EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA VARA DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS E COMERCIAIS DE SALVADOR-BAHIA.
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA VARA DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS E COMERCIAIS DE SALVADOR-BAHIA.
Concessionária de automóveis. Atividade de venda de veículos, outros produtos e serviços no estabelecimento da ré. Omissão na entrega de nota fiscal, orçamento e via do contrato ao consumidor. Prática ilícita. Teoria da aparência. Responsabilidade solidária dos fornecedores. Pedido de obrigação de fazer. Danos individuais e coletivos.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, por intermédio do Promotor de Justiça infrafirmado, vem, perante V. Exa., com fulcro nos artigos 129, III, da Constituição Federal, artigo 25, IV, da Lei 8.625/93, artigos 3o, 11, 12 e 13 da Lei 7.347/85, artigos 81 e seguintes da Lei 8.078/90 e artigo 72, IV, da Lei Complementar Estadual n.º 11/96, ajuizar
AÇÃO CIVIL PÚBLICA,
com pedido de ordem liminar, seguindo o rito ordinário, contra SA NACIONAL DE VEÌCULOS LTDA., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ n. 15.226.699/0004-22, com sede na Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx, xx 000, Xxxx de Meninos,
CEP: 40460-001, Salvador - Bahia, nesta Capital, pelos motivos de fato e de direito que passa a expor:
1. DOS FATOS
A Ré atua no mercado de consumo, comercializando veículos automotores, peças e acessórios, além de prestar serviços de mecânica. Observa-se que a Ré possui duas filiais revendedoras de veículos da marca Volkswagen, denominadas Saveiro e Sanave.
Esta Promotoria de Justiça do Consumidor instaurou o Inquérito Civil n.° 003.0.4149/2014, com o escopo de apurar se a ré presta todas as informações necessárias aos consumidores antes da aquisição de produtos e serviços, se inclui, indevidamente, valores nos preços dos produtos comercializados ou dos serviços prestados, se entrega cópia de contrato e documentos referentes às avenças e aos pagamentos discriminados aos consumidores.
As diligências realizadas ao longo da instrução do reportado inquérito civil revelaram que, no estabelecimento comercial da Ré, são ofertados diversos serviços aos consumidores, prestados diretamente pela Ré ou por outras pessoas físicas e jurídicas, com as quais mantém parcerias comerciais.
Atendendo requisição ministerial, a Xx apresentou notas fiscais de alguns produtos ofertados em seus estabelecimentos comerciais, veículos e peças, além de recibo de serviço de despachante e documentos referentes à contratação de financiamento (fls. 29 a 51).
10):
Em audiência ministerial, prepostos da Ré assim declararam (ata às fls. 09 a
...que a empresa investigada possui duas filiais revendedoras da marca Volkswagen, a Saveiro, situada na Xx. Xxxxxxxxx Xxxxxx, 000, nesta capital, e a Sanave, com filiais na Av. Bonocô, Av. Paralela e em Lauro de Freitas; que a investigada vende automóveis da marca Volkswagen, emitindo notas fiscais e entregando-as aos consumidores adquirentes; que a empresa investigada também disponibiliza em seus estabelecimentos produtos acessórios para os veículos; que a investigada tem parceria com outras pessoas e empresas para que estas disponibilizem serviços dentro das concessionárias; que há uma empresa parceira que presta serviço de colocação de película nos vidros, impermeabilização nos banco e proteção de pintura; que o preposto da empresa parceira é quem negocia e contrata diretamente com o adquirente do veículo; que há uma parceria também para prestação do serviço de despachante e emplacamento do veículo junto ao DETRAN; que o vendedor do veículo, preposto da investigada, oferece o serviço de despachante e intermediação para emplacamento do veículo ao consumidor, que pode aceitar ou não; que o preposto da investigada recebe valores referentes ao despachante e ao emplacamento, fornecendo recibo com o valor total das despesas, e não recibo discriminado para cada despesa; que há parceria da investigada com uma corretora de seguros, para o consumidor contratar seguro para o veículo; que os consumidores tratam diretamente com o preposto da corretora dentro dos estabelecimentos da investigada; que não sabe informar se é fornecido contrato de seguro e recibo de pagamento aos consumidores contratantes de seguro; que os consumidores adquirentes de veículos têm a opção de contratar o seguro nas concessionárias ou não; que a investigada também tem parceria com seis instituições financeiras, Banco Volkswagen, BV Financeira, Banco Panamericano, Bradesco Financiamentos, Banco Santander e Banco Itaú; que existe nas lojas da investigada um quadro de tarifas dos bancos; que esses bancos disponibilizam contratos para financiamento de crédito direto ao consumidor – CDC; que cada banco possui um representante nas lojas da investigada, para tratar diretamente com o consumidor; que o consumidor preenche uma proposta para contratação de financiamento e o banco pode aprovar ou não; que a resposta do banco acontece em cerca de quarenta a cinquenta minutos; que, se o financiamento é aprovado pelo banco, o contrato correspondente é impresso, assinado pelo consumidor e pelo preposto do banco, sendo uma via entregue ao consumidor no
mesmo momento.
Observa-se, nos documentos acostados e nas declarações transcritas, que, além de pessoas e empresas diversas oferecerem produtos e serviços no interior dos estabelecimentos da Ré, as tratativas para celebração da avença de alguns desses parceiros comerciais são realizadas pelos empregados da própria Ré, a exemplo do que ocorre com os serviços de despachante.
Pode-se extrair, ainda, que o consumidor não recebe as notas fiscais de todos os serviços contratados. É o que ocorre, a título ilustrativo, com o serviço de despachante, uma vez que o consumidor aufere um mero recibo do pagamento pelo emplacamento do veículo em papel com o timbre da Ré e não, nota fiscal pelo aludido serviço e pela aquisição da placa de identificação do veículo (fl. 31).
Por fim, constata-se que o consumidor não possui acesso prévio ao conteúdo dos contratos de todos os serviços ofertados, como ocorre com o serviço de financiamento. Conforme declarado pela ré em audiência, no trecho já transcrito, somente após a financeira aprovar a concessão do crédito, os empregados da Ré imprimem uma via do contrato e entregam para o consumidor conferir e assinar, ou seja, a proposta do consumidor é enviada pelo preposto da ré para o banco antes daquele ter acesso ao teor do instrumento contratual.
Diante de tão claras violações aos direitos consumeristas, o Ministério Público propôs à Ré a celebração de termo de ajustamento de conduta, o qual foi refutado (fls. 135 a 139). Assim, não restou alternativa ao Parquet, a não ser acionar o Estado-Juiz para salvaguardar os interesses metaindividuais envolvidos.
2. DO DIREITO
2.1. DA RESPONSABILIDADE DA RÉ: TEORIA DA APARÊNCIA
A dinâmica das relações econômicas contemporâneas revelou múltiplas formas e possibilidades de criação de vínculos empresarias e comerciais. Com a finalidade de evitar que interesses legítimos dos sujeitos vulneráveis participantes desses novos arranjos fossem frustrados pelos empresários, as Cortes de Justiça passaram a acolher teorias doutrinárias sobre a imputação da responsabilidade. Destaca-se, aqui, a teoria da aparência.
A Teoria da Aparência apresenta, como verdadeiro, um fato que não é, pelo qual uma pessoa considerada por todos como titular de um direito, embora não o seja, leva a termo um ato jurídico com terceiro de boa-fé. Trata-se de um fato que faz parecer algo que não é, produzindo consequências jurídicas.
Percebe-se a importância da teoria que sobrepõe a aparência a própria realidade, preponderando o direito daquele que confia, de boa-fé, na aparência de uma situação não verdadeira. O criador da situação embaraçosa não pode frustrar os direitos de quem depositou confiança na aparência, logo o agente deve responder pelos efeitos advindos da relação aparente.
O jurista Xxxxxxx Xxxxxxxx elenca três razões que justificam a aplicação da Teoria da Aparência, quais sejam: para não criar surpresas à boa-fé nas transações do comércio jurídico, para não obrigar os terceiros a uma verificação preventiva da realidade do que evidencia a aparência e para não tornar mais lenta, fatigante e custosa a atividade jurídica (RIZZARDO, Xxxxxxx. Teoria da aparência. Ajuris: Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 9, n. 24, p. 225, mar. 1982.).
Lembra-se que o Código de Defesa do Consumidor, no art. 4o, III, estatui a proteção do agente de boa-fé, como um dos pilares da Política Nacional de Relações de Consumo. A teia de proteção erigida pelo CDC é completada pelo seu art. 7o, parágrafo único, ao impor a responsabilidade solidária de todos os agentes da cadeia de consumo. Cabe observar que o fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou, até mesmo, representantes autônomos, a teor do disposto no art. 34 do Código de Defesa do Consumidor.
É cristalino que a teoria da aparência tem incidência na circunstância fática aqui apresentada. Quando o consumidor adentra na concessionária da Ré, possui a legítima expectativa de que a empresa proprietária do estabelecimento lhe oferecerá produtos, serviços e em conformidade com a lei.
A cadeia de fornecimento organiza-se, entre os diversos participantes e parceiros comerciais, por intermédio de relações de alta complexidade, o que impossibilita ao consumidor, em muitas ocasiões, de sequer saber com quem está contratando - fenômeno da desmaterialização do fornecedor. Nesses casos, o CDC, a doutrina e a jurisprudência evoluíram para alcançar a responsabilidade solidária de todos os participantes da cadeia de fornecimento.
Isso, porque, a condição de fornecedor inclui todos os participantes da cadeia de produção e distribuição de serviços, mesmo nos casos em que os serviços são prestados através da contratação de terceiros. E, ao passo que aufere os lucros oriundos da parceria comercial para que terceiros ofereçam serviços no interior de seus estabelecimentos, assume também os riscos do negócio, respondendo, inclusive, pela falha na prestação do serviço de seus parceiros comerciais.
Reforça-se que a imputação de responsabilidade à Ré, na circunstância fática delineada, possui cabimento, uma vez que a prestação de serviços por terceiros ocorre no interior do estabelecimento daquela, com o uso de sua estrutura física e, em muitos casos, através de seus próprios empregados para a celebração da avença. No caso do serviço de despachante e aquisição de placa de identificação de veículo, o ilegal recibo de pagamento ainda consigna o nome do estabelecimento da Ré. Tal situação impossibilita que o sujeito vulnerável identifique com precisão quem é o real prestador de serviços, caracterizando o fenômeno da desmaterialização do fornecedor. Logo, o fato levado à apreciação do Estado-Juiz impõe a aplicação da teoria da aparência e da responsabilidade solidária entre os fornecedores diretos e indiretos.
Calha anotar que, se a imputação da responsabilidade ficasse restrita somente aos prestadores diretos dos serviços, bastaria a SA NACIONAL DE VEÌCULOS LTDA., toda vez que fosse acionada pelo órgãos de defesa do consumidor, romper com seus antigos parceiros comerciais, acarretando a perda do objeto da demanda. Após o sobrestamento da medida judicial desfavorável, a Ré, então, poderia celebrar parcerias com outros agentes, de novo, sem qualquer preocupação se esses agiriam em consonância com a lei, pois inexistiria qualquer determinação judicial em contrário. O artifício sempre livraria a Ré de sua responsabilidade solidária, apesar do serviço do parceiro ser prestado na concessionária, por vezes, utilizando os empregados desta.
Destarte, a Ré, de fato, é responsável por todas as consequências dos negócios jurídicos celebrados em seu estabelecimento comercial, independente de quem seja o fornecedor direto ou indireto dos produtos e serviços.
2.2. DO DIREITO AO RECEBIMENTO DE NOTA FISCAL
É direito básico do consumidor receber todos os documentos que comprovam a celebração de uma avença com o fornecedor. Nessa toada, a Lei Federal nº 8.846, de 24 de Janeiro de 1994, determina, em seu art. 1o, que todo consumidor tem direito ao recebimento da nota fiscal e nenhum estabelecimento, por qualquer motivo, deve omiti-la, sob pena de configurar crime contra a ordem tributária (art. 1o, V, da Lei n. 8137/90).
Observa-se que a Lei Estadual n° 7014, de 04 de dezembro de 1996, em seu art. 34, VI-A, e a Lei Municipal n° 7186, de 27 de dezembro de 2006, no art. 108, §5o, também impõem a obrigatoriedade de emissão do documento fiscal.
Ademais, o documento fiscal, além de certificar ao consumidor acerca do preço pago, também o informa sobre o tributo incidente, consoante artigo 6o, III, da Lei 8.078/90.
A nota fiscal é um documento imprescindível, como arma na defesa dos direitos do consumidor, uma vez que comprova a aquisição de produtos ou a contratação e prestação de serviços em determinado estabelecimento, além de ser um comprovante de recolhimento de impostos.
Logo, ao não fornecer a nota fiscal de todos os serviços ofertados em seu estabelecimento comercial, a Ré viola os direitos consumeristas e causa danos materiais e morais aos consumidores, que não se beneficiam de programas públicos de restituição fiscal, como aquele denominado “Nota Salvador”, instituído pela Secretaria da Fazenda desta Capital. Além disso, o consumidor não tem como provar legalmente a aquisição do produto ou serviço, nem exigir a garantia legal ou contratual (v. art. 24 do CDC).
2.3. DO DIREITO AO CONHECIMENTO PREVIO DO CONTEÚDO DO CONTRATO
Em seu art. 6º, inciso III, o CDC estatui como direito básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que estes apresentem.
O legislador consumerista determina, ainda, no art. 31, que a oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre as suas características.
Já o art. 46 do Estatuto Consumerista dispõe que os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo. Nota-se que o comando legal é um desdobramento do art. 6o, III, do CDC, pois busca garantir ao consumidor o direito de ter pleno conhecimento do que e como irá contratar, concretizando o direito à informação.
Nas palavras do mestre Xxxxxx Xxxx Xx:
"Dar oportunidade de tomar conhecimento do conteúdo do contrato não significa dizer para o consumidor ler as cláusulas do contrato de comum acordo ou as cláusulas contratuais gerais do futuro contrato de adesão. Significa, isto sim, fazer com que tome conhecimento efetivo do conteúdo do contrato. Não satisfaz a regra do artigo sob análise a mera cognoscibilidade das bases do contrato, pois o sentido teleológico e finalístico da norma indica dever o fornecedor dar efetivo conhecimento ao consumidor de todos os direitos e deveres que decorrerão do contrato, especialmente sobre as cláusulas restritivas de direitos do consumidor, que, aliás, deverão vir em destaque nos formulários de contrato de adesão
(art. 54, §4.º, CDC)." (in: GRINOVER, Xxx Xxxxxxxxxx et al. Comentários ao código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 485).
Também sobre a temática, esclarece Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx:
O art. 46 do CDC surpreende pelo alcance de sua disposição. Assim, se o fornecedor descumprir este seu novo dever de dar oportunidade ao consumidor de tomar conhecimento do conteúdo do contrato, sua sanção será: ver desconsiderada a manifestação de vontade do consumidor, a aceitação deste, mesmo que o contrato já esteja assinado e o consenso formalizado.
(MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. [et al.]. 2ª ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 633).
Ante às disposições legais e aos ensinamentos doutrinários, constata-se que o fornecedor deve cuidar para que o consumidor compreenda adequadamente seus direitos e obrigações decorrentes do vínculo contratual, o qual será estabelecido a partir da assinatura do contrato de adesão. Ora, se o contrato é elaborado pelo fornecedor, sem possibilidade de alteração substancial do documento, é justo que o aderente, o consumidor, compreenda o conteúdo do contrato, conheça suas obrigações e saiba das consequências da assinatura do instrumento.
Assim, diante do comportamento da Ré e seus parceiros, aqueles que atuam no estabelecimento da demandada com a sua concordância, quando não utilizam dos próprios prepostos da acionada para oferecer produtos e serviços, receber pagamento ou intermediar contratações, porque não disponibilizam, por exemplo, a minuta do contrato de financiamento aos consumidores antes da celebração da avença, é cristalino que as normas legais citadas estão sendo vilipendiadas. E o consumidor que não teve conhecimento do teor do contrato está sujeito aos efeitos da sua ignorância e, por
conseguinte, aos danos decorrentes de obrigações e sanções clausuladas que sequer tinha ciência.
2.4. DO DIREITO AO ORÇAMENTO
O Estatuto Consumerista estatui, em seu art. 40, que todo prestador de serviço é obrigado a fornecer ao consumidor orçamento prévio e detalhado do serviço a ser executado, discriminando o valor da mão de obra, dos materiais e dos equipamentos a serem empregados, as condições de pagamento, bem como as datas de início e término dos serviços.
Frisa-se que, além do CDC prever a obrigatoriedade do orçamento, etiqueta como prática abusiva, no art. 39, VI, a execução de serviços ou fornecimento de produtos sem a sua prévia elaboração e autorização do consumidor.
A toda evidência, o direito ao recebimento prévio do contrato é uma das facetas do direito básico à informação previsto no art. 6o, inciso III, do CDC. De igual forma, o dever do fornecedor de informar previamente o preço dos serviços a serem prestados nada mais é do que um dos deveres anexos originados pelo princípio da boa-fé objetiva, e que tem incidência, inclusive, durante a fase pré-contratual, anterior à efetiva conclusão do contrato.
Diante desse arcabouço legal, imperativa é a prática de apresentar ao consumidor orçamento prévio dos serviços. Além do que, não apresentado, pode, o consumidor, ser surpreendido com cobranças de valores às quais não anuiu.
3. DO DANO MORAL COLETIVO
Um número significativo de consumidores foram lesados em seus direitos pelas práticas empreendidas pela Ré, pois as condutas adotadas numa grande empresa são reiteradas. Os procedimentos para oferta e contratação são uniformes. Essas violações reclamam, não apenas prestação jurisdicional determinando obrigações de fazer, mas, também condenação de caráter punitivo.
O dano moral coletivo está consagrado, expressamente, no ordenamento jurídico nacional. Abrangendo os direitos transindividuais de qualquer natureza, a matéria encontra previsão no caput do art. 1º da Lei nº 7.347/85. Na seara consumerista, encontra guarida no art. 6º da Lei 8.078/90.
Percebe-se que a repressão do estado, através de sanção pecuniária convertida para o Fundo Estadual de Proteção ao Consumidor, visa a realizar a política de prevenção preconizada pelo próprio Código Consumerista, consoante lição de Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx:
“A condenação por dano moral coletivo é sanção pecuniária por violação a direitos coletivos ou difusos. O valor imposto pelo juiz é destinado ao fundo criado pelo art. 13 da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública). Caráter da condenação é exclusivamente punitivo. Não se objetiva a reparação de dano material, embora seja possível (e recomendável) cumular pedidos reparatório e condenatório por dano moral coletivo.
O objetivo da lei, ao permitir expressamente a imposição de sanção pecuniária pelo Judiciário, a ser revertida a fundos nacional e estadual, foi basicamente de reprimir a conduta daquele que ofende direitos coletivos e difusos. Como resultado necessário dessa atividade repressiva jurisdicional surgem os efeitos – a função do instituto – almejados pela lei: prevenir a ofensa a direitos transindividuais, considerando seu caráter extrapatrimonial e inerente relevância social.” (Revista de Direito do Consumidor, nº 59, 2006, Ed. Revista dos Tribunais, pg. 108).
Acerca do mesmo tema, os ensinamentos de Xxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxx, para o qual: “é importante destacar que foi possível cogitar do dano moral coletivo a partir do alargamento da conceituação do dano moral, pois, conforme preleciona Xxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxx, ‘com a aceitação da reparabilidade do dano moral em face de entes diversos das pessoas físicas, verifica-se a possibilidade de sua extensão ao campo dos chamados interesses difusos e coletivos’” (Dano Moral nas Relações de Consumo, 2008, p. 73).
A jurisprudência dá suporte ao pleiteado. Confira-se:
ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS - DANO MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO - ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO - LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO.
1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base.
2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos.
(...)
4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o sistema normativo.
(...).
(Grifou-se. STJ, REsp 1057274/RS, Rel. Ministra XXXXXX XXXXXX, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/02/2010).
DIREITO PRIVADO NÃO-ESPECIFICADO. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS A POSTOS REVENDEDORES EM DESACORDO COM A LEGISLAÇÃO
APLICÁVEL À ESPÉCIE. DANO MORAL COLETIVO. VERIFICAÇÃO. PUBLICAÇÃO DO DISPOSITIVO DA SENTENÇA EM JORNAIS DE GRANDE CIRCULAÇÃO. CABIMENTO, NAS CIRCUNSTÂNCIAS.
(…) 4. Nas circunstâncias, as práticas empresariais da distribuidora de combustíveis demandada autorizam sua condenação ao ressarcimento dos danos morais coletivos delas decorrentes. Considerando as peculiaridades da espécie, é de ser mantido o quantum indenizatório fixado na sentença, que assegura o caráter repressivo-pedagógico próprio da indenização por danos morais e não se apresenta elevado a ponto de configurar onerosidade excessiva à distribuidora de combustíveis.
5. No caso concreto, é cabível a publicação do dispositivo da sentença em jornais de grande circulação, como meio de propiciar a informação e a educação dos consumidores e fornecedores acerca de seus direitos e deveres.
6. Desprovimento do apelo. (Grifou-se. TJRS, Apelação Cível nº 70027429422, Décima Sexta Câmara Cível, Relator: Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, julgado em 11/12/2008).
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE - DIREITO DIFUSO - PROPAGANDA ENGANOSA -VIAGENS PARA QUALQUER LUGAR DO PAÍS - DANO MORAL COLETIVO. A
propaganda enganosa, consistente na falsa promessa a consumidores, de que teriam direito de se hospedar em rede de hotéis durante vários dias por ano, sem nada pagar, mediante a única aquisição de título da empresa, legitima o Ministério Público a propor a ação civil pública, na defesa coletiva de direito difuso, para que a ré seja condenada, em caráter pedagógico, a indenizar pelo dano moral coletivo, valor a ser recolhido ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos do art. 13 da Lei nº 7.347/85. (Grifou-se. TJMG, Apelação Cível nº 292976-68.2002.8.13.702, Décima Quinta Câmara Cível, Relator: Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx, julgado em 23/06/2006).
Caracterizada a agressão ao dano moral coletivo, gerada pela prática da Ré, urge que o Estado-Juiz determine a necessária reparação.
4. DA PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR
Encontram-se presentes, nesta ação, os requisitos necessários à concessão de ordem liminar, quais sejam, a relevância do fundamento da demanda e o justificado receio de ineficácia do provimento final, previstos no art. 84, § 3º, do CDC.
A relevância do fundamento da demanda está evidenciada nos dispositivos legais citados, alguns, normas de ordem pública e de interesse social, as quais não podem ser desprezadas pelos fornecedores, sob pena de configurar total negação aos direitos dos consumidores.
A par disso, vislumbra-se, na presente ação, o fundado receio de ineficácia de um provimento final, já que a demora da prestação jurisdicional permitirá que a Ré continue a incorrer nas práticas aqui combatidas, agindo em dissonância com os preceitos legais e os interesses consumeristas.
4.1 DO PEDIDO LIMINAR
Respaldado no disposto no art. 84, § 3º, do CDC, requer a V. Ex.ª a expedição de ordem liminar, uma vez configurados o fumus boni juris e o periculum in mora, para determinar a Ré:
a) que entregue ao consumidor nota fiscal referente a cada serviço contratado e produto adquirido em seus estabelecimentos, independente de ter sido adquirido ou contratado com a Ré ou com seus parceiros comerciais;
b) que entregue ao consumidor, antes da celebração da avença, orçamento na forma do artigo 40 da Lei 8.078/90 e cópia do instrumento do contrato, independente do
serviço ser prestado pela Ré ou por seus parceiros comerciais.
c) que entregue ao consumidor que contratar o serviço de despachante em seus estabelecimentos, independente do serviço ser prestado pela Ré ou por seu parceiro comercial, comprovantes dos pagamentos de todos os tributos pertinentes.
À Ré deverá ser cominada, na hipótese de descumprimento de qualquer mandamento judicial, multa diária de R$ 20.000,00. O valor deverá ser revertido para o Fundo Estadual de Proteção ao Consumidor – FEPC, de que cuida o art. 13 da Lei n.° 7.347/85.
5. DOS PEDIDOS FINAIS
Com supedâneo em todo o exposto, o Ministério Público requer seja julgada procedente a presente ação para condenar a Ré:
5.1) na obrigação de fazer, consistente em entregar ao consumidor nota fiscal referente a cada serviço contratado e produto adquirido em seus estabelecimentos, independente de ter sido adquirido ou contratado perante a Ré ou seus parceiros comerciais;
5.2) na obrigação de fazer, consistente em apresentar ao consumidor, antes da celebração da avença, orçamento e cópia do instrumento dos contratos, independente dos serviços serem prestados pela Ré ou por seus parceiros comerciais.
5.3) na obrigação de fazer, consistente em entregar ao consumidor que contratar o serviço de despachante em seus estabelecimentos, independente do serviço ser prestado pela Ré ou por seu parceiro comercial, comprovantes dos pagamentos de
todos os tributos pertinentes.
5.4) à Ré deverá ser cominada, na hipótese de descumprimento de qualquer mandamento judicial, multa diária de R$ 20.000,00. O valor deverá ser revertido para o Fundo Estadual de Proteção ao Consumidor – FEPC, de que cuida o art. 13 da Lei n.° 7.347/85.
5.5) a indenizar os consumidores que sofreram danos materiais e morais pela não entrega do orçamento e nota fiscal, que não tiveram acesso ao modelo de contrato antes da celebração da avença, além daqueles que não receberam comprovantes de pagamento de tributos no caso de contratação de serviço de despachante.
5.6) ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 500.000,00, com reversão ao Fundo Estadual de Proteção ao Consumidor - FEPC, de que cuida o art. 13 da Lei n. 7347/85.
6. DOS REQUERIMENTOS
Finalmente, requer:
1) Seja determinada a citação da Xx, na pessoa do seu representante legal, a fim de que, advertida dos efeitos da revelia, segundo artigo 285, última parte, do Código de Processo Civil, apresente, querendo, contestação no prazo de 15 (quinze) dias;
2) A dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, em face do previsto no artigo 18 da Lei nº 7.347/85 e do art. 87 da Lei nº 8.078/90;
3) Sejam as intimações do autor feitas pessoalmente, mediante entrega dos autos com vista ao 3º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital, na Avenida Xxxxx Xxxxxxxx, nº 1312, Bloco Principal, 2º andar, Nazaré, nesta Capital, em face do disposto nos arts. 236, § 2º, do Código de Processo Civil, 41, IV, da Lei no 8625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e 199, inciso XVIII, da Lei Complementar estadual nº 11/96 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado da Bahia);
4) A inversão do ônus da prova, conforme previsto no art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor;
5) A publicação do edital previsto no artigo 94 da Lei 8.078/90, para conhecimento dos interessados e eventual habilitação no feito como litisconsortes.
Protesta provar o alegado por todos os meios admitidos em direito, especialmente pela produção de prova documental.
Atribui à causa o valor de R$ 500.000,00. Pede deferimento.
Salvador, 10 de agosto de 2015.
XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX JUNIOR
3.º Promotor de Justiça do Consumidor