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Cessão de uso - “Taxa de travessia” - Legalidade - Obrigação mantida
Ementa: Apelação cível. Contrato de cessão de uso. Cobrança de “taxa de travessia”. Ausência de ilegalidade. Autonomia da vontade. Prevalência da obrigação.
- A interferência do Poder Judiciário na vontade das partes é excepcional e somente se justifica quando a obrigação estampada no contrato é contraída com vício ou ilegal em sua origem.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0351.11.000292-7/001 -
Comarca de Janaúba - Apelante: Xxxxxxxx Xxxxx Xxxx
- Apelado: Ferrovia Centro Atlântica S.A. - Relator: DES. XXXXX XXXXX
Acórdão
Vistos etc., acorda, em Turma, a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em REJEITAR A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. VENCIDO O REVISOR.
Belo Horizonte, 14 de novembro de 2013. - Xxxxx Xxxxx - Relator.
Notas taquigráficas
DES. XXXXX XXXXX - Xxxxxxxx Xxxxx Xxxx moveu ação “declaratória de ilegalidade da cobrança de taxa de travessia” c/c repetição de indébito contra a Ferrovia Centro Atlântica S.A.
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públicos municipais ocupantes de cargo de advogado se submetem não somente ao regime jurídico instituído pela Lei nº 8.906, de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, mas também às normas especiais da jornada semanal de trabalho prevista na Portaria Municipal nº 2.227, de 2011, porque vinculados a regime jurídico próprio, conforme bem fundamentado na sentença. Portanto, a eles não se aplicam os arts. 18 a 21 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, restritos aos advogados empregados.
Todavia, apesar de se submeterem ao regime jurí- dico próprio, o poder hierárquico municipal não pode reduzir a liberdade de trabalho do advogado público, sob pena de violação dos arts. 5º, inciso XIII, e 133 da Consti- tuição da República, e art. 31, § 1º, do Estatuto da Advo- cacia e Ordem dos Advogados do Brasil, que garantem ao advogado a independência funcional.
É evidente que faltou razoabilidade e proporcio- nalidade ao disposto no art. 3º da Portaria Municipal nº 2.227, de 2011, na medida em que a restrição invia- biliza a atuação profissional do apelado e causa evidente prejuízo ao interesse público, uma vez que as atividades externas do advogado não se restringem apenas ao ambiente forense.
Entretanto, não se pode olvidar que a impetrada tem o poder e o dever de fiscalizar a assiduidade e o desem- penho de todos os funcionários públicos, independente- mente do cargo que ocupem. Se não é razoável, propor- cional e eficiente a exigência de prévia autorização para o advogado afastar-se do local de trabalho, o controle da assiduidade e desempenho são imperativos que não podem ser afastados.
Assim, deve o apelado elaborar relatórios deta- lhados, sempre que se afastar do local de trabalho, para que a impetrada tenha ciência das atividades desempe-
Segundo a inicial, o autor é proprietário de um imóvel (Fazenda Baixa da Colônia) na zona rural do Município de Janaúba, onde implantou um projeto agrí- cola para a produção de manga irrigada. O imóvel é dividido pela estrada de ferro, da qual a ré é concessio- nária. Diante disso, a ré exigiu que fosse feito o contrato de cessão de uso nº110FCA para permitir que pela faixa de domínio da ferrovia fosse construída a tubulação subterrânea que possibilitaria que a outra parte do imóvel recebesse também irrigação.
É dito que consta no contrato a “utilização de uma faixa de domínio no km 125 + 380, para a travessia de água potável 350 mm, omitindo-se, no entanto, que a travessia é subterrânea” (f. 3).
Alerta o autor que, embora tenha executado a obra civil exigida pela ré, nos moldes de seu projeto, com a permanente fiscalização dela, não lhe foi entregue uma via do contrato de concessão de uso nº110FCR/97, no original. Remeteu-se somente um fax.
Ainda, durante anos, o autor está pagando a taxa de travessia, que foi formalizada por um “instrumento de confissão de dívida”, relativamente aos anos de 2003 a 2005.
Diz ter recebido, no final de 2010, a cobrança expressa (emissão de boleto) com vencimento em 26.12.2010, no valor de R$4.553,09, da taxa de anui- dade de travessia referente aos anos de 2008 a 2010.
Evoca a aplicação do regulamento de transportes ferroviários (Decreto nº 1.832/96) para que seja reco- nhecida a ilegalidade da cobrança da taxa de travessia, anulando-se a cláusula no contrato que a estabeleceu, e entende que os valores já pagos deveriam ser devolvidos em dobro com base no CDC.
A sentença julgou improcedentes os pedidos (f. 95/98), e o autor apelou (f. 101/122).
Nas razões recursais, argui preliminar de nulidade da sentença porque não teria atendido aos requisitos do art.458 do CPC.
Renova o entendimento sobre a ilegalidade da cobrança da taxa de travessia com base no regulamento dos transportes ferroviários. Ainda, alerta que a sentença não poderia ter considerado a hipótese como de uma servidão onerosa em detrimento do regulamento próprio.
Noutro ponto, diz que
sem dúvida, o Autor executou rigorosamente o projeto de obras civis, que lhe foi fornecido pela Ré, que, por sua vez fiscalizou a sua execução e, ao final aprovou-o. Assim, desde 1997 o Autor, quase que diariamente, irriga seu projeto agrí- cola - manga irrigada - com a água, atravessando a faixa de domínio da ferrovia, por subterrâneo tudo com absoluta segurança, sem qualquer problema para o tráfego ferroviário local. [...] a cobrança da taxa de travessia, pela Ré (f. 27) é absolutamente contrária ao Regulamento dos Transportes Ferroviários, pois, como visto, em seu art.11, acima transcrito, veda-lhe qualquer possibilidade de ‘[...] impedir a travessia de suas linhas por tubulações [...]’, tornando-se tal cobrança fator impeditivo da travessia (fl.111).
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Afirma que o CDC é aplicável e que a repetição do indébito deve ser em dobro porque configurados os requisitos.
Pede o provimento do recurso, com o acolhimento da preliminar, ou a reforma da sentença para julgar procedentes os pedidos.
Contrarrazões às f. 126/131. É o relatório.
Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conhece-se do recurso.
Da preliminar de nulidade da sentença.
Não houve vício no pronunciamento judicial.
É fundamento da preliminar o fato de que o Julgador supostamente não teria “tomado conhecimento de matéria de fundamental importância” (f. 103), relativa ao regulamento de transportes ferroviários.
Ocorre que a sentença foi clara quando disse que “muito embora o requerente fundamente as suas alega- ções na ilegalidade da instituição de taxa pela reque- rida, que não tem mesmo capacidade tributária, o enten- dimento desta julgadora é no sentido de que a questão discutida nos autos nada tem a ver com o Direito Tributário” (f. 97). Logo, ficou evidente que a sentença não deixou de analisar a matéria trazida a debate, somente consi- derou que o enfoque jurídico não seria o que foi trazido pelo autor, ora recorrente. Isso não torna o ato decisório nulo. Sabe-se que o julgador não está adstrito aos funda- mentos apresentados pela parte. O livre convencimento do juízo, desde que motivado, como é o caso, analisando o contrato posto em debate, é o que basta para que seja válido o pronunciamento judicial.
Rejeita-se a preliminar.
DES. XXXXXXX XXXXX - Da preliminar de nulidade da sentença.
As taxas (arts. 77 a 80 do CTN) cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
Pelo que se depreende do contrato acostado às
f. 19/20, a taxa de fiscalização decorreria do poder de polícia que a concessionária de serviço público teria em razão da travessia de suas linhas.
Com a devida vênia do eminente Relator, o enfren- tamento da questão de natureza tributária é essencial para o desate do litígio, e a falta do seu enfrentamento na decisão ora recorrida caracteriza negativa da prestação jurisdicional já que a decisão volteou sobre o cerne do litígio, sem, contudo, enfrentá-lo.
Xxxxxxxx, estou acolhendo a preliminar para cassar a decisão recorrida.
DES. XXXXX XXXXXX XXXXXXX - De acordo com
o Relator.
DES. XXXXX XXXXX - Do mérito.
A questão posta a debate diz respeito à possibili- dade, diga-se, à legalidade ou não da cobrança intitu- lada pelo recorrente como “taxa de travessia”, instituída entre as partes através do contrato de cessão de uso (f. 19).
TJMG - Jurisprudência Cível
O fundamento central apresentado pelo apelante na demanda é o de que o Regulamento dos Transportes Ferroviários (art.11) veda qualquer fator que impeça a travessia das linhas por tubulações, e a instituição da indi- gitada taxa estaria criando esse empecilho. Além do mais, diz o apelante que executou o projeto da obra exigida pela apelada tal qual foi exigido por ela e exerce sua ativi- dade “sem qualquer problema para o tráfego ferroviário local” (f. 111).
Pois bem!
Em 1997, as partes entabularam contrato de cessão de uso (f. 19/20), onde se estabeleceu a cobrança de um valor para fiscalização do cumprimento do contrato pela cedente/apelada.
Depois disso, o apelante firmou confissão de dívida para quitação das parcelas de utilização da faixa de domínio dos anos de 2002 e 2004 (f. 24).
Constam também dos autos alguns pagamentos feitos pelo apelante de anos anteriores (f. 39/41).
Ora, o quadro delineado nos autos é o de que as partes livremente estabeleceram por contrato particular regras para a concessão de uso de faixa subterrânea da ferrovia de Montes Claros/MG há muitos anos e agora quer o apelante alterar as regras.
Não há provas nos autos de que a cobrança dos valores pela apelada esteja impedindo o uso da área cedida ao apelante. Apenas, ficou acertado que seria cobrado um valor durante o tempo de uso.
As razões da demanda, renovadas na apelação, não são de vício na vontade.
A respeito do Regulamento (Dec. nº 1.832/96),
o que o art. 11 estabelece é que “a Administração Ferroviária não poderá impedir a travessia de suas linhas por tubulações, redes de transmissão elétrica, telefônica e similares, anterior ou posteriormente estabelecidas, obser- vadas as instruções específicas de proteção ao tráfego e às instalações ferroviárias”. Não há qualquer vedação no texto para cobrança pela fiscalização/uso da área. A dedução de que a cobrança representaria um óbice à travessia das linhas por tubulação é apenas do apelante, que, sem dados concretos, quer apenas uma declaração de que não tem o dever de pagamento, apontando uma ilegalidade não evidenciada nos autos.
Nesse caso, prevalece a autonomia da vontade das partes, e não cabe a intervenção do Judiciário para modi- ficar as obrigações decorrentes da liberdade contratual, quando não verificada qualquer ilegalidade.
Interferência do Poder Judiciário é excepcional e somente se justificaria se a obrigação estampada no
contrato fosse contraída com xxxxx ou fosse ilegal em sua origem. Não é o caso dos autos.
Dessa forma, rejeita-se a preliminar de nulidade da sentença e nega-se provimento ao recurso.
Custas recursais, pelo apelante. Suspensa a exigibi- lidade, nos moldes da Lei nº 1.060/50.
DES. XXXXXXX XXXXX - Acaso vencido, passo ao mérito.
Se a taxa da cláusula quarta não é tributo, como entendeu a decisão primeva, que a reconheceu como instituto de direito privado, pode ser pactuada pelas partes maiores e capazes de forma gratuita ou onerosa.
Sob a ótica das disposições dos arts. 1.288 e seguintes do Código Civil, aquele pagamento não se enquadra, visto que o art. 1.293 do CC fala em prévia indenização ao proprietário prejudicado, não se vislum- brando no contratado os requisitos de validade da aludida taxa, que não se refere à indenização aludida na servidão que a decisão recorrida referenda.
Ademais, tratando-se de indenização ao proprie- tário, não seria a ré parte legítima para reclamar direito de titularidade da União; dessarte, também pela ótica da decisão de primeiro grau, tal pagamento é indevido à parte requerida nos moldes exigidos.
Isso porque a validade do contrato exige, além de agente capaz, objeto lícito e forma prescrita e não proi- bida, que este exerça sua função social e que as partes tenham agido com probidade e boa-fé.
No que tange à licitude da cobrança, se vista pela ótica tributária da taxa, esta é ilícita; se vista como indeni- zação pela passagem da água, também é ilícita, visto que o destinatário do direito seria a União.
Por outro lado o valor explicitado na aludida cláu- sula não tem relação direta entre prestação do autor e a contraprestação que lhe seria ofertada, consubstan- ciando em uma lesão contratual, nos moldes insculpidos no art. 157 do Código Civil.
Com essas considerações, a cobrança impugnada é ilegal, e o contrato carece dos requisitos de validade que o tornariam exigível.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso e, nos termos do inciso I do art. 269 do CPC, julgo procedentes os pedidos para declarar a ilegalidade das cobranças de taxas de travessia, condenando a ré à devolução em dobro dos valores pagos e cobrados, tudo acrescido de juros de mora e correção monetária a partir da citação.
Inverto os ônus sucumbenciais.
DES. XXXXX XXXXXX XXXXXXX - De acordo com
o Relator.
Súmula - REJEITARAM A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. VENCIDO O REVISOR.
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