SÚMULA N. 308
Súmula n. 308
SÚMULA N. 308
A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.
Referências:
CC/1916, art. 756.
CC/2002, art. 1.420.
Precedentes:
AgRg no Ag | 522.731-GO | (3ª T, 14.09.2004 – DJ 17.12.2004) |
AgRg no REsp | 505.407-GO | (3ª T, 05.08.2004 – DJ 04.10.2004) |
AgRg no REsp | 561.807-GO | (3ª T, 23.03.2004 – DJ 19.04.2004) |
EREsp | 187.940-SP | (2ª S, 22.09.2004 – DJ 29.11.2004) |
EREsp | 415.667-SP | (2ª S, 26.05.2004 – DJ 21.06.2004) |
REsp | 187.940-SP | (4ª T, 18.02.1999 – DJ 21.06.1999) |
REsp | 287.774-DF | (4ª T, 15.02.2001 – DJ 02.04.2001) |
REsp | 329.968-DF | (4ª T, 09.10.2001 – DJ 04.02.2002) |
REsp | 401.252-SP | (4ª T, 28.05.2002 – DJ 05.08.2002) |
REsp | 418.040-SC | (3ª T, 20.04.2004 – DJ 10.05.2004) |
REsp | 431.440-SP | (3ª T, 07.11.2002 – DJ 17.02.2003) |
REsp | 439.604-PR | (3ª T, 22.05.2003 – DJ 30.06.2003) |
REsp | 498.862-GO | (3ª T, 02.12.2003 – DJ 1º.03.2004) |
REsp | 514.993-GO | (4ª T, 25.11.2003 – DJ 14.06.2004) |
REsp | 557.369-GO | (4ª T, 07.10.2004 – DJ 08.11.2004) |
REsp | 651.125-RJ | (3ª T, 02.09.2004 – DJ 11.10.2004) |
Segunda Seção, em 30.03.2005 DJ 25.04.2005, x. 000
XXXXXX XXXXXXXXXX XX XXXXXX XX INSTRUMENTO N. 522.731-GO (2003/0086836-7)
Relator: Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito Agravante: Banco de Crédito Nacional S/A Advogados: Xxxxxxx xx Xxxxxxx e Xxxxxxxx
Xxxxxxx Xxxx de Avelar Agravado: Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Advogados: Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx
Micael Heber Mateus
EMENTA
Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Hipoteca.
Construtora. Agente financeiro. Precedentes.
1. A Segunda Seção desta Corte, no julgamento do EREsp
n. 415.667-SP, Relator o Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, DJ de 21.06.2004, consolidou o entendimento de que a garantia hipotecária firmada pela construtora com a instituição bancária não atinge o terceiro adquirente da unidade autônoma.
2. A alegada ausência de oportuno registro do instrumento de permuta não afasta o direito do terceiro adquirente, baseado na aquisição de boa-fé, conforme entendimento consolidado na Súmula
n. 84-STJ.
3. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Xxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx.
Brasília (DF), 14 de setembro de 2004 (data do julgamento).
Ministro Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, Presidente Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito, Relator
DJ 17.12.2004
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito: Banco de Crédito Nacional S.A. ingressa com agravo regimental inconformado porque neguei provimento ao agravo de instrumento em despacho assim fundamentado:
Vistos.
Banco de Crédito Nacional S.A. interpõe agravo de instrumento contra o despacho que não admitiu recurso especial assentado em contrariedade aos artigos 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, 82, 135, 145, 147, inciso II, 178, § 9º, inciso V, alínea b, 755 e 809 do Código Civil, além de dissídio jurisprudencial.
Insurge-se contra acórdão assim ementado:
Apelação. Falência. Sistema Financeiro Imobiliário. Adquirentes promitentes de unidades residenciais dadas em hipoteca mesmo sendo público que a incorporadora passava por enormes dificuldades financeiras. Ofensa aos princípios da boa-fé consagrados no C.D.C. Não prevalece diante de terceiro adquirente de boa-fé a hipoteca constituída pela incorporadora junto a instituição financeira porque a estrutura não só do Código de Defesa do Consumidor, como também, do próprio sistema habitacional, foi consolidada para respeitar o direito do consumidor. O fato de constar do registro a hipoteca da unidade edificada em favor do agente financiador da construtora não tem o efeito que se lhe procura atribuir, para atingir também o terceiro adquirente, pois que ninguém que tenha adquirido imóvel pelo SFH assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais dívida da construtora perante o seu financiador.
Apelo improvido (fls. 35-36).
Os embargos de declaração (fls. 234 a 237) foram rejeitados (fls. 238 a 246). Decido.
A irresignação não prospera.
Inicialmente, anote-se que descabe, nesta sede, a análise de violação a dispositivo constitucional.
Com relação à prescrição, já decidiu esta Corte que “a hipoteca e um direito real de garantia, mas a ação prescreve juntamente com a obrigação garantida, no caso, em vinte anos (artigo 177 do CC)” (REsp n. 30.027-RJ, Quarta Turma, Relator o Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, DJ de 06.03.1995).
O agravante insiste em que o instrumento de compra e venda firmado entre o terceiro adquirente e a construtora não pode prevalecer sobre a hipoteca, garantia de direito real.
Quanto à alegada ausência de oportuno registro do instrumento de compra e venda, não afasta o direito do terceiro adquirente, baseado na aquisição de boa- fé, conforme entendimento consolidado na Súmula n. 84-STJ.
No caso, o julgador de primeiro grau justificou a nulidade da hipoteca, ressaltando que a mesma foi registrada após a celebração da compra e venda. Para casos assim, o entendimento da Corte efetivamente é no sentido de afastar o gravame hipotecário. Vejamos:
Direito Imobiliário. Recurso especial. Ação de embargos de terceiro à execução. Construção e incorporação. Contrato de financiamento para a construção de imóvel (prédio com unidades autônomas). Outorga, pela construtora, de hipoteca sobre o imóvel ao agente financiador. Prévia celebração de compromisso de compra e venda com terceiro adquirente. Invalidade da hipoteca.
- É nula a hipoteca outorgada pela construtora ao agente financiador em data posterior à celebração da promessa de compra e venda com o promissário-comprador.
- Recurso especial a que não se conhece (REsp n. 409.076-SC, Terceira Turma, Relatora a Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, DJ de 09.12.2002).
Direito Civil. Xxxxxxxx constituída sobre imóvel já prometido à venda e quitado. Invalidade. Encol. Negligência da instituição financeira. Inobservância da situação do empreendimento. Precedente. Recurso desacolhido.
I - Os arts. 677 e 755 do Código Civil aplicam-se à hipoteca constituída validamente e não à que padece de um vício de existência que a macula de nulidade desde o nascedouro, precisamente a celebração anterior de um compromisso de compra e venda e o pagamento integral do preço do imóvel.
II - É negligente a instituição financeira que não observa a situação do empreendimento ao conceder financiamento hipotecário para edificar um prédio de apartamentos, principalmente se a hipoteca se deu dois meses antes da concessão do habite-se, quando já era razoável supor que o prédio estivesse concluído, não sendo igualmente razoável que a obra se tenha edificado nesse reduzido período de tempo.
III - É da jurisprudência desta Corte que, “ao celebrar o contrato de financiamento, facilmente poderia o banco inteirar-se das condições dos imóveis, necessariamente destinados à venda, já oferecidos ao público e, no caso, com preço total ou parcialmente pago pelos terceiros adquirentes de boa fé” (REsp n. 329.968-DF, Quarta Turma, Relator o Ministro Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx, DJ de 04.02.2002).
Compra e venda de bem imóvel assinada e paga antes do contrato de financiamento entre a construtora e o banco, mediante garantia hipotecária. Ausência de consentimento dos promitentes compradores. Cláusula que institui mandato para esse fim considerada abusiva, a teor do art. 51, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
1. Considerando o acórdão recorrido que o bem foi comprado e integralmente pago antes do contrato de financiamento com garantia hipotecária, que os adquirentes não autorizaram a constituição de tal gravame, que sequer o mandato foi exercido e, ainda, que é abusiva a cláusula que institui o mandato, a teor do art. 51, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, não existe afronta a nenhum dispositivo sobre a higidez da hipoteca, presente a peculiaridade do cenário descrito.
2. Recurso especial não conhecido (REsp n. 296.453-RS, Terceira Turma, de minha relatoria, DJ de 03.09.2001).
O tema, por sua vez, foi pacificado na Segunda Seção desta Corte, no julgamento do EREsp n. 415.667-SP, datado de 26.05.2004.
Vê-se, ademais, que incidente o Código de Defesa do Consumidor ao caso em tela, conforme os precedentes citados.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento. Intime-se (fls. 305 a 307).
Alega o agravante que:
(...) cumpre salientar a impossibilidade de aplicação das normas consumeristas ao caso em apreço posto inexistir vínculo entre agravante e agravado posto as partes estarem vinculadas a contratos distintos, não tendo em nenhum momento um adquirido qualquer produto ou serviço do outro sendo, pois, puramente civil a relação havida.
Outrossim, sendo direito real de garantia prevista em contrato de compra e venda que vincula adquirente e construtora, o prazo prescricional para a revisão de ditas cláusulas e aquele previsto no artigo 000, § 0, X, x do Código Civil então vigente, ou seja, de 04 (quatro) anos.
Note-se que em nenhum momento se pode falar que houve a má-fé quer da construtora quer do agente financeiro, ainda que a hipoteca tenha sido inscrita
em momento posterior, posto o contrato que vincula comprador e incorporadora prever que tal procedimento seria realizado, ou seja, de que haveria a incidência de gravam e sobre o imóvel pretensamente adquirido razão pela qual merece reforma a r. decisão de fls.
O gravame é lícito posto previsto no contrato celebrado entre construtora e comprador e havendo intento no sentido de anular o mesmo o prazo prescricional deve ser aquele exposto no artigo 000, § 0, X, x do Código Civil então vigente sob pena de violação ao disposto no artigo 5, incisos II, XXXV, XXXVI e LIV da Constituição Federal. O contrato celebrado entre o agravante e a construtora é um ato jurídico perfeito, posto que preenchidos todos os requisitos legais o que se afirma, ainda, no que se refere ao contrato que vincula construtora e comprador restando, pois, malferido o disposto no artigo 6 da LICC sendo que ao assim proceder resta, ainda, malferido o princípio da segurança jurídica vez, ainda que a agravante tenha adotado todos os requisitos insertos em lei na celebração do contrato, está sendo negado vigência ao mesmo.
Outrossim, não há que se falar em aplicação do disposto na Súmula n. 84-STJ vez que tem entendimento diametralmente divergente daquele cristalizado na Súmula n. 621-STF:
Súmula n. 621-STF – “Não enseja embargos de terceiro a penhora a promessa de compra e venda não inscrita no registro de imóveis” (fls. 310- 311).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito (Relator): O inconformismo não merece prosperar.
Tratam os autos de ação ordinária para suspender hipoteca constituída sobre imóveis adquiridos pelo agravado junto à Encol S.A. A ação foi julgada procedente, desconstituindo-se a hipoteca dada pela construtora à instituição bancária, ora agravante.
O recorrente insiste em que o instrumento de compra e venda firmado entre o terceiro adquirente e a construtora não pode prevalecer sobre a hipoteca, garantia de direito real.
A Segunda Seção desta Corte, no julgamento do EREsp n. 415.667-SP, Relator o Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, DJ de 21.06.2004, consolidou o entendimento de que a garantia hipotecária firmada pela construtora com a instituição bancária
não atinge o terceiro adquirente da unidade autônoma. Confira-se a ementa do mencionado julgado:
Embargos de divergência. Promessa de compra e venda de imóvel. Recursos do Sistema Financeiro da Habitação. Hipoteca instituída pela construtora junto ao agente financeiro. Divergência superada. Arestos paradigmas. Bases fáticas diversas.
Pacificou-se na Segunda Seção não prevalecer, em relação aos compradores, a hipoteca instituída pela construtora ou incorporadora de imóvel junto ao agente financeiro, no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação. Destarte, o adquirente da unidade habitacional responde, tão-somente, pelo pagamento do seu débito.
Embargos de divergência rejeitados (EREsp n. 415.667-SP, Segunda Seção, Relator o Ministro Xxxxxx Xxxxx, DJ de 21.06.2004).
Sobre o tema, trago mais as seguintes ementas:
Embargos de terceiros. Promessa de compra e venda. Falta de registro.
Hipoteca. Cédula de crédito comercial.
A falta de registro do contrato de promessa de compra e venda de unidades residenciais integrantes de empreendimento imobiliário não impede a defesa da posse por embargos de terceiros, oferecidos pelos promissários compradores contra a execução hipotecária promovida pelo banco credor de cédula de crédito comercial emitida por empresa integrante do mesmo grupo da construtora dos apartamentos, figurando esta como garantidora do financiamento. Ao celebrar o contrato de financiamento, facilmente poderia o banco inteirar-se das condições dos imóveis, necessariamente destinados à venda, já oferecidos ao público e, no caso, com preço total ou parcialmente pago pelos terceiros adquirentes de boa fé (REsp n. 287.774-DF, Quarta Turma, Relator o Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, DJ de 02.04.2001).
Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Hipoteca. Construtora.
Agente financeiro. Precedentes.
1. A hipoteca foi firmada apenas entre a construtora e o agente financeiro e somente registrada bem após a celebração da compra e venda, quando o prédio já estava praticamente pronto e com o condomínio firmado. Nessa hipótese, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.
2. Agravo regimental desprovido (AgRgAg n. 449.743-GO, Terceira Turma, de minha relatoria, DJ de 25.08.2003).
Direito Imobiliário. Recurso especial. Ação de embargos de terceiro à execução. Construção e incorporação. Contrato de financiamento para a construção de imóvel (prédio com unidades autônomas). Outorga, pela construtora, de hipoteca
sobre o imóvel ao agente financiador. Prévia celebração de compromisso de compra e venda com terceiro adquirente. Invalidade da hipoteca.
- É nula a hipoteca outorgada pela construtora ao agente financiador em data posterior à celebração da promessa de compra e venda com o promissário- comprador.
- Recurso especial a que não se conhece (REsp n. 409.076-SC, Terceira Turma, Relatora a Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, DJ de 09.12.2002).
Direito Civil. Xxxxxxxx constituída sobre imóvel já prometido à venda e quitado. Invalidade. Encol. Negligência da instituição financeira. Inobservância da situação do empreendimento. Precedente. Recurso desacolhido.
I - Os arts. 677 e 755 do Código Civil aplicam-se à hipoteca constituída validamente e não à que padece de um vício de existência que a macula de nulidade desde o nascedouro, precisamente a celebração anterior de um compromisso de compra e venda e o pagamento integral do preço do imóvel.
II - É negligente a instituição financeira que não observa a situação do empreendimento ao conceder financiamento hipotecário para edificar um prédio de apartamentos, principalmente se a hipoteca se deu dois meses antes da concessão do habite-se, quando já era razoável supor que o prédio estivesse concluído, não sendo igualmente razoável que a obra se tenha edificado nesse reduzido período de tempo.
III - É da jurisprudência desta Corte que, “ao celebrar o contrato de financiamento, facilmente poderia o banco inteirar-se das condições dos imóveis, necessariamente destinados à venda, já oferecidos ao público e, no caso, com preço total ou parcialmente pago pelos terceiros adquirentes de boa fé” (REsp n. 329.968-DF, Quarta Turma, Relator o Ministro Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx, DJ de 04.02.2002).
Compra e venda de bem imóvel assinada e paga antes do contrato de financiamento entre a construtora e o banco, mediante garantia hipotecária. Ausência de consentimento dos promitentes compradores. Cláusula que institui mandato para esse fim considerada abusiva, a teor do art. 51, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
1. Considerando o acórdão recorrido que o bem foi comprado e integralmente pago antes do contrato de financiamento com garantia hipotecária, que os adquirentes não autorizaram a constituição de tal gravame, que sequer o mandato foi exercido e, ainda, que é abusiva a cláusula que institui o mandato, a teor do art. 51, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, não existe afronta a nenhum dispositivo sobre a higidez da hipoteca, presente a peculiaridade do cenário descrito.
2. Recurso especial não conhecido (REsp n. 296.453-RS, Terceira Turma, de minha relatoria, DJ de 03.09.2001).
A alegada ausência de oportuno registro do instrumento de permuta não afasta o direito do terceiro adquirente, baseado na aquisição de boa-fé, conforme entendimento consolidado na Súmula n. 84-STJ.
Por fim, a alegação de prescrição também não prospera. Inaplicável ao caso o artigo 178, § 9º, V, b, do Código Civil, pois, como bem disposto no acórdão recorrido, a ação em questão visa a declaração judicial de insubsistência da hipoteca sobre imóveis do autor e não a discussão de contrato de financiamento. Ademais, já se posicionou a Corte no sentido de que “a hipoteca é um direito real de garantia, mas a ação prescreve juntamente com a obrigação garantida, no caso, em vinte anos (artigo 177 do CC) (REsp n. 30.027-RJ, Quarta Turma, Relator o Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, DJ de 06.03.1995)” (fl. 306).
Nego provimento ao agravo regimental.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 505.407-GO (2003/0010121-1)
Relator: Ministro Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx: Banco Itaú S/A
Advogados: Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx e outros Agravado: Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxx e outro Advogado: Xxxxxxx Xxxxxxxxx do Xxxxxx Xxxx e outro
EMENTA
Processual Civil e Civil. Recurso especial. Agravo regimental. Hipoteca. Cancelamento. Construtora. Agente financeiro. Terceiro adquirente.
I - A hipoteca instituída pela construtora ao agente financiador, que recai sobre unidade de apartamentos, é ineficaz perante os
promissários-compradores, a partir de quando celebrada a promessa de compra e venda.
II - Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental.
Os Srs. Ministros Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito e Xxxxxx Xxxxx votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, ocasionalmente, a Sra. Ministra Xxxxx Xxxxxxxx. Brasília (DF), 05 de agosto de 2004 (data do julgamento). Ministro Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, Presidente e Relator
DJ 04.10.2004
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx: Às fls. 701-704, neguei seguimento ao recurso especial do Banco Itaú S/A por estar o acórdão recorrido em harmonia com a jurisprudência desta Corte, incidindo à espécie o disposto no Súmula n. 83-STJ.
Inconformada, a instituição financeira interpõe o presente agravo regimental, reeditando as argumentações lançadas no curso do processo e sustentando, em suma, verbis:
Prestigiar o pedido de cancelamento da hipoteca, devidamente registrada, com base em promessa de compra e venda não registrada, com rompimento do sistema legal de registro para atender a certas condições, em detrimento de disposição legal, será enfraquecer a estabilidade, confiabilidade e segurança dos negócios. Será por isso contrariar a tradição do nosso direito nesse aspecto e também contribuir para que o povo continue cada vez mais desinformado dos seus direitos, pois, aquele envolvido num negócio dessa espécie passará a não sofrer qualquer conseqüência pela sua inércia, pela ausência de cautelas que de rigor devem ser tomadas. (fls. 719-720).
Xxxxx, ainda, que o agravado, ao prometer comprar o imóvel, já sabia que o bem encontrava-se hipotecado a favor do agravante.
Requer a reconsideração da decisão. É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx (Relator): A irresignação não merece prosperar. Tal como explicitado na decisão agravada, o acórdão recorrido decidiu em consonância com a jurisprudência dominante desta Corte, no sentido de que a hipoteca firmada em favor do banco agravante é ineficaz perante o promissário comprador, ora agravado, que somente é responsável pelo pagamento da dívida relativa ao imóvel que adquiriu, não podendo sofrer constrição patrimonial em razão do inadimplemento da empresa construtora perante o banco financiador do empreendimento, na medida em que, após celebrada a promessa de compra e venda, a garantia passa a incidir sobre os direitos decorrentes do respectivo contrato individualizado, nos termos do art. 22 da Lei n. 4.864/1965.
Confira-se, nesse sentido, as razões alinhadas pelo Sr. Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, quando do julgamento do REsp n. 187.940-SP (DJ de 21.06.1999):
A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imóvel garante a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade da devedora; havendo transferência, por escritura pública de compra e venda ou de promessa de compra e venda, o crédito da sociedade de crédito imobiliário passa a incidir sobre “os direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado” (art. 22 da Lei n. 4.864/1965), sendo ineficaz em relação ao terceiro adquirente a garantia hipotecária instituída pela construtora em favor do agente imobiliário que financiou o projeto. Assim foi estruturado o sistema e assim deve ser aplicado, especialmente para respeitar os interesses do terceiro adquirente de boa fé, que cumpriu com todos os seus compromissos e não pode perder o bem que lisamente comprou e pagou em favor da instituição que, tendo financiado o projeto de construção, foi negligente na defesa do seu crédito perante a sua devedora, deixando de usar dos instrumentos próprios e adequados previstos na legislação específica desse negócio.
As regras gerais sobre a hipoteca não se aplicam no caso de edificações financiadas por agentes imobiliários integrantes do Sistema Financeiro da Habitação, porquanto estes sabem que as unidades a serem construídas serão alienadas a terceiros, que responderão apenas pela dívida que assumiram com o
seu negócio, e não pela eventual inadimplência da construtora. O mecanismo de defesa do financiador será o recebimento do que for devido pelo adquirente final, mas não a excussão da hipoteca, que não está permitida pelo sistema.
(...)
3. Ainda que não houvesse regra específica traçando esse modelo, não poderia ser diferente a solução. O princípio da boa fé objetiva impõe ao financiador de edificação de unidades destinadas à venda aprecatar-se para receber o seu crédito da sua devedora ou sobre os pagamentos a ela efetuados pelos terceiros adquirentes. O que se não lhe permite é assumir a cômoda posição de negligência na defesa dos seus interesses, sabendo que os imóveis estão sendo negociados e pagos por terceiros, sem tomar nenhuma medida capaz de satisfazer os seus interesses, para que tais pagamentos lhe sejam feitos e de impedir que o terceiro sofra a perda das prestações e do imóvel. O fato de constar do registro a hipoteca da unidade edificada em favor do agente financiador da construtora não tem o efeito que se lhe procura atribuir, para atingir também o terceiro adquirente, pois que ninguém que tenha adquirido imóvel neste país, financiado pelo SFH, assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a dívida da construtora perante o seu financiador. Isso seria contra a natureza da coisa, colocando os milhares de adquirentes de imóveis, cujos projetos foram financiados pelo sistema, em situação absolutamente desfavorável, situação essa que a própria lei tratou claramente de eliminar. Além disso, consagraria abuso de direito em favor do financiador que deixa de lado os mecanismos que a lei lhe alcançou, para instituir sobre o imóvel - que possivelmente nem existia ao tempo do seu contrato, e que estava destinado a ser transferido a terceiro, - uma garantia hipotecária pela dívida da sua devedora, mas que produziria necessariamente efeitos sobre o terceiro.
Posto isso, permanecendo íntegros os fundamentos da decisão agravada, nego provimento ao agravo regimental.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 561.807-GO (2003/0129042-4)
Relatora: Ministra Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx: Banco Itaú S/A Advogados: Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx e outros
Agravado: Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx Advogado: Railda Costa Rufo e outros
EMENTA
Direito Processual Civil. Agravo no recurso especial. Impugnação específica. Inépcia. Prequestionamento. Ausência. Hipoteca. Nulidade.
- É inepta a petição de agravo que não impugna, especificamente, os fundamentos da decisão agravada.
- O prequestionamento dos dispositivos legais tidos como violados constitui requisito de admissibilidade do recurso especial.
- É nula a hipoteca outorgada pela construtora à instituição financeira após a celebração da promessa de compra e venda com o promissário- comprador. Precedentes.
Recurso não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito.
Brasília (DF), 23 de março de 2004 (data do julgamento). Ministro Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, Presidente
Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, Relatora
DJ 19.04.2004
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Xxxxx Xxxxxxxx: Cuida-se do agravo, interposto por Banco Itaú S/A, contra decisão unipessoal que negou seguimento ao recurso especial, a qual restou assim ementada:
Direito Processual Civil. Recurso especial. Embargos de declaração. Ausência de omissão, contradição ou obscuridade. Prequestionamento. Ausência. Hipoteca. Nulidade.
- Os embargos de declaração são corretamente rejeitados quando o acórdão recorrido aprecia os temas argüidos pelas partes, não havendo omissão, contradição ou obscuridade a ser sanada.
- O prequestionamento dos dispositivos legais tidos como violados constitui requisito de admissibilidade do recurso especial.
- É nula a hipoteca outorgada pela construtora à instituição financeira após a celebração da promessa de compra e venda com o promissário-comprador. Precedentes.
Recurso especial ao qual é negado seguimento. (fl. 72).
Nas razões do presente agravo refuta a incidência da Súmula n. 211 do STJ, além de aduzir que “a hipoteca que favorece o Banco-agravante existe e está em plena vigência, não possuindo os agravados o direito de ação para compeli-lo a exonerar o gravame” (sic - fl. 643).
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Xxxxx Xxxxxxxx (Relatora): A decisão agravada foi assim fundamentada:
I - Da ausência de omissão
Com relação à alegada ofensa ao art. 535 do CPC, verifica-se que o TJGO esclareceu as questões argüidas, portanto, os embargos de declaração foram corretamente rejeitados. A adoção de tese diversa da pretendida pela parte não possibilita, por si só, sua interposição e mesmo quando objetivam obter o prequestionamento da matéria, os embargos de declaração devem levantar alguma das hipóteses previstas no art. 535 do CPC, o que não ocorreu na espécie.
II - Do prequestionamento
No tocante aos dispositivos de lei tidos como violados (arts. 677, 755, 848, 849, 850, do CC/1916, e 5º e 20 do Dec.-Lei n. 58/1937), verifica-se que, a despeito da interposição de embargos de declaração, não restaram apreciados pelo TJGO de modo a evidenciar o prequestionamento, que consiste em requisito de
admissibilidade do recurso especial. Dessarte, incide na espécie a Súmula n. 211 do STJ.
Ressalte-se, ademais, que o julgador não é obrigado a se pronunciar acerca de todas as questões suscitadas pelas partes, mas sim sobre aquelas pertinentes e fundamentais ao deslinde da controvérsia.
III - Da alegada violação aos arts. 811 do CC/1916, e 23, § 4º, da Lei n. 4.864/1965 e do dissenso pretoriano
É pacífico, neste STJ, o entendimento que declara a nulidade da hipoteca outorgada (pela construtora à instituição financeira) após a celebração da promessa de compra e venda com o promissário-comprador.
Cite-se, a respeito os seguintes precedentes: Recurso Especial n. 78.459-RJ, Rel. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, Quarta Turma, DJ 20.05.1996, Recurso Especial
n. 146.659-MG, Rel. Min. Xxxxx Xxxxx Xxxxx, Quarta Turma, DJ 05.06.2000, Recurso Especial n. 287.774-DF, Rel. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, Quarta Turma, DJ 02.04.2001, Recurso Especial n. 296.453-RS, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito, Terceira Turma, DJ 03.09.2001, Recurso Especial n. 329.968-DF, Rel. Min. Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx, Quarta Turma, DJ 04.02.2002 e Recurso Especial n. 334.829-DF, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxx, Terceira Turma, DJ 04.02.2002.
Esse entendimento está calcado na compreensão de que a hipoteca só poderá ser ofertada por aquele que possui o direito de alienar o bem (art. 756 do CC/1916, correspondente ao art. 1.420, caput, do CC/2002). Celebrado o compromisso de compra e venda entre a construtora e o adquirente, não mais possui aquela o poder de dispor do imóvel; em conseqüência, não mais poderá gravá-lo com hipoteca.
Os precedentes acima citados consideram, ademais, que fere a boa-fé objetiva da relação contratual a atitude da construtora que primeiro celebra o compromisso de compra e venda de imóvel com o promissário-comprador, e depois onera-o com hipoteca em favor de terceiro (agente financeiro).
Por fim, ressalta em seu voto (Recurso Especial n. 296.453-RS) o Min. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito ser nula, por abusiva (art. 51, VIII, do CDC), a cláusula- mandato inserida no instrumento de compromisso de compra e venda, segundo a qual o promissário-comprador autoriza a construtora (promitente-vendedor) a instituir, em favor de terceiro (agente financeiro), hipoteca sobre o imóvel.
Assim sendo, o acórdão guerreado decidiu em consonância com a jurisprudência dominante do STJ ao afirmar que a hipoteca firmada em favor do banco-recorrente é ineficaz perante a promissária-compradora, ora recorrida. Por esse motivo, é de se aplicar a Súmula n. 83-STJ.
(fl. 632-634).
Analisando-se o recurso interposto, verifica-se que o Agravante não trouxe qualquer argumento capaz de ilidir os fundamentos da decisão agravada.
Cumpre destacar, no que concerne ao fundamento da ausência de omissão do acórdão recorrido, que tal premissa não foi impugnada pelo Agravante, o que impede o conhecimento do presente agravo quanto ao ponto, incidindo, na espécie, a Súmula n. 182 do STJ.
No que respeita à incidência da Súmula n. 211 do STJ, saliente-se que o Agravante não demonstrou o prequestionamento expresso dos arts. 677, 755, 848, 849, 850, do CC/1916, e 5º e 20 do Dec.-Lei n. 58/1937, tidos por violados, o que impõe a manutenção de referido óbice.
Quanto à questão de fundo, a decisão agravada decidiu, nos termos da preclara jurisprudência deste STJ, no sentido de que há de ser declarada a nulidade da hipoteca outorgada (pela construtora à instituição financeira) após a celebração da promessa de compra e venda com o promissário-comprador (REsp’s n. 78.459-RJ, Rel. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, DJ 20.05.1996, n. 146.659-MG, Rel. Min. Xxxxx Xxxxx Xxxxx, DJ 05.06.2000, n. 287.774-DF,
Rel. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, DJ 02.04.2001, n. 296.453-RS, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito, DJ 03.09.2001, n. 329.968-DF, Rel. Min. Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx, DJ 04.02.2002, e n. 334.829-DF, de minha relatoria, DJ 04.02.2002).
E também já ficou assentado neste STJ o entendimento de que é nula, porquanto abusiva, a cláusula mandato inserida no instrumento de compromisso de compra e venda, segundo a qual o promissário-comprador autoriza a construtora (promitente-vendedor) a instituir, em favor de terceiro (agente financeiro), hipoteca sobre o imóvel (REsp n. 296.453-RS, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, DJ 03.09.2001).
Assim sendo, não merece prosperar a irresignação do agravante, visto que o acórdão impugnado decidiu em consonância com a jurisprudência dominante deste STJ ao afirmar que a hipoteca firmada em favor do banco-agravante é ineficaz perante a pormissária-compradora, ora agravada.
Forte em tais razões, conheço parcialmente do presente agravo e, nessa parte,
nego-lhe provimento.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 187.940-SP (99.0112311-9)
Relator: Ministro Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx: Xxxxxx X/A Crédito Imobiliário Advogado: Xxxxx Xxxx Xxxxx Xxxxx e outros Embargado: Xxxx Xxxxx e cônjuge Advogado: Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx e outros
EMENTA
Sistema Financeiro de Habitação. Imóveis alienados. Hipoteca pela construtora. Promissário comprador de unidade habitacional. Garantia que não o alcança.
I - O promissário comprador de unidade habitacional pelo
S.F.H. somente é responsável pelo pagamento integral da dívida relativa ao imóvel que adquiriu, não podendo sofrer constrição patrimonial em razão do inadimplemento da empresa construtora perante o financiador do empreendimento, posto que, após celebrada a promessa de compra e venda, a garantia passa a incidir sobre os direitos decorrentes do respectivo contrato individualizado, nos termos do art. 22 da Lei n. 4.864/1965. Precedentes.
II - Embargos de divergência conhecidos, mas rejeitados.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer dos embargos de divergência, mas os rejeitar, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxx Xxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxx votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Ministros Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx x Xxxxxx Xxxxx.
Brasília (DF), 22 de setembro de 2004 (data do julgamento). Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito, Presidente Ministro Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, Relator
DJ 29.11.2004
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx: Xxxxxx X/A Crédito Imobiliário opôs embargos de divergência a acórdão proferido pela egrégia 4ª Turma, assim ementado:
Sistema Financeiro da Habitação. Casa própria. Execução. Hipoteca em favor do financiador da construtora. Terceiro promissário comprador. Embargos de terceiro.
- Procedem os embargos de terceiros opostos pelos promissários compradores de unidade residencial de edifício financiado, contra a penhora efetivada no processo de execução hipotecária promovida pela instituição de crédito imobiliário que financiou a construtora.
- O direito de crédito de quem financiou a construção das unidades destinadas à venda pode ser exercido amplamente contra a devedora, mas contra os terceiros adquirentes fica limitado a receber deles o pagamento das suas prestações, pois os adquirentes da casa própria não assumem a responsabilidade de pagar duas dívidas, a própria, pelo valor real do imóvel, e a da construtora do prédio.
Recurso conhecido e provido. (fls. 759).
Citou como paradigma aresto da 3ª Turma, que traz a seguinte ementa:
Agravo de instrumento. Agravo regimental. Contrato de mútuo e hipoteca.
Compromisso de compra e venda. Embargos de terceiros.
I - Se a credora hipotecária não participou da avença, nem liberou os agravantes do vínculo hipotecário, sendo este real e não pessoal, qualquer negócio entre a Incorporadora e os promitentes compradores é inoponível à ora agravada e exeqüente que, titular do direito de seqüela, pode exercer o seu direito de excutir o bem objeto da hipoteca para pagamento do seu crédito.
II - O contrato de mútuo e hipoteca previa a transferência do referido débito hipotecário proporcionalmente ao adquirentes das unidades imobiliárias bem como, a responsabilidade da construtora pela liquidação do débito. Sendo esta disposição, tinham conhecimento do risco do negócio.
III - Agravo Regimental improvido. (fls. 792).
Os embargos foram admitidos “para discussão” pelo eminente Ministro Nilson Naves (fls. 825).
Impugnados, foram os autos remetidos ao Ministério Público Federal e, dado o lapso de tempo transcorrido, requisitados pelo Presidente desta Corte (fls. 864), retornando sem parecer.
Várias petições foram atravessadas pelos embargados pedindo a improcedência dos embargos, expedição de carta de sentença e a declaração de perempção da hipoteca com fundamento no art. 238 da Lei n. 6.015/1973,
c.c. o art. 817 do Código Civil anterior (art. 1.485 do atual), tendo em vista já ter decorrido o prazo de 30 anos, desde a data do contrato de hipoteca, sem renovação na forma da lei.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx (Relator): Preliminarmente, afasto a alegação de inadmissibilidade dos embargos de divergência por ter sido o aresto paradigma proferido em agravo regimental.
A matéria já foi decidida pela Corte Especial deste Tribunal no sentido de ser cabível o referido apelo contra acórdão proferido em agravo regimental quando decidida a questão de fundo da súplica.
Veja-se a ementa desse julgado:
Embargos de divergência contra acórdão em agravo regimental em recurso especial. Cabimento.
Depois da modificação sofrida no artigo 557 do Código de Processo Civil, em que se permitiu ao Relator decidir monocraticamente o recurso especial, é de se dar temperamento ao Verbete n. 599-STF. Tendo sido julgado o recurso especial por decisão isolada do Relator e, dessa decisão, havido agravo regimental, esse acórdão é suscetível de ser atacado via embargos de divergência.
Agravo provido, por maioria de votos, a fim de que, superada a preliminar, o Relator dos embargos prossiga no exame de sua admissibilidade. (AEREsp n. 172.821-SP, Rel. p/ acórdão Ministro Xxxxx Xxxxx Xxxxx, Julgado em 18.08.2001, DJ de 17.03.2003).
No mérito, cuida-se de embargos de terceiros opostos por Xxxx Xxxxx e cônjuge contra penhora do apartamento 42, no Edifício Ouroverde, Xxxxxxx
Xxxxx, 000, Xxx Xxxxx-XX, nos autos da ação de execução movida pela Delfim S/A Crédito Imobiliário, ora embargante, contra a Unimov - Empreendimentos e Construções S/A, por força de inadimplemento do Contrato de mútuo em dinheiro com Pacto Adjeto de Hipoteca.
Entendeu o acórdão embargado que o direito de crédito de quem financiou a construção das unidades destinadas à venda fica limitada a receber de terceiros adquirentes apenas o pagamento das suas prestações, não assumindo os compradores de sua casa própria a responsabilidade de pagar duas dívidas, a própria e a da construtora do prédio.
O aresto citado como paradigma entende que se a credora hipotecária não participou da avença, qualquer negócio entre a incorporadora e os promitentes compradores, pode ela exercer o seu direito de excutir o bem objeto da hipoteca para pagamento do seu crédito.
Conheço, pois, dos embargos, ante a divergência ocorrida.
Conforme se verifica dos autos, os ora embargados não firmaram o contrato que instruiu a hipoteca em execução. Não podem, pois, responder com o seu imóvel residencial pela dívida assumida pela construtora. A garantia hipotecária por ela concedida para a construção de imóveis não atinge o terceiro adquirente.
Com razão o eminente relator do recurso especial, que deu origem aos presentes embargos, ao assim afirmar:
A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imóvel garante a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade da devedora; havendo transferência, por escritura pública de compra e venda ou de promessa de compra e venda, o crédito da sociedade de crédito imobiliário passa a incidir sobre “os direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado” (art. 22 da Lei n. 4.864/1965), sendo ineficaz em relação ao terceiro adquirente a garantia hipotecária instituída pela construtora em favor do agente imobiliário que financiou o projeto. Assim foi estruturado o sistema e assim deve ser aplicado, especialmente para respeitar os interesses do terceiro adquirente de boa fé, que cumpriu com todos os seus compromissos e não pode perder o bem que lisamente comprou e pagou em favor da instituição que, tendo financiado o projeto de construção, foi negligente na defesa do seu crédito perante a sua devedora, deixando de usar dos instrumentos próprios e adequados previstos na legislação específica desse negócio. (fls. 744).
Esse entendimento não é isolado. A mesma Turma, acolhendo o voto proferido pelo eminente Ministro Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx, decidiu:
(...)
O promissário comprador de unidade habitacional pelo S.F.H. somente é responsável pelo pagamento integral da dívida relativa ao imóvel que adquiriu, não podendo sofrer constrição patrimonial em razão do inadimplemento da empresa construtora perante o financiador do empreendimento, posto que, após celebrada a promessa de compra e venda, a garantia passa a incidir sobre os direitos decorrentes do respectivo contrato individualizado, nos termos do art. 22 da Lei n. 4.864/1965.
(...)
No voto condutor do acórdão citado, assim afirmou o ilustre relator:
Com efeito, a assim não se entender, haveria, fatalmente, para a adquirente, um bis in idem, já que pagou a totalidade do débito alusivo à unidade autônoma e rateio proporcional das partes comuns perante a construtora, inclusive o fazendo em juízo, e teria de novamente fazê-lo, no todo ou parcialmente, para honrar a dívida da empresa inadimplente perante a instituição financiadora.
Ressalte-se que embora cientificada, no contrato de promessa de compra e venda, sobre a existência da hipoteca, a sua relação jurídica, induvidosamente, se fez com a construtora. Esta, sim, é que celebrou contrato, estabeleceu relação direta, a seu turno, com o financiador, em relação ao empréstimo obtido, de modo que caberia à associação credora exercer fiscalização adequada para obter, no curso da obra ou durante a tramitação da ação consignatória, no caso da embargante, o recebimento das parcelas do seu crédito, à medida em que elas vinham sendo pagas paulatinamente pelos múltiplos adquirentes das unidades habitacionais. Não o fez, todavia, daí a sua omissão negligência que não pode nem deve ser suportada por quem não lhe deu causa.
A egrégia Terceira Turma, mais recentemente, já teve oportunidade de apreciar o cabimento dos Embargos de Terceiro em caso como o destes autos. O acórdão desse julgado restou assim ementado:
Processo Civil e Direito Imobiliário. Recurso especial. Ação de embargos de terceiro à execução. Contrato de financiamento para a construção de imóvel (prédio com unidades autônomas). Outorga, pela construtora, de hipoteca sobre o imóvel ao agente financiador. Posterior celebração de compromisso de compra e venda com terceiros adquirentes. Ciência, pelos adquirentes, da hipoteca previamente constituída. Cabimento dos embargos de terceiro. Boa-fé.
- Não age de má-fé aquele que adquire em compromisso de compra e venda imóvel que sabe estar hipotecado em nome de outrem, porquanto a constituição de hipoteca não impede, por si só, o pacto de compra e venda do imóvel.
- Adquirido o bem hipotecado de quem efetivamente era proprietário, com o regular pagamento do preço, poderá o comprador opor embargos de terceiro.
- Confunde-se com o próprio mérito dos embargos de terceiro (e portanto não afasta o seu cabimento) a questão relativa à validade e/ou eficácia - perante o promissário-comprador - da hipoteca anteriormente constituída pela construtora em favor do agente financeiro.
Recurso especial a que se dá provimento. (REsp n. 462.469-PR, Rel. Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, DJ de 26.04.2004).
No citado acórdão, não se chegou a examinar a questão relativa à validade ou eficácia perante o agente financiador da hipoteca constituída pela construtora, por não ter sido, ainda, objeto de análise pelas instâncias ordinárias. Contudo, ali se entendeu que não age de má-fé aquele que adquire, do real proprietário, imóvel hipotecado, uma vez que “a constituição de hipoteca não impede, por si, a venda do imóvel.”
Inobstante a falta de análise da matéria ora cuidada, verifica-se que, in casu, a boa-fé dos adquirentes for reconhecida pelas instâncias ordinárias. Na sentença ficou assentado:
Ora, não se pode impingir aos adquirentes a responsabilidade por débito da construtora quando o Agente Financiador concorreu indiretamente com a sua ocorrência, em consequência de sua má administração, que resultou inclusive em sua liquidação, amplamente noticiada no país. (fls. 411-412).
No acórdão proferido na apelação afirmou o ilustre relator:
Portanto, a execução da mutuária, no caso, não pode prejudicar os direitos dos compradores, eis que não se houveram com culpa, sendo que o mesmo não se pode afirmar em relação à embargada. (fls. 511).
No caso dos autos, os ora embargados celebraram contrato tipicamente de adesão, apenas aceitando as cláusulas ali dispostas. Pagaram as prestações de sua casa própria, enquanto a construtora-mutuária deixava de cumprir o contrato firmado com a ora embargante, que se quedou inerte, como salientado pelo aresto embargado, até que o débito lhe permitisse a constrição sobre as unidades autônomas hipotecadas.
Os Professores Xxxxxx Xxxxx, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxx assim descrevem a relação negocial do construtor, agente financeiro e do adquirente de imóveis:
A relação jurídica que o construtor estabelece, primeiro com o agente financeiro que lhe empresta recursos para a construção do imóvel e, a seguir, com os adquirentes finais aos quais vende as unidades habitacionais é transitória - e assim sua presença no circuito negocial do SFH - porquanto satisfaz o construtor sua dívida com o agente financeiro ao ceder a este o crédito resultante da venda das unidades habitacionais, para cuja compra irão os adquirentes finais buscar financiamento junto ao mesmo agente financeiro.
Os adquirentes finais tomam empréstimo junto às sociedades de crédito imobiliário - que vencerá correção monetária e juros - para compra a prazo dos imóveis do construtor e este cede o crédito destas alienações à sociedade de crédito imobiliário, em quitação do empréstimo que com ela contraíra. (In A Atividade de Crédito Imobiliário e Poupança - alguns aspectos jurídicos, p. 13, 1994).
Não há, em casos como o dos autos, a liberdade de contratar, como salientou o Juízo de 1º grau, uma vez que os contratos para aquisição da casa própria pelo SFH é feito através de cláusulas pré-estabelecidas.
Competia ao ora embargante acautelar-se e tomar as medidas cabíveis quando a construtora deixou de adimplir com as obrigações que lhe cabia. Saliente-se que os ora embargados sequer tomaram conhecimento da inadimplência, uma vez que não foram sequer notificados. Com razão, ainda, o eminente relator do aresto vergastado, ao assim afirmar:
(...) O princípio da boa fé objetiva impõe ao financiador de edificação de unidades destinadas à venda aprecatar-se para receber o seu crédito da sua devedora ou sobre os pagamentos a ela efetuados pelos terceiros adquirentes. O que se não lhe permite é assumir a cômoda posição de negligência na defesa dos seus interesses, sabendo que os imóveis estão sendo negociados e pagos por terceiros, sem tomar nenhuma medida capaz de satisfazer os seus interesses, para que tais pagamentos lhe sejam feitos e de impedir que o terceiro sofra a perda das prestações e do imóvel. O fato de constar do registro a hipoteca da unidade edificada em favor do agente financiador da construtora não tem o efeito que se lhe procura atribuir, para atingir também o terceiro adquirente, pois que ninguém que tenha adquirido imóvel neste país, financiado pelo SFH, assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a dívida da construtora perante o seu financiador. Isso seria conta a natureza da coisa, colocando os milhares de adquirentes de imóveis, cujos projetos foram financiados pelo sistema, em situação absolutamente desfavorável, situação essa que a própria lei tratou claramente de eliminar. Além disso, consagraria abuso de direito em favor do financiador que deixa de lado os mecanismos que a lei lhe alcançou, para instituir sobre o imóvel - que possivelmente nem existia ao tempo do seu contrato, e que estava destinado a ser transferido a terceiro, - uma garantia hipotecária pela
dívida da sua devedora, mas que produziria necessariamente efeitos sobre o terceiro. (fls. 745-746).
Pelas razões aqui expostas em conclusão, conheço dos embargos de divergência, mas os rejeito.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 415.667-SP (2003/0172270-0)
Relator: Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx
Embargante: Banco do Estado de São Paulo S/A - Banespa Advogado: Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx e outros Embargado: Xxxxxxxx Xxxxxxxx e cônjuge
Advogado: Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx e outro
EMENTA
Embargos de divergência. Promessa de compra e venda de imóvel. Recursos do Sistema Financeiro da Habitação. Hipoteca instituída pela construtora junto ao agente financeiro. Divergência superada. Arestos paradigmas. Bases fáticas diversas.
Pacificou-se na Segunda Seção não prevalecer, em relação aos compradores, a hipoteca instituída pela construtora ou incorporadora de imóvel junto ao agente financeiro, no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação. Destarte, o adquirente da unidade habitacional responde, tão-somente, pelo pagamento do seu débito.
Embargos de divergência rejeitados.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Srs. Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e
das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer dos embargos e os rejeitar, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxx Xxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxxx Junior votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Xxxxx Xxxxxxxx. Brasília (DF), 26 de maio de 2004 (data do julgamento).
Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito, Presidente Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Relator
DJ 21.06.2004
RELATÓRIO
O Sr. Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx: Às fls. 409-210, admiti os embargos de divergência pelos fundamentos abaixo transcritos:
Banco do Estado de São Paulo S/A - Banespa interpõe embargos de divergência contra o acórdão de fls. 349-356, da Quarta Turma, relator Ministro Xxxxx Xxxxxxxxxx Junior, que, nos autos da ação de embargos de terceiro proposta por Xxxxxxxx Xxxxxxxx, confirmou o acórdão proferido pelo Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, pelos fundamentos assim resumidos em sua ementa:
Civil. Sistema Financeiro da Habitação. Hipoteca incidente sobre unidades autônomas. Pagamento integral do débito pelo promitente comprador. Construtora que não honrou seus compromissos perante o banco financiador do empreendimento. Execução. Penhora.
I. O adquirente de unidade habitacional pelo S.F.H. somente é responsável pelo pagamento integral da dívida relativa ao imóvel que adquiriu, não podendo sofrer constrição patrimonial em razão do inadimplemento da empresa construtora perante o banco financiador do empreendimento, posto que, após celebrada a promessa de compra e venda, a garantia passa a incidir sobre os direitos decorrentes do respectivo contrato individualizado, nos termos do art. 22 da Lei n. 4.864/1965.
II - Precedentes do STJ.
III - Recurso especial não conhecido.
Assevera a embargante discrepância de orientação com arestos da Terceira Turma, AGA n. 161.052-SP e AGA n. 174.130-SP, ambos relatados pelo Ministro
Xxxxxxxx Xxxxxxx, no qual restou consignado: “Se a credora hipotecária não participou da avença, nem liberou os agravantes do vínculo hipotecário, sendo este real e não pessoal, qualquer negócio entre a incorporadora e os promitentes compradores é inoponível à ora agravada e exeqüente que, titular do direito de seqüela, pode exercer o seu direito de excutir o bem objeto da hipoteca para pagamento do seu crédito”.
É o relatório.
Tendo em vista restar, em princípio, configurada a divergência, nos moldes do
§ 1º do artigo 266 do Regimento Interno desta Corte, admito os embargos.
Na forma do artigo 267 do RISTJ, dê-se vista ao embargado para impugnação. Intimem-se.
Xxxxxxxx Xxxxxxxx e sua esposa ofertaram a impugnação de fls. 412-459, na qual defendem a prevalência do acórdão embargado. Argumentam que adquiriram o imóvel da empresa Encol S/A Engenharia, por meio de promessa de compra e venda de unidade imobiliária em construção e quitaram totalmente o preço em 07 de março de 1995, estando na posse tranqüila do imóvel desde então. Afirmam que o Banco do Estado de São Paulo S/A está promovendo a execução da hipoteca contra a construtora.
Alegam que o edifício foi construído para ser vendido em condomínio, o que era do conhecimento do credor hipotecário e as prestações foram pagas diretamente à construtora que não as repassou como deveria, por motivos alheios ao conhecimento dos adquirentes, que cumpriram integralmente com suas obrigações.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx (Relator): No acórdão embargado, o eminente relator, Ministro Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx, citou precedentes da Quarta Turma desta Corte, nos quais restou consignado que a garantia hipotecária do financiamento concedido pelo SFH para a construção de imóveis não atinge o adquirente da unidade autônoma. No que interessa, assinalou o ilustre relator, verbis:
Com efeito, a assim não se entender, haveria, fatalmente, para os adquirentes, um bis in idem, já que pagaram a totalidade do débito alusivo à unidade autônoma e rateio proporcional das partes comuns perante a construtora, e teriam de
novamente fazê-lo, no todo ou parcialmente, para honrar a dívida da empresa inadimplente perante o banco credor.
Ressalte-se que embora cientificado, no contrato de promessa de compra e venda, sobre a cessão do crédito, a sua relação jurídica, induvidosamente, se fez com a construtora. Esta, sim, é que celebrou o contrato, estabeleceu relação direta, a seu turno, com o financiador, em relação ao empréstimo obtido, de modo que caberia ao banco credor exercer fiscalização adequada para obter, no curso da obra, o recebimento das parcelas do seu crédito, à medida em que elas vinham sendo pagas paulatinamente pelos múltiplos adquirentes das unidades habitacionais. Não o fez, todavia, daí a sua omissão, negligência, não pode nem deve ser suportada por quem não lhe deu causa. (fl. 352).
No paradigma dito divergente, a orientação acolhida pela Terceira Turma está assim estampada no voto do digno relator, Ministro Xxxxxxxx Xxxxxxx:
Se a credora hipotecária não participou da avença, nem liberou os agravantes do vínculo hipotecário, sendo este real e não pessoal, qualquer negócio entre a incorporadora e os promitentes compradores é inoponível à ora agravada e exeqüente que, titular do direito de seqüela, pode exercer o seu direito de excutir o bem objeto da hipoteca para pagamento do seu crédito.
Não prevalecem também as alegações de anuência tácita da embargada nem de que houve boa-fé dos promitentes compradores. Às fls. 495, o nobre sentenciante aduz nas suas razões de decidir que, em casos assemelhados como o que ora se cuida, o contrato de mútuo e hipoteca previa a transferência do referido débito hipotecário proporcionalmente aos adquirentes das unidades imobiliárias, bem como, a responsabilidade da construtora pela liquidação do débito. Anuindo esta disposição, tinham conhecimento do risco do negócio. (fl. 399).
Merece prevalecer o aresto embargado.
Em verdade, a controvérsia pacificou-se no âmbito da Segunda Seção desta Corte. Assim, no caso de a hipoteca ter sido instituída pela empresa construtora ao agente financeiro em data posterior à celebração do contrato de promessa de compra e venda, é pacífica a jurisprudência no sentido de sua nulidade (leio ineficácia) em relação ao promitente comprador (REsp n. 146.659-MG, relator Ministro Xxxxx Xxxxx Xxxxx, DJ de 05.06.2000 e n. 296.453-RS, relator Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito, DJ de 03.09.2001). Ao contrário, se o gravame foi constituído e registrado antes de firmado o compromisso de compra e venda, a validade da hipoteca está condicionada ao fato de os recursos serem próprios do agente financeiro, bem como da ciência do fato pelo adquirente.
Esta é a situação estampada no acórdão paradigma (AGA n. 161.052-SP, relator Ministro Xxxxxxxx Xxxxxxx, DJ de 07.12.1998), que, por isso, não guarda perfeita identidade com a hipótese discutida no acórdão embargado, que cuida de financiamento por meio do Sistema Financeiro da Habitação. Nestes casos, a Segunda Seção tem decidido pela ineficácia da hipoteca perante o adquirente da unidade habitacional.
Assim, nas hipóteses em que a hipoteca é instituída pelo vendedor do imóvel (normalmente a construtora e/ou incorporadora) em favor da instituição financeira, como forma de financiamento do próprio empreendimento imobiliário, havendo repasse de recursos do Sistema Financeiro da Habitação, prevalece o direito de propriedade do imóvel por parte do comprador que, perante a instituição financeira, só responde até o valor do seu débito.
A venda direta das unidades aos adquirentes e o contrato de financiamento entre a construtora e o banco são, aparentemente, duas relações jurídicas distintas, porque a mesma construtora que vendeu e recebeu o preço (ou está recebendo as prestações) dá o empreendimento ou suas unidades autônomas em hipoteca ao banco. Este, por sua vez, sabe que os imóveis são destinados à venda, mas a operação de empréstimo ocorre como se os adquirentes não existissem, e não raro, repassam os recursos do Sistema Financeiro da Habitação sem verificar a viabilidade econômica do empreendimento ou a solvência das empresas incorporadoras.
Por ocasião do julgamento do REsp n. 498.862-GO, a Terceira Turma, por unanimidade, acompanhou o voto condutor do eminente Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito, relator, no sentido de que: “De fato, deve a responsabilidade dos adquirentes ficar restrita ao pagamento do seu débito, admitida a penhora da unidade adquirida apenas na hipótese de execução por inadimplemento das suas próprias obrigações.” (DJ de 1º.03.2004).
É digna de nota a posição do Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, que, ao proferir voto no julgamento do REsp n. 187.940-SP (DJ de 21.06.1999), argumentou:
A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imóvel garante a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade da devedora; havendo transferência, por escritura pública de compra e venda ou de promessa de compra e venda, o crédito da sociedade de crédito imobiliário passa a incidir sobre “os direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado” (art. 22 da Lei n. 4.864/1965), sendo ineficaz em
relação ao terceiro adquirente a garantia hipotecária instituída pela construtora em favor do agente imobiliário que financiou o projeto. Assim foi estruturado o sistema e assim deve ser aplicado, especialmente para respeitar os interesses do terceiro adquirente de boa fé, que cumpriu com todos os seus compromissos e não pode perder o bem que lisamente comprou e pagou em favor da instituição que, tendo financiado o projeto de construção, foi negligente na defesa do seu crédito perante a sua devedora, deixando de usar dos instrumentos próprios e adequados previstos na legislação específica desse negócio.
As regras gerais sobre a hipoteca não se aplicam no caso de edificações financiadas por agentes imobiliários integrantes do Sistema Financeiro da Habitação, porquanto estes sabem que as unidades a serem construídas serão alienadas a terceiros, que responderão apenas pela dívida que assumiram com o seu negócio, e não pela eventual inadimplência da construtora. O mecanismo de defesa do financiador será o recebimento do que for devido pelo adquirente final, mas não a excussão da hipoteca, que não está permitida pelo sistema.
3. Ainda que não houvesse regra específica traçando esse modelo, não poderia ser diferente a solução. O princípio da boa fé objetiva impõe ao financiador de edificação de unidades destinadas à venda aprecatar-se para receber o seu crédito da sua devedora ou sobre os pagamentos a ela efetuados pelos terceiros adquirentes. O que se não lhe permite é assumir a cômoda posição de negligência na defesa dos seus interesses, sabendo que os imóveis estão sendo negociados e pagos por terceiros, sem tomar nenhuma medida capaz de satisfazer os seus interesses, para que tais pagamentos lhe sejam feitos e de impedir que o terceiro sofra a perda das prestações e do imóvel. O fato de constar do registro a hipoteca da unidade edificada em favor do agente financiador da construtora não tem o efeito que se lhe procura atribuir, para atingir também o terceiro adquirente, pois que ninguém que tenha adquirido imóvel neste país, financiado pelo SFH, assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a dívida da construtora perante o seu financiador. Isso seria contra a natureza da coisa, colocando os milhares de adquirentes de imóveis, cujos projetos foram financiados pelo sistema, em situação absolutamente desfavorável, situação essa que a própria lei tratou claramente de eliminar. Além disso, consagraria abuso de direito em favor do financiador que deixa de lado os mecanismos que a lei lhe alcançou, para instituir sobre o imóvel - que possivelmente nem existia ao tempo do seu contrato, e que estava destinado a ser transferido a terceiro, - uma garantia hipotecária pela dívida da sua devedora, mas que produziria necessariamente efeitos sobre o terceiro.
Em idêntico sentido: REsp n. 439.604-PR, relator Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito, DJ de 30.06.2003, REsp n. 431.440-SP, Relatora a Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, DJ de 17.02.2003, REsp n. 401.252-SP, Relator
o Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, DJ de 05.08.2002, REsp n. 547.763- GO, relator Ministro Xxx Xxxxxxxxxx, DJ de 11.11.2003, REsp n. 187.940-SP, Relator o Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, DJ de 21.06.1999.
Por conseguinte, feitas essas considerações, e sendo diversas as bases fáticas dos arestos confrontados, bem como restando superada a divergência no âmbito da Segunda Seção, os embargos não merecem acolhimento.
Ante o exposto, rejeito os embargos de divergência. É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 187.940-SP (98.0066202-2)
Relator: Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx Recorrente: Xxxx Xxxxx e cônjuge
Advogado: Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx e outros Recorrido: Xxxxxx X/A Crédito Imobiliário Advogado: Xxxxxxx Xxxxxxxxx e outros Sustentação oral: Xxxxxxx Xxxxxxxxx, pela recorrida
EMENTA
Sistema Financeiro da Habitação. Casa própria. Execução. Hipoteca em favor do financiador da construtora. Terceiro promissário comprador. Embargos de terceiro.
- Procedem os embargos de terceiros opostos pelos promissários compradores de unidade residencial de edifício financiado, contra a penhora efetivada no processo de execução hipotecária promovida pela instituição de crédito imobiliário que financiou a construtora.
- O direito de crédito de quem financiou a construção das unidades destinadas à venda pode ser exercido amplamente contra a devedora, mas contra os terceiros adquirentes fica limitado a receber deles o pagamento das suas prestações, pois os adquirentes da casa
própria não assumem a responsabilidade de pagar duas dívidas, a própria, pelo valor real do imóvel, e a da construtora do prédio.
Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Xxxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxx, Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx x Xxxxxx Xxxxxxxx. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Xxxxx Xxxxx Xxxxx.
Brasília (DF), 18 de fevereiro de 1999 (data do julgamento). Ministro Xxxxxx Xxxxxxxx, Presidente
Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, Relator
DJ 21.06.1999
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx: Xxxx Xxxxx e s/m opuseram embargos de terceiro à penhora realizada no processo de execução promovido por Delfin S/A - Crédito Imobiliário (em liquidação) contra a Unimov - Empreendimentos e Construções S/A, que recaiu sobre o apartamento n. 42 do Edifício Ouro Verde, situado na Xxxxxxx Xxxxx, x. 000, xx Xxx Xxxxx-XX, alegando que são promissários compradores e possuidores do imóvel desde 08 de outubro de 1973, conforme escritura pública inscrita no Registro de Imóveis, outorgada pela Construtora Marcovena S/A, antecessora da executada Unimov
- Empreendimentos e Construções S/A.
A sentença julgou procedentes os embargos de terceiro, declarando insubsistente a penhora.
A embargada apelou e a eg. Terceira Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, por votação majoritária, negou provimento ao recurso, extraindo-se do v. acórdão o seguinte passo:
(...) Todavia, no caso, não se pode falar em execução da unidade compromissada porque integra o edifício, cuja construção foi financiada e porque teriam os embargantes pago mal, pagando à “Unimov”.
Com efeito, examinando-se o contrato de mútuo e garantia hipotecária, de fls. 110-123, verifica-se que a financiadora instituiu como sua mandatária a Construtora Xxxxxxxxx S/A, que depois foi adquirida pela Unimov, que incorporou a obra, podendo compromissar as vendas e receber o preço das unidades para repasse em seguida.
É o que se vê das cláusulas 20 a 22, do contrato de financiamento, às fls. 118-119 dos autos, sendo certo que, no caso, em não tendo havido o repasse dos créditos pela mutuária à mutuante, os adquirentes por tal descumprimento não podem responder com suas unidades porque integrariam elas a garantia hipotecária.
Assim, face aos termos do contrato a mutuante, em verificando a inadimplência da mutuária e sabedora das vendas, deveria notificar os compromissários para que passassem a pagar seus débitos diretamente em seus escritórios. E não simplesmente aguardar os débitos se avolumarem para, escudando-se na garantia hipotecária, executar os adquirentes, que não foram inadimplentes, que cumpriram com seus compromissos e que se encontram na posse direta dos imóveis.
Portanto, a execução da mutuária, no caso, não pode prejudicar os direitos dos compradores, eis que não se houveram com culpa, sendo que o mesmo não se pode afirmar em relação à embargada.
Por tais motivos nega-se provimento ao recurso, mantendo a bem lançada sentença de primeiro grau. (fls. 510-511).
Opostos embargos de declaração, estes foram rejeitados.
A embargada Xxxxxx opôs embargos infringentes, com fundamento no d. voto vencido, tendo a eg. Terceira Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil acolhido o recurso em acórdão com a seguinte fundamentação, no que interessa:
“É de se notar que do compromisso de compra e venda realizado entre os embargados e a mutuária construtora, devidamente registrado, consta expressamente a existência do ônus da hipoteca sobre o imóvel transacionado (fl. 53). F., na certidão expedida pelo 13º Cartório de Registro de Imóveis, da Capital há também menção expressa dessa garantia real” (fl. 54).
Assim, valendo-se do direito real hipotecário que possui gravando o imóvel, a embargante na execução que move à mutuária construtora fez efetivar penhora sobre o mesmo.
O insígne Xxxxxx Xxxxxxxxx após analisar o instituto da hipoteca nos diversos sistemas jurídicos contemporâneos, passa a considerá-lo à luz do nosso direito, afirmando que adere à coisa gravada, seguindo-a por toda a parte, sendo exclusiva, provida de ação real, prevalecendo contra todos (Direito das Coisas - II Vol. - 5ª Ed. - p. 131 - Forense – S/D - Rio). Traz como conseqüência ao credor o denominado direito de seqüela.
O preclaro juiz prolator do voto vencido analisou a questão sub judice e com acerto e precisão dando-lhe o único enfoque possível, data venia dos votos vencedores, à luz do direito pátrio.
Já o eminente Xxxxxxxx definia a hipoteca como sendo direito real constituído em favor do credor sobre imóvel do devedor ou de terceiro, tendo por fim sujeitá- la, exclusivamente ao pagamento da dívida, sem todavia tirá-la da posse do dono (Direito das Coisas - 172 a 278).
O art. 810, I e II, do CC ao dispor que os imóveis e seus acessórios podem ser objeto de hipoteca, refere-se aqueles do art. 43, I e II, e do art. 61, III, do mesmo estatuto legal.
Este Sodalício por diversas vezes teve a oportunidade de apreciar casos semelhantes aos dos presentes autos, figurando em um dos pólos da ação a embargante, e a e. Xxxxxx Xxxxxx, tendo como relator o eminente juiz Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxx, na Apel. n. 506.906-1-SP, decidiu que:
Diante da publicidade do registro da hipoteca, inscrita em 05.01.1973 (fls. 109), não podiam os adquirentes, quer ignorá-la, quer pactuar como se não existisse ou o gravame fosse ônus de outrem (...) Inoponível, portanto, o direito possessório invocado, com base em direito de cessão de compromisso de compra e venda de imóvel, uma vez que é prevalente o regramento especial do direito hipotecário sobre a regra genérica do art.
1.046 do CPC: insuscetível de tutela a posse ou propriedade, a teor do art.
1.046 do CPC quando ao ingressar na posse do imóvel, já havia a publicidade do registro hipotecário anterior, por cuja ignorantia neminem excusat; o ingresso na posse e propriedade do apartamento pela embargante deu- se ciente, presumidamente, a adquirente, do débito hipotecário que eventualmente poderia ter executado, não pode a embargante beneficiar- se agora da própria negligência, quando da aquisição do imóvel, devendo assumir os riscos do negócio, pela forma e ousadia realizada.
Assevera o ilustre relator que a credora hipotecária é terceira quanto ao pactuado, alheia às obrigações que só vinculam os contratantes embargados e mutuária construtora, assumindo os primeiros os riscos da segunda não cumprir com o que prometeu, ou seja, assumir a responsabilidade pela liquidação do débito para com a mutuante embargante.
Mesmo que se conclua ter a embargante anuído tacitamente com a venda da unidade autônoma para os embargados, não está por tal motivo afastado o
ônus real que grava o imóvel, eis que não se insere nas hipóteses de sua extinção elencada no art. 849 e seus incisos do CC.
Xxxxxxx xx Xxxxxx X Xxxxxx, jurista espanhol em completo e profundo estudo sobre o direito hipotecário ensina que:
Como todo complejo normativo, el ordenamiento hipotecário se funda en una serie de princípios generales que dotan a sus normas de un sentido unitario. Tales princípios no son axiomas inconcusos, sino más bien creaciones técnicas, instrumentos idóneos para conseguir en la realidadd las finalidades específicas perseguidas por la institucionón registral: esta finalidad se legitima por consideraciones éticas y utilitarias, esto es, por la necesidad de proteger la buena fe y, en medida en que lo sirven eficazmente, lo legitiman también los princípios creados por la ténica jurídica para su logro, siempre que los mismos no lesionen otros intereses superiores de mayir rango. (lnstituciones de Derecho Hipotecaria - 1ª Ed. - p. 34 e segs. - Civitas - 1986 - Madrid).
Apesar das graves censuras e objeções que juristas de renome fazem ao indigitado instituto, tendo alguns afirmado que se trata de instituto repugnante à ética, está inserido em nosso sistema jurídico, tendo sido bem absorvido pelo mundo negocial, apresentando-se como um gravame, em virtude do qual um imóvel fica sujeito, em proveito do credor, ao pagamento de um crédito que lhe pertence, influência direta do BGB, parágrafo 1.113.
As demais questões suscitadas na impugnação, entre elas a referente à aplicação da Lei n. 8.009/1990 refogem por completo do objeto da divergência, contudo quanto a tal matéria, as exceções do art. 3º contemplam-na.
Ante o exposto, acolhe-se os embargos, subsistindo a penhora sobre o indigitado bem, invertendo-se o ônus da sucumbência. (fls. 605-609).
Rejeitados os declaratórios, os embargantes ingressaram com recurso especial por ambas as alíneas, alegando afronta aos arts. 22, 23, §§ 1º e 2º, da Lei n. 4.864/1965, 85 do Cód. Civil, 2º, § 1º, e 5º da LICC, além de divergência com a Apelação em Mandado de Segurança n. 94.04.47071-6-RS, in DJU de 18.01.1995, p. 1.349. Segundo afirmam, no Sistema Financeiro da Habitação, com regulação específica, o agente do crédito teria como garantia a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais, devendo proceder de acordo com o previsto naquela legislação, em caso de inadimplemento do seu financiado, construtor do prédio. Aduzem que, “além de não poder existir a garantia hipotecária sobre bem futuro, temos também presente a liberação tácita da referida hipoteca por parte Delfin S/A a partir do momento que a venda das unidades era obrigação da construtora, com prazo exíguo, e o agente financeiro outorgou-lhe procuração para este fim,
forneceu-lhe contrato padrão, autorizou a venda e o recebimento das prestações e, ainda, renovou o contrato de mútuo exigindo outras garantias hipotecárias, tudo revelando incompatibilidade com intenção de no futuro próximo vir a excutir a garantia hipotecária dos imóveis construídos com os recursos do Sistema Financeiro da Habitação e dos próprios mutuários adquirentes finais. A própria renegociação também se caracteriza como um ato de remissão irreversível.” Sustentam, outrossim, que o aresto recorrido afronta os princípios gerais do direito, da legalidade e da moralidade. Comprovam dissídio com julgado no sentido de que “no contrato de xxxxxx, interpreta-se com prevalência a vontade das partes sobre a manifestação escrita, sendo certo que, na aquisição de imóveis do SFH, o pacto era firmado na presunção de que as prestações seriam reajustadas de acordo com a variação salarial da categoria do mutuário.” (AP/MS n. 94.04.47071-6-RS). Requerem, afinal, a procedência dos embargos de terceiro, anulando-se “a hipoteca lavrada em afronta ao disposto na lei especial, e a responsabilização exclusiva da depositária legal dos valores pagos pelos recorrentes a arcarem com a dívida que constituíram e inadimpliram”.
Nas contra-razões, a recorrida alega deserção do recurso em razão do pagamento e juntada do preparo fora do prazo, além de faltar ao apelo as condições de admissibilidade e inocorrência da apontada violação aos dispositivos legais elencados.
O d. MP-SP opinou pelo improvimento do recurso especial. (fls. 669-673).
Indeferido na origem, manifestou-se o Agravo de Instrumento n. 170.917- SP (autos apensos), que provi para melhor exame. Solicitados os autos.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx (Relator): I. O v. acórdão recorrido foi publicado em maio de 1994, antes da vigência da Lei n. 8.950/1994, e o recurso foi interposto às 16h 42min do dia 28 de março de 1995, quando já encerrado o expediente bancário. Por isso, tenho que não se pode ter como deserto o especial, pois o prazo começou a fluir ao tempo da lei velha, que não fazia a exigência depois constante do art. 511 do CPC, e também porque o ajuizamento da petição após encerrado o horário bancário é causa impediente a justificar o recolhimento do numerário no dia seguinte, como aconteceu na espécie.
2. Versa o presente recurso sobre a possibilidade de execução de imóvel hipotecado ao agente financeiro (instituição de crédito imobiliário), em garantia de dívida da construtora ou incorporadora do edifício (devedora), já tendo sido o bem objeto de contrato de promessa de compra e venda celebrado com terceiro, que pagou integral ou parcialmente as suas prestações à promitente vendedora, e que vem a sofrer a penhora do apartamento que adquiriu, na execução da hipoteca promovida pela instituição de crédito imobiliário por inadimplemento da construtora, devedora hipotecária.
A causa deve ser examinada e julgada nas circunstâncias do negócio realizado, tratando-se de aquisição de casa própria com financiamento concedido por instituição financeira à construtora ou incorporadora do prédio, com ou sem financiamento por agente financeiro aos adquirentes finais.
Desde logo fica definido que o negócio de financiamento e a venda das unidades habitacionais ocorreu no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, como se pode ver da cláusula 4ª, do contrato de financiamento de Delfin S/A
- Crédito Imobiliário, exeqüente, com a construtora Marcovena Ltda., onde é feita referência à vigência da legislação do BNH, e à cláusula 12, onde se afirma que o contrato está vinculado ao SFH.
Faço esse registro inicial porque é preciso definir que o financiamento concedido à empresa construtora tinha o fim único de permitir a construção de um prédio destinado a venda. Os terceiros adquirentes fariam o pagamento das suas prestações com recursos próprios diretamente à construtora, ou obteriam um financiamento pessoal junto à mesma ou a outra instituição financeira, hipótese em que tocaria a esta saldar o débito do promissário comprador perante a construtora, ficando o imóvel hipotecado em favor da instituição que financiou o promissário comprador, adquirente final (mutuário). Nessa situação, cabe ao financiador do prédio construído para ser alienado cobrar-se da construtora, sobre os bens dela, sua devedora, ou sobre os créditos dela em relação aos terceiros adquirentes.
Relembro algumas disposições legais sobre Sistema Financeiro da Habitação:
- a) em primeiro lugar, as sociedades de crédito imobiliário, como a Delfin S/A - Crédito Imobiliário, ora recorrida e autora do processo de execução, são órgãos integrantes do Sistema Financeiro da habitação (art. 8º, III, da Lei n. 4.380/1964), submetidas à legislação específica;
b) em segundo lugar, “as sociedades de crédito imobiliário somente poderão operar em financiamento para construção, venda ou aquisição de habitações mediante:
I - abertura de crédito a favor de empresários que promovam projetos de construção de habitações para venda a prazo;
II - abertura de crédito para a compra ou construção de casa própria com liquidação a prazo de crédito utilizado;
III - desconto, mediante cessão de direitos de receber a prazo preço da construção ou venda de habitação;
IV - outras modalidades de operações autorizadas pelo Banco Nacional de Habitação.” (art. 39 da Lei n. 4.380/1964);
c) em terceiro “os créditos abertos nos termos do artigo anterior pelas Caixas Econômicas, bem como pelas sociedades de crédito imobiliário, poderão ser garantidos pela caução, a cessão parcial ou a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado.
§ 1º. Nas aberturas de crédito garantidas pelas caução referida neste artigo, vencido o contrato por inadimplemento da empresa financiada, o credor terá o direito de, independentemente de qualquer procedimento judicial e com preferência sobre todos os demais credores da empresa financiada, haver os créditos caucionados diretamente dos adquirentes das unidades habitacionais, até a final liquidação do crédito garantido.
§ 2º. Na cessão parcial referida neste artigo, o credor é titular dos direitos cedidos na percentagem prevista no contrato, podendo, mediante comunicações ao adquirente da unidade habitacional, exigir, diretamente, o pagamento em cada prestação da sua percentagem nos direitos cedidos.” (art. 22 da Lei n. 4.864/1965).
Atentos a essas características é que os pareceristas Profs. Xxxxxx Xxxxx, Xxxxxx Xxxxx Xx., e Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxx assim descreveram a relação negocial do agente financeiro, do construtor e do adquirente:
A relação jurídica que o construtor estabelece, primeiro com o agente financeiro que lhe empresta recursos para a construção do imóvel, e, a seguir, com os adquirentes finais aos quais vende as unidades habitacionais, é transitória - e assim sua presença no circuito negocial do SFH - porquanto satisfaz o construtor sua dívida com o agente financeiro ao ceder a este o crédito resultante da venda
das unidades habitacionais, para cuja compra irão os adquirentes finais buscar financiamento junto ao mesmo agente financeiro.
Os adquirentes finais tomam empréstimo junto às sociedades de crédito imobiliário - que vencerá correção monetária e juros - para compra a prazo dos imóveis do construtor, e este cede o crédito destas alienações à sociedade de crédito imobiliário, em quitação do empréstimo que com ela contraíra. (“O Sistema Financeiro da Habitação, Estrutura, Dirigismo Contratual e a Responsabilidade do Estado”, in “A Atividade de Crédito Imobiliário e Poupança”, ABECIP, p. 11).
A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imóvel garante a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade da devedora; havendo transferência, por escritura pública de compra e venda ou de promessa de compra e venda, o crédito da sociedade de crédito imobiliário passa a incidir sobre “os direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado” (art. 22 da Lei n. 4.864/1965), sendo ineficaz em relação ao terceiro adquirente a garantia hipotecária instituída pela construtora em favor do agente imobiliário que financiou o projeto. Assim foi estruturado o sistema e assim deve ser aplicado, especialmente para respeitar os interesses do terceiro adquirente de boa fé, que cumpriu com todos os seus compromissos e não pode perder o bem que lisamente comprou e pagou em favor da instituição que, tendo financiado o projeto de construção, foi negligente na defesa do seu crédito perante a sua devedora, deixando de usar dos instrumentos próprios e adequados previstos na legislação específica desse negócio.
As regras gerais sobre a hipoteca não se aplicam no caso de edificações financiadas por agentes imobiliários integrantes do Sistema Financeiro da Habitação, porquanto estes sabem que as unidades a serem construídas serão alienadas a terceiros, que responderão apenas pela dívida que assumiram com o seu negócio, e não pela eventual inadimplência da construtora. O mecanismo de defesa do financiador será o recebimento do que for devido pelo adquirente final, mas não a excussão da hipoteca, que não está permitida pelo sistema.
Tanto assim que o contrato firmado entre a Delfin S/A (mutuante) e a construtora (mutuária) dispôs especificamente sobre o modo pelo qual seriam transferidas as obrigações aos terceiros adquirentes, o qual é inconciliável com a execução da hipoteca contra os adquirentes:
- Cláusula 18. - A mutuária liberar-se-á de suas obrigações junto à mutuante, no que pertine ao principal e encargos relativos ao financiamento, transferindo esse
ônus, em proporção, aos adquirentes das unidades imobiliárias em construção, ou pagando, a qualquer tempo, tudo o que for devido à mesma mutuante.
- Cláusula 21. - Havendo alienações de unidades durante a fase de construção, a mutuária ficará obrigada a entregar à mutuante, juntamente com os respectivos contratos de compromisso de compra e venda, devidamente registrados em cartórios, os títulos representativos de parte de preço e relativos a poupança.
§ 1º - Os títulos mencionados nesta cláusula ficarão com a mutuante, como garantia subsidiária do cumprimento da obrigação assumida pela mutuária, no que pertine à execução das obras financeiras.
§ 2º - A mutuante, à proporção que for recebendo dos mutuários finais o valor dos títulos que lhe foram entregues, irá procedendo ao depósito das correspondentes importâncias em conta de DPL da mutuária.
3. Ainda que não houvesse regra específica traçando esse modelo, não poderia ser diferente a solução. O princípio da boa fé objetiva impõe ao financiador de edificação de unidades destinadas à venda aprecatar-se para receber o seu crédito da sua devedora ou sobre os pagamentos a ela efetuados pelos terceiros adquirentes. O que se não lhe permite é assumir a cômoda posição de negligência na defesa dos seus interesses, sabendo que os imóveis estão sendo negociados e pagos por terceiros, sem tomar nenhuma medida capaz de satisfazer os seus interesses, para que tais pagamentos lhe sejam feitos e de impedir que o terceiro sofra a perda das prestações e do imóvel. O fato de constar do registro a hipoteca da unidade edificada em favor do agente financiador da construtora não tem o efeito que se lhe procura atribuir, para atingir também o terceiro adquirente, pois que ninguém que tenha adquirido imóvel neste país, financiado pelo SFH, assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a dívida da construtora perante o seu financiador. Isso seria contra a natureza da coisa, colocando os milhares de adquirentes de imóveis, cujos projetos foram financiados pelo sistema, em situação absolutamente desfavorável, situação essa que a própria lei tratou claramente de eliminar. Além disso, consagraria abuso de direito em favor do financiador que deixa de lado os mecanismos que a lei lhe alcançou, para instituir sobre o imóvel - que possivelmente nem existia ao tempo do seu contrato, e que estava destinado a ser transferido a terceiro, - uma garantia hipotecária pela dívida da sua devedora, mas que produziria necessariamente efeitos sobre o terceiro.
No comum dos negócios, a existência de hipoteca sobre o bem objeto do contrato de promessa de compra e venda é fator determinante da fixação e abatimento do preço de venda, pois o adquirente sabe que a presença do direito
real lhe acarreta a responsabilidade pelo pagamento da dívida. Não é assim no negócio imobiliário de aquisição da casa própria de edificação financiada por instituição de crédito imobiliário, pois que nesta o valor da dívida garantida pela hipoteca não é abatido do valor do bem, que é vendido pelo seu valor real, sendo o seu preço pago normalmente mediante a obtenção de um financiamento concedido ao adquirente final, este sim garantido com hipoteca pela qual o adquirente se responsabilizou, pois essa é a sua dívida.
Das três personagens que participaram do negµcio, dois com intuito de lucro (portanto, correndo riscos) e um com o propósito de adquirir a casa própria, os dois primeiros negligentes e inadimplentes, - o primeiro por escolher mal seu financiado e por deixar de adotar as medidas permitidas na lei para receber o seu crédito sem causar prejuízo a terceiros, o segundo por não pagar o financiamento recebido, - somente correu risco e perdeu o terceiro, que adquiriu e pagou.
Inteiramente aplicável a observação feita por Xxxxxxxx Xxxxxxx ao examinar o tema à luz do princípio da boa-fé objetiva:
Na verdade, credor e agente financeiro sabem que são as prestações que forem sendo pagas pelos adquirentes que assegurarão o reembolso do financiamento concedido. Portanto, se a empresa interrompe os pagamentos devidos, o agente financeiro deveria reconhecer a eficácia, em relação a si, dos pagamentos anteriores feitos pelos adquirentes e, para garantir direitos futuros, deveria notificar estes para que passassem a depositar as prestações subsequentes, sob pena de se sujeitarem aos efeitos da hipoteca assumida pelo incorporador. (O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais, ed. Saraiva, 1994, fls. 182- 183).
4. A situação dos autos foi assim apreciada na r. sentença de lavra da Drª Xxxxx Xxxxx Xxxxxx:
Quanto ao mérito, como bem ponderam os Embargantes, há manifesto abuso de direito da Embargada em penhorar a unidade autônoma construída com recursos obtidos pela mutuária-executada, em decorrência da inadimplência desta, já que é ela, Embargada, quem agiu negligentemente, ao ter permitido a venda das unidades autônomas, bem como deixado de notificar os adquirentes a lhe pagarem diretamente as prestações pagas à construtora-mutuária.
Ora, não se pode impingir aos adquirentes a responsabilidade por débito da construtora quando o Agente Financiador concorreu indiretamente com a sua ocorrência, em conseqüência de sua má administração, que resultou inclusive em sua liquidação, amplamente noticiado no país.
Com efeito, celebraram os Embargantes típico contrato de adesão, em que não cabe discussão acerca das cláusulas nele dispostas. Enquanto o adquirente paga, não sem prolongado sacrifício, as prestações de sua casa própria, a construtora- mutuária, muitas vezes, deixa de cumprir o contrato de mútuo, sem que sobre ela recaia as conseqüências jurídicas de tal inadimplemento, já que sobre as unidades autônomas pesa o ônus da hipoteca a garantir tal contrato. E ao invés de a mutuante, sabedora da situação financeira da mutuária, providenciar a intimação dos adquirentes para que lhe paguem diretamente as prestações do preço da unidade autônoma, mantém-se inerte até que o débito lhe permita a constrição das unidades hipotecadas, deparando-se o adquirente, de um dia para outro, sem concorrer com qualquer ato de inadimplência, com um ato constritivo que poderá levá-lo a perder o imóvel onde reside, bem como as prestações pagas ao longo, quiçá, de todo sua vida laboral.
A tal situação deve se pôr um termo e vem sendo alterada pela jurisprudência dos nossos Tribunais, com temperança à letra fria da lei, como nos espelham os arestos colacionados pelos Embargantes em especial o aresto de lavra do Eminente Relator Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, carreado aos autos a fls. 83-84, em cujo voto rico em fundamentos acolhe a pretensão dos adquirentes em caso semelhante.
Ora, sendo o contrato de mútuo, por sua natureza, eminentemente intuitu personae, era obrigação da Embargada ter pleno conhecimento das condições financeiras da construtora-mutuária ao longo da relação negocial, cabendo-lhe acautelar-se quando se iniciou o inadimplemento por parte desta, intimando os adquirentes a lhe pagar diretamente o que vinham pagando àquela, mormente em se tratando de Sociedade de Crédito Imobiliário criada para viabilizar a política nacional de habitação e planejamento territorial, que visa a facilitar e promover a construção e a aquisição da casa própria.
Apesar de ter sido constituído o ônus hipotecário antes de os Embargantes adquirirem a unidade autônoma penhorada, contratando cientes do mesmo, o que se deve perquirir é se houve liberdade de contratar por parte dos adquirentes, ou seja, se aquiesceram, mediante livre manifestação de vontade, na constituição de tal ônus.
Ora, a liberdade de contratar não se verificou no caso vertente, à evidência, pois é fato incontroverso que a aquisição de casa própria pelo Sistema Financeiro da Habitação se dá através de contratos com cláusulas preestabelecidas, regulamentadas pelo Governo Federal.
Assim sendo, contrataram sem efetivamente querer onerar sua unidade autônoma e garantir, com ela, dívida de outrem. Tal fato é crucial para vislumbrar-nos a dimensão da situação inferior em que é colocado o adquirente da casa própria em face do nosso ordenamento jurídico, no qual todas as
regalias, garantias e abusos são concedidos aos detentores do capital, mesmo considerando-se que a Embargada está sujeita às normas do Sistema Financeiro da Habitação, instituído precipuamente para atender os reclamos habitacionais da população mais carente.
Como conceitua Saleilles, in de la personalitè juridique, lição XXII, p. 547, o abuso de direito é o corretivo indispensável ao exercício do direito subjetivo, de forma a conciliar os direitos da comunidade e os do indivíduo.
Xxxxxx Xxxx, por seu turno, com maestria escreve, in Xxxxx Xxxxx: “O maior prejuízo social constitui, pois, o critério fixador do ato abusivo, no caso do abuso de direito, causando danos a terceiros, num erro de conduta imputável moralmente ao agente, mas no exercício de um direito causador de um dano socialmente mais apreciável. A responsabilidade surge, justamente, porque a proteção do exercício deste direito é menos útil socialmente do que a reparação do dano causado pelo titular deste mesmo direito “...” E ainda: “Distinguem-se, pois, as esferas do ato ilícito e do abusivo, ambos geradores de responsabilidade; naquele transgridem-se os limites objetivos traçados pela própria lei, negando- se ou excedendo-se ao direito; no ato abusivo, há obediência apenas aos limites objetivos do preceito legal, mas fere-se ostensivamente a destinação do direito e o espírito da instituição.”
Portanto, no caso vertente, não se pode cerrar os olhos à importante questão social posta em julgamento. Em momento algum foi noticiado aos Embargantes o inadimplemento da construtora, cuja obrigação por ela contraída junto à Embargada garantiam com suas unidades, a fim de que alguma providência pudessem tomar para evitar o lesivo ato constritivo ora sub judice. (fls. 411-414).
5. Ainda considero que a financiadora instituiu a construtora sua mandatária, a evidenciar que apenas desta tem a receber, conforme ficou bem evidenciado no voto do em. Dr. Remolo Palermo, quando do julgamento da apelação:
Com efeito, examinando-se o contrato de “Mútuo” e garantia hipotecária, de fls. 110-123, verifica-se que a financiadora instituiu como sua mandatária a Construtora Xxxxxxxxx S/A, que depois foi adquirida pela “UNIMOV”, que incorporou a obra, podendo compromissar as vendas e receber o preço das unidades para repasse em seguida.
É o que se vê das cláusulas 20 a 22, do contrato de financiamento, às fls. 118-119 dos autos, sendo certo que, no caso, em não tendo havido o repasse dos créditos pela mutuária à mutuante, os adquirentes por tal descumprimento não podem responder com suas unidades porque integrariam elas a garantia hipotecária.
Assim, face aos termos do contrato a mutuante, em verificando a inadimplência da mutuária e sabedora das vendas, deveria notificar os compromissários para que passassem a pagar seus débitos diretamente em seus escritórios. E não simplesmente aguardar os débitos se avolumarem para, escudando-se na garantia hipotecária, executar os adquirentes, que não foram inadimplentes, que cumpriram com seus compromissos e que se encontram na posse direta dos imóveis.
Portanto, a execução da mutuária, no caso, não pode prejudicar os direitos dos compradores, eis que não se houveram com culpa, sendo que o mesmo não se pode afirmar em relação à embargada. (fls. 510-511).
6. Por fim, refiro que esta eg. Quarta Turma já apreciou situação assemelhada, quando do julgamento do REsp n. 78.459-RJ, e assim decidiu:
Embargos de terceiro. Promessa de compra e venda. Execução hipotecária.
Imóvel financiado pelo SFH.
O promissário comprador que adquire imóvel financiado pelo SFH e emite notas promissórias em favor da construtora, que as cede fiduciariamente ao agente financeiro, tem ação de embargos de terceiro contra a penhora do seu apartamento, efetuada na execução promovida pela financeira, ou por quem o substituiu, contra a construtora e promitente vendedora, pois a sua responsabilidade se limita ao pagamento do seu débito, que pode ser executado diretamente contra ele pela credora que recebeu os títulos em cessão fiduciária.
Recurso conhecido e provido.
7. Posto isso, conheço do recurso, por ofensa aos dispositivos legais acima citados e lhe dou provimento para restabelecer a r. sentença.
É o voto.
ADITAMENTO AO VOTO-PRELIMINAR
O Sr. Ministro Xxxxx xx Xxxxx: Senhor Presidente, acrescento às ponderações já resumidas que me parece bastante o fato de o expediente bancário se encerrar antes do exaurimento do prazo para a interposição do recurso.
Faço registro porque não me parece razoável adotar entendimento de que somente para quem apresenta o recurso no último dia, assim também para o que vem no penúltimo dia, se procede ao abrandamento das conseqüências da falta de concomitante recolhimento do valor das custas.
VOTO-PRELIMINAR
O Sr. Ministro Xxxxx xx Xxxxx: Senhor Presidente, se o prazo é estipulado em dias, a limitação por hora parece-me incompatível com o sentido da lei.
Acompanho o Sr. Ministro Relator.
VOTO-MÉRITO
O Sr. Ministro Xxxxx xx Xxxxx: Senhor Presidente, a financiadora não foi feliz em suas relações contratuais com a financiada, que recolheu as prestações ajustadas como terceiro adquirente, mas não as destinou ao resgate do débito.
A espécie já foi objeto de exame por esta Quarta Turma. Na ocasião, votei neste sentido e não vejo razões pelas quais deva rever meu entendimento. Por essa razão, acompanho o eminente Relator, para restabelecer a sentença de primeiro grau, que julgou procedentes os embargos de terceiros.
VOTO-PRELIMINAR
O Sr. Ministro Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx: Acompanho o Ministro- Relator.
VOTO-MÉRITO
O Sr. Ministro Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx: Xxxxxxxxx x Xx. Ministro- Relator.
Recordo-me bem dos julgamentos anteriores, se não me engano nos REsps n. 78.459-RJ e n. 171.421-SP, quando esta Turma, por maioria, sufragou o entendimento que ora se vê reproduzido em parte no voto do Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx. Naquela ocasião, um outro aspecto foi abordado, atinente à eficácia ou não da hipoteca em face da Lei n. 8.009. No caso presente não se encontra esse fundamento. No entanto, os demais que alicerçam o voto do em. Relator também tiveram acolhida nesta Turma.
Vejo que, além de todos os aspectos jurídicos trazidos pelo Sr. Ministro- Relator, há um outro, relevantíssimo, que se encontra nas entrelinhas do voto, e que tem resguardo no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil.
VOTO-PRELIMINAR
O Sr. Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx: Srs. Ministros, acompanho o Sr. Ministro-Relator afastando a deserção, no caso, pelo segundo motivo exposto por S. Exª e na forma com que acaba de mencionar o Sr. Ministro Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx.
VOTO-MÉRITO
O Sr. Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx: Srs. Ministros, também acompanho o Eminente Ministro-Relator na linha dos precedentes desta Turma, sobretudo do Recurso Especial n. 78.459. Tratando-se de imóvel construído com a destinação específica da venda a terceiros, nesses casos a hipoteca constituída não é eficaz em relação aos adquirentes de boa-fé.
RECURSO ESPECIAL N. 287.774-DF (2000/0118990-5)
Relator: Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx Recorrente: Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxx e outros Advogado: Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx Xxxx e outros Recorrido: Banco de Brasília S/A - BRB
Advogado: Djalma Amaral
Interessado: Madereira Lago Norte Ltda.
Sustentação oral: Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx Xxxx, pelos recorrentes
EMENTA
Embargos de terceiros. Promessa de compra e venda. Falta de registro. Hipoteca. Cédula de crédito comercial. A falta de registro do contrato de promessa de compra e venda de unidades residenciais integrantes de empreendimento imobiliário não impede a defesa da posse por embargos de terceiros, oferecidos pelos promissários compradores contra a execução hipotecária promovida pelo banco
credor de cédula de crédito comercial emitida por empresa integrante do mesmo grupo da construtora dos apartamentos, figurando esta como garantidora do financiamento. Ao celebrar o contrato de financiamento, facilmente poderia o banco inteirar-se das condições dos imóveis, necessariamente destinados à venda, já oferecidos ao público e, no caso, com preço total ou parcialmente pago pelos terceiros adquirentes de boa fé.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxxx Xxxxx. Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx.
Brasília (DF), 15 de fevereiro de 2001 (data do julgamento). Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, Presidente e Relator
DJ 02.04.2001
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx: - Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxx e outros opuseram embargos de terceiro à execução promovida pelo Banco de Brasília S/A - BRB contra Madeireira Lago Norte Ltda. e outros, para desconstituir a penhora de imóveis objeto de contrato de promessa de compra e venda, celebrado pelos embargantes com Nóbrega Empreendimentos Imobiliários Ltda.
Julgados procedentes os embargos, o Banco apelou, e a eg. Quinta Turma Cível do TJDFT deu provimento ao recurso, reconhecendo a prevalência da cédula hipotecária, nos termos da seguinte ementa:
Embargos de terceiro. Cédula de crédito comercial. Gravame hipotecário sobre o imóvel penhorado. Promessa de compra e venda desprovida de registro. Direitos reais. Improcedência.
1. Não tendo os embargantes efetuado a inscrição dos contratos de promessa de compra e venda dos imóveis no cartório de registro competente, prevalece a hipoteca gravada sobre os referidos bens, que representa direito real de garantia em favor do embargado.
2. Subsiste, portanto, a constrição judicial efetivada sobre aqueles imóveis, devendo ser julgados improcedentes os embargos de terceiro.
3. Recurso provido. À unanimidade (fl. 214).
Rejeitados os embargos de declaração, os embargantes manifestaram recurso especial (art. 105, III, a, da CF), por ofensa ao disposto nos arts. 32 da Lei n. 4.591/64; 530, I, 145, II, do Código Civil; 4o, I, 51, II, da Lei n. 8.078/1990;
535, I e II, e 1.046 do CPC. Alegam existência de prequestionamento implícito dos dispositivos supracitados. Sustentam os recorrentes que são compradores de boa-fé e possuidores indiretos dos imóveis, pois celebraram contrato de promessa de compra e venda com a empresa Nóbrega Empreendimentos Imobiliários Ltda., anteriormente à execução. No que se refere à necessidade do registro do contrato, a Súmula n. 84 admite a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido de registro. Afirmam que pleitearam apenas a exclusão de seus bens da penhora, mas o v. acórdão, ao contrário, preferiu discutir o título (a cédula hipotecária) e manter a penhora, violando o art. 1.046 do CPC. Haveria afronta, também, ao art. 530, I, do Código Civil, pois o v. aresto recorrido desconheceu os efeitos do registro do memorial no Cartório Imobiliário nos moldes do art. 32 da Lei n. 4.591/1964. Estão inconformados com o fato de o v. acórdão ter negado aos recorrentes o reembolso dos valores pagos pelos imóveis. Ainda não foram sanadas as omissões e contradições do acórdão da apelação, apesar da interposição dos embargos declaratórios. Citam jurisprudência divergente desta Turma.
Com as contra-razões, o recurso foi admitido na origem, subindo os autos. É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx (Relator): Os recorrentes são promissórios compradores de unidades residenciais integrantes de empreendimento imobiliário promovido pela Nobrega Empreendimentos Imobiliários Ltda. Depois de realizados esses negócios (setembro e outubro de
1994, janeiro e fevereiro de 1995), os imóveis foram dados em hipoteca para garantia de cédula de crédito comercial, no valor de R$ 200.000,00, contratada em setembro de 1995 (fl. 09 do apenso) entre o BRB e a empresa Madeireira Lago Norte Ltda., cujos titulares são os mesmos da Nobrega Empreendimentos Imobiliários (contestação do banco, fl. 135).
De parte do banco, era razoável se esperasse fosse investigar a situação dos bens dados em garantia, uma vez que se tratava de unidades residenciais integrantes de empreendimento imobiliário destinado à venda, e muitos dos apartamentos alienados a terceiros adquirentes já estavam por estes pagos. No entanto, deixou de tomar essa providência, aceitando a garantia de bens já prometidos à venda a pessoas de boa-fé. Constou do voto da il. Des. Xxxx Xxxxx Xxxxxxxx: “Mas o credor hipotecário também foi negligente na medida que é de seu conhecimento do objetivo precípuo da devedora que é a venda dos imóveis que constrói” (fl. 222).
A jurisprudência pacificada desta Corte reconhece o direito de o terceiro promissário comprador de boa-fé, ainda que sem contrato de promessa de compra e venda registrado, opor embargos de terceiro em defesa de sua posse (Súmula n. 84-STJ). Essa oposição pode se levantar contra todos, inclusive contra o credor hipotecário que, em condições como a dos autos, celebra contrato de financiamento com garantia de imóveis residenciais expostos à venda e, pelo que poderia facilmente informar-se junto à xxxxxxxx e à sua garante, já estavam prometidos vender, com recebimento de grande parte do preço.
O r. acórdão criticou asperamente os dadores da garantia, mas igual censura deve ser feita ao estabelecimento oficial de crédito, ora recorrido, que aceita como garantia e promove a execução sobre bens que certamente já estariam sendo adquiridos por pequenos poupadores, pessoas humildes que reúnem bens, esforços e esperanças para a aquisição da casa própria e se vêem envolvidas em negócios dessa natureza, sujeitas a tudo perderem para satisfação de um empréstimo garantido por bens prometidos à venda. Se no país houvesse real preocupação com a economia popular, transações com essas características não poderiam ser celebradas. Sendo-o, cabe ao Judiciário proteger o terceiro de boa- fé.
Posto isso, com base na Súmula n. 84-STJ, conheço do recurso e dou provimento para julgar procedentes os embargos e excluir da penhora os bens dos recorrentes. Custas pelo embargado, que pagará honorários de 15% sobre o valor da ação.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 329.968-DF (2001/0077393-0)
Relator: Ministro Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx Recorrente: Banco Itaú S/A
Advogado: Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx e outros Recorrido: Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx
Advogado: Athanazios Xxxxxxxx Xxxxxxx e outros
Interessado: Encol S/A Engenharia Comércio e Indústria - massa falida Representado por: Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx - síndico
EMENTA
Direito Civil. Xxxxxxxx constituída sobre imóvel já prometido à venda e quitado. Invalidade. Encol. Negligência da instituição financeira. Inobservância da situação do empreendimento. Precedente. Recurso desacolhido.
I - Os arts. 677 e 755 do Código Civil aplicam-se à hipoteca constituída validamente e não à que padece de um vício de existência que a macula de nulidade desde o nascedouro, precisamente a celebração anterior de um compromisso de compra e venda e o pagamento integral do preço do imóvel.
II - É negligente a instituição financeira que não observa a situação do empreendimento ao conceder financiamento hipotecário para edificar um prédio de apartamentos, principalmente se a hipoteca se deu dois meses antes da concessão do habite-se, quando já era razoável supor que o prédio estivesse concluído, não sendo igualmente razoável que a obra se tenha edificado nesse reduzido período de tempo.
III - É da jurisprudência desta Corte que, “ao celebrar o contrato de financiamento, facilmente poderia o banco inteirar-se das condições dos imóveis, necessariamente destinados à venda, já oferecidos ao público e, no caso, com preço total ou parcialmente pago pelos terceiros adquirentes de boa fé”.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Ministros Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxx Xxxxx, Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx.
Brasília (DF), 09 de outubro de 2001 (data do julgamento). Ministro Xxxxx Xxxxx Xxxxx, Presidente
Ministro Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx, Relator
DJ 04.02.2002
EXPOSIÇÃO
O Sr. Ministro Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx: O recorrido celebrou com a Encol contrato de promessa de compra e venda de um apartamento no Setor Sudoeste, em Brasília, tendo quitado o preço antes de receber o bem.
Dois meses antes da concessão do “habite-se” e três antes da entrega do imóvel, a Encol firmou com o banco recorrente contrato de “abertura de crédito para construção de empreendimento imobiliário com garantia hipotecária” do prédio onde se situa o apartamento, restando descumprida a obrigação contratual de outorga da escritura definitiva de compra e venda.
Com base nesses fatos e na alegação de que não fora informado da existência de hipoteca sobre o prédio, o recorrido ajuizou ação contra a Encol e o recorrente, buscando a ineficácia da garantia hipotecária em relação à sua unidade de apartamento.
O Juiz de primeiro grau, ao acolher a pretensão, declarou nula a hipoteca, seja porque não se pode dar em garantia imóvel já prometido à venda, seja porque teria havido simulação entre a construtora Encol e o banco, uma vez que este era sabedor das promessas de venda dos apartamentos e ainda assim concedeu financiamento para concluir obra presumivelmente já acabada, dado que a hipoteca foi firmada dois meses antes do “habite-se” e muito depois da promessa de venda.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal desproveu a apelação do banco, com os mesmos fundamentos da sentença, ementando, no particular:
Ação ordinária de reconhecimento de nulidade de cláusula de contrato de promessa de compra e venda e de instrumento particular de abertura de crédito. [...] Nulidade de cláusula contratual. Declaração de ineficácia de garantia hipotecária prestada pela Encol ao Banco Itaú, uma vez que o imóvel foi adquirido antes da dação do imóvel em hipoteca.
Apelo improvido. Unânime (fl. 272, v. 02).
Adveio o recurso especial do banco, apontando violação dos arts. 755 e 677 do Código Civil e 20 do Decreto-Lei n. 58/1937. Sustenta o recorrente que não houve compra e venda, mas simples contrato de promessa, e que a hipoteca, como garantia real, precede os direitos pessoais e persegue o imóvel pelo direito de seqüela.
Contra-arrazoado, foi o recurso admitido na origem. É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx (Relator): 1. Sobre o art. 20 do Decreto-Lei n. 58/1937, incidente o Verbete Sumular n. 284-STF, uma vez não abordado no recurso especial o tema tratado nesse dispositivo, que se refere à responsabilidade solidária entre o adquirente e o compromissário pelas “obrigações constantes e decorrentes do contrato de financiamento”.
2. Por sua vez, dispõem os arts. 677 e 755 do Código Civil, cuja violação se apontou:
Art. 677. Os direitos reais passam com o imóvel para o domínio do adquirente.
Art. 755. Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, a coisa dada em garantia fica sujeita, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação.
Esses artigos se aplicam à hipoteca constituída validamente, o que não é o caso. Com efeito, a garantia hipotecária padece de um vício de existência que a macula de nulidade desde o nascedouro, precisamente a celebração anterior de um compromisso de compra e venda e o pagamento integral do preço do imóvel. Tais peculiaridades da espécie estão a indicar a negligência da instituição financeira em não observar a situação do empreendimento, ao conceder financiamento hipotecário à construtora Encol para edificar um prédio de apartamentos.
Como restou assentado nas instâncias ordinárias, o gravame da hipoteca sobreveio ao contrato de promessa de compra e venda e ao pagamento integral do preço da unidade de apartamento adquirida pelo recorrido. A garantia, embora destinada à construção, somente se deu dois meses antes da concessão do “habite-se”, quando já era “razoável supor que o prédio estivesse concluído”, nas palavras do Juiz sentenciante (fl. 212), não sendo igualmente razoável que a obra se tenha edificado nesse reduzido período de tempo. A propósito, colhe-se da bem lançada sentença, da lavra do Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxxx:
Nesse ponto é bem de ver que o Banco Réu foi vítima de sua própria negligência.
Mesmo na época em que celebraram o contrato já se divulgava pela imprensa os rumos que vinham tomando os negócios da Encol. Mesmo que assim não fosse, a prudência recomenda que para a concessão de vultosos créditos se proceda a uma investigação na “saúde” financeira do contraente. In casu, ou o Banco assim não procedeu, ou assumiu o risco da operação.
Os seguintes motivos me levam à convicção de ser nula a hipoteca ajustada.
A garantia foi concedida em face de expressa autorização contida em cláusula do contrato de promessa de compra e venda ajustado entre o Autor e a Encol. Ocorre que tal cláusula, conforme já se demonstrou, por ser abusiva e contrária à boa-fé e à eqüidade, são nulas de pleno direito.
De outra parte, segundo o artigo 756, do CC, só quem pode alienar pode hipotecar, e só as coisas que se pode alienar podem ser hipotecadas.
Resta claro que o imóvel objeto de promessa de compra e venda está entre as coisas as quais não se pode alienar, exceto, é claro, para o promitente comprador. Por isso não poderia ser dado em hipoteca.
É certo que o promitente vendedor continua com o domínio do bem, e o poder de disposição, é inerente a ele, mas tendo sido o bem objeto de contrato de promessa de compra e venda tal poder é limitado, porquanto advindo a condição suspensiva a que está sujeito o negócio - no presente caso a quitação do preço, obriga-se o promitente vendedor a transferir a propriedade.
Nesse sentido a lição do Min. Xxxxx Xxxxxxxx no voto proferido no REsp n. 247, cujo trecho transcreve-se:
O promitente vendedor ainda é dono do imóvel, mas o é sob aquele minus derivado das obrigações que assumiu, de outorga da escritura definitiva, em virtude do contrato quitado de promessa de compra e venda.
Se não podia dispor da coisa não poderia gravá-la com a hipoteca.
[...]
O Banco era sabedor de que as unidades do empreendimento imobiliário eram objeto de contrato de promessa de compra e venda, afinal esta a atividade da empresa com a qual contratara. Ademais, na própria matrícula do imóvel se verifica que a averbação do memorial descritivo e da incorporação do condomínio antecedem à hipoteca.
[...]
Quanto à afirmação do Banco, de que o deferimento do pedido concernente à escrituração da unidade imobiliária sem a inscrição do ônus hipotecário existente o colocaria em situação de risco grave, cabe observar que, segundo já ressaltado,
o risco ele próprio criou ao negociar sem se cercar das elementares cautelas nesse tipo de negócio, seja porque já sabia que a garantia era objeto de contrato de promessa de compra e venda, seja porque não investigou a capacidade financeira da cliente.
Ademais, em comparação com a perda econômica que poderia advir para o Autor, por mais abonado que este fosse, não se me afigura razoável que um dos maiores Bancos privados do país viesse a ter graves prejuízos. Afinal, o risco é inerente à sua atividade.
Xxxxxx prejuízos sofreram aqueles que, investindo muitas vezes a economia de toda uma vida, se viram desprovidos do sonho de possuírem a sua própria moradia (fls. 210-213).
Em situação semelhante, esta Turma concluiu no mesmo sentido, ao julgar o REsp n. 287.774-DF (DJ 02.04.2001), assim ementado, no que interessa:
Ao celebrar o contrato de financiamento, facilmente poderia o banco inteirar- se das condições dos imóveis, necessariamente destinados à venda, já oferecidos ao público e, no caso, com preço total ou parcialmente pago pelos terceiros adquirentes de boa fé.
Em seu voto, registrou o Ministro Relator, Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx:
De parte do banco, era razoável se esperasse fosse investigar a situação dos bens dados em garantia, uma vez que se tratava de unidades residenciais integrantes de empreendimento imobiliário destinado à venda, e muitos dos apartamentos alienados a terceiros adquirentes já estavam por estes pagos. No entanto, deixou de tomar essa providência, aceitando a garantia de bens já prometidos à venda a pessoas de boa-fé. Constou do voto da il. Des. Xxxx Xxxxx Xxxxxxxx: “Mas o credor hipotecário também foi negligente na medida que é de seu conhecimento do objetivo precípuo da devedora que é a venda dos imóveis que constrói”.
[...]
O r. acórdão criticou asperamente os dadores da garantia, mas igual censura deve ser feita ao estabelecimento oficial de crédito, ora recorrido, que aceita como garantia e promove a execução sobre bens que certamente já estariam sendo adquiridos por pequenos poupadores, pessoas humildes que reúnem bens, esforços e esperanças para a aquisição da casa própria e se vêem envolvidas em negócios dessa natureza, sujeitas a tudo perderem para satisfação de um empréstimo garantido por bens prometidos à venda. Se no país houvesse real preocupação com a economia popular, transações com essas características não poderiam ser celebradas. Sendo-o, cabe ao Judiciário proteger o terceiro de boa-fé.
3. Ante o exposto, não conheço do recurso especial.
RECURSO ESPECIAL N. 401.252-SP (2001/0192280-7)
Relator: Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx Recorrente: Banco Itaú S/A
Advogado: Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx e outros Recorrido: Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx e outro Advogado: Xxxxxx Xxxxxxxxx e outros
Interessado: Encol S/A Engenharia Comércio e Indústria - massa falida Advogado: Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxx Xxxxx
EMENTA
Hipoteca. Incorporação. Adquirente.
Na incorporação de imóvel, é ineficaz a cláusula que institui hipoteca em favor do financiador da construtora da unidade alienada e paga por terceiro adquirente.
Precedentes.
Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso. Os Srs. Ministros Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxx Xxxxx votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx x Xxxxxx Xxxxxxxx.
Brasília (DF), 28 de maio de 2002 (data do julgamento). Ministro Xxxxx Xxxxx Xxxxx, Presidente
Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, Relator
DJ 05.08.2002
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx: Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx e s/m ajuizaram ação declaratória contra Encol S/A - Engenharia, Comércio e Indústria e o Banco Itaú S/A, para ver declarada a nulidade e a ineficácia da cláusula que instituiu hipoteca em favor do Banco, por dívida da Construtora, sobre o imóvel que desta adquiriram e pagaram integralmente.
Julgada procedente a ação, o Banco apelou, e a egrégia Sexta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento ao recurso:
Compra e venda de imóvel. Liberação de ônus hipotecário. Cabimento. Negócio realizado entre incorporador e instituição financeira que não pode atingir aquele entre a promitente vendedora e os promissórios compradores. Recurso não provido (fl. 451).
Rejeitados os embargos declaratórios, o Banco manifestou recurso especial (art. 105, III, a e c, da CF). Sustenta, preliminarmente, a nulidade do v. acórdão por ausência de fundamentação (art. 93, IX, da CF). Alega que o v. aresto recorrido violou os arts. 82, 677, 755, 758, 848 e 850 do CC, além de ter divergido de precedentes de outros Tribunais, ao reconhecer a nulidade e a ineficácia, em relação aos adquirentes de imóvel de cláusulas contratuais relativas a ônus hipotecário firmado no negócio subjacente, realizado entre a
Construtora e a instituição financeira. Requer, afinal, a manutenção íntegra da hipoteca que o beneficia, até o correspondente pagamento da dívida.
Foram apresentadas contra-razões pelos recorridos e pela terceira interessada.
Admitiu-se o recurso na origem, vindo-me os autos. Solicito parecer oral do d. representante do MPF.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx (Relator): 1. O tema já foi mais de uma vez examinado nesta Turma, pelo que peço permissão para transcrever a fundamentação do voto proferido no REsp n. 187.940-SP, em que se cuidava de afastar a execução promovida pelo credor hipotecário financiador da incorporadora:
2. Versa o presente recurso sobre a possibilidade de execução de imóvel hipotecado ao agente financeiro (instituição de crédito imobiliário), em garantia de dívida da construtora ou incorporadora do edifício (devedora), já tendo sido o bem objeto de contrato de promessa de compra e venda celebrado com terceiro, que pagou integral ou parcialmente as suas prestações à promitente vendedora, e que vem a sofrer a penhora do apartamento que adquiriu, na execução da hipoteca promovida pela instituição de crédito imobiliário por inadimplemento da construtora, devedora hipotecária.
A causa deve ser examinada e julgada nas circunstâncias do negócio realizado, tratando-se de aquisição de casa própria com financiamento concedido por instituição financeira à construtora ou incorporadora do prédio, com ou sem financiamento por agente financeiro aos adquirentes finais.
Desde logo fica definido que o negócio de financiamento e a venda das unidades habitacionais ocorreu no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, como se pode ver da cláusula 4º, do contrato de financiamento de Delfin S/A - Crédito imobiliário, exeqüente, com a construtora Marcovena Ltda., onde é feita referência à vigência da legislação do BNH, e à Cláusula n. 12, onde se afirma que o contrato está vinculado ao SFH.
Faço esse registro inicial porque é preciso definir que o financiamento concedido à empresa construtora tinha o fim único de permitir a construção de um prédio destinado a venda. Os terceiros adquirentes fariam o pagamento das suas prestações com recursos próprios diretamente à construtora, ou obteriam
um financiamento pessoal junto à mesma ou a outra instituição financeira, hipótese em que tocaria a esta saldar o débito do promissório comprador perante a construtora, ficando o imóvel hipotecado em favor da instituição que financiou o promissório comprador, adquirente final (mutuário). Nessa situação, cabe ao financiador do prédio construído para ser alienado cobrar-se da construtora, sobre os bens dela, sua devedora, ou sobre os créditos dela em relação aos terceiros adquirentes.
Relembro algumas disposições legais sobre o Sistema Financeiro da Habitação:
- a) em primeiro lugar, as sociedades de crédito imobiliário, como a Delfin S/A
- Crédito imobiliário, ora recorrida e autora do processo de execução, são órgãos integrantes do Sistema Financeiro da Habitação (art. 8º, III, da Lei n. 4.380/1964), submetidas à legislação específica;
b) em segundo lugar, “as sociedades de crédito imobiliário somente poderão operar em financiamento para construção, venda ou aquisição de habitações mediante:
I - abertura de crédito a favor de empresários que promovam projetos de construção de habitações para venda a prazo;
II - abertura de crédito para a compra ou construção de casa própria com liquidação a prazo de crédito utilizado;
III - desconto, mediante cessão de direitos de receber o prazo preço da construção ou venda de habitação;
IV - outras modalidades de operações autorizadas pelo Banco Nacional de Habitação.” (art. 39 da Lei n. 4.380/1964);
- c) em terceiro “os créditos abertos nos termos do artigo anterior pelas Caixas Econômicas, bem como pelas sociedades de crédito imobiliário, poderão ser garantidos pela caução, a cessão parcial ou a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado.
§ 1o. Nas aberturas de crédito garantidas pelas caução referida neste artigo, vencido o contrato por inadimplemento da empresa financiada, o credor terá o direito de, independentemente de qualquer procedimento judicial e com preferência sobre todos os demais credores da empresa financiada, haver os créditos caucionados diretamente dos adquirentes das unidades habitacionais, até a final liquidação do crédito garantido.
§ 2o. Na cessão parcial referida neste artigo, o credor é titular dos direitos cedidos na percentagem prevista no contrato, podendo, mediante comunicações ao adquirente da unidade habitacional, exigir, diretamente, o pagamento em cada prestação da sua percentagem nos direitos cedidos.” (art. 22 da Lei n. 4.864/1965).
Atentos a essas características é que os pareceristas Profs. Xxxxxx Xxxxx, Xxxxxx Xxxxx Xx. e Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxx assim descreveram a relação negocial do agente financeiro, do construtor e do adquirente:
A relação jurídica que o construtor estabelece, primeiro com o agente financeiro que lhe empresta recursos para a construção do imóvel, e, a seguir, com os adquirentes finais aos quais vende as unidades habitacionais, é transitória - e assim sua presença no circuito negocial do SFH - porquanto satisfaz o construtor sua dívida com o agente financeiro ao ceder a este o crédito resultante da venda das unidades habitacionais, para cuja compra irão os adquirentes finais buscar financiamento junto ao mesmo agente financeiro.
Os adquirentes finais tomam empréstimo junto às sociedades de crédito imobiliário - que vencerá correção monetária e juros - para compra a prazo dos imóveis do construtor, e este cede o crédito destas alienações à sociedade de crédito imobiliário, em quitação do empréstimo que com ela contraíra. (“O Sistema Financeiro da Habitação, Estrutura, Dirigismo Contratual e a Responsabilidade do Estado”, In “A Atividade de Crédito Imobiliário e Poupança”, ABECIP, p. 11).
A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imóvel garante a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade da devedora; havendo transferência, por escritura pública de compra e venda ou de promessa de compra e venda, o crédito da sociedade de crédito imobiliário passa a incidir sobre “os direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado” (art. 22 da Lei n. 4.864/1965), sendo ineficaz em relação ao terceiro adquirente a garantia hipotecária instituída pela construtora em favor do agente imobiliário que financiou o projeto. Assim foi estruturado o sistema e assim deve ser aplicado, especialmente para respeitar os interesses do terceiro adquirente de boa fé, que cumpriu com todos os seus compromissos e não pode perder o bem que lisamente comprou e pagou em favor da instituição que, tendo financiado o projeto de construção, foi negligente na defesa do seu crédito perante a sua devedora, deixando de usar dos instrumentos próprios e adequados previstos na legislação específica desse negócio.
As regras gerais sobre a hipoteca não se aplicam no caso de edificações financiadas por agentes imobiliários integrantes do Sistema Financeiro da Habitação, porquanto estes sabem que as unidades a serem construídas serão alienadas a terceiros, que responderão apenas pela dívida que assumiram com o seu negócio, e não pela eventual inadimplência da construtora. O mecanismo de defesa do financiador será o recebimento do que for devido pelo adquirente final, mas não a excussão da hipoteca, que não está permitida pelo sistema.
Tanto assim que o contrato firmado entre a Delfin S/A (mutuante) e a construtora (mutuária) dispôs especificamente sobre o modo pelo qual seriam transferidas as obrigações aos terceiros adquirentes, o qual é inconciliável com a execução da hipoteca contra os adquirentes:
- Cláusula 18. - A mutuária liberar-se-á de suas obrigações junto à mutuante, no que pertine ao principal e encargos relativos ao financiamento, transferindo esse ônus, em proporção, aos adquirentes das unidades imobiliárias em construção, ou pagando, a qualquer tempo, tudo o que for devido à mesma mutuante.
- Cláusula 21. - Havendo alienações de unidades durante a fase de construção, a mutuária ficará obrigada a entregar à mutuante, juntamente com os respectivos contratos de compromisso de compra e venda, devidamente registrados em cartórios, os títulos representativos de parte de preço e relativos a poupança.
§ 1o - Os títulos mencionados nesta cláusula ficarão com a mutuante, como garantia subsidiária do cumprimento da obrigação assumida pela mutuária, no que pertine à execução das obras financeiras.
§ 2º - A mutuante, à proporção que for recebendo dos mutuários finais o valor dos títulos que lhe foram entregues, irá procedendo ao depósito das correspondentes importâncias em conta de DPL da mutuaria.
3. Ainda que não houvesse regra específica traçando esse modelo, não poderia ser diferente a solução. O princípio da boa fé objetiva impõe ao financiador de edificação de unidades destinadas à venda aprecatar-se para receber o seu crédito da sua devedora ou sobre os pagamentos a ela efetuados pelos terceiros adquirentes. O que se não lhe permite é assumir a cômoda posição de negligência na defesa dos seus interesses, sabendo que os imóveis estão sendo negociados e pagos por terceiros, sem tomar nenhuma medida capaz de satisfazer os seus interesses, para que tais pagamentos lhe sejam feitos e de impedir que o terceiro sofra a perda das prestações e do imóvel. O fato de constar do registro a hipoteca da unidade edificada em favor do agente financiador da construtora não tem o efeito que se lhe procura atribuir, para atingir também o terceiro adquirente, pois que ninguém que tenha adquirido imóvel neste país, financiado pelo SFH, assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a dívida da construtora perante o seu financiador. Isso seria contra a natureza da coisa, colocando os milhares de adquirentes de imóveis, cujos projetos foram financiados pelo sistema, em situação absolutamente desfavorável, situação essa que a própria lei tratou claramente de eliminar. Além disso, consagraria abuso de direito em favor do financiador que deixa de lado os mecanismos que a lei lhe alcançou, para instituir sobre o imóvel - que possivelmente nem existia ao tempo do seu contrato, e que estava destinado a ser transferido a terceiro, - uma garantia hipotecária pela dívida da sua devedora, mas que produziria necessariamente efeitos sobre o terceiro.
No comum dos negócios, a existência de hipoteca sobre o bem objeto do contrato de promessa de compra e venda é fator determinante da fixação e abatimento do preço de venda, pois o adquirente sabe que a presença do direito
real lhe acarreta a responsabilidade pelo pagamento da dívida. Não é assim no negócio imobiliário de aquisição da casa própria de edificação financiada por instituição de crédito imobiliário, pois que nesta o valor da dívida garantida pela hipoteca não é abatido do valor do bem, que é vendido pelo seu valor real, sendo o seu preço pago normalmente mediante a obtenção de um financiamento concedido ao adquirente final, este sim garantido com hipoteca pela qual o adquirente se responsabilizou, pois essa é a sua dívida.
Das três personagens que participaram do negócio, dois com intuito de lucro (portanto, correndo riscos) e um com o propósito de adquirir a casa própria, os dois primeiros negligentes e inadimplentes, - o primeiro por escolher mal o seu financiado e por deixar de adotar as medidas permitidas na lei para receber o seu crédito sem causar prejuízo a terceiros, o segundo por não pagar o financiamento recebido, - somente correu o risco e perdeu o terceiro, que adquiriu e pagou.
Inteiramente aplicável a observação feita por Xxxxxxxx Xxxxxxx ao examinar o tema à luz do princípio da boa-fé objetiva:
Na verdade, credor e agente financeiro sabem que são as prestações que forem sendo pagas pelos adquirentes que assegurarão o reembolso do financiamento concedido. Portanto, se a empresa interrompe os pagamentos devidos, o agente financeiro deveria reconhecer a eficácia, em relação a si, dos pagamentos anteriores feitos pelos adquirentes e, para garantir direitos futuros, deveria notificar estes para que passassem a depositar as prestações subsequentes, sob pena de se sujeitarem aos efeitos da hipoteca assumida pelo incorporado (O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais, ed. Saraiva, 1994, fls. 182-183).
2. Para o caso dos autos, tenho por incensurável a argumentação expendida no r. acórdão recorrido, de lavra do em. Des. Xxxx Xxxxx, transcrevendo parecer do Dr. Xxxxx Xxxxxxxx, Procurador de Justiça:
Quanto às demais questões, assim já se pronunciou o ilustre Procurador Geral de Justiça, Dr. Xxxxx Xxxxxxxx: “Colha-se lição irrepreensível do eminente jurista Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx”:
Hipótese que também vem desafiando juristas, juízes e advogados diz respeito ao conflito entre o interesse de compromissários compradores e o do credor hipotecário nos casos de incorporação imobiliária.
Segundo a sistemática da Lei n. 4.591/1964, não há impedimento para que o incorporador dê em hipoteca o terreno no qual vai ser levantado o prédio.
Se a incorporação chega a bom termo, isto é, se o prédio é construído e é pago o débito hipotecário, tudo termina bem, sem problemas jurídico-
Quando, porém, o devedor hipotecário (incorporador ou construtor) não paga o credor, geralmente uma instituição financeira, os compromissários compradores de unidades autônomas ficam em situação de grave risco.
Por força do tradicional princípio da indivisibilidade da hipoteca, sempre presente nos contratos e na lei, a garantia estende-se às construções levantadas no terreno, além de não ser reduzida em razão de pagamentos parciais - arts. 811 e758 do CC.
Fica, portanto, o credor em situação extremamente vantajosa e confortável.
O Direito Imobiliário Brasileiro, contudo, alterou-se profundamente no correr deste século, e os velhos preceitos não podem ser aplicados isoladamente, com desconhecimento dos dispositivos legais recentes, muitos dos quais de natureza constitucional.
O princípio da indivisibilidade da hipoteca é estabelecido no interesse do credor, sem dúvida. Visa a proteger o crédito e o bem hipotecado, evitando que o devedor divida e pulverize a coisa, dificultando a execução da garantia. É o que acontecia antigamente, por exemplo, quando o dono de uma fazenda a desnaturava, vendendo-a em pequenos lotes a muitas pessoas.
No caso da incorporação tudo se passa de forma diversa.
O bem, o imóvel, é submetido a novo regime legal. Desde o lançamento, desde as primeiras vendas, desde o registro do memorial, o imóvel está afetado inexoravelmente à nova obra, ao novo empreendimento. Aquele terreno, objeto da hipoteca, já é outra coisa, juridicamente. Entre suas novas características está a fatal divisão do bem através do sistema de unidades autônomas: cada adquirente vai ser dono exclusivo de seu apartamento. Esse, aliás, o objetivo do empreendimento. A indivisibilidade ficará restrita às frações ideais do terreno e demais partes comuns.
O banco emprestou o dinheiro exatamente para a finalidade da incorporação, ou seja, para a finalidade de transformar e dividir idealmente o terreno, objeto da hipoteca, em inúmeros bens autônomos. Contribuindo e reconhecendo de antemão a divisão do bem em outros bens, não pode depois o banco recorrer à idéia de indivisibilidade somente para o que lhe convém. Trata-se de comportamento incoerente, contraditório, condenável pelo Direito, exista ou não má-fé por parte de quem alega.
A transformação do imóvel por força do simples fenômeno de sua destinação à incorporação é facilmente perceptível pelo homem do povo, leigo em Direito. Aberra do senso comum e da natureza das coisas que a hipoteca de um terreno possa se transfigurar em hipoteca de um prédio de apartamentos, tudo em nome de um texto legal concebido em época em que nem existia entre nós a incorporação imobiliária.
Hoje a Justiça já reconhece de forma explícita a transformação substancial do imóvel - do ponto de vista físico e jurídico - acarretada pela incorporação, a saber: “(...) o registro do memorial de incorporação tira do mundo jurídico, como um todo, o terreno incorporado, sendo vedado ao oficial a por daquela ocasião, efetuar o registro que lhe diga respeito, pois, com a incorporação, o terreno incorporado deixa de ter existência legal” (decisão da Corregedoria-Geral da Justiça do Rio de Janeiro mencionada no julgamento do Proc. n. 135/86, do CSM-RJ, em 14.01.1987).
Outro diploma legal incompatível com as conseqüências da hipoteca, relativamente à incorporação imobiliária, é o Código de Defesa do Consumidor - Lei n. 8.078/1990. Nunca é demais lembrar que a proteção ao consumidor apresenta prosápia constitucional - arts. 5o, XXXII, e 170, V.
Ninguém duvida de que as relações jurídicas entre adquirente e incorporador estão submetidas ao Código de Defesa do Consumidor, como também estão as de natureza bancária. É o que decorre de vários de seus dispositivos, entre os quais o que admite que o imóvel pode ser produto (art. 2º, § 1o) e o que inclui a atividade bancária como serviço (art. 2º, § 2°).
O juiz não pode esquecer de que o Direito Civil Brasileiro não é o mesmo após a vigência do Código de Defesa do Consumidor.
É nesse campo, portanto, que a matéria também precisa ser enfrentada.
Nos termos do art. 46, o adquirente precisa ser informado de forma objetiva sobre o conteúdo do contrato. A simples menção à existência de uma hipoteca sobre o terreno é insuficiente para esclarecer o consumidor sobre os riscos daí decorrentes. O consumidor comum não sabe o que ê hipoteca, e muito menos tem condições de compreender as conseqüências do princípio da indivisibilidade dela. Ele, consumidor, sabe que o incorporador terá que pagar ao banco, mas nunca imagina que o apartamento adquirido possa ir parar nas mãos do credor.
O sistema adotado pela Lei n. 4.591/1964, permitindo ao incorporador aventurar-se a ponto de lançar o empreendimento com apoio em um compromisso não quitado ou a ponto de dar em hipoteca o terreno e as acessões, é incompatível com a nova ordem de Direito.
Nesse choque de preceitos legais, impõe-se, obviamente, a prevalência da nova ordem, seja pela preponderância hierárquica da norma constitucional, seja pelo conteúdo superior de normatividade pública presente no Código de Defesa do Consumidor do que no vetusto instituto da hipoteca, na sua formulação tradicional.
A nova regra de interpretação também leva a essa conclusão, consoante se vê do art. 47, segundo o qual as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
Em suma, posto o tema no campo do consumo, não há lugar para a sobrevivência da garantia hipotecária em prejuízo do consumidor.
Não nos parece possível, nesse campo específico do consumo abrangendo a atividade bancária e da incorporação imobiliária, fazer preponderar o negócio entre incorporador e banco sobre o negócio entre fornecedor e consumidor.
A nosso ver, a hipoteca, nessas circunstâncias, é hoje ineficaz em relação aos adquirentes.
[Nota: Mesmo antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor chegou-se a essa conclusão, em acórdão pioneiro:
Embargos de terceiro. Execução hipotecária. Interposição por titular de compromisso de compra e venda não inscrito. Admissibilidade, desde que exerça posse decorrente de direito obrigacional. Inteligência do art. 1.046,
§ 1o, do CPC.
Ementa da redação: Na execução hipotecária, o titular do compromisso de compra e venda não inscrito, que exerça posse decorrente de direito obrigacional, está legitimado para o uso de embargos de terceiro, conforme disposto no art. 1.046, § 1o, do CPC.
“Compromisso de compra e venda. Hipoteca. Incidência do gravame sobre as unidades condominiais adquiridas pelos compromissários compradores. Inadmissibilidade, uma vez que o credor hipotecário não notificou os adquirentes de boa-fé a respeito de eventual constrição sobre os bens em caso de inadimplemento de incorporador, devedor hipotecário”. Ementa da Redação: Se a construtora, para viabilizar empreendimento, obtém financiamento da construção com garantia hipotecária não só do terreno como das próprias unidades residenciais, não é admissível que os compromissários compradores dos imóveis respondam pelas obrigações da devedora perante a instituição imobiliária, pois, se a alienação foi consentida pelo credor hipotecário, competia a este notificar os adquirentes de boa-fé dos efeitos da hipoteca se o devedor hipotecário se tornasse inadimplente.
Disse ainda a editora: “O presente acórdão, prolatado antes mesmo da vigência do Código de Defesa do Consumidor, é exemplo vivo do poder de criação do Direito pelos nossos Tribunais, daí a importância de sua publicação na RT, dez anos depois de ter produzido a justiça no caso concreto” (1o TACivSP, 8a C. Ap. n. 378.569, rel. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, x. 11.11.1987; participaram do julgamento os Juizes Xxxxx xx Xxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx). A propósito de tal precedente v., igualmente, o lúcido comentário de XXXXX XXXXXXXX na Tribuna do Direito, março/1998, p. 02].
Se essa afirmação de plena ineficácia da hipoteca pode deixar dúvidas em muitos espíritos, o mesmo já não deve ocorrer no que diz respeito à simples neutralização dos efeitos do princípio da indivisibilidade.
O já citado Xxxx Xxxxxxxxx ensina que: “A indivisibilidade não é da essência da hipoteca: a lei a estabeleceu por interpretação da vontade das partes, e para melhor garantir o credor. E, pois, muito bem podem as partes expressar sua vontade pactuando, no título ou na quitação, que a hipoteca seria divisível, e extinguir-se-ia na proporção dos pagamentos feitos” (cf. “Direito Real de Hipoteca”, Saraiva, 1928, p. 48 e 49).
Se as partes podem afastar o princípio, com maior razão o podem fazer as novas leis (Lei n. 4.591/1964 e o Código de Defesa do Consumidor), ambas de ordem pública e incompatíveis com a sobrevivência daquele princípio.
Se a natureza jurídica do bem transformou-se, passando de um simples terreno para um grande número de apartamentos; se aquilo que era indivisível em tantas partes, por natureza, foi dividido, ou foi destinado de maneira fatal à divisão, a natureza desse novo bem e o interesse de tantas pessoas, protegido energicamente pela nova ordem jurídica, repudiam a indivisibilidade da garantia.
Assim sendo, poderá o credor, quando muito, cobrar o seu crédito - divisível por natureza - proporcionalmente contra cada um dos adquirentes (cf. obra citada, n. 186 e n. 187, p. 268 a 272). (cf. fls. 358-375).
Feitas tais considerações, fica afastada a alegação de violação aos arts. 82, 677, 755, 758, 848 e 850, todos do Código Civil (fls. 453-460).
3. No mesmo sentido são os nossos precedentes: REsp n. 329.968-DF, 4a Turma, rel. o em. Min. Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx; REsp n. 287.774-DF, 4a Turma; REsp n. 239.557-SC.
Posto isso, invocando a Súmula n. 83-STJ, não conheço do recurso. É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 418.040-SC (2002/0019805-6)
Relator: Ministro Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx Recorrente: Caixa Econômica Federal - CEF Advogado: Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx e outros Recorrido: Xxxxx Xxxxxx e cônjuge
Advogado: Odilon Machuca
Interessado: Fabiana Construções e Incorporações Ltda.
EMENTA
Direito Civil. Hipoteca constituída sobre imóveis prometidos à venda e quitados. Inviabilidade. Negligência da instituição financeira. Não observância da situação do empreendimento.
- A hipoteca constituída pela construtora em favor do agente financeiro, recaindo sobre unidades de apartamentos, carece de eficácia perante os promissários-compradores, quando celebrada após a promessa de compra e venda.
- A entidade financeira, ao celebrar contratos de financiamento, deve inteirar-se sobre a situação dos imóveis, destinados à venda, já oferecidos ao público. Se observar tal cuidado, apurará, facilmente, quais os que foram prometidos à venda e a proporção em que foram pagos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito, Xxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 20 de abril de 2004 (data do julgamento). Ministro Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, Presidente Ministro Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, Relator
DJ 10.05.2004
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx: - Recurso especial (alínea a), desafiando acórdão assim ementado:
Embargos de terceiros. Nulidade da sentença. Inocorrência. Permuta de terreno por apartamentos. Falta de registro. Constituição de hipoteca em decorrência de financiamento contratado pela construtora. Art. 147, II, do CPC. Cancelamento do ônus real sobre imóveis do adquirente de boa fé.
A fundamentação da decisão recorrida revela o criterioso exame dos fatos e do direito feito pelo MM Juiz a quo, que, por seu livre convencimento, elegeu, dentre esses, os mais relevantes ao desate da lide. Da mesma forma, não configurado julgamento ultra petita.
Conquanto incontestável que o direito de seqüela confere ao credor hipotecário a faculdade de perseguir e excutir o bem dado em garantia desimportando seu detentor, a hipoteca foi outorgada por quem, na oportunidade, já não detinha mais disponibilidade sobre os imóveis e, inobstante, ofereceu-os em garantia, incidindo, desta forma, na hipótese do art. 147, inc. II, do C. Civil, razão pela qual deve ser cancelado o respectivo ato constritivo, ainda que inexistentes, à época de constituição do gravame, os registros de propriedade dos embargantes, terceiros de boa fé.
Apelação improvida. (fl. 201).
A recorrente, Caixa Econômica Federal - CEF, queixa-se de ofensa ao art.
252 da Lei n. 6.015/1973 e aos arts. 147, II e 677, do Código Civil (fl. 223).
O recurso diz, em resumo:
a) em vista de constrição processual, o ora recorrido ajuizou ação de embargos de terceiro, na qual veiculou pedido de desconstituição da penhora e da hipoteca que repousavam sobre os imóveis;
b) a ação foi julgada inteiramente procedente, em primeira instância, e, ao ser devolvido o reexame da matéria ao TRF-4ª Região, este decidiu ratificando os termos da sentença;
c) a decisão combatida não sintoniza com o direito aqui apresentado (fl. 223).
d) válida que foi a constituição da garantia hipotecária, em garantia de financiamento obtido junto à CEF pela incorporadora, o gravame real acompanha o imóvel, tenha este a destinação que tiver, a teor da xxxxx inscrita no artigo 677 do Código Civil; por isso o aresto combatido contempla maltrato ao dispositivo acima;
e) ocorre, também, violação ao art. 252 da Xxx x. 6.015/1973, porquanto os efeitos do gravame real somente cessam após o cancelamento do seu registro;
f) in casu, foi desrespeitada a norma invocada, na medida em que, com o cancelamento da penhora levado a efeito em decorrência da desconstituição
da hipoteca, as instâncias ordinárias acabaram emprestando efeitos ex tunc à sentença desconstitutiva.
Oportuno frisar que a recorrente, apresenta na maior parte das razões deste recurso, uma “cronologia dos fatos desenhada nas instâncias ordinárias.” (fls. 224-227).
Contra-razões às fls. 234-241.
Decisão de admissibilidade do recurso, do TRF-4ª Região, às fls. 245-246. É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx (Relator): A CEF opôs embargos declaratórios pedindo suprimento de alegada omissão no aresto recorrido, de debate em torno do art. 252, da Lei n. 6.015/1973 (fl. 205). Rejeitado os embargos, observo que o recurso especial não se manifestou sobre violação ao art. 535, inciso II, incidindo o apelo, neste ponto, no veto das Súmulas n. 282 e n. 356-STF.
Contudo remanesce o preqüestionamento dos demais dispositivos legais tidos por violados.
Para melhor entender-se a lide, transcrevo excertos do voto-condutor do acórdão recorrido, a saber:
Quanto ao mérito, em que pese ser incontestável que o “(...) direito de seqüela confere ao credor hipotecário o direito de perseguir (art. 677 do CC) e excutir o bem dado em garantia em poder de quem quer que o detenha.” (fl. 173), no caso em espécie, há várias peculiaridades a serem consideradas que impedem o exercício deste direito contra os apelados.
Uma delas é a dificuldade que os apelados tiveram em obter as escrituras e os respectivos registros dos imóveis, que somente ocorreu 07 anos e 10 meses (junho de 1997) após a permuta do terreno, ou, melhor dizendo, da compra (fls. 27-28) e quitação total (fl. 58) dos apartamentos (agosto de 1989), e, mesmo assim, mediante adjudicação compulsória.
Nesse interregno, em outubro de 1992 (antes de concluída a obra), a hipoteca foi outorgada por quem, na oportunidade, já não detinha mais disponibilidade sobre aquelas unidades residenciais, e, inobstante, ofereceu-as em garantia, incidindo, desta forma, na hipótese do art. 147, inc. II, do C. Civil, razão pela qual deve ser cancelado o respectivo ato constritivo.
Recentes julgados do Colendo Superior Tribunal de Justiça, em casos semelhantes, de contratos sem registro, não só excluíram a incidência do gravame sobre o bem de terceiro de boa fé, como atribuíram à instituição financeira o dever de inteirar-se sobre as condições dos imóveis antes da concessão do financiamento. O eminente Relator menciona os REsp’s n. 287.774-DF-Xxxxxx e n. 146.659-MG-Asfor.
Lembro que os dispositivos do saudoso Código Civil, que a recorrente aponta como ofendidos, estão assim redigidos:
Art. 147. É anulável o ato jurídico:
(...)
II - por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação, ou fraude (arts. 86 a 113).
Art. 677. Os direitos reais passam com o imóvel para o domínio do adquirente.
Acontece que a aplicação da norma acima à hipótese configurada nestes autos, passa pelo entendimento do STJ, adiante transcrito:
I - Os arts. 677 e 755 do Código Civil aplicam-se à hipoteca constituída validamente e não à que padece de um vício de existência que a macula de nulidade desde o nascedouro, precisamente a celebração anterior de um compromisso de compra e venda e o pagamento integral do preço do imóvel.
II - É negligente a instituição financeira que não observa a situação do empreendimento ao conceder financiamento hipotecário para edificar um prédio de apartamentos, principalmente se a hipoteca se deu dois meses antes da concessão do habite-se, quando já era razoável supor que o prédio estivesse concluído, não sendo igualmente razoável que a obra se tenha edificado nesse reduzido período de tempo.
III - É da jurisprudência desta Corte que, “ao celebrar o contrato de financiamento, facilmente poderia o banco inteirar-se das condições dos imóveis, necessariamente destinados à venda, já oferecidos ao público e, no caso, com preço total ou parcialmente pago pelos terceiros adquirentes de boa fé. (REsp n. 329.968-DF-Xxxxxx).
No mesmo sentido os seguintes julgados: REsp’s n. 401.252-SP, n. 287.774-DF-Xxxxxx; n. 263.261-MG e n. 146.659-MG-Asfor; n. 431.440-SP e n. 409.076-SC-Nancy.
Diante de todo o exposto, não conheço do recurso.
RECURSO ESPECIAL N. 431.440-SP (2002/0048939-6)
Relatora: Ministra Xxxxx Xxxxxxxx
Recorrente: Banco do Estado de São Paulo S/A - Banespa Advogado: Alde da Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx e outros Recorrido: Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx e outros
Advogado: Xxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx
EMENTA
Processual Civil. Civil. Recursos especiais. Fundamentação. Embargos de declaração. Omissão. Inexistência. Dissídio jurisprudencial. Comprovação. Contrato de financiamento para a construção de imóvel (prédio com unidades autônomas). Recursos oriundos do SFH. Outorga, pela construtora, de hipoteca sobre o imóvel ao agente financiador. Posterior celebração de compromisso de compra e venda com terceiros adquirentes. Cancelamento da hipoteca.
- É inadmissível o Recurso Especial na parte em que deixa de apontar ofensa à lei ou dissídio jurisprudencial e no ponto em que não fundamenta suas alegações.
- Inexiste omissão a ser suprida por meio de embargos de declaração quando toda a controvérsia posta a desate foi fundamentadamente apreciada no julgado embargado.
- O dissídio jurisprudencial que enseja Recurso Especial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre os acórdãos tidos como divergentes.
- A hipoteca instituída pela Construtora ao agente financiador, em garantia de empréstimo regido pelo Sistema Financeiro da Habitação, que recai sobre unidade de apartamentos, é ineficaz perante os promissários- compradores, a partir de quando celebrada a promessa de compra e venda.
- Nesse caso, deve ser cancelada a hipoteca existente sobre as unidades de apartamentos alienadas a terceiros adquirentes.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por maioria, não conhecer do primeiro recurso especial e conhecer em parte do segundo recurso especial, mas negar- lhe provimento. Os Srs. Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora. Votou vencido o Sr. Ministro Xxx Xxxxxxxxxx. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx.
Brasília (DF), 07 de novembro de 2002 (data do julgamento). Ministro Xxx Xxxxxxxxxx, Presidente
Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, Relatora
DJ 17.02.2003
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Xxxxx Xxxxxxxx: Cuida-se de dois Recursos Especiais interpostos por Banco do Estado de São Paulo S/A - Banespa, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdãos do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, proferidos, respectivamente, em apelação e em embargos infringentes.
Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx e outros, ora recorridos, opuseram embargos de terceiro em execução hipotecária promovida pelo Banco, ora recorrente, contra Construtora Briquet S/A, na qual foram penhoradas unidades condominiais, requerendo o cancelamento das hipotecas que recaíam sobre tais bens.
Alegava-se que aquela Construtora realizara contrato de financiamento com o Banespa, vinculado ao SFH (Lei n. 4.380/1964, fls. 306), para a construção de um prédio de apartamentos, dando em garantia hipotecária “de 1º grau” o terreno sobre o qual seria construído o prédio denominado Edifício Arthur Labes, registrado em cartório em 16.12.1991. Posteriormente, a Construtora celebrou novo contrato, registrado em 14.10.1994, denominado “Aditivo”, prorrogando o prazo do financiamento e constituindo hipoteca “de 2º grau”, desta feita, sobre as unidades de apartamentos do edifício (fls. 327-328), algumas das quais já haviam sido alienadas, por promessa de compra e venda, aos ora recorridos. Alegou-se, ainda, que, no compromisso de compra e venda
das unidades, a Construtora Briquet S/A se obrigara a transferir a propriedade dos bens, livres de quaisquer ônus.
Todavia, como a promitente-vendedora, Construtora Briquet S/A deixara de pagar as prestações do financiamento feito com o Banespa, deu causa à execução e à penhora dos mencionados bens.
Rejeitados os embargos, apelaram os autores, ora recorridos, tendo sido provido o apelo, por maioria, em acórdão assim ementado:
Execução hipotecária. Existência de compromissos de compra e venda celebrados com a Construtora. Inadimplemento da mesma perante ao credor hipotecário, sem comunicação aos compromissários compradores. Terceiros de boa-fé cujos interesses devem prevalecer sobre aqueles do credor hipotecário. Recurso provido, por maioria, para julgar procedentes embargos de terceiro, para o efeito de tornar insubsistente as penhoras, vencido o relator sorteado que não cancelava a hipoteca, mas protegia a posse dos embargantes. (fl. 692).
Interpuseram embargos de declaração, que restaram rejeitados e, em seguida, embargos infringentes, somente com relação à questão do cancelamento da hipoteca ou sua subsistência. Os embargos infringentes foram rejeitados, ao fundamento de que, in verbis:
Com efeito, “se o direito decorrente da hipoteca defendida pelo embargado não pode ser exercido, não lhe serve à satisfação do crédito, há que se entender tenha havido o seu perecimento. Nesse sentido os artigos 77 e 78 do Código Civil. É que perece o direito perecendo seu objeto (artigo 77). E a perda do objeto do direito ocorre quando o mesmo perde suas qualidades essenciais e seu valor econômico (artigo 78). Ora, no caso a garantia hipotecária, não mais podendo ser utilizada para satisfazer o crédito do banco exeqüente, perdeu suas características essenciais, e, bem assim, seu valor econômico. Não se justifica, então, reconhecer que ela permanece mantida, pois já pereceu, juntamente com o perecimento do objeto que o direito protegia.” (fl. 757-758).
Novos embargos de declaração foram interpostos e mais uma vez restaram rejeitados.
No primeiro Recurso Especial, interposto contra o acórdão proferido em apelação, alega-se:
I - ofensa ao art. 535, do CPC, porque não foi suprida a omissão apontada em embargos de declaração.
II - infringência aos arts. 655, § 2º, do CPC, uma vez que não poderia ter sido afastada a penhora do bem oferecido em garantia hipotecária.
III - violação aos arts. 3º da LICC, 1º, 2, 16, 17, 18, 167, I, e 172 da Lei de Registros Públicos.
IV - dissídio jurisprudencial sobre a eficácia da hipoteca. V - que não pode arcar com os ônus da sucumbência.
No segundo Recurso Especial, interposto contra o acórdão proferido em embargos infringentes, alega-se:
I - negativa de vigência ao art. 535 do CPC, porque o Tribunal omitiu- se em se pronunciar sobre vários artigos de lei, mencionados nos embargos de declaração.
II - afronta aos arts. 128 e 460, 267, VI e 295, III, do CPC, pois foi cancelada a hipoteca constituída por outra pessoa, em sede de embargos de terceiro.
III - ofensa ao art. 849 do CC.
IV - violação ao art. 6º, § 1º, da LICC, ao se contrariar o contrato, ato jurídico perfeito.
V - infringência aos arts. 3º da LICC e 809 e 811 do CC.
VI - afronta aos arts. 77 e 78 do CC, porque não era o caso de se cancelar a hipoteca existente sobre os imóveis.
VII - dissídio jurisprudencial sobre a subsistência da hipoteca constituída pela incorporadora em favor do Banco.
VIII - que não pode arcar com os ônus da sucumbência, pois não deu causa à penhora dos bens.
Em contra-razões os ora recorridos sustentam a inadmissibilidade do recurso especial.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Xxxxx Xxxxxxxx (Relatora):
I - Do primeiro Recurso Especial, interposto contra o acórdão proferido em apelação
A) Da fundamentação do Recurso Especial
A questão sobre os ônus da sucumbência e o princípio da causalidade não foi baseada em ofensa à lei federal ou em dissídio jurisprudencial.
Tampouco cuidou o recorrente de apontar as razões pelas quais entende malferidos os arts. 3º da LICC, 1º, 2, 16, 17, 18, 167, I, e 172 da Lei de Registros Públicos, o que atrai a incidência da Súmula n. 284-STF.
Aplica-se, pois, a Súmula n. 284-STF.
B) Da ofensa ao art. 535 do CPC
Os embargos de declaração interpostos contra o aresto de apelação lastreavam-se na necessidade de pronunciamento sobre os arts. 655, § 2º, e 755 do CPC. Todavia, não foram explicados os motivos pelos quais deveria ser feito o exame específico desses dispositivos, restando desfundamentados os embargos declaratórios.
Por esse motivo, o Tribunal a quo acertou ao rejeitar aquele recurso, sem qualquer ofensa ao art. 535 do CPC.
C) Da violação ao art. 655, § 2º, do CPC, e do dissídio jurisprudencial
A ofensa ao art. 655, § 2º, do CPC, e o dissídio jurisprudencial, que está devidamente comprovado, dizem respeito à possibilidade de se negar eficácia ao direito real de hipoteca, afastando-se a penhora sobre o bem hipotecado.
A respeito do tema, a jurisprudência deste C. STJ distingue a hipótese em que a hipoteca foi outorgada (pela empresa construtora ao agente financeiro) em data posterior à celebração do compromisso de compra e venda (com o adquirente da unidade habitacional) daquela em que o gravame foi celebrado e levado a registro antes do pacto de compromisso de compra e venda.
É pacífico, neste Tribunal, o entendimento que declara a nulidade da hipoteca outorgada (pela construtora à instituição financeira) após a celebração da promessa de compra e venda com o promissário-comprador.
Cite-se, a respeito: Recurso Especial n. 78.459-RJ, Rel. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, Quarta Turma, DJ 20.05.1996, Recurso Especial n. 146.659-MG, Rel. Min. Xxxxx Xxxxx Xxxxx, Quarta Turma, DJ 05.06.2000, Recurso Especial n. 287.774-DF, Rel. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, Quarta Turma, DJ 02.04.2001, Recurso Especial n. 296.453-RS, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito,
Terceira Turma, DJ 03.09.2001, Recurso Especial n. 329.968-DF, Rel. Min. Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx, Quarta Turma, DJ 04.02.2002 e Recurso Especial
n. 334.829-DF, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxx, Terceira Turma, DJ 04.02.2002.
Esse entendimento está calcado na compreensão de que a hipoteca só poderá ser ofertada por aquele que possui o direito de alienar o bem (CC, art. 756). Celebrado o compromisso de compra e venda entre a construtora e o adquirente, não mais possui aquela o poder de dispor do imóvel; em conseqüência, não mais poderá gravá-lo com hipoteca.
Os precedentes acima citados consideram, ademais, que fere a boa-fé objetiva da relação contratual a atitude da construtora que primeiro celebra o compromisso de compra e venda de imóvel com o promissário-comprador, e depois onera-o com hipoteca em favor de terceiro (agente financeiro).
Por fim, ressalta em seu voto (Recurso Especial n. 296.453-RS) o Min. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito ser nula, por abusiva (CDC, art. 51, inc. VIII), a cláusula-mandato inserida no instrumento de compromisso de compra e venda, segundo a qual o promissário-comprador autoriza a construtora (promitente- vendedor) a instituir, em favor de terceiro (agente financeiro), hipoteca sobre o imóvel.
Entretanto, se a hipoteca foi constituída (e levada a registro) em data anterior ao pacto de compromisso de compra e venda firmado entre a empresa construtora e o adquirente, os precedentes jurisprudenciais fazem uma segunda diferenciação.
Caso a linha de crédito outorgada à sociedade construtora seja proveniente de recursos próprios do agente financeiro, é valida e eficaz a hipoteca registrada anteriormente à celebração do compromisso de compra e venda, desde que, no ato de contratação, o promissário-comprador tenha sido cientificado a respeito. Cite-se, nesta linha: AGA n. 161.052-SP, Rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxxx, Terceira Turma, DJ 07.12.1998.
Todavia, se os recursos ofertados pelo agente financeiro à sociedade construtora foram captados junto ao SFH, a hipoteca não tem eficácia perante o adquirente da unidade habitacional.
Neste sentido: Recurso Especial n. 171.421-SP, Rel. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, Quarta Turma, DJ 29.03.1999, Recurso Especial n. 187.940-SP, Rel. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, Quarta Turma, DJ 21.06.1999, Recurso Especial n. 205.607-SP, Rel. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, Quarta Turma, DJ 1º.07.1999
e Recurso Especial n. 239.557-SC, Rel. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, Quarta Turma, DJ 07.08.2000.
A convicção exposta nesses precedentes ressalta o fato de que à hipótese aplica-se o regime especial instituído pelas Leis n. 4.380/1964 e n. 4.864/1965. Este regime limita as modalidades de garantia de que poderá se valer o banco- mutuante, na hipótese de inadimplência da construtora-mutuária.
Dispõe o art. 22 da Lei n. 4.864/1965 que os créditos outorgados pelo agente financeiro somente poderão ser garantidos por caução, cessão parcial ou cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado.
Nesses termos, se o adquirente ainda não quitou o seu imóvel, poderá o agente financeiro, por meio de cessão fiduciária, sub-rogar-se no direito de receber os créditos devidos à construtora-mutuária.
Por sua vez, o § 2º do art. 23 desse diploma legal assevera que se a importância recebida em cessão fiduciária não for suficiente ao pagamento do crédito, ficará a construtora-mutuária pessoalmente responsável pela quitação do saldo remanescente.
No caso sub examen, o financiamento celebrado entre a Construtora e o Banco Banespa está vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação, nos termos das Leis n. 4.380/1964 e n. 4.864/1965, como consta às fls. 306-328 dos autos.
Dessa forma, o acórdão recorrido decidiu em consonância com a jurisprudência dominante do STJ ao afirmar que a hipoteca firmada em favor do Banespa, ora recorrente, é ineficaz perante os promissários-compradores, ora recorridos, e ao anular a penhora que recaiu sobre os bens hipotecados.
Por esse motivo, é de se aplicar a Súmula n. 83-STJ.
II - Do segundo Recurso Especial, interposto contra acórdão dos embargos infringentes
A) Violação ao art. 535 do CPC
O recorrente interpôs embargos de declaração contra o aresto que julgou os embargos infringentes, apontando omissão ao não serem apreciados alguns artigos de lei.
Entretanto, com exceção da ausência de pronunciamento sobre os arts. 128 e 460 do CPC, o então embargante não fundamentou as alegadas omissões, e, por esse motivo, era mesmo de se rejeitar os embargos.
Com respeito à aplicação dos arts. 128 e 460 do CPC, que relacionava-se à modificação da causa de pedir, tem-se que não poderia ser alvo de apreciação nos embargos infringentes, pois já restara decidida, por unanimidade, no acórdão proferido em apelação, havendo preclusão.
Assim, incólume restou o art. 535 do CPC.
B) Da fundamentação suficiente
O recorrente deixou de fundamentar as razões da alegada infringência aos arts. 128 e 460, 267, VI, e 295, III, 809 e 811 do CPC, 849 do CC, 3º, 6º, § 1º, da LICC.
Obsta, assim, a pretensão, a Súmula n. 284-STF.
Além disso, como já exposto, a oportunidade de aventar a questão relativa à modificação da causa de pedir - em ofensa aos arts. 128 e 460 do CPC - já está preclusa.
C) Dos ônus da sucumbência
O recorrente não baseou a sua irresignação com relação à condenação nos ônus da sucumbência em ofensa à lei federal ou em dissídio jurisprudencial, pois apenas colacionou dois julgados em amparo a sua tese.
De qualquer forma, ainda que se entenda amparada a pretensão em divergência pretoriana, tem-se que não restou comprovado o dissídio da forma como exigem os arts 541, parágrafo único, do CPC, e 255, § 2º, do RISTJ, pois não ficou demonstrada a similitude fática entre os casos confrontados.
D) Da infringência aos arts. 77 e 78 do CC e do dissídio jurisprudencial
A questão federal relacionada à ofensa ao art. 77 e 78 do CC, está prequestionada e o dissídio jurisprudencial restou comprovado.
O recorrente alega que a hipoteca não poderia ter sido cancelada pois, ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, não perdeu o seu objeto.
O Tribunal a quo analisou a questão determinando o cancelamento da hipoteca, porque, “se o direito decorrente da hipoteca defendida pelo embargado não pode ser exercido, não lhe serve à satisfação do crédito, há que se entender tenha havido o seu perecimento. Nesse sentido os artigos 77 e 78 do Código Civil. É que perece o direito perecendo seu objeto (artigo 77).” (fl. 757).
Entretanto, conforme anteriormente exposto, é pacífico o entendimento de que, em casos como os que ora se examina, a hipoteca é ineficaz perante os terceiros, promissários-compradores, uma vez que se deve aplicar o regime especial instituído pelas Leis n. 4.380/1964 e n. 4.864/1965.
Nas palavras do em. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx (REsp n. 187.940), “A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imóvel garante a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade da devedora; havendo transferência, por escritura de compra e venda ou de promessa de compra e venda, o crédito da sociedade de crédito imobiliário passa a incidir sobre ‘os direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado’ (art. 22 da Lei n. 4.864/1965), (...)”.
Logo, transferidos os apartamentos mediante promessa de compra e venda, a hipoteca que existia sobre essas unidades não têm mais eficácia perante os promissários-compradores, e, por isso, deve ser cancelada, pois, como bem determinou a Corte de origem, “não mais podendo ser utilizada para satisfazer o crédito do banco exeqüente, perdeu suas características essenciais e, bem assim, seu valor econômico.”
Dessa forma, não houve qualquer ofensa aos arts. 77 e 78 do Código Civil.
Forte em tais razões, não conheço do primeiro Recurso Especial, e nego provimento ao segundo Recurso Especial, na parte em que conhecido.
É o voto.
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Xxxxxx Xxxxx: Em ação de execução hipotecária proposta pelo Banco do Estado de São Paulo S/A contra Construtora Briquet Ltda. e outro, Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx e outros opuseram embargos de terceiro, em face de a penhora haver recaído sobre imóveis em relação aos quais firmaram compromisso de compra e venda com a empresa executada, objetivando a desconstituição da hipoteca, esta decorrente de contrato de financiamento celebrado em 1991 entre a exequente e a executada (f. 306) e aditado em 1994 (f. 325).
Julgado improcedente o pedido (f. 622), apelaram os embargantes, sendo o recurso provido, por maioria, em acórdão assim ementado:
Execução hipotecária. Existência de compromissos de compra e venda celebrados com a Construtora. Inadimplemento da mesma perante ao credor
hipotecário, sem comunicação aos compromissários compradores. Terceiros de boa-fé cujos interesses devem prevalecer sobre aqueles do credor hipotecário. Recurso provido, por maioria, para julgar procedentes embargos de terceiro, para o efeito de tornar insubsistente as penhoras, vencido o relator sorteado que não cancelava a hipoteca, mas protegia a posse dos embargantes. (f. 692).
Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (f. 720).
A esse julgado, o banco exequente interpôs recurso especial (f. 776).
Objetivando a prevalência do voto minoritário, também opôs embargos infringentes, de igual modo rejeitados, em acórdão assim sumariado:
Execução hipotecária. Sistema Financeiro da Habitação. Hipótese em que o registro da hipoteca em favor do agente financiador da construtora não pode atingir terceiro adquirente. Perecimento do direito real, justificando-se o seu cancelamento. Embargos de terceiro procedentes. Sucumbência mantida. Embargos infringentes rejeitados. (f. 757).
Opostos embargos de declaração, também foram rejeitados (f. 768), advindo o segundo recurso especial pelo banco (f. 824).
Agora em julgamento, a ilustre ministra relatora não conheceu do primeiro recurso, aplicando-se as Súmulas n. 284-STF e n. 83-STJ, e negou provimento ao segundo, na parte em que conhecido, concluindo que, sendo captados junto ao Sistema Financeiro da Habitação os recursos ofertados pelo agente financeiro à construtora, a hipoteca não tem eficácia perante o adquirente da unidade habitacional, uma vez que se deve aplicar o regime especial instituído pelas Leis n. 4.380/1964 e n. 4.864/1965.
Em síntese, é o relatório.
VOTO
O Sr. Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx: Pedi vista dos autos, para melhor análise, em razão de haver hipoteca anterior aos compromissos de compra e venda firmados entre os recorridos e a construtora.
Verifico, porém, que os rigores do instituto da hipoteca sofreram abrandamentos pela legislação específica relativa ao Sistema Financeiro da Habitação.
Tratando-se, como é o caso, de edificação com financiamento por recurso advindo daquele sistema, prevalecem as regras a este concernentes, ditadas
pelas Leis n. 4.380/1964 (que instituiu o Sistema Financeiro para aquisição da casa própria) e n. 4.864/1965 (que criou medidas de estímulo à indústria de construção civil). Nesta última, em seu artigo 22, é prevista forma de garantia a ser oferecida pela empresa financiada, dispondo que os créditos abertos pelas Caixas Econômicas, bem como pelas sociedades de crédito imobiliário, “poderão ser garantidos pela caução, a cessão parcial ou a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado”. Em sequência, prevê a hipótese de inadimplemento da empresa e o consequente uso da garantia pelo credor, preceituando nos §§ 1o e 2o e artigo 23:
§ 1o – Nas aberturas de crédito garantidas pela caução referida neste artigo, vencido o contrato por inadimplemento da empresa financiada, o credor terá o direito de, independentemente de qualquer procedimento judicial e com preferência sobre todos os demais credores da empresa financiada, haver os créditos caucionados diretamente dos adquirentes das unidades habitacionais, até a final liquidação do crédito garantido.
§ 2o – Na cessão parcial referida neste artigo, o credor é titular dos direitos cedidos na percentagem prevista no contrato, podendo, mediante comunicações ao adquirente da unidade habitacional, exigir, diretamente, o pagamento em cada prestação da sua percentagem nos direitos cedidos.
Art. 23 – Na cessão fiduciária em garantia referida no art. 22, o credor é titular fiduciário dos direitos cedidos até a liquidação da dívida garantida, continuando o devedor a exercer os direitos em nome do credor, segundo as condições do contrato e com as responsabilidades de depositário.
§ 1o – No caso de inadimplemento da obrigação garantida, o credor fiduciário poderá, mediante comunicação aos adquirentes das unidades habitacionais, passar a exercer diretamente todos os direitos decorrentes dos créditos cedidos, aplicando as importâncias recebidas no pagamento do seu crédito e nas despesas decorrentes da cobrança, e entregando ao devedor o saldo porventura apurado.
§ 2o – Se a importância recebida na realização dos direitos cedidos não bastar para pagar o crédito do credor fiduciário, bem como as despesas referidas no parágrafo anterior, o devedor continuará pessoalmente obrigado a pagar o saldo remanescente.
A propósito, no caso em exame, o contrato para abertura de crédito firmado em 27.11.1991 entre o banco recorrente e a construtora (f. 306) dispõe sobre a hipoteca do terreno, inclusive futuras acessões e benfeitorias (Cláusula 18a), porém também prevê a cessão fiduciária, estabelecendo em sua Cláusula 22a que: “O devedor, em garantia complementar do empréstimo ora concedido,
dá, desde já, ao Banespa, em Cessão Fiduciária, todos os direitos creditórios decorrentes da alienação ou promessa de alienação do empreendimento ou de cada uma de suas unidades”.
Situações semelhantes já foram decididas por esta Corte, a exemplo do REsp n. 239.557, tendo como relator o ilustre Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, onde concluiu-se por ementa:
Promessa de compra e venda. Embargos de terceiros. Hipoteca. SFH.
A garantia hipotecária do financiamento concedido pelo SFH para a construção de imóveis não atinge o terceiro adquirente da unidade. (DJU de 07.08.2000).
Em seu voto, fazendo menção à legislação antes citada, consignou o relator, entre outras considerações:
A construtora recebera financiamento do Banco Meridional pelo Sistema Financeiro da Habitação para erguer o prédio, instituindo hipoteca sobre o terreno e o que viria a ser construído, cujas unidades seriam comercializadas. (...)
A causa deve ser examinada e julgada nas circunstâncias do negócio realizado, tratando-se de aquisição de casa própria com financiamento concedido por instituição financeira à construtora ou incorporadora do prédio, com ou sem financiamento por agente financeiro aos adquirentes finais. (...)
Faço esse registro inicial porque é preciso definir que o financiamento concedido à empresa construtora tinha o fim único de permitir a construção de um prédio destinado a venda. Os terceiros adquirentes fariam o pagamento das suas prestações com recursos próprios diretamente à construtora, ou obteriam um financiamento pessoal junto à mesma ou a outra instituição financeira, hipótese em que tocaria a esta saldar o débito do promissário comprador perante a construtora, ficando o imóvel hipotecado em favor da instituição que financiou o promissário comprador, adquirente final (mutuário). Nessa situação, cabe ao financiador do prédio construído para ser alienado cobrar da construtora, sobre os bens dela, sua devedora, ou sobre os créditos dela em relação aos terceiros adquirentes. (...)
A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imóvel garante a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade da devedora; havendo transferência, por escritura pública de compra e venda ou de promessa de compra e venda, o crédito da sociedade de crédito imobiliário passa a incidir sobre “os direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado” (art. 22 da Lei n. 4.864/1965), sendo ineficaz em relação ao terceiro adquirente a garantia hipotecária instituída pela construtora em favor do agente imobiliário que financiou o projeto. Assim foi estruturado o sistema e assim deve ser aplicado, especialmente para respeitar os interesses do terceiro adquirente de boa-fé, que cumpriu com todos os seus compromissos e
não pode perder o bem que lisamente comprou e pagou em favor da instituição que, tendo financiado o projeto de construção, foi negligente na defesa do seu crédito perante a sua devedora, deixando de usar dos instrumentos próprios e adequados previstos na legislação específica desse negócio.
As regras gerais sobre a hipoteca não se aplicam no caso de edificações financiadas por agentes imobiliários integrantes do Sistema Financeiro da Habitação, porquanto estes sabem que as unidades a serem construídas serão alienadas a terceiros, que responderão apenas pela dívida que assumiram com o seu negócio, e não pela eventual inadimplência da construtora. O mecanismo de defesa do financiador será o recebimento do que for devido pelo adquirente final, mas não a excussão da hipoteca, que não está permitida pelo sistema.
Na mesma linha de entendimento, REsp n. 171.421 (DJU 29.03.1999, Rel. p/ ac. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx), REsp n. 314.553 (DJU 04.02.2002, Rel. Min. Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx), REsp n. 401.252 (DJU 05.08.2002, Rel. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx), REsp n. 263.261 (DJU 20.05.2002, rel. Min. Xxxxx Xxxxx Xxxxx) e REsp n. 187.940 (DJU 21.06.1999, rel. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx), este último assim ementado:
Sistema Financeiro da Habitação. Casa própria. Execução. Hipoteca em favor do financiador da construtora. Terceiro promissário comprador.
Embargos de terceiro.
- Procedem os embargos de terceiros opostos pelos promissários compradores de unidade residencial de edifício financiado, contra a penhora efetivada no processo de execução hipotecária promovida pela instituição de crédito imobiliário que financiou a construtora.
- O direito de crédito de quem financiou a construção das unidades destinadas à venda pode ser exercido amplamente contra a devedora, mas contra os terceiros adquirentes fica limitado a receber deles o pagamento das suas prestações, pois os adquirentes da casa própria não assumem a responsabilidade de pagar duas dívidas, a própria, pelo valor real do imóvel, e a da construtora do prédio.
Recurso conhecido e provido.
Por conseguinte, em face também a estes fundamentos, acompanho a ilustre relatora, em seu bem elaborado voto.
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Xxx Xxxxxxxxxx: Salvo melhor juízo, a hipoteca registrada prevalece sobre as promessas de compra e venda contratadas posteriormente.
Tal como disse o MM. Juiz de Direito, Dr. Xxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx, “Havendo hipoteca convencional em garantia de legítimo e válido mútuo, não cabe o seu cancelamento por promitentes compradores posteriores” (fl. 623).
Voto, por isso, no sentido de conhecer dos recursos especiais, dando-lhes provimento.
RECURSO ESPECIAL N. 439.604-PR (2002/0069863-0)
Relator: Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito Recorrente: Banco Itaú S/A
Advogada: Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxx Xxxxxxx e outros Recorrido: Xxxxxx Xxxxxx Presezeniak Xxxxxx e outro Advogado: Xxx Xxxxxxxxx Xxxxxx e outro
EMENTA
Compra e venda de imóvel pelo Sistema Financeiro da Habitação. Embargos de terceiro. Hipoteca em favor da construtora. Precedentes da Corte.
1. Merece prestigiada a orientação da Corte no sentido de que os embargos de terceiro opostos pelos compradores de imóvel, no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, são procedentes, não atingindo a garantia hipotecária do financiamento o terceiro adquirente da unidade, o qual responde, apenas, pelo pagamento do seu débito.
2. Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Xxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, ocasionalmente, o Sr. Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Xxx Xxxxxxxxxx.
Brasília (DF), 22 de maio de 2003 (data do julgamento). Ministro Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, Presidente Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito, Relator
DJ 30.06.2003
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito: Banco Itaú S/A interpõe recurso especial, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra Acórdão da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, assim ementado:
Embargos de terceiro. Sistema Financeiro da Habitação. Casa própria. Execução. Bem hipotecado em favor do financiador da incorporadora. Terceiro na condição de compromissário-comprador. Meio adequado de defesa do patrimônio negociado de forma legítima. Bem de família imune à execução (Lei n. 8.009/1990).
Recurso desprovido. (fls. 266).
Sustenta o recorrente ofensa aos artigos 3º, inciso II, da Lei n. 8.009/1990, 655, § 2º, do Código de Processo Civil, 755, 758, 759, 815 e 849 do Código Civil, aduzindo ter direito de excutir a garantia hipotecária incidente sobre o bem imóvel em litígio, uma vez que o contrato de empréstimo firmado com a construtora executada prevê que a liberação da hipoteca dependia da anuência do credor hipotecário.
Afirma a ineficácia da aquisição do imóvel pelos terceiros embargantes, ora recorridos, já que a hipoteca foi constituída antes do compromisso de compra e venda, ou seja, os adquirentes tinham ciência do ônus hipotecário.
Alega a não aplicabilidade do benefício da impenhorabilidade do bem de família, sendo certo que a própria lei excetua da condição de impenhorável o imóvel hipotecado.
Para caracterizar a divergência jurisprudencial, colaciona julgados, também, desta Corte.
Contra-arrazoado (fls. 311 a 326), o recurso especial (fls. 272 a 286) não foi admitido (fls. 380 a 383), tendo seguimento por força de agravo de instrumento provido (fls. 215-verso).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito (Relator): Os recorridos ajuizaram embargos de terceiro alegando que tomaram posse do imóvel em 27.03.1995, baseados em promessa de compra e venda por instrumento particular; que a alienação das unidades dependia de prévio e expresso consentimento do Banco embargado, “cautela esta que somente faz sentido se este pretendia garantir que os adquirentes das unidades possuíssem patrimônio suficiente para satisfazer a execução dos direitos decorrentes da alienação, recebidos em cessão fiduciária”; que “percebe-se que a intenção do Embargado era executar as notas promissórias emitidas em favor da CHM - Construções Civis Ltda., diretamente contra os adquirentes das unidades do Edifício Maison Maria Illy, nos moldes dos arts. 22 e 23 da Lei n. 4.864/1965, caso a Executada não lhe repassasse os valores recebidos dos adquirentes”; que “a hipoteca incidente sobre os apartamentos e garagens do referido edifício restou apenas para garantir o recebimento do débito dos respectivos adquirentes, pois se a hipoteca houvesse de garantir as obrigações da Executada, os adquirentes das unidades não teriam segurança alguma de concretização das promessas de compra e venda, não havendo necessidade de intervenção do Embargado neste negócio; conseqüentemente, não teria sentido o disposto na Clausula Décima Primeira do termo aditivo do Contrato n. CES - 012/93, firmado em data de 05.08.1993”; que a “responsabilidade dos Embargantes está restrita ao pagamento do seu débito, sendo admissível a penhora das unidades que adquiriram apenas na hipótese de execução por inadimplemento das suas próprias obrigações”, invocando precedente desta Corte.
A sentença julgou procedente o pedido. Para o Juiz os “embargantes quitaram parcialmente a unidade imobiliária com a empresa executada. Esse assumiu o compromisso de retirar o ônus hipotecário junto a empresa embargada. A responsabilidade é exclusiva da empresa executada. Assim, que recebeu a quitação parcial do imóvel deveria ter efetuado a comunicação ao banco, no entanto não o fez. Os embargantes depositaram sua confiança na empresa executada e nunca demonstraram a intenção de prejudicar a embargada o que caracteriza a boa fé”.
O Tribunal de Alçada do Paraná desproveu a apelação. Considerou o acórdão recorrido que “no caso vertente, tem-se que a aquisição não se deu de forma ilegítima, porém regular através do Sistema Financeiro da Habitação. E, tendo o mutuário pago regularmente e de forma parcial o preço, satisfazendo todas as suas obrigações, a unidade adquirida em face das regras que norteiam o sistema, desvincula-se da hipoteca celebrada pela incorporadora alienante visando o financiamento do empreendimento, não sendo absoluta a regra da indivisibilidade da garantia, não só em face do contido no artigo 758 do Código Civil, mas em decorrência da natureza da própria avença”.
Como é fácil constatar, a matéria objeto do presente especial é do amplo conhecimento da Corte, que, sobre a mesma, em diversas oportunidades, já se manifestou.
Como bem posto na sentença, no caso, o “banco embargado é credor fiduciário da empresa que negociou com os embargantes e a garantia hipotecária é originária de empreendimento imobiliário”.
Os precedentes da Quarta Turma confirmam o entendimento do acórdão recorrido.
Toda a questão é saber se a hipoteca gravando a operação de empréstimo feita pelo Banco à construtora, no espectro do Sistema Financeiro da Habitação, alcança o terceiro adquirente que cumpre a sua obrigação de pagamento.
Tenho manifestado meu entendimento de que quando o imóvel é pago à vista, quitada a obrigação assumida, e, ainda, não tiveram os adquirentes conhecimento de que os bens estavam gravados, não há mesmo razão para embolar o imóvel da garantia oferecida pela construtora (cf. voto vista que proferi quando do julgamento do REsp n. 231.226-AL, Relator o Senhor Ministro Xxxxxxxx Xxxxxxx, DJ de 27.08.2001). Mas, neste feito, houve o pagamento parcial e a execução, diante da inadimplência da construtora financiada, atinge o terceiro adquirente.
Com a devida vênia dos que entendem em sentido contrário, bem refletindo sobre as razões postas nos precedentes da Quarta Turma sobre a aquisição de imóveis pelo Sistema Financeiro da Habitação, quero crer que a postulação posta na inicial, merece mesmo acolhida. De fato, deve a responsabilidade dos adquirentes ficar restrita ao pagamento do seu débito, admitida a penhora da unidade adquirida apenas na hipótese de execução por inadimplemento das suas próprias obrigações. Nesse sentido, peço vênia para reproduzir as razões alinhadas pelo eminente Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx quando do julgamento do REsp n. 187.940-SP (DJ de 21.06.1999), como se segue:
A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imóvel garante a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade da devedora; havendo transferência, por escritura pública de compra e venda ou de promessa de compra e venda, o crédito da sociedade de crédito imobiliário passa a incidir sobre “os direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado” (art. 22 da Lei n. 4.864/1965), sendo ineficaz em relação ao terceiro adquirente a garantia hipotecária instituída pela construtora em favor do agente imobiliário que financiou o projeto. Assim foi estruturado o sistema e assim deve ser aplicado, especialmente para respeitar os interesses do terceiro adquirente de boa fé, que cumpriu com todos os seus compromissos e não pode perder o bem que lisamente comprou e pagou em favor da instituição que, tendo financiado o projeto de construção, foi negligente na defesa do seu crédito perante a sua devedora, deixando de usar dos instrumentos próprios e adequados previstos na legislação específica desse negócio.
As regras gerais sobre a hipoteca não se aplicam no caso de edificações financiadas por agentes imobiliários integrantes do Sistema Financeiro da Habitação, porquanto estes sabem que as unidades a serem construídas serão alienadas a terceiros, que responderão apenas pela dívida que assumiram com o seu negócio, e não pela eventual inadimplência da construtora. O mecanismo de defesa do financiador será o recebimento do que for devido pelo adquirente final, mas não a excussão da hipoteca, que não está permitida pelo sistema.
(...)
3. Ainda que não houvesse regra específica traçando esse modelo, não poderia ser diferente a solução. O princípio da boa fé objetiva impõe ao financiador de edificação de unidades destinadas à venda aprecatar-se para receber o seu crédito da sua devedora ou sobre os pagamentos a ela efetuados pelos terceiros adquirentes. O que se não lhe permite é assumir a cômoda posição de negligência na defesa dos seus interesses, sabendo que os imóveis estão sendo negociados e pagos por terceiros, sem tomar nenhuma medida capaz de satisfazer os seus interesses, para que tais pagamentos lhe sejam feitos e de impedir que o terceiro sofra a perda das prestações e do imóvel. O fato de constar do registro a hipoteca da unidade edificada em favor do agente financiador da construtora não tem o efeito que se lhe procura atribuir, para atingir também o terceiro adquirente, pois que ninguém que tenha adquirido imóvel neste país, financiado pelo SFH, assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a dívida da construtora perante o seu financiador. Isso seria contra a natureza da coisa, colocando os milhares de adquirentes de imóveis, cujos projetos foram financiados pelo sistema, em situação absolutamente desfavorável, situação essa que a própria lei tratou claramente de eliminar. Além disso, consagraria abuso de direito em favor do financiador que deixa de lado os mecanismos que a lei lhe alcançou, para instituir sobre o imóvel - que possivelmente nem existia ao tempo do seu contrato, e que estava destinado a ser transferido a terceiro, - uma garantia hipotecária pela dívida da sua devedora, mas que produziria necessariamente efeitos sobre o terceiro.
No mesmo sentido: REsp n. 263.261-MG, Relator o Senhor Ministro Xxxxx Xxxxx Xxxxx, DJ de 20.05.2002; REsp n. 314.553-AL, Relator o Senhor Ministro Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx, DJ de 04.02.2002.
Com relação ao dissídio, um dos paradigmas apresentados não especifica se o contrato está vinculado com o Sistema Financeiro da Habitação, o que retira a necessária similitude fática com o acórdão recorrido, e o outro não é oriundo de repositório autorizado, recolhido de obra doutrinária, como posto no despacho que não admitiu o especial.
Com tais razões, eu não conheço do especial.
RECURSO ESPECIAL N. 498.862-GO (2003/0017554-3)
Relator: Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito Recorrente: BB Banco de Investimentos S/A Advogados: Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx
Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx e outros
Recorrido: Encol S/A Engenharia Comércio e Indústria - massa falida Advogado: Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxx Xxxxx e outros
Recorrido: Xxxxxxxxx xxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxx Advogado: Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx e outro
EMENTA
Promessa de compra e venda. Imóvel adquirido no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação. Hipoteca constituída pela construtora junto ao agente financeiro. Dissídio. Súmula n. 83. Precedentes da Corte.
1. Precedentes no âmbito da Segunda Seção assentaram que “os embargos de terceiro opostos pelos compradores do imóvel, no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, são procedentes, não atingindo a garantia hipotecária do financiamento o terceiro adquirente da unidade, o qual responde, apenas, pelo pagamento do seu débito”(REsp
n. 439.604-PR, de minha relatoria, DJ de 30.06.2003; no mesmo
sentido: REsp n. 431.440-SP, Relatora a Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, DJ de 17.02.2003; REsp n. 401.252-SP, Relator o Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, DJ de 05.08.2002; REsp n. 239.557-SC, Relator o Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, DJ de 07.08.2000; REsp n. 187.940-SP, Relator o Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, DJ de 21.06.1999).
2. Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Ministros Xxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx.
Brasília (DF), 02 de dezembro de 2003 (data do julgamento). Ministro Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, Presidente
Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito, Relator
DJ 1º.03.2004
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito: BB Banco de Investimentos S.A. interpõe recurso especial, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão da Terceira Turma Julgadora da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, assim ementado:
Apelação. Falência. Sistema Financeiro Imobiliário. Adquirentes promitentes de unidades residenciais dadas em hipoteca mesmo sendo público que a incorporadora passava por enormes dificuldades financeiras. Ofensa aos princípios da boa-fé consagrados no C.D.C. - Não prevalece diante do terceiro adquirente de boa-fé a hipoteca constituída pela incorporadora junto a instituição financeira porque a estrutura não só do Código de Defesa do Consumidor, como também, do próprio sistema habitacional, foi consolidada para respeitar o direito do consumidor. O fato de constar do registro a hipoteca da unidade edificada em favor
do agente financiador da construtora não tem o efeito que se lhe procura atribuir, para atingir também o terceiro adquirente, pois que ninguém que tenha adquirido imóvel pelo SFH assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a dívida da construtora perante o seu financiador. Apelo improvido (fls. 241-242).
Opostos embargos de declaração (fls. 249 a 252), foram rejeitados (fls. 270 a 278).
Sustenta o recorrente violação do artigo 535, inciso II, do Código de Processo Civil, haja vista que não foram sanadas as omissões do acórdão, ainda que opostos embargos declaratórios.
Aduz ofensa aos artigos 82, 530, 755, 759, 811 e 848 do Código Civil de 1916 e 172 da Lei n. 6.015/1973, na medida em que “a hipoteca objeto da lide foi constituída por agentes capazes, teve objeto lícito, foi observada a forma prescrita em lei e presentes todas as solenidades” (fl. 284) e que, “no caso, o imóvel objeto da lide estava plenamente hipotecável, haja vista nada constar, restritivamente, de sua matrícula ou, ainda, que estava sendo negociado a terceiros” (fl. 285).
Argúi contrariedade ao artigo 1.560 do Código Civil de 1916, tendo em vista que o Tribunal de origem decidiu “pela prevalência do direito pessoal do Recorrido, em razão de Compromissos de Compra e Venda não registrados em prejuízo do direito real do Recorrente, fincado em hipoteca devidamente registrada” (fls. 288-289).
Aponta dissídio jurisprudencial, trazendo à colação julgados, também, desta Corte.
Sem contra-razões (fl. 297), o recurso especial (fls. 281 a 293) não foi admitido (fls. 306 a 308), tendo seguimento por força de agravo de instrumento, provido (fls. 143-144 apenso).
Opina o Ministério Público Federal, com parecer do ilustre Subprocurador- Geral da República, Dr. Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx, “pelo não conhecimento, acaso conhecido, pelo desprovimento do recurso” (fls. 325 a 330).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito (Relator): O segundo recorrido ajuizou ação pauliana para anular hipoteca concedida pela primeira ré
em fraude contra credor, em favor do segundo réu, com fundamento nos artigos 106 e seguintes do Código Civil de 1916.
A sentença julgou procedente o pedido. Para o Juiz, “somente pode ser considerado que agiu de boa-fé o promissário comprador do imóvel, o qual adquiriu a unidade e pagou o preço avençado, estando agora suportando o risco de ver o credor hipotecário adotar as medidas cabíveis para fazer valer a garantia viciada” (fl. 171). Ademais, asseverou que “não resta nenhuma dúvida que a cláusula inserta no contrato de compra e venda firmado com a então construtora Encol S/A, permitindo o oferecimento da unidade adquirida em hipoteca ou já informando a existência do gravame é nula pleno iures, vez que é abusiva e constante de típico contrato de adesão, sendo ineficaz em relação ao promissário comprador” (fl. 171). Para a sentença, “Não é crível que o promitente comprador, mesmo quitando o preço da unidade adquirida, tenha anuído com tal cláusula, a qual é claramente abusiva, pois além de estabelecer condição potestativa, traz previsão da possibilidade de se constituir garantia real sobre bem que não mais pertencia à construtora vendedora” (fl. 171).
O Tribunal de Justiça de Goiás negou provimento à apelação. Rejeitou as preliminares considerando que a inicial está dentro dos ditames legais, que a sentença preenche os requisitos do art. 458 do Código de Processo Civil, tendo fundamentação suficiente e, finalmente, “que o vínculo criado em contrato de compra e venda entre os compromissários e, antes ou depois, entre a construtora contratante e o agente financeiro, através da garantia hipotecária, em face do mesmo imóvel, possibilita juridicamente o pedido tal como apresentado na inicial da ação e confere a qualquer dos integrantes da tríade, interesse e legitimidade para estarem em juízo” (fl. 233). No mérito, afirmou que a “sentença decidiu com acerto. Haja ou não a hipoteca se constituído antes da compra e, conquanto prima facie comportável a questão em torno do direito real, no caso em tela, sobreleva aspectos outros que de forma alguma devem ser olvidados, sob pena de incorrer o Julgador em severas injustiças com uma parcela da sociedade que procedeu com lisura e boa-fé na aquisição de sua casa própria” (fl. 234). Invoca precedente de que Relator nesta Corte o Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx para asserir que ninguém que tenha adquirido imóvel pelo Sistema Financeiro da Habitação assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a da construtora perante seu financiador.
Os embargos de declaração foram rejeitados.
Não enxergo violação do artigo 535 do Código de Processo Civil. O tema objeto da controvérsia foi posto claramente no acórdão recorrido, não havendo empeço a que o tema seja tratado no recurso especial.
A argumentação desenvolvida pelo recorrente é no sentido de que não seria possível desconstituir a hipoteca, regularmente estabelecida, de modo a impedir que o adquirente, mesmo tendo quitado integralmente o imóvel, possa ver a desoneração do gravame antes do pagamento da dívida ao credor hipotecário. Assim, prevalece o direito real sobre o direito pessoal. Traz, ainda, precedentes para apoiar o dissídio.
Ocorre que, de fato, o acórdão recorrido está em conformidade com a jurisprudência mais recente desta Corte. Vejamos.
Ao julgar o REsp n. 439.604-PR, de minha relatoria (DJ de 30.06.2003), esta Terceira Turma assentou que “os embargos de terceiro opostos pelos compradores de imóvel, no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, são procedentes, não atingindo a garantia hipotecária do financiamento o terceiro adquirente da unidade, o qual responde, apenas, pelo pagamento do seu débito”. No meu voto expendi as razões que se seguem:
Toda a questão é saber se a hipoteca gravando a operação de empréstimo feita pelo Banco à construtora, no espectro do Sistema Financeiro da Habitação, alcança o terceiro adquirente que cumpre a sua obrigação de pagamento.
Tenho manifestado meu entendimento de que quando o imóvel é pago à vista, quitada a obrigação assumida, e, ainda, não tiveram os adquirentes conhecimento de que os bens estavam gravados, não há mesmo razão para embolar o imóvel da garantia oferecida pela construtora (cf. voto vista que proferi quando do julgamento do REsp n. 231.226-AL, Relator o Senhor Ministro Xxxxxxxx Xxxxxxx, DJ de 27.08.2001). Mas, neste feito, houve o pagamento parcial e a execução, diante da inadimplência da construtora financiada, atinge o terceiro adquirente.
Com a devida vênia dos que entendem em sentido contrário, bem refletindo sobre as razões postas nos precedentes da Quarta Turma sobre a aquisição de imóveis pelo Sistema Financeiro da Habitação, quero crer que a postulação posta na inicial, merece mesmo acolhida. De fato, deve a responsabilidade dos adquirentes ficar restrita ao pagamento do seu débito, admitida a penhora da unidade adquirida apenas na hipótese de execução por inadimplemento das suas próprias obrigações. Nesse sentido, peço vênia para reproduzir as razões alinhadas pelo eminente Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx quando do julgamento do REsp n. 187.940-SP (DJ de 21.06.1999), como se segue:
A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imóvel garante a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade da devedora; havendo transferência, por escritura pública de compra e venda ou de promessa de compra e venda, o crédito da sociedade de crédito imobiliário passa a incidir sobre “os direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado” (art. 22 da Lei n. 4.864/1965), sendo ineficaz em relação ao terceiro adquirente a garantia hipotecária instituída pela construtora em favor do agente imobiliário que financiou o projeto. Assim foi estruturado o sistema e assim deve ser aplicado, especialmente para respeitar os interesses do terceiro adquirente de boa fé, que cumpriu com todos os seus compromissos e não pode perder o bem que lisamente comprou e pagou em favor da instituição que, tendo financiado o projeto de construção, foi negligente na defesa do seu crédito perante a sua devedora, deixando de usar dos instrumentos próprios e adequados previstos na legislação específica desse negócio.
As regras gerais sobre a hipoteca não se aplicam no caso de edificações financiadas por agentes imobiliários integrantes do Sistema Financeiro da Habitação, porquanto estes sabem que as unidades a serem construídas serão alienadas a terceiros, que responderão apenas pela dívida que assumiram com o seu negócio, e não pela eventual inadimplência da construtora. O mecanismo de defesa do financiador será o recebimento do que for devido pelo adquirente final, mas não a excussão da hipoteca, que não está permitida pelo sistema.
(...)
3. Ainda que não houvesse regra específica traçando esse modelo, não poderia ser diferente a solução. O princípio da boa fé objetiva impõe ao financiador de edificação de unidades destinadas à venda aprecatar-se para receber o seu crédito da sua devedora ou sobre os pagamentos a ela efetuados pelos terceiros adquirentes. O que se não lhe permite é assumir a cômoda posição de negligência na defesa dos seus interesses, sabendo que os imóveis estão sendo negociados e pagos por terceiros, sem tomar nenhuma medida capaz de satisfazer os seus interesses, para que tais pagamentos lhe sejam feitos e de impedir que o terceiro sofra a perda das prestações e do imóvel. O fato de constar do registro a hipoteca da unidade edificada em favor do agente financiador da construtora não tem o efeito que se lhe procura atribuir, para atingir também o terceiro adquirente, pois que ninguém que tenha adquirido imóvel neste país, financiado pelo SFH, assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a dívida da construtora perante o seu financiador. Isso seria contra a natureza da coisa, colocando os milhares de adquirentes de imóveis, cujos projetos foram financiados pelo sistema, em situação absolutamente desfavorável, situação essa que a própria lei tratou claramente de eliminar. Além disso,
consagraria abuso de direito em favor do financiador que deixa de lado os mecanismos que a lei lhe alcançou, para instituir sobre o imóvel - que possivelmente nem existia ao tempo do seu contrato, e que estava destinado a ser transferido a terceiro, - uma garantia hipotecária pela dívida da sua devedora, mas que produziria necessariamente efeitos sobre o terceiro.
No mesmo sentido: REsp n. 263.261-MG, Relator o Senhor Ministro Xxxxx Xxxxx Xxxxx, DJ de 20.05.2002; REsp n. 314.553-AL, Relator o Senhor Ministro Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx, DJ de 04.02.2002.
Na Quarta Turma, além do precedente de que Relator o Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, antes mencionado, quando do julgamento do REsp n. 415.667- SP, Relator o Senhor Ministro Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx (DJ de 07.04.2003), ficou mais uma vez assentado que o “adquirente de unidade habitacional pelo
S.F.H. somente é responsável pelo pagamento integral da dívida relativa ao imóvel que adquiriu, não podendo sofrer constrição patrimonial em razão do inadimplemento da empresa construtora perante o banco financiador do empreendimento, posto que, após celebrada a promessa de compra e venda, a garantia passa a incidir sobre os direitos decorrentes do respectivo contrato individualizado, nos termos do art. 22 da Lei n 4.864/1965”.
Na mesma direção: REsp n. 431.440-SP, Relatora a Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, DJ de 17.02.2003; REsp n. 401.252-SP, Relator o Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, DJ de 05.08.2002; REsp n. 239.557-SC, Relator o Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, DJ de 07.08.2000; REsp n. 187.940-SP, Relator o Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, DJ de 21.06.1999.
Com essas razões, eu não conheço do especial, afastando o dissídio com base na Súmula n. 83 da Corte.
RECURSO ESPECIAL N. 514.993-GO (2003/0010130-0)
Relator: Ministro Xxxxx Xxxxx Xxxxx Recorrente: Banco Itaú S/A
Advogado: Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx e outros
Recorrido: Encol S/A - Engenharia Comércio e Indústria - massa falida
Advogado: Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx da Costa - síndico e outro Recorrido: Xxxxxx Xxxxxx e outros
Advogado: Railda Costa Rufo e outro
EMENTA
Civil e Processo Civil. Financiamento para construção. SFH. Hipoteca. Terceiros adquirentes de unidades imobiliárias.
Firme o entendimento no sentido de que, em contratos de financiamento para construção de imóveis pelo Sistema Financeiro de Habitação, a garantia hipotecária do contrato concedida pela incorporadora ao banco não atinge o terceiro adquirente da unidade.
Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxx. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx.
Brasília (DF), 25 de novembro de 2003 (data do julgamento). Ministro Xxxxx Xxxxx Xxxxx, Relator
DJ 14.06.2004
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Xxxxx Xxxxx Xxxxx: Xxxxxx Xxxxxx e outros ajuizaram ação de nulidade de hipoteca contra a Massa Falida da Encol S.A. - Engenharia, Comércio e Indústria e o Banco Itaú, tendo em vista a quitação de unidade residencial adquirida pelos autores da primeira ré.
O MM. Juízo de primeiro grau julgou procedente a demanda, desconstituindo a hipoteca. A apelação interposta pelo segundo réu restou
improvida em v. acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, assim sumariado, no pertinente:
Apelação. Falência. Sistema Financeiro Imobiliário. Adquirentes promitentes de unidades residenciais dadas em hipoteca mesmo sendo público que a incorporadora passava por enormes dificuldades financeiras. Ofensa aos princípios da boa-fé consagrados no CDC - honorários advocatícios. I - Não prevalece diante do terceiro adquirente de boa-fé a hipoteca constituída pela incorporação junto à instituição financeira porque a estrutura não só do Código de Defesa do Consumidor, como também do próprio sistema habitacional, foi consolidada para respeitar o direito do consumidor. O fato de constar registro da hipoteca de unidade edificada em favor do agente financiador da construtora não tem o efeito que se lhe procura atribuir, para atingir também o terceiro adquirente, pois que ninguém que tenha adquirido imóvel pelo SFH assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a dívida da construtora perante o financiador. (...). Apelos improvidos. (fls. 708-9).
Rejeitados os embargos de declaração opostos, o segundo réu interpôs recurso especial com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, por alegada ofensa aos arts. 534, 677, 755, 811, 817, 833, 848, 849 e 850 do Código Civil de 1916, 20 do Decreto-Lei n. 58/1937, 23, § 4º, da Lei n. 4.864/1965 e 535, II, do Código de Processo Civil, além de dissídio pretoriano.
Respondido, o apelo foi admitido na origem, ascendendo os autos a esta Corte.
O douto representante do Ministério Público Federal ofereceu parecer pelo não conhecimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Xxxxx Xxxxx Xxxxx (Relator): 1. Quanto ao art. 535 do Código de Processo Civil, não se verifica a alegada afronta, uma vez que o Tribunal de origem dirimiu fundamentadamente todas as questões levantadas pelas partes, inexistindo qualquer omissão ou contradição.
2. No que tange à desconstituição da hipoteca, esta egrégia Quarta Turma firmou entendimento no sentido de que, em contratos de financiamento para construção de imóveis pelo Sistema Financeiro de Habitação, a garantia hipotecária do contrato concedida pela incorporadora ao banco não atinge o terceiro adquirente da unidade.
Essa tese saiu vencedora no julgamento do REsp n. 171.421-SP, por mim relatado, no qual proferi voto minoritário, recebendo o aresto a seguinte ementa:
Sistema Financeiro da Habitação. Casa própria. Hipoteca. Efeito sobre o mutuário. Bem de família. Embargos de terceiro.
- A Lei n. 8.009/1990 impede a execução de imóvel adquirido pelo mutuário, no SFH, destinado à moradia da família, estando o bem imune à hipoteca instituída pela construtora em favor do financiador.
Recurso conhecido e provido. (REsp n. 171.421-SP, relator para acórdão eminente Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, DJ de 29.03.1999).
Veja-se, no mesmo sentido, os seguintes acórdãos, cujas ementas transcrevo, no que interessa:
Civil e Processual. Acórdão. Nulidade não verificada. Embargos de terceiro. Sistema Financeiro da Habitação. Hipoteca incidente sobre unidade autônoma. Pagamento integral do débito pela promitente compradora. Construtora que não honrou seus compromissos perante o financiador do empreendimento. Execução. (...)
(...)
II. O promissário comprador de unidade habitacional pelo S.F.H. somente é responsável pelo pagamento integral da dívida relativa ao imóvel que adquiriu, não podendo sofrer constrição patrimonial em razão do inadimplemento da empresa construtora perante o financiador do empreendimento, posto que, após celebrada a promessa de compra e venda, a garantia passa a incidir sobre os direitos decorrentes do respectivo contrato individualizado, nos termos do art. 22 da Lei n. 4.864/1965.
III. Precedentes do STJ. (...)
V. Recurso especial conhecido em parte, e nessa parte, provido. (REsp n. 237.538-SP, relatado pelo eminente Ministro Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx, DJ 30.06.2003).
Civil. Sistema Financeiro da Habitação. Hipoteca incidente sobre unidades autônomas. Pagamento integral do débito pelo promitente comprador. Construtora que não honrou seus compromissos perante o banco financiador do empreendimento. Execução. Penhora.
I. O adquirente de unidade habitacional pelo S.F.H. somente é responsável pelo pagamento integral da dívida relativa ao imóvel que adquiriu, não podendo sofrer constrição patrimonial em razão do inadimplemento da empresa construtora perante o banco financiador do empreendimento, posto que, após celebrada