AÇÃO DE COBRANÇA - PREVIDÊNCIA PRIVADA - SUICÍDIO INVOLUNTÁRIO - NATUREZA - MORTE ACIDENTAL - CONTRATO DE ADESÃO - CLÁUSULA CONTRATUAL - INTERPRETAÇÃO - ART. 798 DO CÓDIGO CIVIL/2002 - INAPLICABILIDADE
TJMG - Jurisprudência Cível
AÇÃO DE COBRANÇA - PREVIDÊNCIA PRIVADA - SUICÍDIO INVOLUNTÁRIO - NATUREZA - MORTE ACIDENTAL - CONTRATO DE ADESÃO - CLÁUSULA CONTRATUAL - INTERPRETAÇÃO - ART. 798 DO CÓDIGO CIVIL/2002 - INAPLICABILIDADE
Ementa: Ação de cobrança. Plano de previdência. Morte do segurado. Suicídio involuntário. Natureza. Morte acidental. Cláusulas contratuais que geram dúvida. Interpretação a favor da parte contratual mais fraca. Direito de recebimento do pecúlio pelos beneficiários.
- Se o contrato não especifica se o suicídio involuntário está incluído no conceito de morte por acidente, tal dúvida deve ser solucionada a favor do consumidor, parte contratualmente mais fraca.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2.0000.00.518823-8/000 - Comarca de Juiz de Fora - Relatora: Des.ª HELOÍSA COMBAT
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 2.0000.00.518.823-8/000, da Comarca de Juiz de Fora, sendo apelante Bradesco Vida e Previdência S.A. e apelados Xxxxxx Xxxxxxxxx de Xxxxxxxx Xxxxx e outros, acorda, em Turma, a Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais NEGAR PROVIMENTO.
Presidiu o julgamento o Desembargador Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx (Vogal), e dele partici- param os Desembargadores Heloísa Combat (Relatora) e Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx (Revisor).
O voto proferido pela Desembargadora Relatora foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes da Turma Julgadora.
Belo Horizonte, 15 de dezembro de 2005.
- Heloísa Combat - Relatora.
Notas taquigráficas
A Sr.a Des.a Heloísa Combat - Conheço do recurso, presentes os pressupostos de sua admissibilidade.
Trata-se de recurso de apelação interpos- to por Bradesco Vida e Previdência S.A. contra a
r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 5ª Vara Cível da Comarca de Juiz de Fora, de f. 154/159, que julgou procedente o pedido formu-
lado na ação de cobrança movida por Xxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxx e outros.
Requereram os autores, na inicial, o rece- bimento de indenização securitária que lhes é devida em razão do falecimento de seu mari- do/pai, tendo em vista a existência de seguro de vida por ele contratado com a ré, em que a esposa e os filhos figuram como beneficiários.
O pedido foi julgado procedente, tendo a
r. sentença se fundamentado na invalidade da cláusula contratual que exclui o suicídio da cobertura securitária, bem como no fato de que o suicídio involuntário deve ser tido como morte acidental. Argumentou, mais, o MM. Juiz singu- lar que a seguradora não comprovou nos autos a premeditação do suicídio do segurado, cujo ônus lhe competia.
Nas razões do recurso de apelação (f. 162/185), a ré/apelante alegou que não se trata de plano de seguro de vida, mas, sim, de previ- dência privada, no qual se visa conceder bene- fício de pecúlio aos beneficiários indicados, ou seja, uma forma de pensão, não sendo aplicá- veis ao caso dos autos as Súmulas 61 do STJ e 105 do STF.
Salientou que os benefícios contratados nos planos de previdência são indevidos não em face de premeditação do ato de suicídio, mas em face de o fato gerador do benefício vir a ser morte não acidental, de forma que have- ria necessidade de cumprimento de carência de
dois anos para efeito de pagamento do referido benefício; que devem ser consideradas as nor- mas relativas aos planos de previdência priva- da, e não de seguro de vida.
Ressaltou que a morte acidental é aque- la decorrente de acidente pessoal típico; que o boletim de ocorrência descreve a existência de um ato voluntário do de cujus, ensejador de seu falecimento.
Asseverou que o fato não pode ser con- siderado morte acidental, realidade essa que o liberaria do cumprimento de carência para fins de recebimento dos benefícios; que não há nos autos prova de que o de cujus sofria pertur- bações mentais ou estava insano no dia em que deu cabo da própria vida.
Aduziu ser aplicável ao caso dos autos o art. 798 do Código Civil de 2002, tendo em vista que o contrato gerou efeitos dentro da vigência dessa norma, conforme preleciona o art. 2.035 do mesmo diploma.
Não havendo preliminares a serem examinadas, passa-se ao mérito.
Cumpre salientar, de início, que é irrele- vante o fato de o contrato em questão vir a ser plano de previdência privada, e não de um seguro de vida propriamente dito, pois o contra- to prevê o pagamento de certa quantia em di- nheiro aos beneficiários designados em caso de morte do participante, assim como ocorre no seguro de vida, no entanto, denominada pecúlio, conforme se verifica da cláusula 1 do título VII do contrato (f. 27).
Assim, o simples fato de se tratar de plano de previdência não tem o condão de alterar o desate da lide, pois, na verdade, trata-se de um seguro de vida inserido em um plano de previ- dência privada, que recebeu a denominação de pecúlio.
Noutro giro, a teor do que dispõe a cláusula 2 do título VII do contrato (f. 27):
...a cobertura do benefício é vitalícia e será garantida a partir da data de início de vigência,
se a morte do participante ocorrer em conse- qüência de acidente, e somente será garantida em caso de morte por outras causas, se esta ocorrer após 2 (dois) anos contados da data de início de vigência do Plano e desde que pagas as contribuições correspondentes.
É dizer, como a morte do segurado ocor- reu em período anterior aos dois anos de carên- cia previstos na cláusula acima, os autores somente terão direito ao recebimento do bene- fício se a morte tiver sido acidental.
Logo, a controvérsia reside em saber se a morte do contratante, em razão de suicídio, se caracteriza como natural ou acidental.
Em síntese, discute-se nestes autos a natureza do suicídio, se é espécie de acidente ou se se caracteriza como morte natural.
Registre-se, de início, que o suicídio se encontra xxxxxxx pelo contrato de seguro de vida, sendo certo que a seguradora só se exime de indenizá-lo quando se tratar de suicídio volun- tário ou premeditado.
Nesse sentido, dispõem as Súmulas 61 do STJ e 105 do STF, que podem, sim, ter aplicação ao caso dos autos, dada a natureza similar dos contratos:
Súmula 61. O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado.
Súmula 105. Salvo se tiver havido premedi- tação, o suicídio do segurado no período con- tratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro.
A respeito do conceito de morte volun- tária, o parágrafo único do art. 1.140 do Código Civil de 1916 preceitua que:
Considera-se morte voluntária a recebida em duelo, bem como o suicídio premeditado por pessoa em seu juízo (grifamos).
Da conjugação desses dispositivos, extrai- se que apenas a morte premeditada não pode ser objeto de seguro, sendo certo que, quando esse evento ocorrer de maneira involuntária,
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deve a seguradora arcar com o pagamento da verba indenizatória ou pecúlio.
No caso em comento, observa-se que a seguradora negou o pagamento do pecúlio ao argumento de que o suicídio do segurado veio a ser morte natural.
Cumpre, pois, analisar se o suicídio cometido pelo segurado caracteriza-se como acidental ou natural.
A matéria versada nos autos é de alta indagação, qualquer que seja a ótica pela qual se a examine, sociológica, filosófica, religiosa ou jurídica.
Na Classificação Internacional das causas de morte, essas subdividem-se em natural, aci- dental, suicídio e homicídio.
Então, para essa classificação, o suicídio não se enquadra nem no conceito de morte natu- ral, nem no de acidental, mas pertence a uma classe especial, da mesma forma que o homicídio.
Todavia, essa classificação não pode ser utilizada na interpretação das coberturas dos con- tratos de seguro, pois, nesse caso, seria neces- sário sempre fixar cláusula especial de cobertura de suicídio e homicídio, que não estariam englo- bados pela ocorrência do evento morte.
Embora não haja nos autos provas de que o de cujus era portador de transtornos mentais, por certo não estava em seu estado psicológico normal no momento em que ceifou a própria vida, mormente porque, antes, teve a intenção de matar a própria esposa.
Certo é que não se consegue, filosofica- mente, sociologicamente, nem juridicamente, através da medicina legal, afirmar taxativamente que, no caso em análise, houve morte acidental.
Entretanto, da mesma forma, é impossível falar que não tenha ocorrido essa espécie de morte.
E, havendo dúvida de interpretação das cláusulas contratuais, essa deve ser sanada de
modo que favoreça a parte mais fraca do con- trato; no caso, o segurado.
Nesse sentido, assevera com precisão, Sílvio de Salvo Venosa:
Na dúvida, uma cláusula deve interpretar-se contra aquele que tem estipulado uma coisa em descargo daquele que tem contraído a obrigação.
Em outras palavras, interpretamos, na dúvida, contra quem redigiu a cláusula. Este deveria ter sido claro. E também em favor do con- sumidor, como dispõe o artigo 47 de seu estatuto específico (Direito Civil, 2. ed., São Paulo: Atlas, 2002, v. 2, p. 457).
Não bastasse, o art. 423 do novo Código Civil preceitua:
Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever- se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.
No caso, o contrato de seguro/previdên- cia privada é nitidamente de adesão, de modo que, havendo dúvida se o suicídio se encontra incluído no conceito de morte acidental, deve ser essa solucionada a favor do consumidor, que aderiu ao contrato, sem ter a chance de participar de sua confecção e é a parte mais fraca da avença.
Em qualquer tipo de contrato, essa seria a solução jurídica mais eqüitativa, mais consen- tânea com os princípios que regem os contratos em geral, mais de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Logo, deve-se considerar o suicídio, no caso específico, como morte acidental, fazendo jus os beneficiários ao recebimento da indeni- zação prevista no contrato.
A respeito, confira-se a orientação juris- prudencial do Superior Tribunal de Justiça:
Seguro. Suicídio. Acidente.
O suicídio não premeditado equipara-se ao aci- dente, tendo a segurada o direito de receber a indenização correspondente à morte acidental.
Precedentes. Recurso conhecido em parte e provido (STJ, 4ª T., REsp. 304.286/SP, Rel. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, j. em 12.03.02, DJ de 06.05.02, p. 295).
Seguro. Acidentes pessoais. Suicídio involun- tário.
O suicídio desintencional está abrangido pelo seguro de acidentes pessoais. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial atendido.Unânime (STJ, 4ª T., REsp. 16.560/SC, Rel. Min. Xxxxxx xx Xxxxxxx, x. em 12.05.92, DJ de 22.06.92, p. 9.765).
Seguro. Acidentes pessoais.
O suicídio não premeditado é de considerar-se abrangido pelo conceito de acidente para fins de seguro. Invalidade da cláusula excludente desse risco (STJ, 3ª T., REsp. 6.729/MS, Min. Xxxxxxx Xxxxxxx, x. em 30.04.91, DJ de 03.06.91, p. 7.424).
Na mesma linha, a orientação do extinto TAMG:
Cobrança. Seguro. Morte por suicídio. Acidente. Ato de inconsciência. Presunção não elidida.
Não configurada a hipótese de suicídio preme- ditado, a presunção de ato de inconsciência é a que prevalece, pelo que devida é a indenização securitária por morte acidental, (4ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 405.652-2, Rel. Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, x. em 17.09.03).
Ação ordinária de cobrança de seguro. Suicídio involuntário. Premeditação não com- provada. Acidente configurado.
- O auto-extermínio não premeditado obriga a seguradora a efetuar o pagamento do valor firmado em apólice de vida em grupo e aci- dentes pessoais.
- Recurso não provido (2ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 392.367-1, Rel. Xxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx, j. em 12.08.03).
Seguro. Suicídio involuntário. Equiparação à morte acidentária. Exoneração da seguradora. Inadmissibilidade. A morte por suicídio involun-
xxxxx corresponde a morte por acidente, não incidindo, portanto, a regra do parágrafo único do art. 1.440 do CC/1916, que exonera o segu- rador na ocorrência de suicídio voluntário (5ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 401.167-2, Rel. Xxxx Xxxxx Xxxxxx, j. em 11.09.03).
Ação de cobrança. Contrato de seguro. Suicídio. Premeditação. Provas. Ausência.
- Não se obscurece que, nos termos do art.
1.440 do Código Civil de 1916, o segurador pode afastar determinados riscos da cobertura do seguro. Contudo, o suicídio é considerado aci- dente pessoal, só podendo ser afastada a hipótese de indenização em tal desiderato ou as conseqüências contratadas, se for provado que o mesmo foi premeditado. Donde se conclui pela não-anulação do contrato de seguro, quando o suicídio, em vez de se caracterizar como um ato deliberado, resulta de momentânea perturbação da inteligência do segurado.
- Seguro de acidentes pessoais não deixa de ser modalidade de seguro de vida, abrangen- do, pois, suicídio não intencional, cuja prova descaracterizadora da indenização respectiva fica a cargo da seguradora (6ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 396.544-4, Rel. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, j. em 23.10.03).
Por fim, registre-se que não há falar em aplicação do art. 798 do novo Código Civil, que dispõe que “o beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato”, pois referida norma legal não pode se sobrepor às cláusulas contratuais, sob pena de ofensa ao princípio pacta sunt servanda, bem como porque o fato ocorreu antes da vigência da nova lei civil.
À luz dessas considerações, nego provi- mento ao apelo, mantendo a r. sentença de primeiro grau, por seus próprios e jurídicos fun- damentos.
Custas recursais, pela apelante.
CASAMENTO - ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS - VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 - POSSIBILIDADE XXXXXXXX XX XXXXXX - XXX. 0.000, § 0x, XX XXXXXX XXXXX/0000
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