SANDBOX E CONTRATAÇÃO PÚBLICA1
SANDBOX E CONTRATAÇÃO PÚBLICA1
Sandbox and public procurement
Por: Dr. Xxxxxxxxx xxxxxxxx xxxxx
Funcionário do Banco Central do Brasil Doutor em Direito – Universidad de Zaragoza
Resumen: A utilização do conceito de sandbox, que começa na área de tecnologia e que posteriormente se estende com sucesso para a regulação financeira, baseia-se na possibilidade da realização de testes de novas ideias e normas dentro de um ambiente isolado e controlado, sem modificação da regulação padrão. Especificamente dentro do direito regulatório, o sandbox surge como uma importante ferramenta de inovação, que permite uma análise segura de normas jurídicas alternativas sem ocasionar riscos ao mercado regulado. No Brasil, diversos órgãos governamentais de regulação vêm promovendo projetos de sandboxes em diferentes áreas, sendo um dos mais relevantes o Banco Central do Brasil na regulação financeira. O objetivo principal deste trabalho é analisar as possíveis utilizações e limitações do conceito de sandbox na normativa de contratação pública, como forma de experimentação de regras alternativas para os procedimentos de contratação da Administração Pública.
Palavras-Chave: Sandbox; direito regulatório; contratação pública.
Abstract: The use of the sandbox concept, which begins in the area of technology and which is later successfully extended to financial regulation, is based on the possibility of testing new ideas and norms within an isolated and controlled environment, without modifying the standard regulations. Specifically within regulatory law, the sandbox emerges as an important innovation tool, which allows a safe analysis of alternative legal rules without causing risks to the regulated market. In Brazil, several regulatory government bodies have been promoting sandbox projects in different areas, one of the most relevant being the Central Bank of Brazil in financial regulation. The main objective of this work is to analyze the possible uses and limitations of the sandbox concept in public procurement regulations, as a way of experimenting with alternative rules for public administration procurement procedures.
Keywords: Sandbox; regulatory law; public procurement.
Sumário: I. INTRODUÇÃO. O CONCEITO DE SANDBOX. II. O USO DE SANDBOXES NO DIREITO REGULATÓRIO. III. A EXPERIÊNCIA DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. IV. POSSIBILIDADES E LIMITES DE SANDBOXES NA CONTRATAÇÃO PÚBLICA. V. CONCLUSÕES. VI. BIBLIOGRAFIA
1 * Recibido para publicación: 11 de agosto de 2022 Aceptado para publicación: 9 de diciembre de 2022
I.- INTRODUÇÃO. O CONCEITO DE SANDBOX
O conceito de sandbox nasce na área de tecnologia, como um procedimento de experimentação de softwares, novos ou modificados, dentro de um ambiente de execução isolado, que não comprometesse a segurança e a eficiência do ambiente de trabalho xxxxxxxx0. Assim, as equipes de desenvolvimento de softwares poderiam testar livremente suas novas ideias, analisando suas vantagens e problemas, sem que tais testes pudessem oferecer riscos ao sistema atual e a seus usuários. O nome sandbox advém exatamente dessa aplicação: assim como as caixas de areia onde as crianças brincam, um ambiente seguro e isolado dos riscos do mundo exterior, o sandbox serve para que as novas ideias possam ser postas à prova sem o receio de causar danos aos sistemas já existentes.
A partir de seu surgimento na área da tecnologia, esse conceito do sandbox passou a ser utilizado também em outros âmbitos, com especial relevância na área da regulação financeira, na esteira do surgimento das denominadas fintechs, empresas startups focadas no uso de tecnologia para a prestação de serviços financeiros3. Em 20154, a Financial Conduct Autority, órgão responsável pela regulação em matéria financeira no Reino Unido, inicia o primeiro programa de sandbox voltado para empresas de serviços financeiros, onde estas poderiam propor projetos de novos produtos e serviços em um ambiente controlado pela própria Financial Conduct Autority, que, por sua vez, também ajudaria a desenvolver e implementar os testes5. Em tais projetos, a regulação existente seria flexibilizada em prol do oferecimento desses novos produtos e serviços, que estariam sujeitos à regulamentação específica elencada no sandbox, normalmente de caráter menos rígido6.
A ideia é que tanto as empresas quanto o próprio órgão regulador possam alcançar vantagens com a implementação do sandbox. As empresas podem testar seus novos produtos no mercado real, ainda que de forma limitada, tendo acesso direto à resposta dos consumidores e aos eventuais problemas dos novos produtos, por um custo relativamente baixo para a empresa. Por outro lado, o órgão regulador tem acesso a possíveis cenários alternativos para sua normatização standard, sem a necessidade de uma modificação imediata de sua regulação, abrindo a possibilidade de uma comparação real sobre as vantagens e desvantagens das diferentes normas, bem como de eventuais salvaguardas a serem adotadas para a proteção dos usuários e consumidores com relação aos novos produtos e serviços testados no sandbox.
Desde esse projeto original da Financial Conduct Autority, muitos outros países adotaram, de diferentes formas7, seus próprios sandboxes em matéria de regulação, não
2https://xxx.xxxxxxxxxx.xxx/searchsecurity/definition/sandbox#:~:text=A%20sandbox%20is%
20an%20isolated,to%20test%20potentially%20malicious%20software.
3 XXXXX, X. “Regulatory Sandboxes”, em The Xxxxxx Xxxxxxxxxx Law Review, vol. 87, núm. 3, 2019, pp. 579-645.
4 xxxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxx/xxxxxxxx/xxxxxxxxxx-xxxxxxx.xxx.
5 xxxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxxxxx/xxxxxxxxxx-xxxxxxx.
6 XXXXXXX, X., XXXXX, A. e XXXXXX, M. “Sandbox regulatório e a necessidade de regulação das criptoexchanges”, em Revista Jurídica Luso-Brasileira, ano 6, núm. 4, 2020, pp. 435-461.
7 JENIK e XXXXX alertam que um sandbox regulatório não pode ser considerado como um modelo rígido que serve igualmente para todos contextos, devendo ser construído e adaptado conforme as circunstâncias
apenas na área financeira, mas em diversos âmbitos da competência regulatória da Administração Pública. Apenas quatro anos depois, em 2020, o Banco Mundial já havia documentado a implementação de 73 sandboxes regulatórios em 57 países8. Dessas experiências, ainda especialmente focadas na área financeira e nas chamadas fintechs, o Banco Mundial apontou as vantagens principais na utilização de sandboxes: 1) base de evidências para a regulação, ajudando a proporcionar normas mais eficientes e adequadas;
2) facilitação para a entrada de novas empresas no mercado; 3) promoção de parcerias entre empresas estabelecidas e novas empresas para uma atuação conjunta; 4) aumento da competição nos mercados; 5) inclusão financeira de parcelas excluídas da população;
6) desenvolvimento no mercado de novas empresas; e 7) construção de conhecimento dentro dos órgãos de regulação.
A utilização de sandboxes está intimamente ligado à ideia de inovação9. Especificamente dentro de sistemas jurídicos, também à possibilidade de experimentação de novas normas que possam melhorar e atualizar a regulamentação de seu objeto10. Em vez que revogar certas normas e impor novas partindo do zero, apenas com uma expectativa teórica de melhoria da regulação, a Administração Pública ganha a possibilidade de, em um âmbito limitado, temporário e controlado, testar a aplicabilidade de possíveis novidades jurídicas, mantendo, ao mesmo tempo, a normativa geral vigente, o que significa, em última instância, a manutenção da necessária segurança jurídica. Será só depois de analisar os efeitos e consequências das normas aplicadas no sandbox que a Administração Pública ponderará as vantagens e desvantagens da modificação da normativa geral. Ou seja, o sandbox proporciona uma espécie de “campo de testes” para a Administração Pública, onde esta poderá avaliar previamente possíveis inovações legais sem a necessidade de revogar a normativa atual.
Frequentemente, a Administração Pública fica presa a práticas burocráticas e afastadas das demandas do mercado, não acompanhando as rápidas transformações que acontecem ao seu redor11. Do mesmo modo, há setores que, por sua importância ou potencial vulnerabilidade, recebem uma regulação excessiva, que muitas vezes impedem a entrada de novas empresas no mercado, afetando a concorrência no setor12. Pode-se dizer, sem dúvida, que um desses setores é a contratação pública, cujas regras especialmente rígidas,
específicas de cada caso particular (“Regulatory Sandboxes and Financial Inclusion”, CGAP Working Paper, 2017, pp. 1-22. Disponível em Working-Paper-Regulatory-Sandboxes-Oct-2017.pdf (xxxx.xxx)).
8 Global Experiences from Regulatory Sandboxes (xxxxxxxxx.xxx).
9 XXXXXXXX, X. x XXXXXXX, X. “De los sandbox regulatorios y otros medios (demonios) de crecer el acceso a internet en Perú”, em Revista de Derecho Administrativo – CDA, núm. 20, 2021, pp. 68-93.
10 Para ZETZSCHE et al, a própria previsão do uso de sandboxes regulatórios na legislação de um país pode ser um fator de atração de empreendedores, pois pode dar a impressão de maior apoio à inovação e maior possibilidade de regulações mais flexíveis para as empresas (“Regulating a Revolution: From Regulatory Sandboxes to Smart Regulation”, em Fordham Journal of Corporate & Financial Law, vol. 23, núm. 1, 2017, pp. 31-103).
11 XXXXXXXX XXXXX, X. “Regulamentação 'sandbox' como instrumento regulatório no mercado de capitais: principais características e prática internacional”, em Revista Digital de Direito Administrativo, vol. 5, núm. 2, 2018, pp. 264-282.
12 Segundo ALLEN, por ser uma área altamente regulada, com muitas barreiras normativas para a entrada de novos empreendedores, é que o mercado de serviços financeiros foi objeto inicial de sandboxes em vários países (“Sandbox Boundaries”, em Vanderbilt Journal of Entertainment and Technology Law, vol. 22, núm. 2, 2020, pp. 299-321).
moldadas para evitar práticas de corrupção nos procedimentos e nos contratos, acabam por ocasionar, em vários casos, compras de menor qualidade ou mais onerosas para a Administração Pública, além de afastar empresas que poderiam oferecer mais competividade e, eventualmente, melhores produtos e preços nas licitações.
Dessa forma, o presente artigo pretende, a partir de um estudo sobre algumas experiências de utilização de sandboxes no direito regulatório, questionar as possibilidades de aplicação de sandboxes na normativa de contratação pública. Obviamente, por se tratar de um mercado com especiais preocupações sobre integridade, a ideia de sandbox na contratação pública possui características particulares, com entraves e barreiras que, normalmente, não ocorrem em outras áreas de regulação. Contudo, serão sugeridas certas medidas específicas que poderiam, em tese, minimizar tais limitações, garantindo, ao mesmo tempo, o caráter de possibilidade de inovação que o sandbox traz, com as garantias de integridade e transparência que a contratação pública exige13.
II.- O USO DE SANDBOX NO DIREITO REGULATÓRIO
O papel regulador do Estado nas atividades econômicas vem ganhando cada vez mais importância nas últimas décadas. De um lado, os governos abandonam paulatinamente a ideia de um Estado executor e prestador de serviços na atividade econômica14, forçados pelo aumento exponencial da complexidade nas relações econômicas e sociais e pelo reconhecimento das dificuldades das estruturas estatais em satisfazer as pretensões da sociedade nesse âmbito. Por outro lado, também ocorre a aceitação do papel fundamental do Estado em regular e mediar as relações entre os atores das diversas atividades econômicas, como as empresas, os usuários dos serviços e as próprias autoridades responsáveis por essas regulações15, de forma a proteger os interesses gerais da sociedade.
Dessa forma, o Estado regulador surge como espécie de “terceira via”16, onde não há uma atuação direta estatal na atividade econômica, mas também não há uma ausência absoluta de sua participação, que agora se dá como garantidor do interesse público através do exercícios de suas competências de regulação. Junto com essa nova faceta do Estado, surgem uma série de órgãos e agências responsáveis exatamente por exercer essas funções administrativas regulatórias, realizando atividades de fiscalização, gestão, regulamentação e fomento nos setores da economia de sua respectiva atribuição17.
13 VALCÁRCEL XXXXXXXXX, X.; “Connotaciones del principio de transparencia en la contratación pública”, Por el Derecho y la Libertad, Vol II, Libro Homenaje al Profesor Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx, (Dir. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx. Coord. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx), Xxxxxx, Xxxxxx, 0000, pp. 1901 a 1931. 14 XXXX, X. “Do Estado social ao Estado regulador”, em Nomos: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, vol. 30, núm. 1, 2010, pp. 223-232.
15 XXXXXXXXX, X. “Regulação Administrativa e Contrato”, em XXXXXXX, X. (Coord.), Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Xxxxxxx Xxxxxxx, Coimbra Editora, 2010, vol. II, pp. 987-1023.
16 XXXXXXXX, X. X. “O Estado regulador e garantidor em tempos de crise e o direito administrativo da regulação”, em Revista Digital de Direito Administrativo, vol. 3, núm. 1, 2016, pp. 163-183.
17 XXXXXXXX, L. A. e XXXXXXXX, X. “Desafios do direito administrativo no estado regulador”, em
Revista Eletrônica Direito e Política, vol. 12, núm. 3, 2017, pp. 1125-1153.
Obviamente, a forma pela qual esses órgãos governamentais desenvolverão essas atividades de fiscalização, gestão, regulamentação e fomento sempre tem sido objeto de muita controvérsia. A construção do arcabouço normativo regulatório dos setores da economia muitas vezes não se dá por intermédio de estudos baseados em evidências, mas sim através de confronto entre a visão dos órgãos de regulação e os interesses das empresas dos setores econômicos regulados. Como se tratam de esferas especialmente delicadas, capazes de criar consequências graves para o funcionamento da economia em caso de crises entre seus agentes, é compreensível o receio dos órgãos de regulação em sua atividade normativa quando se opta por “pecar” pelo excesso de zelo. Em contrapartida, as empresas, normalmente com maior conhecimento do mercado consumidor e das últimas inovações do setor econômico, buscam livrar-se das “amarras” que, entendem elas, os órgãos de regulação lhes impõem.
Esse conflito perene entre reguladores e regulados também é fruto da construção tradicional dos ordenamentos jurídicos, formatados como um conjunto de normas gerais com uma pretensão de relativa imutabilidade. Em um contexto econômico e social com mutações cada vez mais rápidas, essa racionalidade das leis gerais e abstratas é substituída por um novo tipo de racionalidade jurídica18, baseada em uma adequação do direito a essas rápidas transformações e em uma regulação que se adapte especificamente aos regulados, atendendo às variáveis particulares dos setores econômicos e seus agentes.
Assim, a visão contemporânea do Estado regulador, mais do que um mero árbitro entre empresas e consumidores, exige uma postura ativa dos órgãos governamentais, que devem estar atentos às inovações tecnológicas, aos novos papéis sociais, às novas formas de trabalho e produção, etc19. Ainda que a regulação envolva setores importantes da economia, a necessária precaução da normatização deve andar lado a lado com o incentivo à inovação e a ampliação da competividade. Os órgãos reguladores precisam manter a possibilidade de uma atualização constante de suas normas, sem que isso coloque em risco a estabilidade e segurança jurídica dos setores econômicos regulados.
É diante dessa exigência que a utilização de sandboxes surge como uma importante ferramenta para os órgãos de regulação. A possibilidade de normas mais flexíveis serem testadas em um ambiente com usuários reais, por um tempo limitado e mediante um controle estreito, permite a experimentação de instrumentos regulatórios alternativos, os quais, muitas vezes, estão conectados a tecnologias disruptivas, produtos inovadores e novos modelos de negócios20. A ideia de a Administração Pública manter seu ordenamento jurídico atualizado às últimas novidades do mercado e da tecnologia é realizada dentro da proteção de um espaço controlado, ao mesmo tempo que as regras regulatórias gerais continuam a vigorar para o restante do mercado. Existe, dessa forma,
18 XXXXXXX, X. “Il regulatory sandbox e la teoría delle fonti”, em Diritto Pubblico Europeo Rassegna online, vol. 17, núm. 1, 2022.
19 XXXXXXXX, X. e XXXXX, X. “Estado Consensual e os desafios da inovação: Sandbox regulatório como instrumento de experimentalismo controlado”, em Revista Brasileira de Direito Público, núm. 76, 2022, pp. 167-189.
20xxxxx://xxx.xxxx.xx/Xxxxxxxxx/XX/Xxxxxxxxxxxxx/Xxxxxxxx-Xxxx/xxxxxxxx-xxxxxxxxxx-
sandboxes.html.
a avaliação real dos impactos aos usuários, tanto com relação às novas facilidades quanto aos possíveis riscos21.
Como já mencionado, o uso de sandbox dentro do direito regulatório iniciou na área financeira, exatamente em função do surgimento de novas tecnologias que começaram a ser utilizadas pelas chamadas fintechs. Esses produtos e serviços financeiros inovadores não se enquadravam nas normas regulatórias dos órgãos governamentais, o que prejudicava seu potencial oferecimento aos consumidores. Com a implementação de sandboxes, as autoridades financeiras permitiam uma colocação parcial desses produtos e serviços no mercado durante um período determinado de tempo, durante o qual existia o monitoramento de suas consequências, seguido da avaliação de suas vantagens e problemas. Somente após essa análise é que uma eventual mudança da normativa geral poderia começar a ser discutida pelo órgão de regulação.
Não obstante a bem-sucedida recepção que o conceito de sandbox regulatório obteve na área financeira, também foram apontados possíveis problemas que questionavam sua utilização. Dentre tais críticas, estão problemas metodológicos, sua natureza casuística, a eventual validade de seus resultados, chance de politização e avaliações insatisfatórias22. Uma crítica recorrente23 é a possibilidade de privilégios econômicos às empresas admitidas no sandbox, em detrimento daquelas rejeitadas. A empresa participante do sandbox adquire uma vantagem que pode ser utilizada para captação de possíveis consumidores, enquanto as empresas não-participantes não teriam possibilidade desse acesso. Assim, em vez que ser um instrumento de aumento da competividade, um dos seus objetivos principais, o sandbox poderia ser usado, em teoria, como uma forma de distorcer o mercado. Por isso, é importante que, no momento da divulgação de sandboxes, as regras prévias contenham disposições transparentes sobre os critérios de elegibilidade dos participantes, garantindo acesso amplo aos possíveis interessados24 e evitando, assim, problemas de concorrência nos mercados.
Esses possíveis problemas não impediram que o sandbox começasse a ser utilizado com grande entusiasmo em outras áreas de regulação econômica. Mercado de capitais, seguros, energia, transportes, combustíveis, infraestrutura, são apenas alguns exemplos de áreas nas quais os órgãos governamentais ao redor do mundo vêm implementando sandboxes regulatórios, na expectativa de adequação de seus normativos à realidade contemporânea e de fomento a produtos e serviços inovadores que beneficiem a economia e os usuários da sociedade.
00 XXXXXXXXX, X. “Sandbox: o futuro da regulação”, em Jota, 2018. Disponível em xxxxx://xxx.xxxx.xxxx/xxxxxxx-x-xxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxxxx-x-xxxxx-xxxxxxxxxxx/xxxxxxx-x-xxxxxx-xx- regulacao-15012018.
22 RANCHORDÁS, S. “Experimental Regulations and Regulatory Sandboxes: Law without Order?”, em
University of Groningen Faculty of Law Research Paper Series, núm. 10, 2021, pp. 1-39.
23 Veja-se, por exemplo, XXXXXX, B. e XXXXXXXX, X. “The Sandbox Paradox: balancing the need to facilitate innovation with the risk of regulatory privilege”, em South Carolina Law Review, vol. 72, 2020, pp. 445-475.
24 Nesse sentido, veja-se PINHEIRO, C. e XXXXXXXXXXXX, X. “Regulamentação do sandbox no mercado de capitais”, em Jota, 2020. Disponível em xxxxx://xxx.xxxx.xxxx/xxxxxxx-x- analise/artigos/regulamentacao-do-sandbox-no-mercado-de-capitais-08062020.
Alguns países, inclusive, optaram por positivar em seus ordenamentos jurídicos a possibilidade expressa dos órgãos de regulação usarem sandboxes no exercício de suas atribuições. Um desses exemplos é a Espanha, que, através da Lei 7/2020, de 13 novembro, para a transformação digital do sistema financeiro, admite a implementação dos chamados “espaços controlados de provas”, correspondentes ao sandbox regulatório. A referida lei estabelece, entre outras disposições, o regime jurídico desses espaços, os requisitos de acesso e o protocolo das provas. Também são previstos garantias e proteções para os participantes, como proteção de dados, direito de desistência, garantia por danos e confidencialidade25.
É interessante destacar a previsão do artigo 5, que exige que os projetos inovadores deverão aportar potencial utilidade ou valor acrescentado sobre os usos já existentes em, ao menos, um dos seguintes aspectos: “a) Facilitar el cumplimiento normativo mediante la mejora u homogeneización de procesos u otros instrumentos; b) Suponer un eventual beneficio para los usuarios de servicios financieros en términos de reducción de los costes, de mejora de la calidad o de las condiciones de acceso y disponibilidad de la prestación de servicios financieros, o de aumento de la protección a la clientela; c) Aumentar la eficiencia de entidades o mercados; o, d) Proporcionar mecanismos para la mejora de la regulación o el mejor ejercicio de la supervisión financiera”. Aqui, fica clara a preocupação do legislador espanhol em sublinhar os objetivos de seus espaços controlados de provas, de forma a delimitar as possibilidades desejáveis de sandboxes.
No Brasil, o conceito de sandbox recebeu uma recepção bastante calorosa por parte dos órgãos de regulação. Em junho de 2019, o Ministério da Economia, o Banco Central do Brasil (BCB), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Superintendência de Seguros Privados (Susep) divulgaram um Comunicado Conjunto26 no qual informaram a intenção de realizar a implantação de um modelo de sandbox regulatório no Brasil. Tal propósito foi justificado pelas transformações nos mercados financeiro, de capitais e securitário, com o uso cada vez maior de tecnologias inovadoras (DLT, blockchain, roboadvisors e inteligência artificial), levando ao surgimento de novos modelos de negócios, com a oferta de produtos e serviços diferenciados. Diante disso, conforme o Comunicado Conjunto, tornou-se necessária uma atuação mais flexível por parte dos órgãos reguladores, condizente com as mudanças tecnológicas e inovações, mas sempre buscando preservar a segurança jurídica, a proteção aos clientes e investidores e a solidez e eficiências dos mercados.
Após tal comunicado, e do lançamento de consultas públicas, foram realizadas as edições dos respectivos normativos internos, nos quais os referidos órgãos detalhavam o funcionamento de seus futuros sandboxes. Assim, a Susep divulgou a Resolução CNSP nº 381, de 4 de março de 202027, com as condições de autorização e funcionamento, por tempo determinado, dos “ambientes regulatórios experimentais” para projetos inovadores no âmbito de seguros privados. A CVM, por sua vez, através de sua Instrução nº 626, de
25 Para uma análise completa da lei espanhola, veja-se XXXXX XXXXXX, M., “Régimen jurídico del “regulatory sandbox” em España”, em Revista de Derecho del Sistema Financiero, vol. 1, 2021, pp. 195- 222.
26 xxxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/00000/xxxx.
27 xxxxx://xxx0.xxxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxx/xxxxx/xxxxxx.xxx?xxxxxxxxxxxxx/00000.
15 de maio de 202028, regulou a constituição e funcionamento de seus ambientes regulatórios experimentais, “em que as pessoas jurídicas participantes poderão receber autorizações temporárias para testar modelos de negócio inovadores em atividades no mercado de valores mobiliários regulamentadas pela Comissão de Valores Mobiliários”. Da mesma forma, como se verá mais detalhadamente a seguir, o Banco Central do Brasil, por meio da Resolução BCB nº 50, de 16 de dezembro de 2020, também dispôs sobre as regras dos sandboxes para projetos de inovações na área financeira e de pagamentos.
De uma maneira geral, tais novidades foram bem recebidos pelos mercados regulados. Um dos pontos positivos sempre destacado29 é a interação próxima entre regulador e regulados, na forma de um diálogo constante para a construção de soluções que promova as inovações apresentadas pelas empresas e também respeite os parâmetros de segurança exigidos pelos mercados. Esse trabalho colaborativo para a eventual elaboração de novas normas regulatórias sobre determinada matéria é um traço característico do sandbox e que se contrapõe diretamente à tradição da mera imposição unilateral das normas jurídicas pelo Estado aos particulares. Por outro lado, também é possível que, após o sandbox, os participantes cheguem à conclusão que novas regras não são necessárias para aquele produto ou, ainda, que a inovação simplesmente não é implementável30. O importante é ressaltar que essas conclusões são resultado de uma atividade colaborativa e transparente entre os participantes exatamente no sentido de chegar às respostas colocadas no projeto do sandbox.
Outro ponto de elogio às iniciativas brasileiras de sandbox é que as mesmas não se limitam apenas em focar em produtos inovadores, mas também no aumento da concorrência nos mercados e em facilitar o acesso de parcelas excluídas da população a esses produtos e serviços31. Em um país tão desigual como o Brasil, partes relevantes da população encontram entraves de diversas naturezas para usufruir de serviços como, por exemplo, os financeiros, onde, em muitos casos, as barreiras das normas regulatórias, preocupadas em salvaguardar a integridade e a eficiência do sistema, terminam por impedir que as pessoas mais pobres possam ter acesso a seus produtos e serviços.
No tocante a algumas iniciativas, já existem, inclusive, os primeiros resultados concretos. A partir dos sandboxes desenvolvidos pela Susep, houve um aumento no número de seguradoras em exercício no mercado, com a oferta de mais tecnologia e produtos inovadores aos segurados, surgindo benefícios proveitosos para todo o mercado de seguros32. Ademais, a partir dessas experiências iniciais positivas, outros órgãos de regulação brasileiros começaram seus projetos de sandbox, como a Agência Nacional de
28 xxxxx://xxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxx/xxx/xxxxxxxxxx/xxxxxxxxxx/xxxxxx/000/xxxx000.xxx.
29 Nesse sentido, veja-se XXXXXX, J. L. “Regulamentação de criptoativos: um panorama do arcabouço regulatório brasileiro para o atual cenário criptoeconômico”, em VASCONCELOS, A. W. (Org), Direito: da Precedência à Revolução 2, Atena Editora, 2021, pp. 163-177.
30 XXXXXXXXXX, X. X. x XXXXXXXX, S. G. “Transportes Autônomos como Paradigma da Economia Circular”, em Revista da Emerj, vol. 22, núm. 1, 2020, pp. 249-283.
31 XXXXXXX, X. “CVM lança ‘sandbox regulatório’, iniciativa que visa aumentar competição no mercado”, em Jota, 2020. Disponível em xxxxx://xxx.xxxx.xxxx/xxxxxxxx-x-xxxxxxxx/xxxxxxx/xxx-xxxxxxx- regulatorio-18052020.
32 XXXXXXXX, X. “Para além do sandbox regulatório”, em Consultor Jurídico, 2022. Disponível em xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/0000-xxx-00/xxxxxxx-xxxxxxxxxxxxxx-xxxx-xxxxxxx-xxxxxxxxxxx.
Transportes Terrestres (ANTT)33, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)34, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)35 e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)36.
A utilização de sandboxes pelos órgãos de regulação no Brasil ganhou mais impulsou com a publicação da Lei Complementar nº 182/2021, que instituiu o chamado marco legal das startups e do empreendedorismo inovador. Essa legislação reconhece princípios e diretrizes importantes para um ambiente econômico de inovação, como o reconhecimento do empreendedorismo inovador como vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental, a busca da modernização do ambiente de negócios brasileiro com modelos de negócios emergentes, o fomento ao empreendedorismo inovador como meio de promoção da produtividade e da competitividade, o aperfeiçoamento das políticas públicas e dos instrumentos de fomento ao empreendedorismo inovador, e o incentivo à contratação, pela administração pública, de soluções inovadoras elaboradas ou desenvolvidas por startups.
A Lei Complementar nº 182/2021 conceitua os sandboxes regulatórios, aos quais denomina de “programas de ambiente regulatório experimental”, como o “conjunto de condições especiais simplificadas para que as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária dos órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, mediante o cumprimento de critérios e de limites previamente estabelecidos pelo órgão ou entidade reguladora e por meio de procedimento facilitado”.
Em seu art. 11, a lei dispõe especificamente sobre os programas de ambiente regulatório experimental:
Art. 11. Os órgãos e as entidades da administração pública com competência de regulamentação setorial poderão, individualmente ou em colaboração, no âmbito de programas de ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório), afastar a incidência de normas sob sua competência em relação à entidade regulada ou aos grupos de entidades reguladas.
§ 1º A colaboração a que se refere o caput deste artigo poderá ser firmada entre os órgãos e as entidades, observadas suas competências.
§ 2º Entende-se por ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório) o disposto no inciso II do caput do art. 2º desta Lei Complementar.
§ 3º O órgão ou a entidade a que se refere o caput deste artigo disporá sobre o funcionamento do programa de ambiente regulatório experimental e estabelecerá:
33xxxxx://xxx.xxx.xx/xxxx/xx-xx/xxxxxxxx/xxxxxxx-xxxxxxxx/xxxx-xxxxxxx-xxxxxx-xxxxx-xxxxxxxxx-
experimental-sandbox-regulatorio.
34 COIMBRA, A. e XXXX, X. “Sandbox, regulação e disruptura no mercado de combustíveis”, em Consultor Jurídico, 2021; Disponível em xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/0000-xxx-00/xxxxxxx-xxxxxxx- regulacao-disruptura-mercado-combustiveis.
35xxxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxx/xx-xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx/xxxxxx-xxxxxxxx-xxxxxxxx-xxxxxxx-xxxxx-xxxxxxxxxxxxx-
regulatoria.
36xxxxx://xxx.xxx.xx/xxxxx/xx-xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx/0000/xxxxxxxx-xxxxxxx-xxxxxxx-xxxx-xxxxxxxx-xx-
sandboxes-tarifarios-e-autorizada-pela-aneel.
I - os critérios para seleção ou para qualificação do regulado;
II - a duração e o alcance da suspensão da incidência das normas; e III - as normas abrangidas.
Dessa forma, a Lei Complementar nº 182/2021 positivou, em nível legislativo, o sandbox no Direito brasileiro, outorgando aos órgãos de regulação a possibilidade de testarem, por um período de tempo limitado, projetos inovadores nas áreas de sua competência, com menos burocracia e mais flexibilidade, ajudando a fomentar, assim, o lançamento de novos produtos e serviços que, em última análise, favorecem a concorrência e os consumidores. Pode ser considerada como uma espécie de confirmação dos bons resultados obtidos nas experiências do BCB, da CVM e da Susep37. Além disso, há um acréscimo de segurança jurídica para os órgãos promotores e também para as empresas participantes, que passam a desenvolver seus produtos e serviços inovadores em programas com regras mais claras e precisas.
Por outro lado, a referida lei concedeu considerável autonomia aos órgãos reguladores para os possíveis desenhos de seus sandboxes, com quase nenhuma definição sobre seus limites e formas de aplicação38. Ainda que essa escolha legislativa possa ser justificada pela necessidade de adequação das regras de cada sandbox às características particulares de seus objetivos e do seu respectivo mercado, também surge a preocupação com o estabelecimento de requisitos mínimos de proteção às empresas e aos consumidores. Ademais, também devem ser levados em consideração, principalmente no caso brasileiro, problemas como a eventual qualificação deficiente dos quadros técnicos dos órgãos reguladores e o risco de captura regulatória39.
Apesar de tais inquietações, não há dúvida que o surgimento da Lei Complementar nº 182/2021 significou um progresso inquestionável para a possibilidade de utilização de sandboxes pelos órgãos de regulação brasileiros e para o incentivo à inovação econômica como um todo, o que, efetivado de forma adequada e responsável, só tende a favorecer a concorrência nos mercados e os benefícios à sociedade.
III.- A EXPERIÊNCIA DO BANCO CENTRAL DO BRASIL
Reconhecida como um caso de sucesso na implantação de sandboxes em matéria financeira, a experiência do Banco Central do Brasil constitui um valioso exemplo de como os órgãos reguladores podem se valer de um sandbox na experimentação de produtos e serviços inovadores ao mesmo tempo que colocam à prova possíveis
37 XXXXXXX, X. e XXXXXXX XXXXXX, X. “Sandbox regulatório no Brasil: mecanismo de estímulo à inovação e ao desenvolvimento econômico”, em Revista Jurídica Eletrônica, ano 10, núm. 12, 2022, pp. 69-78.
38 XXXXXXX, X. et al, “O sandbox regulatório no novo marco legal das startups e do empreendedorismo inovador brasileiro”, em Conjecturas, vol. 22, núm. 12, 2022, pp. 215-234.
39 XXXXXXX, X. X. “Sandbox regulatório e inovação no mercado financeiro, securitário e de capitais”, em Jota, 2019. Disponível em xxxxx://xxx.xxxx.xxxx/xxxxxxx-x-xxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxx-xxxxxxxxxxx-x- inovacao-no-mercado-financeiro-securitario-e-de-capitais-30102019.
novidades em suas normas. Dessa forma, um exame mais atento dessa experiência pode ser muito proveitoso para a análise da eventual utilização de sandboxes em outras áreas.
A preocupação do Banco Central do Brasil com inovação no mercado financeiro antecede seu projeto de sandbox. Em 2018, em conjunto com a Fenasbac, o BCB lançou o Laboratório de Inovações Tecnológicas e Financeiras (Lift), com o objetivo de promover ideias inovadoras no sistema financeiro a partir do uso de tecnologias. Contudo, o Lift não é um sandbox no sentido usual do termo40, pois: 1) ajuda no desenvolvimento da aplicação de tecnologia ou do modelo de negócio em projetos mais iniciais; 2) não há permissão para que os participantes forneçam seus produtos e serviços para clientes reais; e 3) o projeto pode ser apresentado também por pessoas físicas, não exigindo uma empresa formalmente constituída.
Contudo, a partir de 2019, o BCB lança o Edital de Consulta Pública 72/2019, de 28 de novembro de 2019, sobre as minutas dos atos normativos que irão dispor sobre o denominado Ambiente Controlado de Testes para Inovações Financeiras e de Pagamento (Sandbox Regulatório), com o objetivo de “fomentar a concorrência e a possibilitar o desenvolvimento de novos modelos de negócios e a adoção de processos e sistemas mais modernos e dinâmicos, preservando, por outro lado, a segurança, a higidez e a eficiência do sistema financeiro”.
Como consequência, posteriormente foram editadas a Resolução CMN nº 4.865, de 26 de outubro de 2020, e a Resolução BCB nº 29, de 26 de outubro de 2020, que dispões sobre as diretrizes para funcionamento do Ambiente Controlado de Testes para Inovações Financeiras e de Pagamento (Sandbox Regulatório) e as condições para o fornecimento de produtos e serviços no contexto desse ambiente no âmbito do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro. Seus objetivos principais são: 1) estimular a inovação e a diversidade de modelos de negócio; 2) aumentar a eficiência e reduzir custos; 3) promover a concorrência e a inclusão financeira; 4) atender às necessidades dos usuários finais; 5) aumentar a confiabilidade, qualidade e segurança dos produtos e serviços; 6) aprimorar a regulamentação; e 7) aprimorar os processos de supervisão.
O art. 4º da referida resolução prevê que a operacionalização do sandbox regulatório se dará através de ciclos, com duração limitada a um ano, com possibilidade de uma prorrogação por igual período. Esse processo começa com a convocação pública de possíveis interessados para a apresentação dos seus projetos inovadores41, que devem preencher os requisitos previstos para a inscrição no sandbox. Uma vez selecionadas e
40 Alguns o denominam de “sandbox setorial”, pois não qualquer espécie de isenção relativa às regras gerais do mercado, ao contrário do “sandbox regulatório”, uma vez que não há oferta de produtos e serviços para a sociedade. Veja-se PAIXÃO, R. “Banco Central ganha prêmio de melhor iniciativa de sandbox do mundo”, em Jota, 2019. Disponível em xxxxx://xxx.xxxx.xxxx/xxxxxxxxxx-xxxxxxxxx/xxxxx-x-xxxx/xxxxx- central-ganha-premio-de-melhor-iniciativa-de-sandbox-do-mundo-04092019.
41 O art. 2º da resolução define, para seus fins, que projeto inovador é “produto ou serviço experimental no âmbito do Sistema Financeiro Nacional ou do Sistema de Pagamentos Brasileiro que atendam aos seguintes requisitos: a) empregue inovação tecnológica ou promova uso alternativo de tecnologia já existente; e b) promova aprimoramentos, tais como ganhos de eficiência, alcance ou capilaridade, redução de custos ou aumento de segurança”.
autorizadas42, as empresas poderão oferecer seus produtos e serviços inovadores a clientes e usuários reais, mediante as regras previstas no regulamento do projeto de sandbox específico. O encerramento ocorre com: 1) o fim do prazo estipulado para o sandbox; 2) a outorga pelo BCB da autorização definitiva ao participante; ou 3) pelo cancelamento da autorização de participação no sandbox, a qual pode ocorrer por ato do BCB ou a pedido do participante.
O chamado Ciclo 1 do sandbox regulatório do Banco Central do Brasil foi lançado através da Resolução BCB nº 50, de 16 de dezembro de 2020, com o estabelecimento dos requisitos para instauração e execução do ambiente controlado de testes e dos procedimentos e requisitos aplicáveis à classificação e à autorização para participação. As inscrições ocorreram entre 22 de fevereiro e 19 de março de 2021 e houve um total de 52 projetos apresentados. Entre 22 de março e 26 de novembro de 2021 ocorreram as fases de seleção e autorização, tendo finalmente sido escolhidos 7 projetos para a participação no sandbox e acompanhamento do seu desenvolvimento pelo Comitê Estratégico de Gestão do Sandbox BC (Cesb).
Conforme a regulamentação do BCB43, durante a duração do sandbox, as empresas se sujeitarão a requisitos regulatórios diferenciados, podendo receber do órgão orientações personalizadas sobre a devida interpretação e aplicação da regulamentação. Ao mesmo tempo, o BCB monitorará a implementação e os resultados dos projetos, avaliando também os riscos dos novos produtos e serviços. Em caso de problemas, poderá ser requerido o aperfeiçoamento do projeto ou, ainda, o estabelecimento de limites para sua execução.
Após o final do Ciclo 1 do sandbox, que ainda está em execução na presente data, o BCB realizará uma avaliação ampla da execução dos projetos e dos novos produtos e serviços que foram oferecidos pelas empresas participantes. Caso essa avaliação seja positiva, ocorrerá a mudança das normas regulatórias, permitindo, dessa forma, que tais produtos e serviços sejam ofertados de maneira permanente dentro do sistema financeiro.
O modelo de sandbox adotado pelo Banco Central do Brasil busca valorizar a discricionariedade técnica do órgão regulador, que possui amplo espaço de definição das regras e limites do xxxxxxx00. Dessa forma, o órgão pode desenhar um processo mais alinhado à realidade do mercado financeiro brasileiro e suas especificidades. Por outro lado, tal discricionariedade não implica em perda de segurança jurídica ou riscos excessivos aos consumidores, pois existe a previsão de inúmeros mecanismos que buscam minimizar a possibilidade da ocorrência de prejuízos aos usuários e à sociedade.
42 Um possível caráter vago dos critérios para aprovação dos projetos e da definição dos seus limites operacionais foram algumas das críticas sofridas pela Resolução BCB nº 29/2020. Veja-se, por exemplo, XXXXXXXXX, X., XXXXXX, X. x XXXXXX, X. “Breves reflexões sobre o sandbox regulatório proposto pelo Banco Central”, em Jota, 2020. Disponível em xxxxx://xxx.xxxx.xxxx/xxxxxxx-x- analise/colunas/disclosure/breves-reflexoes-sobre-o-sandbox-regulatorio-proposto-pelo-banco-central- 19112020#:~:text=Recentemente%2C%20o%20Banco%20Central%20introduziu,testes%E2%80%9D%2 0para%20medidas%20de%20inova%C3%A7%C3%A3o.
43 xxxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxx.
44 XXXXXX, X. X. “Lei 13.655/18 e o sandbox regulatório do Banco Central do Brasil: segurança jurídica para um regime regulatório diferenciado”, em Revista Caderno Virtual, vol. 1, núm. 20, 2020.
Por óbvio, abrir espaços à inovação e novos produtos sempre implica na possibilidade de falhas, mas é um preço que merece ser pago para se buscar a maior eficiência e concorrência possível dos mercados e as melhores ofertas e atendimento a todas as parcelas da população.
IV.- POSSIBILIDADES E LIMITES DE SANDBOXES NA CONTRATAÇÃO PÚBLICA
A legislação de contratação pública é frequentemente retratada como um conjunto extenso de normas detalhistas e burocráticas, as quais devem ser cumpridas estritamente sob pena de anulação dos procedimentos. Ainda que tal visão tenha sido minimizada nos últimos anos, com a busca de um papel mais estratégico para a contratação pública, não há dúvida que isso segue, em boa medida sendo verdade. Esse formalismo quase excessivo se justifica normalmente por ser o mercado dos contratos públicos a fonte das maiores tentações e oportunidades de corrupção dentro da Administração Pública45, em razão das altas quantias de recursos envolvidas e a grande interação que ocorre entre os setores público e privado.
Diante disso, a resposta da grande maioria dos ordenamentos jurídicos é construir uma legislação de contratação pública minuciosa, que deixe pouco espaço para a discricionariedade ou interpretação dos agentes públicos. Nessa visão, as normas de licitações e contratos públicos devem ser objetivas e aplicadas estritamente, e a sua “imutabilidade” ao longo do tempo é considerada como uma virtude, pois significaria segurança jurídica e previsibilidade, o que, para os defensores de tal ponto de vista, ajudaria a combater a corrupção nos processos de contratação.
Contudo, essa perspectiva não encontra guarida na realidade. No Brasil, por exemplo, a última lei de licitações somente depois de quase 30 anos de vigência está sendo substituída, mas essa “estabilidade” não impediu a ocorrência de um número assombroso de casos de corrupção no país. Muitas vezes, é a própria manutenção de normas burocráticas e desconectadas das novidades tecnológicas que, ao não privilegiar a transparência e a eficiência, frequentemente terminam por mascarar práticas ilícitas, favorecendo comportamento corruptos exatamente através desse conjunto excessivo ou incoerente de regras de contratação46.
Mas a realização de mudanças tampouco é uma tarefa fácil. A contratação pública deve seguir princípios como a igualdade de tratamento, não discriminação, transparência e livre concorrência. Todas as “normas alternativas” que se apresentem precisam respeitar esses e outros princípios e, muitas vezes, a legislação então em vigor é encarada como o ápice de sua proteção. Com isso, mudanças normativas no tema de licitações
45 XXXXXX XXXXX, X. X. “La corrupción en la contratación pública”, em XXXXXX XXXXXX, A. e XXXXX XXXXXXXX, P. (Dir.), e XXXXXX XXXXXXXX, X. (Coord.). Prevención y tratamiento punitivo de la corrupción en la contratación pública y privada, Dykinson, 2016, pp. 13-49.
46 RACCA, G. e XXXXXX, S. “La nuova disciplina sui contratti pubblici e il contrasto alla corruzione”, em SCOMPARIN, L. (Org.). Corruzione e infiltrazioni criminali negli appalti pubblici, G. Xxxxxxxxxxxx, pp. 109-144.
frequentemente são encaradas com desconfiança, como se pretendesse “fugir às regras” para obter algum benefício escuso, ou, ainda, como mero capricho de quem “não sabe como as coisas funcionam na realidade”, para citar uma frase frequentemente escutada nos órgãos públicos.
Dessa forma, em nome de uma pretensa segurança e da estabilidade das regras, as mudanças das normas de contratação pública ocorrem normalmente apenas de maneira superficial, sem acompanhar as rápidas mudanças que acontecem no mundo contemporâneo. Com isso, a Administração Pública continua realizando licitações com pouca competividade, contratando por preços superiores ao mercado, comprando produtos de qualidade inferior, não efetivando seus objetivos de contratações sustentáveis, etc. Novos modelos de contratação em áreas como a saúde ou a tecnologia da informação simplesmente são ignorados pela Administração Pública pois a legislação não é compatível com tais inovações.
Mas como vencer esse receio de mudança na contratação pública, uma vez que grande parte das propostas para sua efetiva modernização sofrem uma quase imediata oposição e descrédito? Uma resposta poderia ser através da possibilidade de novas normas serem testadas nas contratações, com uma posterior comparação com as regras gerais vigentes e, então, com os resultados e as evidências coletadas nesse processo, serem analisadas eventuais mudanças na legislação. Uma espécie de sandbox, ainda que com algumas diferenças entre as normas de contratação pública e aquelas do direito regulatório.
Ainda que, à primeira vista, tal proposta possa parecer um pouco inusitada, na realidade, nos últimos anos, espécies de sandboxes na contratação pública vêm ocorrendo em muitos países, com “normas alternativas” de licitações e contratos públicos, normalmente mais flexíveis, convivendo concomitantemente com a legislação geral. As inúmeras leis emergenciais de contratação pública que foram criadas durante a pandemia de Covid-19 são o exemplo mais claro disso47, assim como as regras especiais de contratação pública visando a recuperação econômica, como no caso dos Fundos Next Generation EU48. Mesmo que advindas de situações excepcionais, essas normativas, com regras distintas das gerais, possuem a capacidade de servir como “testes” de regulações distintas para a contratação pública, onde as vantagens e problemas de suas configurações específicas podem ser observadas na realidade.
Esse imperativo de examinar novas possibilidades na contratação pública é cada vez mais discutido, não só pela urgente busca de mais eficiência nas contratações da Administração Pública, mas também pela própria necessidade de adaptação dessas contratações às tecnologias disruptivas que estão surgindo e, inevitavelmente, terão de ser objeto de incorporação às normas de contratação pública. Assim, a criação de sandboxes para a
47 XXXXXXXXXXX, X. “Compras públicas e o sandbox regulatório trazido pela Medida Provisória 961/2020”, em Revista Jurídica UniEvangélica, vol. 20, núm. 2, 2020, pp. 67-80.
48 XXXXXX XXXXX, J. M. “Los pilares de Next Generation EU y la contratación pública”, em Observatorio de Contratación Pública, 2020. Disponível em xxxxx://xxx.xxxx.xx/xxxxxxxxx/xxx-xxxxxxx-xx-xxxx- generation-eu-y-la-contratacion-publica.
avaliação da utilização de tecnologias como smarts contracts49 e blockchain50 já é objeto de discussão, como uma forma de uma incorporação rápida dessas inovações no âmbito da contratação pública. Existe, segundo a própria OCDE, uma necessidade na contratação pública um espaço seguro para a experimentação de novos conceitos e modelos ainda não regulados na legislação, ainda que a formatação desse espaço e as regras pelas quais ele funcionará ainda não estejam claras51.
Uma mera transposição do modelo de sandbox do direito regulatório para o âmbito da contratação pública não parece ser a resposta mais adequada. Como visto, no direito regulatório, o Estado cria e aplica regras para fiscalização, gestão, regulamentação e fomento de determinados mercados, sempre visando garantir o interesse público dos usuários e consumidores. Essas regras, ainda que sigam normas gerais presentes em leis, normalmente tem natureza de regulamentos, são emitidas pelos próprios órgãos reguladores no exercício de suas atribuições. Assim, em última instância, a possibilidade de criação de sandboxes está praticamente implícita na própria competência do órgão regulador, pois ele é o responsável por criar, aplicar e, eventualmente, revogar as regras de sua alçada.
Uma situação completamente diversa ocorre na contratação pública. Aqui, como já mencionado, existem leis extensas, aprovadas no âmbito parlamentar, que tratam minuciosamente praticamente todas as fases das licitações e dos contratos públicos. É verdade que ainda existem também as figuras dos regulamentos, expedidos pelos órgãos superiores ou entes específicos, mas que, em muitos casos, limitam-se praticamente a repetir a lei geral, ou normalmente apenas avançando em pontos bastante específicos, incapazes de, por si só, gerar um impacto relevante nas contratações. Nesse sentido, o poder transformador de sandboxes baseados apenas em regras regulamentárias seria bastante limitado.
Também a própria relação entre as partes envolvidas é diferente nos dois âmbitos jurídicos. No direito regulatório, o Estado se coloca como que acima das empresas reguladas e dos usuários dos produtos e serviços, pois ele irá decidir a forma pela qual ocorrerá esse relacionamento, ditando os direitos e deveres das partes. Os órgãos de regulação serão os responsáveis por criar e aplicar as regras que servirão de base para as relações entre empresas e usuários, agindo quase como “árbitros” dentro dessa perspectiva.
Um vínculo completamente diverso acontece na contratação pública, cujas regras são ditadas pelo Parlamento ou, subsidiariamente, por órgãos superiores. Essas regras obrigarão igualmente os órgãos que realizam as contratações e as empresas participantes, estando ambas as partes sujeitas à sua estrita observância. Aqui, os órgãos contratantes não estão regulando as relações de terceiros, mas sim eles mesmo sendo atores do
49 SAVA, N-A e DRAGOS, D. “The legal regime of smart contracts in public procurement”, em
Transylvanian Review of Administrative Sciences, núm. 66, 2022, pp. 99-112.
50 XXXXXX XXXX, M. A. “Blockchain, Administración y contratación pública”, em Observatorio de Contratación Pública, 2018. Disponível em xxxxx://xxx.xxxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxxx-x- contratacion-publica.
51 xxxxx://xxx.xxxx.xxx/xxxxxxxx/xxxxxx-xxxxxx-xx-xxxxxxxx-x000xx0x-xx.xxx.
mercado dos contratos públicos, de acordo com as normas da legislação. Eles não podem mudar as regras se entenderem que elas não são as mais adequadas, pois não possuem a necessária competência para tal.
Ademais, também há uma fundamental diferença com relação à própria participação no sandbox. No direito regulatório, usualmente, as empresas enviam seus projetos ao órgão regulador, que, caso os aceite, flexibilizará temporariamente algumas regras da sua regulação especificamente para aquela empresa, não afetando as demais empresas participantes do mercado. Um sandbox em contratação pública deve partir de outro desenho, uma vez que as possíveis participantes da licitação são, em nome do princípio da ampla concorrência, indeterminadas, não sendo possível, portanto, criar regras específicas para uma única empresa. Aqui, talvez fosse mais apropriado pensar em “licitações com regras flexibilizadas”, que seriam abertas indistintamente a todas as empresas interessadas.
Apesar dessas dificuldades, a criação de sandboxes na contratação pública parece ser uma alternativa viável, desde que com as adaptações necessárias. A seguir, sugerimos algumas condições que entendemos fundamentais para a construção e funcionamento desses sandboxes:
1) A preocupação com a transparência e a prevenção à corrupção é um dos pilares de uma contratação pública íntegra. Dessa forma, a utilização de normas “alternativas” nas licitações e contratos públicos deve ser objeto de um controle ainda mais rígido do que os procedimentos normais, com o intuito de evitar que, sob a justificativa do sandbox, afastem-se determinadas regras para favorecimentos indevidos. Assim, e também pela importância econômica e social da contratação pública, seria recomendável que todo o processo de sandbox, desde o estabelecimento de suas regras até sua execução, fosse coordenado por integrantes dos órgãos superiores de gestão, supervisão, controle interno e externo, além de representantes da sociedade civil. No caso do Brasil, por exemplo, no âmbito federal, essa comissão de sandbox poderia ser composta por membros do Ministério da Economia, da Advocacia-Geral da União, da Controladoria-Geral da União e do Tribunal de Contas da União, em conjunto com juristas e professores universitários especialistas na matéria. Essa centralização, com a participação de funcionários de órgãos diversos e profissionais jurídicos de conhecimento reconhecido, tende a garantir uma maior integridade ao processo;
2) A autorização geral para a criação de sandboxes, com a consequente flexibilização de determinadas normas jurídicas de contratação pública, deve acontecer através de dispositivo com hierarquia de lei ou superior. Como antes mencionado, a grande maioria das regras mais importantes de contratação possuem status de lei. Assim, a possibilidade de seu afastamento temporário também deve ter igual status, garantindo-se a segurança jurídica dos experimentos ao mesmo tempo que
se promove possíveis inovações52. A solução mais recomendável seria essa inserção na própria lei geral de contratação pública, já com especificações sobre a estruturação dos sandboxes, seu funcionamento e eventuais limites legais e temáticos;
3) A escolha do campo de testes do sandbox, ou seja, das contratações sujeitas às normas experimentais, deve ter sua forma de seleção previamente definido, seja através de ato normativo ou no documento de apresentação do sandbox. Obviamente, os testes não podem ocorrer em um número muito grande de licitações, em face dos riscos envolvidos, e tampouco em um número muito baixo que não seja capaz de oferecer padrões aceitáveis para as eventuais conclusões (positivas ou negativas) do sandbox. Possíveis formas de seleção são: o oferecimento prévio do próprio órgão contratante para participar de projetos de sandboxes; a realização de sorteios utilizando-se os Planos de Contratação Anuais publicados de todos os órgãos públicos; a escolha justificada ou aleatória de determinadas licitações por parte da comissão responsável pelo sandbox. O fundamental aqui é garantir que a participação no sandbox não venha a ser utilizado como ferramenta para a realização de atos ilícitos ou fraudulentos;
4) A publicação da intenção de realização de um sandbox em contratação pública deve oportunizar que todos os interessados, órgãos públicos, empresas e cidadãos em geral, possam apresentar “projetos” com sugestões de experimentos com normas alternativas em licitações e contratos públicos. Como se está tratando de um eventual aperfeiçoamento legislativo, de interesse geral, não há motivo para uma limitação de propostas. Obviamente, dentre o total de sugestões enviadas, a comissão responsável pelo sandbox irá eleger somente aquelas que considera mais relevantes e viáveis para os experimentos, em conformidade também com a própria capacidade de gestão do sandbox;
5) Uma vez selecionadas as normas alternativas que serão objeto do sandbox, e conhecidos aqueles órgãos contratantes que participarão das experiências, é preciso criar um canal direto entre tais órgãos e a comissão que dirige o sandbox. A discussão sobre dúvidas de interpretação na preparação e realização da licitação é fundamental para o sucesso dos testes. Tratam-se de inovações com as quais os órgãos contratantes não possuem contato, em um ambiente que pode, ao final, causar prejuízo financeiro à Administração. Assim, um auxílio mais próximo da comissão aos órgãos é fundamental tanto para garantir uma aplicação adequada das normas a serem testadas quanto para resguardar o interesse público. Da mesma forma, no momento da publicação da licitação, os canais de esclarecimentos às empresas também devem ser ampliados, pois elas possivelmente apresentarão um número maior de questionamentos sobre a licitação. Caso o sandbox trate especificamente de modelos de contratações inovadoras, essa relação da comissão, juntamente com o órgão contratante,
52 XXXXXXXX, X. “A nova Lei de Licitações: um museu de novidades?”, em Consultor Jurídico, 2020. Disponível em xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/0000-xxx-00/xxxxxx-xxxxxxxx-xxx-xxxxxxxxxx-xxxxx-xxxxxxxxx.
também deverá se dar posteriormente com a empresa contratada durante todo o período da execução do objeto contratual;
6) Durante o prazo de duração fixado para o sandbox, deve acontecer uma supervisão minuciosa das contratações que estão sendo realizadas de acordo com as normas em experiência. Esse acompanhamento é fundamental para a realização de avaliações parciais e finais dos resultados alcançados. Assim como no sandbox do direito regulatório, deve existir a previsão de suspensão, para possíveis ajustes, e interrupção total dos testes, em caso de problemas mais graves observados nas contratações. É importante recordar aqui que, além das quantias envolvidas, também existe interesse público direto na aquisição dos bens e prestação dos serviços objetos das contratações do sandbox, uma vez que fazem parte do atendimento, em maior ou menor grau, de necessidades da população;
7) Ao final do período de duração do sandbox, que pode ser menor (no caso de procedimentos de licitação) ou maior (no caso de modelos de execução de contratos) conforme a natureza dos testes, a comissão responsável deverá elaborar um relatório expondo os resultados obtidos a partir das contratações analisadas. Vantagens, desvantagens, problemas específicos, o ideal é que exista um amplo relato da experiência obtida com as normas testadas e suas consequências nas contratações, confrontando isso com os possíveis benefícios e prejuízos no caso de uma alteração das normas vigentes. Seria recomendável também que se escutasse a opinião das experiências dos órgãos contratantes, das empresas e, inclusive, de organizações que se dedicam ao controle social das contratações estatais. A ideia da realização de um sandbox é exatamente a de coletar evidência no mundo real para fundamentar a possibilidade, ou não, de acolher a inovação testada para as regras gerais daquela área. No caso específico da contratação pública, deverão ser analisadas as consequências sob diversos ângulos, como concorrência, celeridade, segurança jurídica, economicidade, eficiência, eficácia, etc. Só depois disso, com uma análise aprofundada de todos esses fatores, é que seria cabível propor ou não uma eventual mudança na legislação.
V.- CONCLUSÕES
Obviamente, essas são apenas algumas sugestões provisórias para a constituição de sandboxes na contratação pública, o que implica que podem ser modificadas e também acrescentadas muitas outras ao longo de uma discussão sobre a validade de sua implementação. O importante é deixar claro que, com as adaptações e bases necessárias, é possível sim a realização de sandboxes com normas de contratação pública. Como visto, é preciso um esforço conjunto dos legisladores, dos órgãos de gestão e controle, das empresas participantes de licitações e da sociedade como um todo, para que essa proposta possa ser tornada realidade.
A área do Direito, de uma forma geral, sempre foi muito reticente com a realização de experimentos jurídicos. Os embates retóricos e acadêmicos foram, ao longo do tempo, considerados como o campo de batalha próprio das ideias dos juristas, sendo a realidade
considerada, muitas vezes, como um mero detalhe acessório. Isso vem mudando drasticamente nas últimas décadas, com as pesquisas empíricas das ciências sociais ganhando cada vez mais relevância para a definição das políticas públicas. Apenas o governo federal brasileiro realiza mais de 150 mil contratações anualmente. Ou seja, existe um amplo campo de testes disponível, que, com as devidas cautelas pode ser extremamente útil na ampliação do conhecimento.
O uso do sandbox, já normalizado dentro do direito regulatório, pode ser uma alternativa valiosa para a experimentação de novas regras de contratação pública, onde sempre as transformações são mais vagarosas e rodeadas de cuidado, exatamente em função das altas quantias envolvidas e do receio sobre práticas de corrupção. Contudo, a ideia de transformar a contratação pública atual deve estar vinculada exatamente em mudar uma realidade permeada por ineficiência e corrupção. São necessárias novas regras, que promovam mais integridade, transparência, eficiência, economicidade, sustentabilidade, enfim, compras públicas melhores para a população.
Em um mundo que se transforma quase que diariamente com o surgimento de novas tecnologias que modificam realidades até então tomadas como imutáveis, a contratação pública não pode se manter alheia às inovações, sejam elas técnicas, científicas ou jurídicas. É preciso tentar acompanhar essas transformações para garantir a Administração Pública esteja sempre adquirindo os melhores e mais eficientes produtos e serviços, pois será apenas assim que promoverá as políticas públicas necessárias ao benefício da sociedade. Com esse objetivo, a utilização de sandboxes pode ser uma valiosa ferramenta para a contratação pública.
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