EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA EMPRESARIAL DA COMARCA DA CAPITAL
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DO CONTRIBUINTE
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA EMPRESARIAL DA COMARCA DA CAPITAL
CONCESSIONÁRIA REVIVER S.A. e BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A – cobrança de
tarifa para serviços de zeladoria sobre jazigos em cemitérios públicos – cobrança em boleto de pagamento sem prévia anuência do consumidor e sem qualquer explicação do serviço ou sua facultatividade – boletos de proposta que não atendem aos requisitos da Circular nº 3.598/2013 do Banco Central do Brasil – vício de informação e prática comercial abusiva – restituição em dobro dos indébitos – art. 6º, II, III e IV, art. 39, VIII, e art. 42, p.u., do CDC.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO,
por intermédio do Promotor de Justiça que ao final subscreve, vem, respeitosamente, perante Xxxxx Excelência, e com fulcro na Lei 7.347/85 e 8.078/90, ajuizar a competente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONSUMERISTA com pedido de liminar
em face de CONCESSIONÁRIA REVIVER S.A., inscrita no CNPJ nº 20.852.443/0001-18, com sede na Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, xx 00, XXX 0000, Xxxxxx, Xxx xx Xxxxxxx /RJ, CEP: 20.020-906; REVIVER PLANO DE ASSISTÊNCIA FUNERAL
LTDA., inscrita no CNPJ nº 23.153.310/0001-41, com sede na Avenida Nilo Peçanha, nº 50, GRP 1410, Centro, Rio
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de Janeiro /RJ, CEP: 20.020-906; e BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A., inscrito no CNPJ/MF nº 90.400.888/0001-
42, com sede na Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx, xx 0000 x xx 0000, Xxxx Xxxxxxx, Xxx Xxxxx/XX, CEP: 04.543-011; pelas razões que passa a expor:
I – PRELIMINAR
a) Legitimidade do Ministério Público
O Ministério Público possui legitimidade para propositura de ações em defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, nos termos do art. 81, parágrafo único, I, II e III c/c art. 82, I, da Lei nº. 8078/90, assim como nos termos do art. 127, caput e art. 129, III da CF.
Ainda mais em hipóteses como a do caso em tela, em que a intervenção do Parquet se mostra necessária para amparar direitos coletivos e individuais homogêneos afetados pelas atividades comerciais mantidas pelos réus, tendo em vista que suas condutas vêm prejudicando um número expressivo de consumidores, revelando-se a matéria, portanto, de elevada importância.
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Claros, portanto, o interesse social e a permissão legal que justificam a atuação do Ministério Público.
Nesse sentido, citam-se os seguintes acórdãos do
E. Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO. ORDINÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE
CONSUMO CARACTERIZADA. Violação ao dever de informação, a teor do artigo 6º, III, do CDC, o qual garante ao consumidor a prestação de informação adequada e clara. Aplicação do artigo 35 do CDC. Dano moral in re ipsa. Negado provimento. Negado provimento ao recurso de xxxxxx xx xxx. 000, § 0x xx XXX.” (AGRAVO INTERNO na Apelação Cível nº 0360355-75.2012.8.19.0001)
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COLETIVA. DIREITOS COLETIVOS, INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS E DIFUSOS. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. JURISPRUDÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO.
- O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação coletiva de proteção ao consumidor, inclusive para tutela de interesses e direitos coletivos e individuais homogêneos.” (AGA 253686/SP, 4a Turma, DJ 05/06/2000, pág. 176).
b) Da ausência de interesse na realização de audiência de conciliação ou mediação
Em cumprimento ao art. 319, inciso VII do Código de Processo Civil, o autor informa que não possui interesse na realização de audiência de conciliação ou de mediação.
No caso em tela, existem fatores que estão a indicar que a tentativa de autocomposição constitui um ato infrutífero, que apenas colaborará para o prolongamento desnecessário da lide. No curso de inquérito civil público em que foi constatada a irregularidade integrante da causa de pedir da presente
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ação, foi oferecido acordo aos agentes perpetradores da conduta, mediante proposta de Termo de Ajustamento de Conduta, porém não foi possível obter consenso entre as partes.
As repostas dos réus, então investigados no procedimento administrativo, ao acordo proposto não puderam ser acolhidas sem que o Ministério Público fizesse concessões que implicassem renúncia aos direitos e interesses transindividuais tutelados.
De fato, os investigados ou afirmaram a sua ausência de responsabilidade sobre os fatos em apreço ou se mostraram aversos à concretização de direitos indisponíveis, como a devolução de indébitos aos consumidores lesados.
Assim, a possibilidade de acordo foi inviabilizada, considerando que o Parquet, no presente caso, atua por substituição processual, de forma que, não sendo titular dos direitos pleiteados, tem sua autonomia de autocomposição sujeita a limites rigorosos1.
Nesse sentido, a Resolução nº 179/17 do Conselho Nacional do Ministério Público dispõe que a negociação
1 XXXXXX XX., Xxxxxx. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 15. ed. ver. atual, e ampl. Salvador: Ed. JusPodivm, 2021. pg. 385.
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de Termo de Ajustamento de Conduta por órgão do Ministério Público está cingida à interpretação de direito para o caso concreto, à especificação das obrigações adequadas e necessárias, em especial o modo, tempo e lugar de cumprimento, bem como à mitigação, à compensação e à indenização dos danos que não possam ser recuperados (art. 1º, §1º).
No caso em tela, a observação dessas limitações não foi alcançada nas tratativas de TAC, a ensejar a propositura desta ação civil pública, com intento de ver realizados os interesses envolvidos.
Diante desse quadro, dada a postura dos réus em seara extrajudicial, não se vislumbra que seja possível alcançar, agora judicialmente, uma autocomposição sem que haja a renúncia do núcleo de direitos transinidividuais em tutela.
Portanto, na presente hipótese, a realização de audiência de conciliação não se revela medida produtiva ou imprescindível, tendo em vista a remota, se não impossível, possibilidade de consenso entre as partes.
Ademais, se uma das partes manifesta que não há interesse em participar da audiência, ela não deverá ser realizada.
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Xxxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxx afirma2:
Não há sentido em designar aquela audiência nos casos em que o autor, indica seu desinteresse na conciliação ou mediação. Até porque seu não comparecimento pode ser entendido como ato atentatório à dignidade da justiça nos moldes do §8º do art. 334. Trata-se de interpretação que se harmoniza e que se justifica com o princípio da autonomia da vontade – tão enaltecido pelo CPC de 2015 – e que, mais especificamente preside a conciliação e a mediação. Expresso, nesse sentido, aliás, o art. 2º, V, da Lei nº 13140/2015, que disciplina a mediação. Ademais, de acordo com o
§ 2º, daquele mesmo art. 2º, ‘ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação’. De outra parte, ainda que o autor nada diga a respeito da sua opção em participar, ou não, da audiência de conciliação ou de mediação (quando se presume sua concordância com a designação da audiência consoante se extrai do §5º do art. 334), pode ocorrer de o réu manifestar-se, como lhe permite o mesmo dispositivo, contra sua realização, hipótese em que a audiência inicialmente marcada será cancelada, abrindo-se prazo para o réu apresentar sua contestação, como determina o inciso II do art. 335).
Por sua vez, Xxxxxxxxx Xxxxxx diz que: “Apesar do emprego, no texto legal, do vocábulo ‘ambas’, deve-se interpretar a lei no sentido de que a sessão de mediação ou conciliação não se realizará se qualquer de seus pares manifestar, expressamente, desinteresse na composição consensual” 3.
Além do já citado, constitui obstáculo à realização da mediação, no caso em tela, a evidente incongruência entre a exigência de publicidade para a resolução de conflitos envolvendo ente público e que versa sobre direitos indisponíveis, e o instituto da mediação, regido pela confidencialidade.
2 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil.
2. ed. Volume único. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 295;
3 XXXXXX, Xxxxxxxxx. Novo Processo Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2016, p. 201.
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Inaplicável, portanto, à luz do princípio da publicidade, insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal, o princípio da confidencialidade sempre que um ente público se fizer presente em um dos polos processuais.
Desse modo, em casos como o presente, há sempre DE se observar a regra da publicidade dos atos estatais, o que afasta por completo a possibilidade de resolução do conflito através da mediação, que deve ser realizada sob o princípio da confidencialidade – incabível na hipótese.
II - DOS FATOS
II.a CONTEXTO DA INCONSTITUCIONALIDADE DA TARIFA DE MANUTENÇÃO DE CEMITÉRIOS
Com base no Decreto municipal nº 39.094, de 12 de agosto de 2014, as concessionárias de cemitérios públicos deste Município vinham cobrando, de todos os titulares de direito de uso de jazigos perpétuos, tarifa anual de administração, manutenção e conservação dos nosocômios, encargo popularmente denominada “taxa de manutenção”.
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Diante das crescentes manifestações de antigos titulares irresignados com a exigência dessa contribuição, por a considerarem contrária às garantias de direito adquirido e segurança jurídica, o Ministério Público ajuizou representação direta de inconstitucionalidade do art. 141, caput, e art. 240, inciso XXI, do referido decreto (processo nº 0064199- 02.2018.8.19.0000).
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro declarou a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos dispositivos impugnados, excluindo a aplicação da cobrança da tarifa anual de manutenção e conservação de cemitérios públicos aos contratos de concessão de direito real de uso de sepulturas anteriores à vigência do decreto. Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade foram modulados para incidirem a partir da data do julgamento (29/07/2019), sendo determinado que os valores já pagos às concessionárias não seriam devolvidos, bem como que as quantias pendentes de pagamento não deveriam ser cobradas.
Concomitantemente, o Parquet fluminense ajuizou ação civil pública também visando à cessação da cobrança de taxa de manutenção de cemitérios (processo nº 0059259-88.2018.8.19.0001). Em sede de agravo de instrumento, foi proferida decisão que concedeu efeito suspensivo ao recurso, determinando que as
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concessionárias rés se abstivessem de efetuar desalijo ósseos e/ou exumações em razão da inadimplência prevista no art. 144, V, do Decreto n.º 39.094/2014, sob pena de multa R$10.000,00 (dez mil reais).
II.b RECEBIMENTO DE RECLAMAÇÕES SOBRE A COBRANÇA DE UMA NOVA TARIFA
A partir desse quadro, em que se reconheceu a inconstitucionalidade da tarifa em comento, o Ministério Público passou a receber representações de consumidores que noticiavam a cobrança de um novo encargo, denominado em letras minúsculas como “zeladoria”, pela Concessionária Reviver e a empresa Reviver Plano de Assistência Funeral. Nos relatos, os representantes se insurgiam com a nova arrecadação, demonstrando não entender o serviço a ser remunerado, bem como a confundindo com a taxa de manutenção, tida como inconstitucional pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça deste Estado.
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A forma pela qual essa nova tarifa é cobrada também foi objeto de reprovação por parte dos reclamantes, na medida em que o preço é inserido diretamente em boleto bancário emitido pelo Banco Santander, sem qualquer explicação sobre sua facultatividade ou objeto de remuneração. Com base nessas circunstâncias, percebeu-se que os consumidores, somente tendo conhecimento da “taxa de zeladoria” mediante cobrança em boleto bancário, entenderam-na como uma imposição da Concessionária Reviver, tal como a indevida “taxa de manutenção”, ou mesmo a equivalente com esta.
Entendendo haver risco de dano aos consumidores coletivamente considerados, o autor instaurou procedimento administrativo (Inquérito Civil Reg.
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1236/2020, anexo) para melhor apurar os fatos apresentados pelos representantes.
II.c VERIFICAÇÃO DE PRÁTICA ILEGAL
No curso das investigações, a Concessionária Reviver esclareceu que a “taxa de zeladoria” corresponde a serviço facultativo de embelezamento e conservação de sepulturas, ônus que recai aos respectivos titulares de direito de uso, como previsto no art. 89 e art. 145 do Decreto n.º 39.094/2014.
Aduziu, ademais, que sempre realizou a prestação de zeladoria por meio das seguintes atividades:(i) limpeza dos sepulcros; ii) reparos em revestimentos e na parte decorativa; iii) higienização de jardineiras e vasos; iv) aparamento de grama; v) outros relacionados diretamente a manutenção do bom estado de conservação dos jazigos.
Todavia, a investigada ressaltou que, atualmente, criou um plano anual para esse tipo de serviço, consistente em: i) duas zeladorias pontuais; ii) reparo exclusivo em revestimento/decorativo; iii) higienização mensal de jardineiras e vasos; iv) aparamento de grama mensal; v) arranjo de flores para homenagem especial; e vi) desconto de 30% em impermeabilização dos jazigos e de 15% em benfeitorias.
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Com base nessa reformulação do fornecimento de conservação de sepulturas, a empresa alegou ter enviado milhares de mensagens de oferta aos titulares de jazigos.
Ocorre que as reclamações recebidas pelo Ministério Público denotam que consumidores não receberam a prévia informação ou esclarecimento, por qualquer canal de comunicação, sobre a oferta de serviço de zeladoria, seu conteúdo, sua cobrança facultativa e demais termos de prestação. Pelo contrário, os reclamantes transparecem sua surpresa e confusão com a cobrança de uma “taxa de zeladoria” diretamente em boletos bancários, sem qualquer conhecimento sobre sua origem ou obrigatoriedade.
De acordo com os reclamantes e a admissão da própria Concessionária Reviver em manifestação no procedimento administrativo em apreço, não houve anuência ou contratação do serviço prévias ao envio dos boletos, de maneira que o próprio documento bancário é utilizado como instrumento de suposta manifestação de vontade do consumidor para a aquisição do serviço oferecido.
Todo esse contexto sugestiona a adoção de uma prática orientada a compensar as perdas financeiras da concessionária com a proibição de cobrança da tarifa de manutenção, declarada inconstitucional. Com o corte
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dessa remuneração, percebe-se uma inciativa agressiva da empresa ré de estimular a contratação em massa do serviço de zeladoria para sepulcros individuais, porém feita em indução dos consumidores em erro, eis que lhes tolhendo informações essenciais para o consumo consentido.
A cobrança direta de um serviço por boleto bancário, como forma de oferta, desacompanhada de dados básicos sobre o serviço fornecido ou manifestação de vontade prévia do consumidor, constitui ofensa à regulamentação do Banco Central do Brasil sobre a matéria (Circular nº 3.598, de 6.7.2013), conforme revelado pela própria instituição nos autos do inquérito civil acima referido, in verbis:
6. Esclarecemos, então, que a necessidade de manifestação prévia da vontade do consumidor de receber o boleto de proposta relacionado à oferta de produto ou de serviço, proposta de contrato civil ou ao convite para associação, reside no fato de que ele, ao receber esse boleto, esteja ciente de que é sobre um assunto do qual ele já tratou.
7. Se a oferta, o convite para associação ou o pedido de cloaca fosse efetuado diretamente por meio da apresentação do boleto de proposta, alguns consumidores poderiam entender que haveria obrigatoriedade de pagamento desse boleto. Esse, inclusive, é o entendimento dos técnicos do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), que contribuíram nas discussões que culminaram na edição da Circular n° 3.656, no que diz respeito ao boleto de proposta.
8. A eventualidade de pagamento do boleto de proposta poderia se caracterizar como a aceitação da oferta, mas a manifestação prévia, pelo pagador, de sua vontade em receber aquele boleto não pode ser interpretada como uma única manifestação para qualquer boleto de pagamento da espécie boleto de proposta que aquela instituição encaminhe, porque não há manifestação da vontade do pagador de receber cada boleto de natureza, valor e de beneficiário específicos;
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A aludida norma administrativa ainda impõe que as instituições financeiras, na emissão de boletos bancários, devem zelar pelo uso adequado de cada uma das espécies desse documento de pagamento, bem como pela higidez da dívida em cobrança. No caso em tela, tal obrigação não vem sendo cumprida pelo Banco Santander, já que a instituição, que figura como emissor dos boletos irregulares recebidos pelos consumidores, tem permitido a cobrança ilegítima de tarifas de zeladoria.
Percebe-se, por esse contexto, que titulares de jazigos em cemitérios públicos geridos pela Concessionária Reviver são cobrados por serviços sobre o qual não possuem qualquer conhecimento ou instrução. Para muitos consumidores incautos, dada a sua vulnerabilidade em relação aos fornecedores, a cobrança da “taxa de zeladoria” por boleto, mesmo sem informação prévia, pode aparentar legítima, induzindo- os em pagamento indevido. Como exemplo dessa situação, possível é entrever que aqueles não contemplados pela eficácia da declaração de inconstitucionalidade da tarifa de manutenção, ao serem cobrados por serviço de zeladoria, podem o tomar por aquele encargo, liquidando o respectivo boleto em erro.
Está-se diante, pelo tanto exposto, de prática comercial abusiva perpetrada pelos réus, vedada pelo Código de Defesa do Consumidor e contrária às
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disposições da Circular nº 3.598/13 do Banco Central, como adiante será fundamentado.
Diante desse quadro de ilicitude e lesões aos consumidores, o Ministério Público propôs assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta aos réus, como derradeira tentativa de resolver a situação por via extrajudicial. Todavia, o esforço se mostrou infrutífero, como já expendido.
Então, a fim de obter a prevenção de futuros prejuízos aos consumidores, assim como da reparação dos danos já causados, foi ajuizada a presente ação civil pública.
III - DA FUNDAMENTAÇÃO
c) Legitimidade dos réus
c.1) Legitimidade passiva da Concessionária Reviver
A causa de pedir da presente demanda coletiva envolve a prestação de serviço de assistência funerária, cuja contratação e oferta tem sido feita em violação de normas administrativas emitidas pelo Banco Central do Brasil, assim como de princípios e regras preconizadas pelo Código de Defesa do Consumidor, em
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lesão ao direito de uma coletividade de indivíduos afetados pela prática.
Tal conduta é realizada pela emissão de boletos bancários de forma irregular para o fim da oferta dos serviços em tela.
Por isso, considerando que a atividade remunerada de zeladoria é realizada sob a égide da administração de cemitérios públicos pela Concessionária Reviver, exsurge a sua responsabilização pelos vícios e prejuízos advindos dessa atividade, à luz da responsabilidade objetiva dos fornecedores nas relações de consumo, fundada na Teoria do Risco da Atividade. Assim, se a cobrança da “taxa de zeladoria” representa vício e danos no serviço fornecido, deve a empresa por eles responder, independentemente de culpa4.
Ainda que a etapa de cobrança da prestação do serviço em apreço seja executada por pessoa jurídica diversa, a Reviver Plano de Assistência Funeral Ltda., toda a cadeia de fornecimento é executada sob a concessão de gerenciamento de necrópoles exercida pela Concessionária Reviver. Portanto, a administradora também integra a relação de consumo dos serviços de zeladoria, sendo solidariamente responsável, com os
4 Exegese pacífica em doutrina e jurisprudência do art. 14 e art.
18 do CDC.
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demais prestadores, pelas inadequações e prejuízos resultantes dessa atividade comercial, de acordo com o que preceitua o art. 18 do CDC.
Acrescenta-se que, à presente hipótese, aplicável é a teoria da aparência, de adoção cediça pela jurisprudência e doutrina pátria, com ampla incidência no âmbito do STJ. Tal tese se fundamenta na noção de que o fornecedor aparente, embora não participe do processo de fabricação do produto, dispõe do seu nome ou marca na individualização deste, passando a ser entendido como se fosse o seu próprio formatador.
Partindo dessa premissa, verifica-se a comunhão, entre a Concessionária Reviver e a Reviver Plano de Assistência Funeral, de sinais distintivos da sua identidade comercial. De fato, ambos os sujeitos compartilham de elementos nominativo e figurativo ou visual que as distinguem de outras empresas, porém não entre si.
Além da notória uniformidade de nomes, consubstanciada no emprego palavra “Reviver”, os réus em comento fazem uso da mesma identidade visual empregada comercialmente em publicidades, comunicados, sítios eletrônicos etc. É o que se demonstra pelas imagens abaixo estampadas, retiradas das páginas virtuais das empresas, das quais se extrai o aproveitamento conjunto de elementos visuais e marca:
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Sítio da Concessionária Reviver
5
Sítio da Reviver Plano de Assistência Funeral
6
5 Disponível em:< xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/> Acessado em: 22/04/2021.
6 Disponível em: < xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/> Acessado
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Também a evidenciar a confusão de identidade entre os dois réus em comento, convém destacar que a própria página virtual da Reviver Plano de Assistência Funeral informa ser essa empresa integrante do “grupo Concessionária Reviver”, além de divulgar, como seus, os mesmos endereço e telefone da concessionária ré:
7 Disponível em: < xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/> Acessado
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Inequívoca, portanto, é a comunhão de todos os elementos de identificação adotados pelas duas pessoas jurídicas, a se concluir que a Concessionária Reviver é fornecedora aparente dos serviços prestados pela Reviver Plano de Assistência Funeral, respondendo solidariamente pelos vícios e danos advindos do seu fornecimento.
A fundamentação teórica e prática da teoria da aparência é bem ilustrada no REsp 1580432/SP, de relatoria do i. Min. Xxxxx Xxxxx, com destaque para a trecho a seguir transcrito8:
Por sua vez, o fornecedor aparente compreende aquele que, embora não tendo participado do processo de fabricação, apresenta-se como tal pela colocação do seu nome, marca ou outro sinal de identificação no produto que foi fabricado por um terceiro.
Nos dizeres de Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx:
“A responsabilização do fornecedor aparente justifica-se pelo fato de que, ao indicar no produto fabricado por terceiro seu nome, marca ou outro sinal que o identifique, o fornecedor aparente assume perante o consumidor a posição de real fabricante do produto. Isso permite a sua plena responsabilização na forma do art. 12 do CDC. (EFING,
8 REsp 1580432/SP, Rel. Ministro XXXXX XXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 06/12/2018, DJe 04/02/2019. Pg. 9 – 14.
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Xxxxxxx Xxxxxx. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo e
Sustentabilidade. 3. Ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 83).”
Diante dessas lições, compreende-se o produtor aparente como aquele que não participa do processo de fabricação do produto, porém, em virtude da disposição do seu nome ou marca na individualização deste, passa a ser entendido como se fosse o seu próprio formatador. É nessa aparência que reside o fundamento para a responsabilização deste fornecedor, não sendo exigida para o consumidor, vítima de evento lesivo, a investigação da identidade do fabricante real.
Com efeito, tal alcance torna-se possível na medida em que o Código de Defesa do Consumidor tem por escopo proteger o consumidor “daquelas atividades desenvolvidas no mercado, que, pela própria natureza, são potencialmente ofensivas a direitos materiais (...) são criadoras de situações de vulnerabilidade independentemente da qualificação normativa de quem a exerce". (XXXXX, Xxxxxxxx. Fornecedor Equiparado in Doutrinas Essenciais Direito do Consumidor. Volume I. Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 1.023-1.029).
Assim, verifica-se que a legislação consumerista abraçou a teoria da aparência para responsabilizar aquele que, a despeito de não participar diretamente do processo de fabricação do produto, por ostentar a marca por ele utilizada, passa a ser responsabilizado pelos danos decorrentes dessa relação.
Xxxx relembrar que a teoria da aparência, amplamente adotada no direito brasileiro, foi estruturada para proteção do terceiro de boa-fé, prestigiando aquele que se porta com lealdade em nome da segurança jurídica.
Neste raciocínio, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx esclarece que:
“O consumidor muitas vezes não visualiza a presença de vários fornecedores, diretos e indiretos, na sua relação de consumo, sequer tem consciência - no caso dos serviços, principalmente - que mantém relação contratual com todos ou que, em matéria de produtos, pode exigir informação e garantia dos produtos diretamente daquele fabricante ou produtor com o qual não mantém contrato. A nova teoria contratual, porém, permite esta visão de conjunto do esforço econômico de "fornecimento" e valoriza, responsabilizando solidariamente, a participação destes vários atores dedicados a organizar e realizar o fornecimento de produtos e serviços.
(MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor.
8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 430).”
Tal situação de dificuldade - por vezes, de concreta impossibilidade - de identificação do real fabricante/fornecedor do bem adquirido decorre do fenômeno nomeado pela doutrina de "cadeia de fornecedores" ou "cadeia de consumo", caracterizado pela fragmentação do sistema de produção, pelo qual um elevado contingente de sujeitos se reúnem para atuação conjunta ou comum com o propósito de colocar à disposição do consumidor produtos e serviços.
Essa concepção de cadeia de fornecimento, visível, doravante, para além do que permite enxergar a corrente de contratos ou operações formais, opera no sentido de conferir maior efetividade ao sistema de proteção do consumidor, evitando que lhe sejam impostas barreiras à identificação dos responsáveis por eventuais prejuízos patrimoniais ou extrapatrimoniais, ao obrigar a solidariedade entre todos os seus participantes, na esteira do preceituado nos arts. 12, 14, 18, 20 e 34 do CDC (...).
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Dessa forma, a aplicação da teoria da aparência à cadeia de fornecimento conduz à conclusão de que igualmente serão caracterizados como "fornecedoras aquelas empresas que, servindo-se da marca de expressão global, beneficiam-se da confiança previamente angariada por estas entre os consumidores, sendo, pois, solidariamente responsáveis pelos bens lançados no mercado sob tal identificação" (e-STJ, fl. 203), ou seja, o presente consumidor somente adquiriu o produto diante da confiança na marca nele estampada.
Destaca-se, por oportuno, que este Colegiado já analisou situação semelhante à dos autos, ocasião em que incluiu, no conceito do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, todo o grupo de fornecedores da mesma marca6.
Convém destacar as conclusões alcançadas pelo Ministro Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx manifestadas em seu voto, cujos excertos transcreve- se:
“No mérito, no entanto, tenho para mim que, por estarmos vivendo em uma nova realidade, imposta pela economia globalizada, temos também presente um novo quadro jurídico, sendo imprescindível que haja uma interpretação afinada com essa realidade. Não basta, assim, a proteção calcada em limites internos e em diplomas legais tradicionais, quando se sabe que o Código brasileiro de proteção ao consumidor é um dos mais avançados textos legais existentes, diversamente do que se dá, em regra, com o nosso direito privado positivo tradicional, de que são exemplos o Código Comercial, de 1.850, e o Código Civil, de 1.916, que em muitos pontos já não mais se harmonizam com a realidade dos nossos dias. Destarte, se a economia globalizada não tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, é preciso que as leis de proteção ao consumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com sucursais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no mercado consumidor que representa o nosso País.
(...)
Dentro dessa moldura, não há como dissociar a imagem da recorrida "Panasonic do Brasil Ltda" da marca mundialmente conhecida "Panasonic". (...)
Logo, se aquela se beneficia desta, e vice-versa, devem, uma e outra, arcar igualmente com as conseqüências de eventuais deficiências dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável que seja o consumidor, a parte mais frágil nessa relação, aquele a suportar as conseqüências negativas da venda feita irregularmente, porque defeituoso o objeto”.
Igualmente pela responsabilidade solidária da cadeia de fornecimento: REsp 1665698/CE, Rel. Ministro XXXXXXX XXXXXX XXXX XXXXX,
TERCEIRA TURMA, julgado em 23/05/2017, Dje 31/05/2017; REsp 1187365/RO, Rel. Ministro XXXX XXXXXXXXXXXXX, QUARTA TURMA,
julgado em 22/05/2014, DJe 25/08/2014; REsp 1377899/SP, Rel. Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 18/12/2014, DJe 11/02/2015; REsp 879.113/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 01/09/2009, DJe 11/09/2009; REsp
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1021987/RN, Rel. Ministro XXXXXXXX XXXXXXXXX, QUARTA TURMA,
julgado em 07/10/2008, DJe 09/02/2009; AgRg no AREsp 531.320/RS, Rel. Ministra XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 14/10/2014, DJe 30/10/2014; entre outros.
Nesse sentido, com fulcro no Código de Defesa do Consumidor, especialmente em seus arts. 3º, 12, 14, 18, 20 e 34 é de reconhecer, de fato, a previsão normativa para a responsabilização solidária do fornecedor aparente, porquanto beneficiário da marca de alcance global, em nome da teoria do risco da atividade.
c.2) Legitimidade passiva da Reviver Plano de Assistência Funeral
Em inquérito civil, a empresa Reviver Plano de Assistência Funeral foi indicada, pela Concessionária Reviver, como a responsável direta pela oferta dos serviços de zeladoria e, de acordo com o Banco Santander, como a sociedade contratante da emissão dos boletos de cobrança das respectivas tarifas.
Desse modo, a empresa integra a cadeia de fornecimento do serviço em tela, de maneira que lhe é imputável a responsabilidade pelos vícios e prejuízos delas resultantes.
c.3) Legitimidade passiva do Banco Santander
O réu Reviver Plano de Assistência Funeral contratou, com o Banco Santander, serviço de cobrança rápida com registro, mediante o qual a instituição
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financeira assume a responsabilidade pela emissão e postagem dos boletos bancários.
Portanto, as cobranças indevidas de “taxa de zeladoria” são viabilizadas pelo banco réu, o qual contribui para que os boletos irregulares cheguem ao consumidor. A instituição ré constitui parte essencial da cadeia de fornecimento do serviço vicioso, na medida em que instrumentaliza a exigência abusiva da tarifa em apreço.
Por conseguinte, o banco emissor dos boletos também deve ser responsabilizado, solidária e objetivamente, pela inadequação do serviço e as lesões causadas aos consumidores no caso presente.
Ressalte-se, ainda, que, pela sua conduta, a instituição financeira deixa de cumprir o dever que lhe impõe o art. 2º, parágrafo único, da Circular nº 3.598/13 do Banco Central do Brasil, no sentido de adotar e verificar os procedimentos que assegurem o uso adequado de cada uma das espécies de boleto de pagamento. Assim, incorre em prática abusiva vedada pelo Estatuto Consumerista, como adiante será fundamentado.
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d) Ilegalidade da conduta dos réus
d.1) Violação da Circular nº 3.598/13 do Banco Central do Brasil
De acordo com parecer apresentado pelo Banco
Central do | Brasil no inquérito civil que instrui | a |
demanda, a | regulamentação de boletos de pagamento | é |
feita pela | Circular nº 3.598/13, a qual institui | o |
referido instrumento e suas espécies, além de dispor sobre a sua emissão e apresentação, dentre outros aspectos.
Dentre as categorias regulamentadas, o art. 2º, II, do referido ato normativo prevê o boleto de proposta, utilizado para possibilitar o pagamento decorrente da eventual aceitação de uma oferta de produtos e serviços, de uma proposta de contrato civil ou de um convite para associação.
Assim, caso os réus pretendessem ofertar serviço de zeladoria fazendo uso dessa espécie de boleto de pagamento, deveriam observar os requisitos estabelecidos para tanto pela Circular nº 3.598/13, de acordo com seu art. 4º, §5º, in verbis:
Art. 4º O boleto de pagamento deverá ser emitido de acordo com modelo preestabelecido e poderá ser apresentado ao pagador por meio físico ou eletrônico.
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(...)
§ 5º O modelo de boleto de proposta deverá ter leiaute e dizeres que assegurem ao pagador identificar, com clareza, precisão e objetividade, que:
I - o boleto refere-se à oferta de um produto ou serviço, à proposta de contrato civil ou ao convite para associação, apresentados previamente ao pagador;
II - o pagamento do boleto é facultativo e que o não pagamento não dará causa a protestos, a cobranças judiciais ou extrajudiciais ou à inclusão do nome do pagador em cadastros de restrição ao crédito;
III - o pagador tem o direito de obter, previamente ao pagamento do boleto, todas as informações relacionadas ao produto ou ao serviço ofertado e ao conteúdo do contrato que disciplina os direitos e obrigações entre o pagador e o beneficiário;
IV - o pagamento do boleto significa a aceitação da correspondente obrigação, e a data de vencimento significa, para todos os efeitos legais, o termo final do prazo para sua aceitação.
Tais elementos previstos para o modelo de boleto proposta asseguram, ao consumidor, a informação ampla e efetiva acerca do serviço ali fornecido, sobretudo de seu caráter facultativo, de modo a não induzir o destinatário em erro.
Ocorre que os documentos de cobrança enviados pelos réus não observam o previsto no dispositivo normativo acima transcrito, já que se limitam a discriminar, em letras minúsculas, apenas a denominação “Zeladoria Jazigo”, sem quaisquer das informações exigidas pela regulamentação incidente. É o que se verifica pelo exame dos elementos de prova encaminhados, ao autor, pelos reclamantes em sede de procedimento investigatório:
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Com isso, denota-se que o serviço de zeladoria é prestado pelos réus com vício de informação, emitindo, para sua proposta de contratação e cobrança, boleto bancário em desacordo com o modelo regulamentado para a espécie.
Por outro lado, o Banco Santander, como emissor dos documentos de pagamento em apreço, deixou de atuar para garantir que tais irregularidades não ocorressem, pois lhe é imposto o dever de zelar pelo uso adequado de cada uma das espécies de boleto de pagamento, assim como pela higidez da dívida em cobrança. É o que dispõe o art. 2º, parágrafo único, do regulamento em referência:
Parágrafo único. Para fins de cumprimento do disposto na Resolução nº 3.380, de 29 de junho de 2006, as instituições financeiras deverão contemplar, em seus sistemas de controles internos, a adoção e a verificação de procedimentos que assegurem:
I - o uso adequado de cada uma das espécies de boleto de pagamento, mesmo nos casos em que o beneficiário o emita e o apresente diretamente ao pagador;
II - a higidez da dívida em cobrança.
Diante das condutas expostas, infere-se que os réus incorrem em violação da Circular nº 3.598/13 do Banco Central do Brasil, como se denota, inclusive, do parecer emitido pela própria autarquia em inquérito civil.
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d.2) Violação do CDC
A infringência de tais normas regulamentares redunda também na violação do Código de Consumidor, na medida em que constitui a prática abusiva vedada no seu art. 39, VIII:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(...)
VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);
Tal conduta importa em violação do direito básico do consumidor à proteção contra práticas e cláusulas abusivas impostas no fornecimento de produtos e serviços, previsto no art. 6º, IV, desse mesmo diploma legal.
Igualmente, os vícios de informação dos boletos de proposta negam, ao consumidor, o exercício de seu direito básico a um consumo informado, corolário da liberdade de escolha, como disposto no art. 6º, II e III, da Lei Consumerista.
Com efeito, da análise do procedimento investigatório, com destaque às manifestações queixosas de consumidores, extrai-se que não houve anuência ou contratação do serviço de zeladoria prévias ao envio dos boletos, de maneira que o próprio
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documento bancário é utilizado, de maneira irregular, em descumprimento de normas regulamentares, como instrumento de suposta manifestação de vontade do consumidor para a aquisição do serviço oferecido.
A prática comercial ora narrada é capaz de induzir à obrigatoriedade do serviço cobrado, não obstante ele ser opcional aos titulares de jazigos em cemitérios públicos. Ademais, como já exposto anteriormente, os consumidores podem confundir a tarifa de zeladoria com aquela de manutenção, obrigatória apenas sob o regime do Decreto Municipal nº º 39.094/14, como evidenciado pelo teor das reclamações apuradas.
Portanto, evidente é que, nos fatos em apreço, ocorre vício na prestação de informações essenciais ao consumo consentido, em descumprimento aos deveres de boa-fé objetiva e consumo informado imposto aos fornecedores de produtos e serviços.
Consequentemente, as ilegalidades em tela consubstanciam afronta direta aos direitos básicos dos consumidores preconizados nos art. 6º, II (liberdade de escolha), III (informação adequada) e IV (proteção contra práticas abusivas), do CDC.
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e) Devolução dos indébitos
Os consumidores que, induzidos em erro, efetuaram o pagamento dos boletos de cobrança de tarifa de zeladoria arcaram com valor indevido, sobre os quais possuem o direito de restituição.
De fato, tais encargos foram diretamente cobrados sem a prestação de informações essenciais acerca dos serviços correspondentes, bem como sem a anuência anterior do consumidor.
Assim, o fornecimento de serviços sem solicitação prévia do consumidor, além de constituir prática comercial abusiva, deve ser equiparado a amostras grátis, inexistindo obrigação de seu pagamento, conforme disposto no art. 39, III, c/c parágrafo único do mesmo dispositivo, do Código de Defesa do Consumidor.
Por conseguinte, o pagamento dos boletos em vício de informação constitui indébito lucrado pelos réus, devendo, assim, ser devolvido em dobro ao consumidor lesado, consoante a regra prevista no art. 42, parágrafo único da Lei Consumerista.
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f) O ressarcimento dos danos causados aos consumidores
Os réus também devem ser condenados a ressarcir os consumidores – considerados em caráter individual e também coletivo - pelos danos, materiais e morais, que tenham causado com a sua conduta.
De fato, como integrantes da cadeia de consumo dos serviços em apreço, respondem solidária e objetivamente pelos danos causados aos consumidores (art. 14 do CDC), atuando por sua conta e risco na atividade econômica explorado, sendo obrigado a reparar os danos advindos do seu fornecimento.
O Código de Defesa do Consumidor consagra o princípio da responsabilidade do fornecedor independentemente de culpa, bem como da reparação integral (restitutio in integrum), a qual deve ser a mais completa possível, abrangendo os danos patrimoniais e extrapatrimoniais, individuais, coletivos e difusos (art. 6º, VI, do CDC).
Ademais, em sede de ação civil pública, a comprovação do prejuízo individual sofrido pelos consumidores deve ser realizada em fase de liquidação de sentença, conforme previsto no art. 97 do Diploma Consumerista. Para tanto, a fim de se materializar o princípio do máximo benefício, os réus devem, no bojo da ação civil pública, serem condenados a indenizar as
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vítimas pelos danos provocados. O Código de Defesa do Consumidor exige a demonstração apenas da potencialidade lesiva da conduta dos réus, o que foi feito na presente demanda.
Irrefutável, então, é a obrigação de reparar os danos potencialmente causados aos consumidores, já que constatada a permanente ofensa aos mais comezinhos direitos dos consumidores.
Por outro lado, a indenização tem importante função pedagógica, para evitar que novas lesões ao consumidor ocorram.
g) Os pressupostos para o deferimento liminar da tutela provisória de urgência
PRESENTES AINDA OS PRESSUPOSTOS PARA O DEFERIMENTO
DE TUTELA DE URGÊNCIA LIMINAR, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora.
A probabilidade do direito reside na: a) verossimilhança fática das alegações autorais, as quais são instruídas por elementos que evidenciam os fatos narrados, tais como relatos de consumidores, manifestação do réus confirmando as circunstâncias narradas e documentos que corroboram as alegações autorais; b) plausibilidade jurídica, pois os fatos
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narrados configuram ofensa a normas regulamentares do Banco Central do Brasil, segundo parecer do próprio, além de significarem afronta direta aos direitos básicos dos consumidores preconizados nos art. 6º, II (liberdade de escolha), III (informação adequada) e IV (proteção contra práticas abusivas), do CDC.
Com isso, a demora no provimento jurisdicional importa em risco de lesão a direito e patrimônio de todos os titulares de jazigos que ainda possam ser vítimas da prática comercial abusiva perpetrada pelos réus. Dada a vulnerabilidade desses indivíduos submetidos aos abusos ora narrados, o provimento jurisdicional, depois de anos, pode não mais lhes ser eficiente, a configurar o periculum in mora.
Em relação à reversibilidade do provimento jurisdicional, presente tal requisito, uma vez que a obrigação a ser amparada pela tutela antecipada, no caso, constitui obrigação imposta pelas normas legais consumeristas e regulamentares administrativas.
Vê-se, portanto, que presentes os pressupostos gerais e alternativos a ensejar o deferimento da liminar nos termos do § 3º do art. 84 do CDC.
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IV – DO PEDIDO LIMINAR
Ante o exposto o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO requer, LIMINARMENTE E SEM A OITIVA DA
PARTE CONTRÁRIA, que seja determinado, initio litis, aos réus, sob pena de multa diária no valor de R$30.000,00 (trinta mil reais), que se abstenham de emitir boletos de proposta para cobrança de “taxa de zeladoria”, ou serviço assemelhado, relativa a jazigos de cemitérios públicos, sem que antes passem a cumprir os requisitos previstos no art. 4º, §5º, da Circular nº 3.598/13 do Banco Central do Brasil, ou ato normativo substituto, devendo o envio ser necessariamente solicitado expressa e previamente pelo consumidor pelos meios previstos na oferta.
V – DOS PEDIDOS PRINCIPAIS
Requer, ainda, o Ministério Público:
a) que, após apreciado liminarmente e deferido, seja confirmado o pleito formulado em caráter liminar;
b) que sejam os réus condenados a se absterem de emitir boletos de proposta para cobrança de “taxa de zeladoria”, ou serviço assemelhado, relativa a jazigos de cemitérios públicos, sem que antes
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passem a cumprir os requisitos previstos no art. 4º, §5º, da Circular nº 3.598/13 do Banco Central do Brasil, ou ato normativo substituto, devendo o envio ser necessariamente solicitado expressa e previamente pelo consumidor pelos meios previstos na oferta, sob pena de multa diária no valor de R$30.000,00 (trinta mil reais);
c) que os réus sejam condenados a restituírem, em dobro, aos seus consumidores, as quantias pagas a título de “taxa de zeladoria” ou serviço assemelhado, relativa a jazigos de cemitérios públicos, cobradas mediante boleto bancário, bem como aquelas que não cumpram com os requisitos descritos no pedido “b” acima;
d) que sejam os réus condenados a indenizar, da forma mais ampla e completa possível, os danos materiais e morais de que tenha padecido o
consumidor, | individualmente | considerado, | em |
virtude dos | fatos narrados, a | serem apurados | em |
liquidação; |
e) a condenação do réu a reparar os danos materiais e morais causados aos consumidores, considerados em sentido coletivo, no valor mínimo de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), corrigidos e acrescidos de juros, cujo valor
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reverterá ao Fundo de Reconstituição de Xxxx Xxxxxxx, mencionado no art. 13 da Lei n° 7.347/85;
f) sejam publicados os editais a que se refere o art. 94 do CDC;
g) a citação dos réus para que, querendo, apresentem contestação, sob pena de xxxxxxx;
h) a condenação dos réus ao pagamento de todos os ônus de sucumbência, incluindo os honorários advocatícios.
Xxxxxxxx, ainda, o Ministério Público, pela produção de todas as provas em direito admissíveis, notadamente a pericial, a documental, bem como depoimento pessoal dos réus, sob pena de confissão, sem prejuízo da inversão do ônus da prova previsto no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
Dá-se a esta causa o valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
Rio de Janeiro, 7 de maio de 2021.
XXXXX XXXXXXX XXXXXXXX
Assinado de forma digital por XXXXX XXXXXXX XXXXXXXX XXXXX:02410594700
-03'00'
COSTA:02410594700 Dados: 2021.05.07 14:19:17
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx
Promotor de Justiça Mat. 2099