nas Súmulas n. 5 e 7, do STJ, os autos devem retornar à origem para que se profira novo acórdão, à luz do entendimento desta Corte. [...] (AgInt no AREsp n. 1.672.575/SP, relatora Ministra
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Quarta Turma, julgado em 27/6/2022, DJe de 30/6/2022.)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE ADESÃO. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA DECLARAÇÃO DE NULIDADE. DECISÃO DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, "Nos casos de contrato de adesão, o "magistrado pode analisar a alegação de ineficácia da cláusula compromissória por descumprimento da formalidade do art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/1996, independentemente do estado do procedimento arbitral" (AgInt no AREsp 2.024.123/MG, Relatora Ministra Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Quarta Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 2/12/2022).
[...]
(AgInt no AREsp n. 2.092.765/RJ, relator Ministro Xxxx Xxxxxx, Quarta Turma, julgado em 19/6/2023, DJe de 23/6/2023.)
Lamenta-se que não tenha prevalecido o voto divergente e vencido do Min.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, em acórdão, de 20209, do qual se destaca o seguinte trecho:
Especificamente sobre o compromisso arbitral, que constitui uma avença especial em relação às demais cláusulas contratuais, a Lei de Arbitragem tem por propósito garantir que não pairem dúvidas quanto ao assentimento das partes quanto à instituição da arbitragem. As exigências de forma ali previstas hão de ser interpretadas no sentido de que o propósito legal — de garantir a inequívoca ciência das partes quanto à instituição da arbitragem — seja, na prática, observado.
Se este fim foi alcançado, pelo contexto em que se dá a contratação de franquias, parece-me de todo descabido admitir a invocação da inobservância de forma, pela forma, apenas quando a correlata previsão contratual deixa de
9 BRASIL. STJ, 3ª Turma, RESP 1.803.752/SP, rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxx, julg. 04.02.2020. Posteriormente, o Min. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx foi relator em outro acórdão no qual abandonou a posição que havia
manifestado neste voto vencido: AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE FRANQUIA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTATAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. INVALIDADE. CONTRATO DE ADESÃO. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 4º,
§ 2º, DA LEI 9.307/1996. MULTA DO ART. 1.021, § 4º, DO NCPC. ANÁLISE CASUÍSTICA. NÃO OCORRÊNCIA,
NA ESPÉCIE. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de caber ao Poder Judiciário, nos casos em que é identificado um compromisso arbitral claramente ilegal, declarar a nulidade dessa cláusula. Destacou, ainda, que os contratos de franquia, mesmo não se tratando de relação de consumo, possuem a natureza de contrato de adesão. Por fim, consignou que deve ser conferida à cláusula compromissória integrante do pacto firmado entre as partes o devido destaque, em negrito, tal qual exige a norma em análise, com aposição de assinatura ou de visto específico para ela, sob pena de manifesta ilegalidade. [...] (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.560.937/SP, relator Ministro Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, Terceira Turma, julgado em 14/3/2022, DJe de 18/3/2022.)
ser interessante à parte, o que refoge das legítimas expectativas da parte adversa e da dinâmica própria das relações empresariais.
Desse modo, tem-se que, em se tratando de contratos empresariais, a exigência formal contida no § 2º do art. 4º da Lei n. 9.307/1996 somente tem aplicação se a relação jurídica estabelecida entre os empresários contratantes for assimétrica e ficar caracterizado, no caso concreto, o comprometimento da autodeterminação e da autonomia da parte aderente para negociar ou mesmo para discordar dos termos contratuais propostos.
Contudo, estas questões não foram discutidas nos dois acórdãos objeto deste parecer. Com efeito, no primeiro acórdão foi reconhecido que:
No contrato de franquia (fls. 58/89) há a cláusula compromissória, bem como há o anexo I, denominado “termo de cláusula compromissória” (fls. 90), que também é referido no corpo do contrato, sendo hipótese de cláusula cheia. Assim, sob o fundamento de violação do art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/1996, não há como se afirmar que se trata de uma cláusula patológica, ou seja, inequivocamente ilegal, que autorizaria a sua invalidação, desde logo, pelo Estado (RESP n. 1.602.076/SP, rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxx; AgInt nos EDcl no AREsp 1.560.937/SP, rel. Min. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, x. 14/3/2022).
No mesmo sentido, no segundo acórdão ficou consignado:
O precedente da Câmara na citada Ap. 1003513-24.2020.8.26.0271, amolda- se perfeitamente ao caso dos autos, em que os franqueados tiveram ciência efetiva da cláusula compromissória, conforme se denota da leitura do contrato (cláusula 24ª – fls. 472/473), bem assim do termo de declaração e aceite à fl. 477, de que consta a assinatura do sócio operador da franqueada.
O fundamento dos dois acórdãos foi a hipossuficiência informacional e financeira do franqueado, matéria que se passa a examinar.
3. Franquia, arbitragem e hipossuficiência informacional e financeira.
Os dois acórdãos afastaram a validade da cláusula arbitral porque uma das partes, no caso o franqueado, não tinha tido acesso à informação sobre o custo da arbitragem e não tinha meios financeiros de custear o procedimento arbitral:
Não há qualquer referência ao custo (valor) da arbitragem e quem é o corpo de árbitros.
[...]
Assim, irrelevante a discussão se o contrato é um contrato de adesão ou é um contrato padrão e as filigranas que os distinguem, inclusive pelo fato de que ninguém é obrigado a ser franqueado. Isso é feito, pois a parte vislumbra uma oportunidade, diante das informações recebidas, de que se trata de um bom negócio empresarial.
Da mesma forma, a própria questão da posição de empresário franqueado. [...]
Ora, não é possível desconsiderar, [...] a ausência adequada da informação e do esclarecimento, que são inerentes ao contrato de franquia (e a razão da Circular de Oferta de Franquia - COF), fulmina o contrato, no que diz respeito a cláusula compromissória, pois inequívoca a sua patologia, da forma que é apresentada.
II.3.1) A informação e o esclarecimento das condições do contrato de franquia, são fatores de validade da própria relação contratual.
[...]
São com as adequadas informações e, portanto, dando-se o devido esclarecimento e a devida transparência as condições contratuais estabelecidas, que depende a adequada formação da vontade, garantindo- se que este seja manifestada com o bom entendimento, de modo a autorizar a prevalência do princípio da autonomia da vontade e o consequente princípio da obrigatoriedade do contrato (“pacta sunt servanda”).
[...]
E, também, no caso da cláusula compromissória (que, embora acessória, é autônoma em relação ao contrato de franquia), a devida informação é necessária para a sua validade, para que não seja causa de privação “de todo o efeito o negócio jurídico” (Código Civil, art. 122), lembrando que a exigência do cumprimento dessa cláusula (obrigação de fazer), é dependente de um evento futuro e incerto, ou seja, a ocorrência de “controvérsia sobre o contrato de franquia”.
Em razão disso, interessante a alegada “impecuniosidade da arbitragem”, que, nada mais é, como explicam os próprios apelantes, “a falta de recursos financeiros para fazer frente aos custos de um procedimento arbitral” (fls. 751).
[...]
Assim, sem a devida informação quanto ao custo de uma arbitragem, não há como se validar a cláusula compromissória.
Face a este quadro, o primeiro acórdão advertiu:
No caso concreto, o problema não está na forma, mas, em outras palavras, na situação em que se retira o sujeito de direito do sistema de justiça, seja o estatal, isto é, o público (Poder Judiciário), seja o privado (Arbitragem).
E concluiu:
Com isso, há uma situação em que: a) o franqueado não tem acesso ao sistema estatal de justiça, em razão da cláusula que prevê a arbitragem como forma de solução de conflitos; b) o franqueado não tem acesso ao sistema privado de justiça, pois não tem capacidade financeira de arcar com os custos de uma arbitragem (enquanto na justiça estatal tem direito a justiça gratuita, como no caso). Com isso, o franqueado fica sem acesso ao sistema de justiça (estatal e privado), razão pela qual a cláusula compromissória priva de todo o efeito a escolha da arbitragem para dirimir conflitos. A parte, no caso, diante do denominado sistema multiportas, só encontra portas fechadas, uma por questão jurídica-formal, outra em razão de um fato financeiro, que lhe impede de exercer um direito (portanto, incide a regra do art. 187 do Código Civil).
Dos dois acórdãos se extrai que a validade da cláusula compromissória dependeria de dois requisitos cuja pertinência se passa a examinar. O primeiro é que o franqueado tenha tido acesso à informação sobre o custo da arbitragem (3.1.). O segundo é que o franqueado tenha meios de custear a arbitragem (3.2.).
3.1. Franquia, arbitragem e a falta de informação.
A falta de informação sobre o custo da solução de eventual litígio por meio de arbitragem foi apontada pelo primeiro acórdão como causa de invalidade da cláusula compromissória.
No entanto, este fundamento não se sustenta pois, a eventual falta de informação sobre o custo da arbitragem não gera vício de vontade, capaz de anular a cláusula compromissória (3.1.1.), a informação sobre o custo da arbitragem está facilmente disponível e pode ser obtida sem dificuldade (3.1.2.) e não existe obrigação legal do franqueador fornecer tal informação (3.1.3.).
3.1.1. A alegada falta de informação sobre o custo da arbitragem não caracteriza vício de vontade.
Antes de mais é interessante observar que nenhum dos acórdãos refere que tipo de invalidade se trataria: se uma nulidade ou se uma anulabilidade.
Não parece ser caso de nulidade, pois a falta de informação sobre o custo da arbitragem não se enquadra em nenhum dos incisos do art. 166 do Código Civil.
Seria, assim, caso de anulabilidade, sendo a hipótese de vício resultante de erro (art. 171, II, do Código Civil). Isto é, o franqueado teria consentido com a cláusula compromissória por erro.
Este erro é aquele erro substancial referido no art. 138:
Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.
Art. 139. O erro é substancial quando:
I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;
III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.
O erro substancial pode ser resultado de um desconhecimento absoluto de uma das partes sobre o conteúdo da prestação ou pode ser resultado do comportamento da outra parte, que induziu a primeira a erro.
Nesse sentido:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. EXISTÊNCIA DE USUCAPIÃO EM FAVOR DO ADQUIRENTE. OCORRÊNCIA DE ERRO ESSENCIAL. INDUZIMENTO MALICIOSO. DOLO CONFIGURADO. ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO.
1. O erro é vício do consentimento no qual há uma falsa percepção da realidade pelo agente, seja no tocante à pessoa, ao objeto ou ao próprio negócio jurídico, sendo que para render ensejo à desconstituição de um ato haverá de ser substancial e real. 2. É essencial o erro que, dada sua magnitude, tem o condão de impedir a celebração da avença, se dele tivesse conhecimento um dos contratantes, desde que relacionado à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração de vontade, a qualidades essenciais do objeto ou pessoa. [...] (STJ - REsp: 1163118 RS 2009/0210626-4, Relator: Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX, Data de Julgamento: 20/05/2014, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/06/2014)
Ora, não há erro substancial no consentimento com relação a uma cláusula compromissória.
Nos casos concretos dos dois acórdãos objeto deste parecer não houve o desconhecimento absoluto dos franqueados, pois a cláusula compromissória arbitral era expressa e explícita no contrato, figurando com destaque em documento apartado, como reconhecido no primeiro acórdão:
No contrato de franquia (fls. 58/89) há a cláusula compromissória, bem como há o anexo I, denominado “termo de cláusula compromissória” (fls. 90), que também é referido no corpo do contrato, sendo hipótese de cláusula cheia. Assim, sob o fundamento de violação do art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/1996, não há como se afirmar que se trata de uma cláusula patológica, ou seja, inequivocamente ilegal, que autorizaria a sua invalidação, desde logo, pelo Estado (RESP n. 1.602.076/SP, rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxx; AgInt nos EDcl no AREsp 1.560.937/SP, rel. Min. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, x. 14/3/2022).
E o franqueado expressamente reconheceu no instrumento contratual:
As partes convencionam livremente entre si que, qualquer controvérsia, inclusive com relação à existência, validade ou interpretação deste instrumento, será resolvida através de ARBITRAGEM, nos termos da Lei 9.307-96, a ser realizada de acordo com as regras do CAESP CONSELHO ARBITRAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, com sede na Xxx Xxxx, xx 00, 0x xxxxx, xx. 00, (telefone 000 0000-0000) na cidade de São Paulo, Estado de São Paulo. Qualquer que seja o caso, a Arbitragem seguirá as diretrizes básicas a seguir descritas: (I) a ARBITRAGEM será realizada por um árbitro que será escolhido de conformidade com as regras previstas pelo CAESP; (II) os custos com a ARBITRAGEM serão divididos igualmente pelas partes e, ao final, arcados integralmente pela parte que sair vencida; (III) a ARBITRAGEM será conduzida de forma confidencial; (IV) o local da Arbitragem será a Cidade de São Paulo, Estado de São Paulo; e (V) a língua a ser utilizada é a portuguesa.
Na verdade, não constitui vício de vontade o eventual erro que decorre de uma falta de atenção da parte que não atentou para a cláusula do contrato que estabelece a repartição dos custos da arbitragem ou que não considerou os custos da arbitragem.
Em primeiro lugar, porque é um erro que não poderia ser percebido pelo franqueador. Isto é, o franqueador não poderia ter percebido as eventuais dificuldades informacionais do franqueado. Com efeito, o franqueador celebra diversos contratos, todos contendo cláusula compromissória e não é habitual o franqueado ter hesitações com relação à arbitragem.
Inclusive, já se admitiu que a cláusula compromissória aceita pelo franqueado nada tem de ilegal:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CONTRATOS. FRANQUIA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL. ANUÊNCIA EXPRESSA PARA TAL FINALIDADE. ART. 4º, § 2º, DA LEI 9.307/96. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA
CONTRATUAL. INVIABILIDADE. SÚMULAS 5 E 7/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. Os contratos de adesão, mesmo aqueles que não apresentam relação de consumo, devem observar o que prescreve o art. 4º, § 2º, da Lei 9.307/96, que dispõe que, nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.
2. No caso dos autos, o Tribunal de origem reconheceu a presença dos requisitos do art. 4º, § 2º, da Lei 9.307/96, no caso, consignando que a cláusula compromissória se encontra expressamente redigida no contrato (cláusula XXII), além de constar expressamente no anexo I, o que torna válido não só o contrato como todo o seu conteúdo, incluindo aí a cláusula arbitral. A alteração de tal conclusão demandaria o reexame das provas acostadas aos autos e a interpretação de cláusulas contratuais, providência vedada em sede de recurso especial, nos termos das Súmulas 5 e 7 do STJ.
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp n. 1.809.792/SP, relator Ministro Xxxx Xxxxxx, Quarta Turma, julgado em 14/2/2022, DJe de 18/2/2022.)
Em segundo lugar, não se trata de erro substancial, pois a cláusula compromissória não é da natureza da franquia (é perfeitamente possível celebrar contrato de franquia sem cláusula compromissória), não consiste no objeto principal da declaração (a declaração tem por objeto o negócio da franquia, ao qual a cláusula compromissória é acessória) e não versa sobre alguma qualidade essencial ao negócio (conforme visto acima, a arbitragem não é elemento essencial do negócio, uma vez que a franquia pode ser celebrada sem arbitragem).
Nem mesmo se se considerar que o erro não é com relação ao contrato de franquia, mas sim com relação à própria cláusula compromissória, o erro substancial não fica configurado.
Com efeito, os custos da arbitragem não são da natureza da arbitragem, nem são uma qualidade essencial da arbitragem, já que existem diversas formas de solucionar tais custos. Por exemplo, é comum os centros de arbitragem admitirem o pagamento parcelado dos custos da arbitragem. É também comum que, face a uma parte que não pode suportar as despesas da arbitragem, a outra parte aceite pagar a totalidade dos custos da arbitragem (para um exame mais detalhado destes dois pontos,
v. item 3.2.3. abaixo).
Acresce que o custo da arbitragem não é o objeto principal da cláusula compromissória, que tem como elemento essencial a solução do litígio.
Deste modo, o eventual déficit informacional a respeito do custo da arbitragem não constitui erro substancial que vicia a vontade do franqueado.
3.1.2. A informação sobre o custo da arbitragem está disponível para todos.
Acresce que a informação sobre o custo da arbitragem não é informação difícil de ser obtida. Pelo contrário, geralmente, esta informação está disponível para todos.
Com efeito, os diferentes centros de arbitragem publicam, nos seus sítios na internet, os custos da arbitragem. Mais ainda, alguns deles têm “calculadoras” que permitem estimar quanto custará uma determinada arbitragem.
Um bom exemplo é o sítio do centro de arbitragem em questão nos dois acórdãos: o CAESP Conselho Arbitral do Estado de São Paulo10.
O site do CAESP informa com clareza solar a tabela de custas da arbitragem e a tabela de honorários de árbitro, escalonadas consoante o valor do litígio.
E ainda apresenta uma calculadora que permite aferir o custo da arbitragem, conforme o valor do litígio e o número de árbitros.
De igual forma, o Centro de Solução de Disputas em Propriedade Industrial da ABPI Associação Brasileira de Propriedade Intelectual11, outro centro de arbitragem comumente utilizado em contratos de franquia.
Assim, não se trata de uma informação escondida. Na verdade, ela está ao alcance de um clique de mouse de computador.
Ora, qualquer empreendedor, por mais simples que seja, tem o dever de ser diligente e procurar se informar a respeito.
Nesse sentido, a situação do empreendedor é igual à do administrador de sociedade, cujo dever de diligência é fixado no art. 1.011 do Código Civil12:
Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.
10 Ver xxxxx://xxxxx.xxx.xx/xxxxxx/ acesso em 04.08.2023
11 V. xxxxx://xxx.xxx-xxxx.xxx.xx/xxxx-xxxx/xxxxxx/ Acesso em 04.08.2023
12 No mesmo sentido, o art. 153 da Lei 6.404/76: Art. 153. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.
Este mesmo dever de diligência existe para o mandatário13, o comissário mercantil14, o agente15 e o gestor de negócios16.
Não faria sentido exigir menos cuidado daquele que administra o próprio negócio.
Assim, a facilidade de acesso à informação sobre o custo da arbitragem impõe ao franqueado a diligência de verificar qual ele é, antes de acordar a cláusula compromissória arbitral.
Até porque o franqueador não tem obrigação legal e fornecer tal informação ao franqueado, como se passa a examinar
3.1.3. O franqueador não tem a obrigação de fornecer ao franqueado a informação sobre o custo da arbitragem.
A Lei nº 13.966/19, tal como a Lei nº 8.955/94, determinam que o franqueador forneça ao interessado em se tornar franqueado a Circular de Oferta de Franquia.
A Circular de Oferta de Franquia é o documento que contém uma série de informações sobre o negócio objeto da franquia.
O propósito da Circular de Oferta de Franquia é corrigir uma assimetria de informação: o franqueador sabe muito mais sobre o negócio objeto da franquia do que o interessado em se tornar franqueado.
Assim, o franqueador tem a obrigação de fornecer ao franqueado estas informações, para que o franqueado possa avaliar o negócio e decidir se lhe interessa, ou não, tornar-se franqueado.
O primeiro acórdão objeto deste parecer reconhece a importância da informação prévia para o contrato de franquia:
Ora, não é possível desconsiderar, [...] a ausência adequada da informação e do esclarecimento, que são inerentes ao contrato de franquia (e a razão da
13 Art. 667 do Código Civil. O mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato, [...]
14 Art. 696 do Código Civil. No desempenho das suas incumbências o comissário é obrigado a agir com cuidado e diligência, não só para evitar qualquer prejuízo ao comitente, mas ainda para lhe proporcionar o lucro que razoavelmente se podia esperar do negócio.
15 Art. 712 do Código Civil. O agente, no desempenho que lhe foi cometido, deve agir com toda diligência, atendo-se às instruções recebidas do proponente.
16 Art. 866 do Código Civil. O gestor envidará toda sua diligência habitual na administração do negócio, ressarcindo ao dono o prejuízo resultante de qualquer culpa na gestão.
Circular de Oferta de Franquia - COF), fulmina o contrato, no que diz respeito a cláusula compromissória, pois inequívoca a sua patologia, da forma que é apresentada.
II.3.1) A informação e o esclarecimento das condições do contrato de franquia, são fatores de validade da própria relação contratual.
[...]
São com as adequadas informações e, portanto, dando-se o devido esclarecimento e a devida transparência as condições contratuais estabelecidas, que depende a adequada formação da vontade, garantindo- se que este seja manifestada com o bom entendimento, de modo a autorizar a prevalência do princípio da autonomia da vontade e o consequente princípio da obrigatoriedade do contrato (“pacta sunt servanda”).
No entanto, há duas questões muito importantes e, aliás, relacionadas entre si, que não foram examinadas pelos acórdãos objeto deste parecer.
A primeira é que a informação sobre os custos da arbitragem não consta das informações que obrigatoriamente devem constar da Circular de Oferta de Franquia, elencadas no art. 2º da Lei nº 13.966/19.
Note-se que esta lista é extensa e detalhada, o que leva a crer não se tratar de um esquecimento da Lei nº 13.966/19. Tanto mais não é esquecimento que o art. 7º, ao estabelecer as condições às quais o contrato de franquia deve obedecer, menciona explicitamente a arbitragem, no § 1º:
§ 1º As partes poderão eleger juízo arbitral para solução de controvérsias relacionadas ao contrato de franquia.
Assim, a arbitragem foi expressamente tema da Lei nº 13.966/19 e se não foi incluída entre as informações a serem prestadas na Circular de Oferta de Franquia é porque a Lei nº 13.966/19 não o quis.
Note-se que a lei limita-se ao comando do § 1º, do art. 7º. e só. Neste dispositivo não está escrito “As partes poderão eleger juízo arbitral para solução de controvérsias relacionadas ao contrato de franquia, devendo o franqueador informar o interessado na franquia, antes da assinatura do contrato, sobre os possíveis custo da arbitragem.”
Deste modo, impor ao franqueador a obrigação de informar o franqueado sobre os custos de eventual arbitragem é impor-lhe uma obrigação não prevista em lei, o que, por consequência, implica violar o art. 5º, inciso II, da Constituição da República17.
A segunda questão é que o art. 2º da Lei nº 13.966/19 não inclui, na Circular de Oferta de Franquia, a informação sobre os custos da arbitragem porque esta informação não é relativa ao negócio objeto da franquia e com relação a ela não há assimetria de informação.
Com efeito, o franqueador tem a obrigação de informar -- sobre extensa lista de tópicos e com riqueza de detalhes --, o potencial franqueado sobre o negócio da franquia, porque o franqueado não tem a possibilidade de obter tais informações de outro modo. Isto é, a obrigação do franqueador decorre do fato desta informação não estar disponível facilmente e para todos.
Porém, a informação sobre o custo da arbitragem, além de não ter relação com o negócio objeto da franquia – pois o custo é o mesmo para todos os litígios, decorram eles, ou não, de franquia – está ao alcance de todos.
Deste modo, não parece justificar-se a preocupação dos dois acórdãos com relação à informação sobre os custos da arbitragem. Resta, então, examinar a situação na qual o franqueado não tem recursos para custear a arbitragem, a chamada impecuniosidade da parte com relação à arbitragem.
3.2. Franquia, arbitragem e falta de recursos (a impecuniosidade).
Os dois acórdãos objeto deste parecer invocaram a possível falta de recursos por uma das partes para arcar com os custos da arbitragem como a segunda causa da invalidade da cláusula compromissória.
Os dois acórdãos consideraram que a falta de recursos de uma das partes para arcar com os custos da arbitragem impedia o acesso à Justiça, pois a parte não poderia recorrer à justiça estatal em razão da cláusula compromissória, nem poderia recorrer à arbitragem por falta de recursos.
17 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]; II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
É curioso observar, contudo, que nenhum dos acórdãos apresentou qualquer comprovação da insuficiência de recursos da parte, salvo o fato dos franqueados terem pedido gratuidade de Justiça.
Aliás, seria interessante debater se o conceito de “insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios” fixado no art. 98 do CPC é o mesmo da impecuniosidade na arbitragem. Isto é, se os requisitos que justificam a gratuidade de Justiça aplicam-se também à arbitragem, ou se a impecuniosidade na a arbitragem deve respeitar outros requisitos.
No entanto, este tema foge aos acórdãos aqui em debate. Aqui, a primeira constatação é que, mesmo diante da alegação de vulnerabilidade financeira, o Superior Tribunal de Justiça já determinou o prosseguimento da arbitragem em contrato de franquia (3.2.1.). Na verdade, a ausência de recursos não é impedimento para a arbitragem, como o comprova a possibilidade de sujeição do devedor em recuperação judicial, da massa falida e do próprio falido à arbitragem, cabendo ao tribunal arbitral a preferência para tratar a respeito (3.2.2.). Além disso, existem diferentes mecanismos que para contornar a falta de recursos de uma das partes na arbitragem (3.2.3.). De todo o modo, a impecuniosidade de uma das partes é um risco que as partes alocaram, entre si, no contrato (3.2.4.).
3.2.1. As decisões do Superior Tribunal de Justiça segundo as quais a vulnerabilidade financeira de uma das partes não é suficiente para afastar a cláusula compromissória em contrato de franquia.
A questão da impecuniosidade em matéria de contrato de franquia que contenha cláusula compromissória arbitral já foi enfrentada, ainda que de forma indireta, pelo Superior Tribunal de Justiça em, pelo menos, duas ocasiões recentes.
Na primeira18, conforme descrito no relatório do acórdão, a parte alegou:
Os vícios apontados pela Agravante no recurso de embargos de declaração são evidentes na medida em que, o Tribunal de Justiça incorreu em omissão ao deixar de ponderar a hipossuficiência e vulnerabilidade da Agravante, não apenas financeira, mas especialmente, em razão das suas vulnerabilidades: técnica, fática, jurídica e informacional, que viabilizam a inversão do ônus da
18 AgInt no AREsp n. 1.512.105/SC, relator Ministro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Quarta Turma, julgado em 13/12/2021, DJe de 16/12/2021.
prova. No entanto, o Tribunal a quo, simplesmente deixou de se manifestar a respeito.
Contudo, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que:
Conforme consta da decisão agravada, a Corte local pronunciou-se, de forma clara e suficiente, sobre as questões suscitadas nos autos, especificamente a alegação de que haveria relação de consumo, manifestando-se sobre todos os argumentos que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo.
Desse modo, não há falar em violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015. De acordo com a jurisprudência desta Corte, "a franquia não consubstancia relação de consumo. Cuida-se, em verdade, de relação de fomento econômico, porquanto visa ao estímulo da atividade empresarial pelo franqueado" (REsp 1881149/DF, Rel. Ministra XXXXX XXXXXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/06/2021, DJe 10/06/2021).
Na segunda ocasião19, a parte também alegou a impecuniosidade:
A tese central do recurso especial, a ser revisitada, diz respeito à ilegalidade da cláusula compromissória arbitral do contrato de adesão de franquia, sob a interpretação do art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/96.
No caso, conforme delimitado na decisão agravada, nas razões do recurso especial, a recorrente, ora agravante, sustenta, em preliminar, que o Tribunal a quo negou vigência aos arts. 371, 489 e 1.022 do CPC/2015, por não ter enfrentado expressamente o fato de ser o contrato em deslinde puramente de adesão, assim como por não ter a cláusula compromissória observado os requisitos legais de validade.
Defende, por outro lado, que o Tribunal a quo violou o art. 4º, § 2º, da Lei 9.307/96, combinado com os arts. 138, 139, I, 166, VI, 421, do Código Civil, e com o art. 3º, III, da Lei 8.955/94 e art. 2º, IV, da Lei 13.966/2019, ao não acolher a tese de que a cláusula compromissória contida no contrato de franquia não contém os requisitos legais. E, no ponto, apresenta divergência de interpretação.
Acrescenta que deixar de reconhecer a hipossuficiência financeira e a subordinação técnica e empresarial do franqueado à franqueadora nos processos judiciais é inadmissível para a efetividade da Justiça, nos termos dos arts. 3º e 8º do CPC/2015.
19 AgInt no AREsp n. 1.809.792/SP, relator Ministro Xxxx Xxxxxx, Quarta Turma, julgado em 14/2/2022, DJe de 18/2/2022.
Neste segundo acórdão, o argumento da impecuniosidade foi afastado nos seguintes termos:
No caso, conforme supratranscrito, o Tribunal a quo consignou que a cláusula compromissória se encontra expressamente redigida no contrato (cláusula XXII), além de constar expressamente no anexo I, e, ainda que a franqueada insista na sua adesividade lesiva, não nega tenha firmado o contrato, o que torna válido não só o contrato como todo o seu conteúdo, incluindo aí a cláusula arbitral.
Nestes dois acórdãos, o Superior Tribunal de Justiça rejeitou a alegação da vulnerabilidade econômica usando os argumentos que a franquia é uma relação empresarial e que, tendo o franqueado assinado o contrato, este é válido em toda a sua extensão, de acordo com a regra pacta sunt servanda.
Está certíssimo o Superior Tribunal de Justiça, pois sendo a parte empresária, a consequência da sua impecuniosidade é a falência ou a recuperação judicial.
O art. 4720 e o art. 9421 da Lei nº 11.101/05 estabelecem que o remédio para a impecuniosidade do empresário são a recuperação judicial e a falência.
A impecuniosidade da parte não pode servir de escusa para o não cumprimento de um contrato (no caso, a cláusula compromissória).
Em consequência, ao invés de pleitear a invalidade da cláusula compromissória, o franqueado, se não tem meios de arcar com as custas da arbitragem, deve pedir recuperação judicial ou falência.
Aliás, nem mesmo em hipótese de falência ou recuperação judicial, a validade e obrigatoriedade da cláusula compromissória são afastadas, como se verá a seguir.
20 Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico- financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos
trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
21 Art. 94. Será decretada a falência do devedor que: I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma
ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência; II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal; III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação
judicial: [...]
3.2.2. Até mesmo o devedor em recuperação judicial, a massa falida e o próprio falido estão sujeitos à arbitragem, cabendo ao tribunal arbitral a preferência para decidir a respeito da validade da cláusula compromissória.
O argumento da impecuniosidade do franqueado, usado nos dois acórdãos, para afastar prima facie a validade da cláusula compromissória está em desacordo com a lei e a jurisprudência.
Com efeito, a lei estabelece que mesmo o devedor em recuperação judicial, a massa falida e o próprio falido estão sujeitos à arbitragem.
Nesse sentido é o § 9º do art. 6º da Lei nº 11.101/05:
§ 9º O processamento da recuperação judicial ou a decretação da falência não autoriza o administrador judicial a recusar a eficácia da convenção de arbitragem, não impedindo ou suspendendo a instauração de procedimento arbitral.
Ora, se a cláusula compromissória permanece válida mesmo em casos tão extremos como a recuperação judicial e a falência, vinculando o devedor em recuperação judicial, bem como, na falência, a massa falida e o devedor falido, por maioria de razão tal validade deve prevalecer com relação ao franqueado que não tem meios de custear a arbitragem e que sequer está falido ou em recuperação judicial, pois a sua situação financeira, por pior que seja, é ainda melhor do que a do devedor em recuperação judicial, ou do que a do falido, ou até da massa falida.
Neste tópico é particularmente interessante lembrar o acórdão do Superior Tribunal de Justiça segundo o qual:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO PELO PROCEDIMENTO COMUM. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. AFASTAMENTO. FALÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. IMPOSSIBILIDADE. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTATAL. [...]
2. O propósito recursal consiste em dizer se: a) a apelação interposta é intempestiva; b) há ausência de prestação jurisdicional; e c) a convenção de arbitragem pode ser afastada pela jurisdição estatal, sob o argumento de hipossuficiência financeira da empresa, que teve falência decretada.
[...]
5. A pactuação válida de cláusula compromissória possui força vinculante, obrigando as partes da relação contratual a respeitá-la para a resolução dos conflitos daí decorrentes.
6. Como regra, tem-se que a celebração de cláusula compromissória implica a derrogação da jurisdição estatal, impondo ao árbitro o poder-dever de decidir as questões decorrentes do contrato, incluindo decidir acerca da própria existência, validade e eficácia da cláusula compromissória (princípio da Kompetenz-Kompetenz).
7. Diante da falência de uma das contratantes que firmou cláusula compromissória, o princípio da Kompetenz-Kompetenz deve ser respeitado, impondo ao árbitro avaliar a viabilidade ou não da instauração da arbitragem.
[...]
10. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido.
(REsp n. 1.959.435/RJ, relatora Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, Terceira Turma, julgado em 30/8/2022, DJe de 1/9/2022.)
Neste acórdão o Superior Tribunal de Justiça afirmou que cabe ao tribunal arbitral, por força da regra da competência-competência, dizer, em primeiro lugar, se a arbitragem é ou não viável. Não existe, aqui, nulidade prima facie.
Ao declarar a invalidade prima facie da cláusula compromissória, os dois acórdãos suprimiram a possibilidade de se investigar e decidir se seriam aplicáveis à espécie os mecanismos que existem na arbitragem para contornar a falta de recursos de uma das partes.
Assim, os dois acórdãos deveriam ter reconhecido a competência do juízo arbitral para que este decidisse, primeiro, se o fato da parte não ter recursos para pagar as custas da arbitragem não poderia ser suprido por tais mecanismos que se passam a examinar.
3.2.3. Os diferentes mecanismos que existem na arbitragem para contornar a falta de recursos de uma das partes.
O fato de uma das partes não ter recursos para custear a arbitragem não significa, só por si, que a arbitragem não possa ser realizada, pois existem alguns instrumentos para mitigar a impecuniosidade da parte.
O primeiro deles é o parcelamento dos valores devidos ao centro de arbitragem e o dos honorários de árbitro.
Esta é uma prática razoavelmente comum e os pedidos das partes para pagamento parcelado das despesas do centro de arbitragem e dos honorários dos árbitros é frequentemente aceito.
A parte impecuniosa pode, assim, fracionar o pagamento dos custos da arbitragem em mensalidades, realizando pequenos pagamentos, que afetam menos o seu fluxo de caixa e a sua tesouraria.
O segundo mecanismo é o pagamento da totalidade dos custos da arbitragem pela parte que não está em situação de impecuniosidade. Isto é, a parcela dos custos da arbitragem que uma parte não consegue pagar são arcados pela outra parte.
Normalmente, os custos da arbitragem são rateados, em partes iguais, entre os litigantes. Contudo, não existe dispositivo legal que impeça uma das partes de suprir os pagamentos que deveriam ser realizados pela outra, em caso de impossibilidade desta.
Esta é, novamente, uma situação corriqueira e o fato de apenas uma parte pagar a totalidade das custas da arbitragem não faz com que o tribunal arbitral lhe seja mais simpático. De fato, para o tribunal arbitral é absolutamente irrelevante saber quem paga os custos da arbitragem.
O terceiro mecanismo é o financiamento da arbitragem por um terceiro.
É hoje uma prática admitida que uma parte em litígio, seja perante um juízo arbitral ou um juízo estatal, possa ser financiada por um terceiro que, em contrapartida desse financiamento, receberá uma parte do ganho que for atribuído à parte financiada.
Existem diversos fundos de investimentos e sociedades empresárias que se dedicam profissionalmente a esta atividade econômica e empresarial.
Este mecanismo é especialmente útil quando uma das partes está em situação de impecuniosidade ou insolvência22.
Em razão de todos estes mecanismos, os dois acórdãos erraram ao declarar
prima facie a invalidade da cláusula compromissória arbitral.
Houve precipitação, pois os dois acórdãos deveriam ter permitido que, primeiro, se cumprisse aquilo que foi acordado entre as partes.
Com efeito, como se passa a ver, as partes, ao elegerem a via arbitral para a solução de conflitos estavam a alocar os riscos inerentes ao contrato.
22 V. por exemplo XXXXXXXXXXX, Xxxxxxx, XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, HANESAKA, Thais
x’Xxxxxx xx Xxxxx. Financiamento de Terceiros e Arbitragem no Processo Concursal. Revista Brasileira de Arbitragem nº 61, Jan-Mar/2019, p. 36-62
3.2.4. A alocação de riscos e a paridade das partes.
Entre as diversas funções dos contratos está a alocação dos riscos entre as partes. O contrato serve para as partes distribuírem entre si os riscos que resultam da prestação e contraprestação.
Assim, ao acordar em submeter os litígios decorrentes do contrato de franquia à arbitragem, o franqueado e o franqueador assumem, em partes iguais, o risco do custo da arbitragem.
Este risco, como visto acima, pode ser facilmente avaliado pelas partes, tendo em vista que o custo da arbitragem é informação de facílimo acesso a todos, franqueado e franqueador.
Sendo que, se o franqueador tem, necessariamente, maior conhecimento do que o franqueado sobre o negócio objeto da franquia, essa situação não se repete no tocante ao custo da arbitragem, pois o negócio do franqueador não é litigiar na via arbitral.
Deste modo, declarar inválida a cláusula compromissória é modificar a alocação do risco feita pelas partes no contrato de franquia.
Ora, a norma é clara: os contratos presumem-se paritários e deve ser respeitada a alocação dos riscos nele estabelecida. Nesse sentido é o art. 421-A do Código Civil:
Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: [...]
[...]
II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada;
A verdade é que o franqueador e o franqueado estavam em situação de paridade e simetria quando da celebração da cláusula compromissória. Como visto acima, o franqueador não tem nenhuma informação a mais do que o franqueado sobre o custo da arbitragem. Trata-se de informação disponível e de fácil acesso.
Nesta situação, o franqueador e o franqueado aceitaram o risco de ter de recorrer à arbitragem e de ter de arcar com os custos decorrentes.
Houve uma decisão, tanto de um quanto do outro, que ponderou as vantagens e desvantagens da arbitragem e preferiu adotar esta forma de solução de conflitos.
Ora, a intervenção dos tribunais nos contratos deve ser mínima, conforme estabelecido no parágrafo único do art. 421 e no inciso III do art. 421-A, ambos do Código Civil:
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.
[...]
III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.
Nesta linha há ainda diversos acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, a reafirmar a impossibilidade de intervenção judicial nos contratos:
1. Afastamento pelo acórdão recorrido de cláusula livremente pactuada entre as partes, costumeiramente praticada no mercado imobiliário, prevendo, no contrato de locação de espaço em shopping center, o pagamento em dobro do aluguel no mês de dezembro.
2. O controle judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos empresariais é mais restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área empresarial, observando regras costumeiramente seguidas pelos integrantes desse setor da economia.
3. Concreção do princípio da autonomia privada no plano do Direito Empresarial, com maior força do que em outros setores do Direito Privado, em face da necessidade de prevalência dos princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e da função social da empresa.
(Recurso Especial nº 1.409.849 - PR, rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxxxxx, julg. 26 de abril de 2016)
1. Contratos empresariais não devem ser tratados da mesma forma que contratos cíveis em geral ou contratos de consumo. Nestes admite-se o dirigismo contratual. Naqueles devem prevalecer os princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória das avenças.
2. Direito Civil e Direito Empresarial, ainda que ramos do Direito Privado, submetem-se a regras e princípios próprios. O fato de o Código Civil de 2002 ter submetido os contratos cíveis e empresariais às mesmas regras gerais não significa que estes contratos sejam essencialmente iguais.
3. O caso dos autos tem peculiaridades que impedem a aplicação da teoria da imprevisão, de que trata o art. 478 do CC/2002: (i) os contratos em discussão não são de execução continuada ou diferida, mas contratos de compra e venda de coisa futura, a preço fixo, (ii) a alta do preço da soja não tornou a prestação de uma das partes excessivamente onerosa, mas apenas reduziu o lucro esperado pelo produtor rural e (iii) a variação cambial que alterou a cotação da soja não configurou um acontecimento extraordinário e imprevisível, porque ambas as partes contratantes conhecem o mercado em que atuam, pois são profissionais do ramo e sabem que tais flutuações são possíveis.
(Recurso Especial nº 936.741 - GO, rel. Min. Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, julg. 03 de novembro de 2011)
Em consequência, dar ao franqueado a faculdade de não cumprir o disposto na cláusula compromissória, quando tal faculdade não está prevista contratualmente, é uma intervenção no contrato, pois altera consideravelmente os seus termos.
Por todos estes motivos, os dois acórdãos estão equivocados.
Conclusão
Em razão de tudo o que fica exposto, conclui-se que:
a) arbitragem é compatível com a franquia, que nem sempre é um contrato de adesão ou padrão;
b) nos casos em que a cláusula compromissória estiver inserida em um contrato de franquia de adesão, celebrado com hipossuficiente, a cláusula deve obedecer ao disposto no no art. 4º, § 2º, da Lei 9.307/96;
c) nos casos em que a cláusula compromissória estiver inserida em um contrato de franquia de adesão, celebrado com um não hipossuficiente, a cláusula deve ser considerada válida, mesmo se não seguir a forma do art. 4º, § 2º, da Lei 9.307/96;
d) a falta de informação sobre o custo da arbitragem não configura vício de vontade;
e) a informação sobre o custo das arbitragens está, geralmente, disponível para todos e é de fácil acesso;
f) o franqueador não tem a obrigação de fornecer ao franqueado a informação sobre o custo da arbitragem;
g) a vulnerabilidade financeira de uma das partes não é suficiente para afastar a cláusula compromissória em contrato de franquia;
h) se o devedor em recuperação judicial, a massa falida e o próprio falido estão sujeitos à arbitragem, cabendo ao tribunal arbitral a preferência para tratar a respeito, a impecuniosidade não pode ser critério para o afastamento da cláusula compromissória.
I) a falta de recursos para pagar os custos da arbitragem pode ser resolvida por um dos diferentes mecanismos para tal que existem na arbitragem;
m) a invalidade da cláusula compromissória afeta a alocação de riscos contratualmente realizada pelas partes e compromete a paridade das partes.
É o parecer.
Rio de Janeiro, 05 de setembro de 2023
Xxxx Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx
Membro da Comissão de Direito Empresarial do IAB Instituto dos Advogados Brasileiros
Doutor em direito pela Université Paris Panthéon Assas
Professor da UNIRIO Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro