S E N T E N Ç A
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO |
Juízo: 4º Juizado Especial Cível de Porto Alegre
Processo: 5169984-63.2022.8.21.0001
Tipo de Ação: Contratos
Autor(a): XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX
Ré(u): V4 COMPANY LTDA.
Juiz(a) Leigo(a): Xxxxxxx Xxxxxxxxxx
S E N T E N Ç A
1. Relatório
Trata-se de ação rescisória cumulada com perdas e danos, na qual os autores alegam induzimento a erro durante as negociações que culminaria na assinatura do contrato de franquia. Informam que firmaram contrato preliminar de treinamento e outras providências com a intenção de firmar contrato de franquia, inclusive tendo a ré disponibilizado a COF antes da assinatura, o que deu a sensação de negócio em vias de efetivação. Afirmam que passaram a estranhar a abordagem da franqueadora como uma espécie de curso, mas considerando as tratativas iniciais e induzidos a crer que se tratava de uma fase para a formalização da franquia, não questionaram. Destacam que, ao final do curso, perceberam que a reprovação ensejaria a não efetivação do negócio, com a retenção completa dos valores investidos. Solicitaram a revisão dos procedimentos, notas etc e esclarecimento, mostrando-se em demasia subjetivos.
Em decorrência, requerem seja determinado à ré a inclusão da presente demanda em sua Circular de Oferta de Franquia (COF), no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis, sob pena de multa, bem como seja expedido ofício à Associação Brasileira de Franquias (ABF), noticiando a existência da presente demanda. Postulam pela declaração de nulidade do contrato e pela condenação da ré ao pagamento das perdas e danos estimados em R$48.480,00 e outros que vierem a ser apurados em liquidação de sentença.
A demandada apresenta defesa, na qual alega que foi firmado pré-contrato de franquia entre as partes. Refere que a relação contratual foi válida, eficaz e livre de qualquer tipo de vício. Registra que, na fase de negociação, os requerentes receberam a Circular de Oferta de Franquia, dando ciência de todas as informações, inclusive da necessidade de aprovação na seleção/treinamento. Destaca que o pagamento se deu tão somente para o ingresso ao treinamento, onde todos os integrantes receberam a avaliação por cada atividade realizada e orientação de como deveriam ter procedido. Afirma que os autores foram reprovados e que restou débito referente ao treinamento, no valor de R$5.333,33. Registra que cumpriu com todas as obrigações estabelecidas pela COF e contrato preliminar. Aduz que há regularidade do contrato preliminar e que o direito ao arrependimento não pode culminar no inadimplemento das obrigações. Informa que não cabe o pedido de inserção do processo na Circular de Oferta, já que o sentido da norma é dar ciência quanto aos questionamentos acerca do sistema a nível nacional, e não por mero aborrecimento que acomete os autores.
2. Fundamentação
2.1. Mérito
As partes firmaram contrato preliminar de franquia denominado “Contrato Preliminar de Treinamento e Outras Providências”, em 26.07.2021, comprometendo-se a ré à prestação de serviços de treinamento técnico em marketing digital e os autores ao pagamento da quantia de R$43.000,00, em 2 parcelas (R$20.000,00 em 30.07.2021 e R$23.000,00 em 20.09.2021), e ao preenchimento dos requisitos para aprovação no treinamento técnico em marketing digital como parte do processo seletivo de franqueados (cláusula 1.1):
“(...) a aprovação do(a) Contratante e de, pelo menos, mais 02 (duas) pessoas cadastradas pela Contratante, na avaliação do referido treinamento é condição essencial para sua aprovação no processo seletivo de franqueados (...)”.
A aprovação no treinamento técnico e o recebimento do certificado de conclusão e aprovação exigia cumulativamente e para cada um dos participantes (mínimo três aprovações): assistir, no mínimo, 90% do conteúdo on-line, frequência de, no mínimo, 80% nos encontros, aproveitamento mínimo de 80% nas atividades práticas, desempenho satisfatório nas atividades envolvendo comunicação e relações interpessoais e quitação integral.
contratante ao cumprimento das etapas preliminares necessárias para celebração do contrato de franquia empresarial e a abertura de uma franquia da ré. Por outro lado, a reprovação impossibilitaria a restituição de quaisquer valores e/ou indenização a qualquer título ou de qualquer natureza (cláusula 5.2).
3.2:
No mesmo sentido, a cláusula 1.6, redigida em destaque, e as cláusulas 3.1 e
“1.6. O(A) Contratante, neste ato, declara estar ciente de que a assinatura do presente Contrato Preliminar não representa (i) garantia de sua aprovação no processo seletivo de franqueados, tampouco (ii) garantia de celebração do Contrato de Franquia Empresarial, o qual somente será firmado se preenchidas todas as condições dispostas neste instrumento (...).
“3.1. O cumprimento e aprovação, de pelo menos 03 (três) pessoas, no treinamento técnico objeto deste Contrato Preliminar constitui etapa relevante do processo seletivo de franqueados V4 Company e condição essencial para aprovação do(a) Contratante como franqueado.
3.2. É exigida a participação e aprovação de, pelo menos, três profissionais para implementação da unidade franqueada. É imprescindível que o sócio operador da unidade franqueada seja aprovado no processo de treinamento” (Grifei).
Denota-se, pelas disposições, que os autores tiveram ciência, quando da contratação, acerca das cláusulas contratuais que vedam, expressamente, a devolução da quantia paga no caso de não celebração do contrato de franquia, as quais não podem ser consideras nulas, por abusividade, máxime se considerado que restou incontroverso o acesso ao treinamento técnico em marketing digital, além do know-how da franqueadora, acesso à circular de oferta de franquia previamente à assinatura do presente contrato (confirmado pelos depoimentos), informações privilegiadas e a assistência, até mesmo porque não há insurgência em relação ao treinamento, mas sobre o método de avaliação que resultou na reprovação.
De acordo com os depoimentos pessoais, os autores, na primeira semana de treinamento, ficaram cientes a respeito dos alinhamentos e critérios de avaliação, corroborado pela testemunha Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, responsável pelo gerenciamento e aplicação dos treinamentos de franquia. Além do mais, as oitivas testemunhais confirmam a baixa performance dos contratantes no TCC e ausência dos padrões, além das cópias dos trabalhos entre a equipe.
apresentação, que é o draw flow, que é o desenho das estratégias, e o playbook que é um google sheets que delimita quando vão entregar essas estratégias, então avalio essa atividade uma semana antes do TCC e depois eu avalio a apresentação do TCC (...) ”.
Da mesma forma, a testemunha Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx: “o treinamento de franquia dura 2 meses e possui aulas ao vivo segundas quartas e sextas e através dessas aulas ministradas por pessoas referências dentro da nossa rede de franquias e após essas aulas têm atividades avaliativas para serem entregues (...) é padrão para todos os alunos que fazem o treinamento (...) criteriosidade da aprovação no treinamento que é ter três pessoas aprovadas e qual o condicionamento dessas três pessoas aprovadas: ter assistido o curso gravado em 90%, ter tido uma aprovação mínima de 80%frente todas as atividades do treinamento + TCC e a terceira condicional é ter a frequência mínima de 80% nas aulas (...) [para que elas consigam as três pessoas aprovadas elas podem levar até 6 pessoas em grupo pro treinamento] “isso aí e foi o que o Giussepe fez na primeira vez trouxe seis pessoas e na segunda vez trouxe quatro pessoas (...) ele só conseguiu na primeira vez que somente ele foi aprovado e na segunda vez nenhuma foi aprovada (...) a primeira vez que o Xxxxxxxx fez o treinamento foi o único squad reprovado (...) ao meu ponto de vista faltou empenho e engajamento para fazer a entrega das atividades e entrega do time para se mostrar apto e qualificado a abrir uma franquia (...) índice de aprovação 70% de squad (...) entre 12 e 16 turmas por ano (...) no ano de 2022 aproximadamente 134 grupos fizeram e aproximadamente mais de 100 obtiveram aprovação”.
De todo o modo, inexiste na legislação específica imposição de modelo de avaliação para os treinamentos realizados no sistema de franquia empresarial, cabendo à respectiva franquia, dentro do âmbito de sua discricionariedade e nos limites legais, estabelecer o melhor método de avaliação do conhecimento e aproveitamento pelos contratantes. Ao Poder Judiciário não é dado se imiscuir no critério de avaliação, restando restrito sua análise ao prisma da legalidade dos atos praticados somados àqueles previamente estipulados em contrato, não sendo admitido emitir juízo de valor sobre os conceitos pedagógicos aplicados.
No caso, o treinamento administrado, certamente, apresenta proposta de avaliação diversa daquela tradicionalmente aplicada em cursos de graduação, pós- graduação etc, pois voltado para a formação de lideranças na empresa V4 Company. Daí porque a avaliação não é objetiva, mas subjetiva e sistêmica, realizada de forma
indicam se o aluno atingiu o desempenho esperado ou não, considerando os critérios adotados no contrato (cláusula 3). Não se mostra possível atribuir a responsabilidade à ré pelo resultado não esperado pelos autores, mormente quando o motivo da reprovação no curso é de ordem subjetiva e diz com o aproveitamento proposto em contrato preliminar e aplicável de forma uniforme, conforme confirmação das testemunhas.
Tratando-se, portanto, de contrato preliminar de franquia, bem como da inexistência de prova de vício de consentimento, não merece procedência o pedido de nulidade do contrato.
Da mesma forma, não cabe a condenação da ré a perdas e danos quando ausente qualquer prova de inadimplemento das obrigações por parte da contratada ré e o consequente prejuízo financeiro aos autores.
Contudo, entendo que a cláusula que estabelece a perda total da quantia cobrada no contrato preliminar viola os princípios do equilíbrio contratual e da proporcionalidade.
Tratando-se de contrato preliminar de franquia empresarial cuja função é a de regular as relações obrigacionais durante a fase do investimento inicial na operação econômica, aplicando multas e restituições, de modo a assegurar a conclusão do contrato definitivo, vigora, da mesma forma, os princípios do equilíbrio contratual e da proporcionalidade.
Ainda que se trate de contrato preliminar de franquia, no caso, é inegavelmente um contrato de adesão, entendimento que se coaduna com o Recurso Especial 1.602.076/SP, considerando a imposição das cláusulas ao contratante pela contratada.
Daí porque o percentual de retenção estipulado, correspondente a 100%, ostenta, inequivocamente, a natureza de cláusula penal, o qual, à evidência, deve ser reduzido, equitativamente, nos moldes do artigo 413 do Código Civil, para 50%, percentual que se revela mais condizente com as circunstâncias do caso concreto, notadamente a natureza e finalidade do negócio, qual seja, contrato preliminar de franquia, bem como com o que rezam os princípios da razoabilidade e
pelo STJ, no Recurso Especial 1.447.247-SP, de relatoria do Min. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx.
Outrossim, a redução da cláusula penal é uma norma de ordem pública e pode ser conhecida de ofício, ante a sua relevância social decorrente dos escopos de preservação do equilíbrio material dos contratos e de repressão ao enriquecimento sem causa, razão pela qual inexiste violação ao princípio da adstrição.
Quanto ao montante pago pelos autores, há comprovantes de transferências bancárias à requerida: em 30.07.2021, valor de R$20.000,00 (Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx); em 20.09.2021, valor de R$23.000,00 (Neusa Serralvo); em 23.12.2021, valor de R$13.333,00 (Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx); em 26.01.2022, valor de R$13.333,00 (Ok Criativo Espaço Publicitário) e, em 18.04.2022, valor de R$8.000,00 (Xxxxxxxx), totalizando a quantia de R$54.666,33. Ausente, entretanto, esclarecimentos referentes às transferências bancárias realizadas por Xxxxx e Ok Criativo.
Em contrapartida, há mensagens trocadas entre as partes por meio de aplicativo celular, anexadas em defesa, nas quais a ré reporta cobrança de R$5.333,33 ao autor Xxxxxxxx (R$3.700,00 para pagamento até 31.08.2022), razão pela qual considero o contrato parcialmente adimplindo na quantia de R$37.666,67, de sorte que a redução equitativa deve dar sobre tal montante.
Quanto ao pedido de inclusão da presente demanda na circular de oferta da ré, embora se trate de documento dinâmico, entendo que não merece procedência.
Nos termos do art. 2º, inciso IV, da Lei 13.966/2019, somente deve constar no respectivo documento a indicação das ações judiciais relativas à franquia que questionem o sistema ou que possam comprometer a operação da franquia no país, o que não é o caso dos autos.
Da mesma forma, não merece procedência o pedido de expedição de ofício à Associação Brasileira de Franquias (ABF).
3. Dispositivo
Diante do exposto, com base no art. 40, da Lei nº. 9.099/95, xxxxx IMPROCEDENTE A AÇÃO movida por XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX e por
XXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX em desfavor da V4 COMPANY LTDA. De ofício,
R$18.833,33, corrigido monetariamente pelo IGPM a partir do dia 30.07.2021 e acrescido de juros simples de 1% ao mês a partir da citação, ocorrida em 19.10.2022.
Isenção ao pagamento de custas e honorários advocatícios, nos termos dos artigos 54 e 55, da Lei n. 9.099/95.
Xxxxxxx Xxxxx Lunardelli Xxxxx Xxxxx