O ABANDONO DA OBRA COMO FUNDAMENTO DO DIREITO DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE EMPREITADA*
O ABANDONO DA OBRA COMO FUNDAMENTO DO DIREITO DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE EMPREITADA*
Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx**
Sumário: 1. Generalidades. 2. Colocação do problema. 3. O abandono da obra como recusa do cumprimento. 4. Excepção de não cumprimento. 5. Notas finais: articulação entre excep- ção de não cumprimento e recusa. 6. Bibliografia.
1. GENERALIDADES.
tema em análise exige, pela sua especificidade, uma prévia abordagem, ainda que breve, sobre a noção, o objecto e os sujeitos do contrato de empreitada.
A empreitada é tradicionalmente definida como um contrato típico, sinalagmático, consensual, oneroso e de execução instantânea1. Típico, porque tem um regime pró- prio previsto na lei, nos arts. 1207 e ss do Código Civil2. Sina- lagmático e consensual, uma vez que dele decorrem obrigações recíprocas ligadas entre si por um encontro de vontades mani- festadas no contrato. É também oneroso porque o esforço eco- nómico é suportado pelas duas partes e há vantagens para am- bas. E ainda que a sua execução se prolongue pelo tempo, a
* O presente trabalho foi elaborado no âmbito da unidade curricular de «Contratos I» do Mestrado em Direito dos Contratos e da Empresa da Universidade do Minho (2011/2012).
** Advogado-Estagiário na Xxxxxx xx Xxxxxxx & Associados.
1 A propósito da caracterização do contrato de empreitada veja-se MENEZES LEITÃO,
Direito das Obrigações, Vol. III, 6ª Edição, Almedina, 2008, p. 511 e ss.
2 Daqui em diante, salvo consideração em contrário, as normas sem referência são do Código Civil.
Ano 2 (2013), nº 6, 5215-5225 / xxxx://xxx.xxx-xxxx.xxx/ ISSN: 2182-7567
prestação devida é de execução instantânea3, concretizando-se com a entrega da obra4.
Como fica patente, o contrato de empreitada tem por ob- jecto a realização de uma determinada obra, não sendo claro para a doutrina se o conceito de obra se restringe a algo materi- al ou se inclui também coisas imateriais (obra intelectual). A questão foi inicialmente suscitada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-11-1983. A favor do conceito amplo,
tomaram partido, entre nós, os Prof. XXXXXX XXXXXXX, XXXXX- QUE MESQUITA5 e XXXXX XX XXXXX XXXXXXX0. Em sentido con-
trário manifestaram-se XXXXXXX XXXXXX, XXXXXX XX XXXXX0 e MENEZES LEITÃO8. Para estes Autores o contrato de emprei- tada restringe-se a obras corpóreas, devendo a obra intelectual
– segundo XXXXXXX XXXXXX – ser objecto do contrato de en- comenda, previsto no art. 14.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC). Esta parece ser, quanto a nós, a tese que melhor qualifica e autonomiza o contrato de emprei- tada em relação a outras figuras próximas9.
3 Como salienta XXXXXXX XXXXXX (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Edição, Almedina, 2010, pp. 96-97), “a empreitada é um contrato que visa certo resultado final (a realização da obra) e não a actividade que se torna necessário despender para o efeito”.
4 Note-se que as partes podem fasear o pagamento, sobretudo nas empreitadas de grande valor. Isto, contudo, não afasta o carácter instantâneo da prestação. Trata-se apenas de um modo de financiamento da obra, sendo, nesse caso, o dono da obra a suportar os custos de execução da obra. Neste sentido se pronunciaram XXXXX XX XXXX e XXXXXXX XXXXXX, Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª Edição, Coimbra Edito- ra, 1986, p. 799.
5 Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-11-1983, ROA, I, 1985.
6 O Conceito de Obra no contrato de Empreitada, ROA, II, 1994, pp. 589 e ss.
7 XXXXXXX XXXXXX, Anotação ao Acórdão de 02-11-1983, RLJ, 121, 1988-1989 e
XXXXXX XX XXXXX, Anotação ao Acórdão de 02-11-1983, Direitos de autor, cláusula penal e sanção pecuniária compulsória, ROA, 47, 1987.
8 Direito das Obrigações, Vol. III, 6ª Edição, Almedina, 2008, p. 513-514.
9 Neste sentido veja-se XXXX XXXX XXXXXXX, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 4ª Edição, Almedina, 2011, p. 48-49 e nota 94; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. III, 6ª Edição, Almedina, 2008, p. 505 e ss; XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, Direito das obrigações, parte especial, contra-
Os sujeitos principais dessa relação são o empreiteiro e o dono de obra10-11. O primeiro compromete-se a realizar e entre- gar determinada obra nos termos acordados (e sem vícios ou defeitos)12 – em virtude disso, é também qualificada como uma obrigação de resultado13-14. Em contrapartida, o dono de obra fica obrigado ao pagamento do preço15.
tos (compra e venda, locação e empreitada), 2.ª edição, Almedina, 2001, p. 389 e ss.; e também XXXXX XX XXXX e XXXXXXX XXXXXX, Código Civil Anotado… opus cit., p. 799.
MENEZES LEITÃO (Direito das Obrigações, Vol. III, p. 505 e ss).
10 Note-se que, em regra, estamos perante uma prestação infungível. Só não o será quando as qualidades do empreiteiro forem essenciais para obtenção daquela obra. Neste sentido ver XXXX XXXX XXXXXXX, Responsabilidade Contratual… opus cit., p. 36.
11 Além destes poderão intervir outros sujeitos seja em representação daqueles (cfr. art. 1209.º quanto à fiscalização) seja no âmbito da subempreitada (art. 1213.º).
12 Para mais desenvolvimentos acerca do cumprimento defeituoso veja-se XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, 1994, pp. 243 e ss.
13 XXXX XXXX XXXXXXX (Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defei- tos da Obra, 4ª Edição, Almedina, 2011, p. 12) qualifica a realização da obra como uma característica “individualizadora deste tipo contratual”, apoiando-se no facto de estarmos perante uma obrigação de resultado. O contrato de empreitada é, na verda- de, apresentado pela doutrina como um caso típico de obrigação de resultado (cfr. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. III, opus cit., p. 508). Para uma melhor distinção entre obrigações de meios e obrigações de resultado veja-se ainda XXXXXXX XXXXX XXXXXXX, Obrigações de Meios e Obrigações de Resultado, Coim- bra Editora, 2010, pp. 53 e ss. O Autor aponta critérios de ordem objectiva (que se reportam à natureza da prestação) e os critérios de índole subjectiva (que se referem à situação pessoal das partes).
14 Como bem observa XXXXXXXXX XXXXXXX XXXXXX (A Responsabilidade do cons- trutor no Contrato de Empreitada, in Contratos: Actualidade de Evolução – Actas do Congresso Internacional sobre Direito dos Contratos promovida pela Universi- dade Católica na cidade do Porto em Novembro de 1991, Porto, 1997, p. 317, dis- ponível em
«xxxx://xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/00000.00/0000/0/XXX_Xxxxxx_Xxxxxxxxx-
dig.pdf», acesso em 28 de Dezembro de 2011), “para que o contrato seja cumprido é preciso mais do que cumprir a letra. É necessário, também, que seja cumprido o espírito ou o fim do contrato”. Para tal, o empreiteiro deve não só realizar a obra em conformidade com o que foi convencionado, mas agir igualmente de acordo com os ditames da boa fé, desde logo deve actuar de acordo com as regras da técnica e da arte, para que a obra seja apta para o uso a que se destina.
15 MENEZES LEITÃO (Direito das Obrigações, Vol. III, opus cit., pp. 520 e ss) aponta
2. COLOCAÇÃO DO PROBLEMA.
O abandono da obra por parte do empreiteiro (ou constru- tor) começa a ser um caso frequente nossa jurisprudência – ao nível dos Tribunais de Segunda Instância16 – e não são poucas as vezes em que a questão se coloca também ao nível dos tri- bunais superiores17, com forte impacto na última década, fruto, certamente, da crise que o sector igualmente atravessa.
Não relevando para segundo plano todos os factores eco- nómicos que justificam a crise do sector, queremos, contudo, centrar a nossa reflexão em torno da questão do abandono da obra e consequente perda do interesse18 por parte do credor. Por isso, no nosso estudo será dada mais importância ao cre- dor-empreiteiro e à falta de pagamento por parte do dono de obra.
Além disso, conforme podemos apurar, é muito recorren-
diversas modalidades de fixação do preço, entre as quais o preço global, o preço por tempo de trabalho e o preço por percentagem. No caso de não se estabelecer o preço, aplica-se por remissão o art. 1211.º. Por outro lado, deve salientar-se que o decurso do tempo e complexidade da obra influem no modo de pagamento, podendo este ser efectuado de forma faseada, consoante as várias fases da obra estabelecidas no caderno de encargos. Neste sentido pronuncia-se XXXXX XXXXXX XXXXXXXX (Cum- primento Defeituoso… opus cit., pp. 373-374), considerando que a circunstância de se terem estipulado pagamentos parcelares, com vencimentos periódicos anteriores à aceitação da obra não constitui obstáculo ao bom cumprimento desse contrato.
16 Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-01-2001; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29-03-2007; Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-02-2009 e 22-10-2003; Acórdãos do Tribunal da Relação de Lis- boa de 02-06-2011, 12-05-2011, 06-07-2010, 16-03-2010, 02-06-2009, 19-05-2009,
01-07-2008 e 07-02-2008; Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 01-02- 2011, 28-01-2008, 10-01-2008, 06-01-2003, 21-05-2002, 26-10-1993, 19-10-2000 e
07-11-1995. (disponíveis em «xxxx://xxx.xxxx.xx»).
17 Cfr. Acordãos do Supremo Tribunal de Jutiça de 09-12-2010, 12-03-2009, 13-01-
2009, 09-12-2008, 22-04-2008, 18-10-2007, 06-03-2007, 09-12-2004, 04-12-2003,
14-01-1997, 06-06-1989, 21-09-1995, 06-12-1979, 02-02-1984, 11-04-1985 e 11-
11-1976. (disponíveis em «xxxx://xxx.xxxx.xx»).
18 Sobre a perda do interesse contratual positivo veja-se NUNO M. XXXXX XXXXXXXX,
Princípios do Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, pp. 40 e ss.
te a situação em que as partes escalonam as suas obrigações, estabelecendo determinados prazos para o seu cumprimento, sobretudo quando se trate de grande empreitas. Nesses casos, o empreiteiro compromete-se a realizar a obra em várias fases e, em contrapartida, recebe o pagamento também ele fraccionado no tempo de modo a financiar a realização da mesma. Será, por conseguinte, o caso típico de empreitada aqui em análise.
Ora, tendo sido estabelecido pelas partes um determinado prazo para cumprimento das obrigações, sucede que a inobser- vância do prazo implica, sem mais, o atraso no cumprimento, ou seja, constitui o devedor em mora (cfr. art. 801.º). Nestas situações, o abandono da obra parece ser, à primeira vista, uma consequência natural por parte do empreiteiro quando o dono de obra se atrasa nos pagamentos convencionados.
Contudo, aquele que seria, primeiramente, um abandono temporário poderá tornar-se num abandono definitivo19. E ao fim de certo tempo quebram-se as relações contratuais com prejuízo acrescido para o empreiteiro que se “esqueceu de re- solver o contrato”20.
O problema não é assim tão linear nem se resolve com a simples interpelação para que o dono de obra cumpra com as suas obrigações. Na verdade, como veremos, a recusa por parte do empreiteiro pode evidenciar um desinteresse total na manu- tenção do contrato como poderá também configurar um meca- nismo de interpelação do devedor.
19 Para XXXX X. XXXXX XXXXXXXX (Princípios do Direito dos Contratos, … opus cit., pp. 420 e ss) o não cumprimento definitivo pressupõe a irreversibilidade da presta- ção uma vez que o devedor já não pode cumprir a prestação que lhe era devida; o não cumprimento temporário, por sua vez, reporta-se a uma situação de reversibili- dade, admitindo, por isso, a possibilidade do devedor reparar em “tempo útil” a situação de incumprimento.
20 A expressão é nossa. Queremos a este propósito destacar que muitas empresas não dão importância à justiça preventiva e apenas levam a questão a quem de direito quando efectivamente o mal já aconteceu. Nestes e noutros casos, atendendo ao grau de complexidade e responsabilidade inerentes, sempre se recomenda um aconselha- mento jurídico permanente por parte dos sujeitos intervenientes nas relações contra- tuais.
3. O ABANDONO DA OBRA COMO RECUSA DO CUM- PRIMENTO.
Segundo o art. 808.º, a mora (que pressupõe ainda a pos- sibilidade da prestação) converte-se em incumprimento defini- tivo, quer mediante a perda (subsequente à mora) do interesse do credor, quer em resultado da simples inobservância do prazo peremptório que o credor fixe razoavelmente ao devedor21.
Ora, ou estamos perante uma situação que indubitavel- mente se exige que a obra esteja concluída em determinado prazo (por exemplo, a montagem de um circuito fechado para uma corrida de carros a acontecer impreterivelmente em de- terminado dia) ou, então, havendo ainda interesse, terá que ser fixado um prazo peremptório 22 . Na verdade, o empreiteiro-
credor não pode, pura e simplesmente, resolver o contrato. Pois que, como nota XXXX X. XXXXX XXXXXXXX 23 , “pode não ser suficientemente grave” para que o credor possa resolver o con- trato. E não suficientemente grave um mero atraso no plano de pagamentos. No entanto, se após ter sido dada uma segunda oportunidade, se mantiver o atraso, então poderá ser resolvido.
21 Neste sentido também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-97.
22 XXXXXXXX XXXXXXX (Pressupostos da resolução por incumprimento, Obra Dis- persa, p. 164) define interpelação admonitória como uma “intimação formal dirigida ao devedor moroso para que cumpra a sua obrigação dentro de certo prazo determi- nado, sob pena de se considerar o seu não cumprimento como definitivo. Assim, através da fixação de um prazo peremptório, obtém-se uma clarificação definitiva de posições”. O Autor refere ainda que “a interpelação admonitória deve conter três elementos: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo peremptó- rio para o cumprimento; c) admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cum- primento dentro daquele prazo”. Porém XXXX X. XXXXX XXXXXXXX (Estudos sobre o não cumprimento das obrigações, 2ª Edição, Almedina, 2009, p. 814) considera desnecessário este último requisito, considerando que o devedor é quem tem o “ónus de esclarecer a si próprio sobre as consequências do seu atraso”.
23 Estudos sobre o não cumprimento das obrigações, 2ª Edição, Almedina, 2009, p.
422. O Autor faz ao apelo ao critério da gravidade para explicar e justificar os casos em que o credor se pode desvincular.
Por conseguinte, na primeira hipótese, e porque se trata de um prazo absoluto, não há necessidade de interpelação ad- monitória para se considerar resolvida24; na segunda, o incum- primento definitivo da obrigação acontece a partir do momento em que a prestação se não realiza dentro do prazo que razoa- velmente for fixado pelo credor25.
Desta forma, através da interpelação admonitória – como o exige a grande maioria dos casos – opera-se a conversão da situação de mora em incumprimento definitivo da obrigação, tendo especialmente em vista a resolução do contrato bilateral em que a obrigação se integra26.
Além disso, se o dono de obra manifestar antecipadamen- te vontade em não cumprir (declarando que não quer ou não pode pagar) – ainda que tacitamente, não há razão para manter o credor vinculado, pois também aqui há um incumprimento definitivo mediante a manifestação clara e inequívoca da von- tade de não cumprir.
Por isso, devemos igualmente configurar a declaração an- tecipada de não cumprir (ou o comportamento inequívoco de- monstrativo da vontade de não cumprir ou da impossibilidade antes do tempo de cumprir) como incumprimento definitivo27.
24 Importa também referir que a perda do interesse na prestação é apreciada objecti- vamente (art. 808º, nº 2), “aferindo-se em função da utilidade que a prestação teria para o credor, embora atendendo a elementos capazes de serem valorados pelo comum das pessoas; há-de, assim, ser justificada segundo o critério da razoabilidade própria do comum das pessoas”. Cfr. Sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-20-2011.
25 O conceito de prazo razoável dependerá das circunstâncias do caso em concreto. Mas sempre se dirá que o credor não pode ser prejudicado com a estipulação de um prazo demasiado longo, sob pena de inutilidade desta figura. Cabe, por isso ao cre- dor, de acordo com o princípio da boa fé, estabelecer esse prazo de forma razoável. Cfr. XXXXX XX XXXX e XXXXXXX XXXXXX, Código Civil Anotado, opus cit., p. 73.
26 Nestes sentido XXXX X. XXXXX XXXXXXXX, Estudos sobre o não cumprimento…,
pp. 51 e ss.
27 Assim sucedeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-20-2011, onde é referido que “recusa pura e simples do autor-dono da obra em efectuar qualquer pagamento ao réu-empreiteiro, não obstante grande parte das obras relativas às quatro primeiras fases já se encontrar efectuada, apontando diversas razões que se
4. A EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO.
A excepção de não cumprimento – também denominada simplesmente exceptio28 – é a uma concretização do princípio da boa fé, constituindo um meio de obrigar os contraentes ao cumprimento do contrato e de evitar resultados opostos com o equilíbrio ou equivalência das prestações que caracteriza o con- trato bilateral29.
Por isso, ela vigora, não só para o caso de falta integral do cumprimento mas também para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o prin- cípio geral da boa fé consagrado nos arts. 227º e 762º, nº 2. Não se justifica, por conseguinte, que o credor tenha de aguar- dar pelo termo do contrato para poder lançar mão dos meios jurídicos que lhe permitam opor-se à situação de mora.30
Desta forma, mesmo que se tenham estabelecidos prazos certos diferentes, é pacifico que a exceptio pode ser invocada, ainda que o contraente que esteja obrigado a cumprir em pri- meiro lugar só a possa invocar depois da do outro e nunca antes do contraente que devia cumprir em segundo lugar31.
mostraram totalmente infundadas - e apesar de ter conhecimento que o réu atraves- sava dificuldades financeiras -, inviabilizando qualquer outra solução para o litígio surgido, traduz um comportamento próprio de quem não quer ou não pode cumprir, possibilitando à contraparte a resolução válida do contrato sem precedência de inter- pelação admonitória.
28 Abreviatura da expressão latina “exceptio non adimpleti contractus”. Cfr. XXX XXXXX, Excepção de contrato não cumprido, 1957, cit. apud XXXXXXX XXXXXX, Das Obrigações em Geral, Vol. I, opus cit., p. 39.
29 Como sublinha XXXX XXXX XXXXXXXX (Excepção do Não Cumprimento do Contra- to no Direito Civil Português, Almedina, 1986, pág. 39) “a moderna configuração dos contratos sinalagmáticos assenta na ideia de interdependência entre obrigações que deles reciprocamente emergem para ambas as partes. (…) Cada uma delas é contrapartida da outra, uma não nasce sem a outra e nenhum dos devedores tem de cumprir sem que o outro cumpra igualmente”.
30 É esta a posição defendida por XXXXX XX XXXX e XXXXXXX XXXXXX, Código Civil Anotado, p. 799.
31 Cfr. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. II, opus cit.,p. 263.
5. NOTAS FINAIS: ARTICULAÇÃO ENTRE EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO E RECUSA.
Não obstante o mencionado nos dois pontos antecedentes (3. e 4.), sempre poderemos afirmar que o que legitima, efecti- vamente, o recurso a uma e outra figura é a ausência de corres- pondência ou de reciprocidade que está na origem das obriga- ções e que deve continuar a estar presente enquanto esse in- cumprimento não for efectivamente definitivo32-33.
Contudo, quem invocar a excepção de não cumprimento (art. 428.º) não pode, simultaneamente, invocar a resolução do contrato nos termos dispostos no art. 808.º34.
Assim, se o empreiteiro invocar a exceptio abandonando a obra enquanto a outra parte não efectuar o pagamento do que é devido (arts. 1207.º e 1211.º, n.º 2) não poderá, ipso facto, transformar essa situação em incumprimento definitivo35.
Para tal terá que optar pelo regime da mora (art. 804.º e 808.º). Neste caso, como temos vindo a sublinhar, é, então, necessária a utilização a interpelação admonitória regulada no art. 808º, nº136. Se assim não suceder, não pode igualmente
32 Cfr. XXXXXX XX XXXXX, Anotação ao Acórdão de 02-11-1983, opus cit., p. 330.
33 É que não são raras as vezes em que o empreiteiro se recusa, primeiramente, a efectuar a prestação, aguardando que o dono de obra possa cumprir (cfr. art. 428.º) e só, posteriormente, perde o interesse na prestação (cfr. art. 808.º), nada mais fazendo além do pedido de indemnização. Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justi- ça de 12.05.2011.
34 No Sumário do Acórdão de do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23-01-2001, pode ler-se: “(…) a excepção de não cumprimento e a perda objectiva do interesse do credor são institutos jurídicos com escopos incompatíveis e, uma vez invocado o primeiro, não pode proceder a invocação, em simultâneo, do segundo.”
35 Cfr. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. II, opus cit., 2008, p. 263.
36 Em igual sentido pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04- 02-2010 o seguinte: “através da interpelação admonitória, opera-se, pois, também, a conversão da situação de mora em falta de cumprimento da obrigação, tendo especi- almente em vista a resolução do contrato bilateral em que a obrigação se integra”. Ainda na mesma Instância, no Acórdão de 19-05-2011, é dito também que “pela perda do interesse do autor/credor e pela ultrapassagem do prazo absoluto acordado
resolver o contrato.
Concluiremos, desta forma, que o abandono da obra po- derá legitimar exceptio mas não resolve o contrato, sendo ne- cessária a aplicação do regime da mora para ter em mãos o direito de resolução definitiva do contrato.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
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XXXXXX XX XXXXX, Anotação ao Acórdão de 02-11-1983, Di- reitos de autor, cláusula penal e sanção pecuniária com- pulsória, ROA, 47, 1987.
Xxxxxxxx Xxxxxxxx Anotação ao Acórdão do Supremo Tri- bunal de Justiça de 03-11-1983, ROA, I, 1985.
XXXX XXXX XXXXXXX, Responsabilidade Contratual do Em- preiteiro pelos Defeitos da Obra, 4ª Edição, Almedina,
entre as partes, a mora do réu converteu-se em incumprimento definitivo, abrindo ao credor a porta para a resolução do contrato”.
2011.
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MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. II e III, 6ª Edi- ção, Xxxxxxxx, 0000.
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