MARIANA MOREIRA ALVES MURY
XXXXXXX XXXXXXX XXXXX XXXX
O CONTRATO DE DOAÇÃO
Artigo apresentado como requisito para a conclusão da pós-graduação em Contratos e Responsabilidade Civil do Instituto de Direito Público de Brasília - IDP.
Orientador: Xxxxx Xxxxx
BRASÍLIA
2010
RESUMO
Este trabalho de conclusão de curso, depois de uma introdução histórica acerca da natureza jurídica da doação, desde o direito romano até os códigos civis brasileiros de 1916 e de 2002, analisa a doação como contrato nestas duas últimas codificações, e destaca
- o que o caracteriza no sistema contratual - , em face da aceitação e da revogação do contrato, as peculiaridades que esse instituto apresenta com referência a ambos. Quanto à aceitação examina-se seu problema como consentimento presumido, o seu consentimento quando o donatário é um nascituro, a sua dispensa em se tratando de doação pura, e a doação que não pode ser impugnada por falta de aceitação. Por fim, no tocante à revogação, estudam-se os seus seguintes aspectos: a revogação da doação por ingratidão do donatário, a irrenunciabilidade antecipada do direito de revogar a doação por ingratidão deste e a circunstância de que a revogação da doação por ingratidão do donatário não prejudica os direitos adquiridos por terceiros.
Palavras-chaves: Doação, contrato, aceitação da doação, revogação da
doação.
SUMÁRIO
I) A DOAÇÃO COMO CONTRATO
1.1 - A doação no direito romano 4
1.2 - A doação no código civil francês e nos códigos que o seguiram 7
1.3 - A doação na doutrina dos pandectistas 8
1.4 - A natureza jurídica da doação no direito brasileiro anterior ao código civil de 1916 9
1.5 - A natureza jurídica da doação nos códigos civis brasileiros de 1916 e de 2002 12
II) PECULIARIDADES DA ACEITAÇÃO NO CONTRATO DE DOAÇÃO
2.1 - A aceitação no contrato de doação 13
2.2 – A aceitação como consentimento presumido 15
2.3 – O consentimento para a doação quando o donatário é um nascituro 16
2.4 – Em se tratando de doação pura, dispensa-se o consentimento do donatário se ele não puder aceita-la 16
2.5 – Doação que não pode ser impugnada por falta de aceitação 18
III) A REVOGAÇÃO COMO PECULIARIDADE DA DOAÇÃO COMO CONTRATO
3.1 – A revogação da doação por ingratidão do donatário 18
3.2 – Não se pode renunciar antecipadamente o direito de revogar a doação por ingratidão do donatário 21
3.3 – A revogação da doação por ingratidão do donatário não prejudica os direitos adquiridos por terceiros 22
Conclusão 23
BIBLIOGRAFIA 24
I) – A DOAÇÃO COMO CONTRATO
1.1 A doação no direito romano.
Em linhas gerais, é a doação no direito romano o ato pelo qual o doador diminui, de modo voluntário, seu patrimônio, aumentando em contra partida o do donatário.
Sua estrutura jurídica, durante a evolução do direito romano, apresentou profundas alterações.
A princípio, não tinha ela estrutura jurídica própria, não sendo um negócio jurídico típico, mas ato que se celebrava donationis causa, e isso porque se destinava ele a conferir a alguém, sem contrapartida, uma parcela patrimonial.
No direito pós-clássico, numa constituição imperial possivelmente de 323 d.C, a doação, ao que parece - a interpretação dessa constituição é controvertida – só ocorre tecnicamente quando se reúnem os três seguintes requisitos: a) seja ato escrito na presença de testemunhas; b) que, em se tratando de imóvel, a tradição da coisa se faça com os vizinhos presentes; e c) que se dê a insinuatio, que é a transcrição no arquivo público desse ato escrito.1
Mais tarde, Xxxxxxxxxx, que afirmou, em suas Institutas, que a doação era meio de aquisição da propriedade, além de fazer alterações na disciplina da constituição imperial de Xxxxxxxxxxx (deixou de exigir a tradição e determinou que a ato escrito de doação fosse inscrito em registro especial somente se a doação fosse de valor superior a quinhentos sólidos), considerou que a simples convenção entre o doador e o donatário era suficiente para que surgisse doação obrigatória, enquadrando ela assim, não como um contrato, mas como pacto legítimo, ou seja, o que era sancionado por ação resultante de constituição imperial, sem serem, entretanto, contratos.2
1 XXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Romano. 14ª ed. Forense: Rio de janeiro, 2007, pg 560.
2 Idem, ibidem
De qualquer sorte, a doação é, no direito romano, um ato de liberalidade que se distingue dos demais atos de liberalidade pelos seguintes aspectos: a) ela se restringe à esfera patrimonial, razão por que a libertação de um escravo, não obstante pudesse tratar-se de ato de liberalidade, não era no entanto doação; b) a doação confere ao donatário um direito, e por isso, o precarium, embora ato de liberalidade não é doação, uma vez que ele não atribui ao precarista direito algum; e c) a doação é causa com referência a atos abstratos, e não a atos típicos como o comodato, que, implicando ato de liberalidade, não é doação, mas ato típico.3
Por outro lado, distinguiu o direito romano a doação inter vivos da doação mortis causa.
Quanto às doações inter vivos, essas liberalidades, no século III a.C, foram restringidas por lei que estabeleceu a proibição de os advogados receberem dinheiro ou presentes para a defesa de uma causa, bem como a proibição de doações superiores a uma taxa que não se sabe qual fosse.4
No final da república, foram proibidas as doações entre cônjuges, sob pena de nulidade, proibição que foi atenuada por um senatusconsulto, segundo o qual se o cônjuge doador morresse sem mudar de vontade, a doação se tornaria válida.5
No período pós-clássico, no século IV d.C, a constituição de Xxxxxxxxxxx, já referida anteriormente, fez cair o sistema clássico de limitação à doação, mas exigiu para que ela se constituísse que fossem observadas formalidades que lhe dessem publicidade.6
3 XXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Romano. 14ª ed. Forense: Rio de janeiro, 2007, pg 561.
4 Idem, pg 562.
5 Idem, pg 564.
6 Idem, ibidem.
No tempo de Xxxxxxxxxx, não mais se exigem as formalidades estabelecidas por Xxxxxxxxxxx quando a doação não ultrapassar o valor de quinhentos sólidos, sendo que, se observados os requisitos da redação do ato escrito e do arquivo em registro público, a doação não seria nula no que ultrapassasse esse valor. Também nessa época, o doador podia revogar a doação feita com observância das formalidades legais se ocorresse ingratidão do donatário com relação ao doador.7
Já no que diz respeito à doação mortis causa, que é aquela que para ter eficácia definitiva seria preciso que o doador morresse antes que o donatário ou ao mesmo tempo em que falecesse este. Por isso, a jurisprudência romana entendia que, em se tratando de doação mortis causa, o doador prefere ao donatário, mas este prefere aos seus herdeiros.8
Por outro lado, a doação mortis causa se teve sempre no direito romano como causa, não chegando assim a configurar-se, sequer no direito da época de Xxxxxxxxxx, como um negócio jurídico típico.
Podia a doação mortis causa verificar-se em dois casos: a) quando o doador levasse em conta sua morte a qualquer tempo, ou b) quando o doador considerasse a possibilidade de sua morte em casos de perigo iminente.9
Discutem os romanistas modernos se ambas as hipóteses já existiam no direito clássico ou se aquela em razão de perigo iminente já existiria no direito clássico, ao passo que a que levasse em consideração simplesmente a morte do doador a qualquer tempo teria surgido apenas ou no direito pós-clássico, ou no direito justinianeu.10
7 XXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Romano. 14ª ed. Forense: Rio de janeiro, 2007, pg 565.
8 Idem, ibidem.
9 Idem, ibidem.
10 Idem, pgs 565, 566.
1.2 - A doação no código civil francês e nos códigos que o
seguiram.
O artigo 894 do Código Civil francês reza que “a doação entre vivos é um ato pelo qual o doador se despoja, atual e irrevogavelmente, da coisa dada em favor do donatário, que a aceita.” Portanto, essa codificação designa a doação como sendo um ato e não um contrato.
Isso decorreu da circunstância de que o projeto desse código conceituava a doação como “um contrato mediante o qual o doador abre mão da coisa doada...”, e quando submetido ao Conselho de Estado, Napoleão, que era o primeiro Cônsul, teve como imprópria essa qualificação da doação como contrato, tendo em vista que a doação não exige das partes obrigações recíprocas, como exige a denominação contrato, que por isso mesmo, sustentava ele, que ela deveria ser substituída pela palavra “ato”. O equívoco de Xxxxxxxx era manifesto, uma vez que confundia ele contrato bilateral com o contrato em geral. Com efeito, errava Xxxxxxxx em designar contrato como sendo apenas o negócio que estabelece obrigações recíprocas a ambos os contratantes. Não atentava ele para que o contrato, quanto à sua constituição, é um ato jurídico bilateral, porquanto resultante do concurso de vontades de duas ou mais pessoas, mas, no tocante ao seu objeto e aos seus efeitos, pode o contrato apresentar-se como unilateral por criar obrigações para um só dos contratantes, recebendo o outro a prestação a que o primeiro se obrigou. Por desconhecimento dessa diferença é que Xxxxxxxx, ao invés de considerar a doação como um contrato, a teve como um ato jurídico, o que foi reproduzido por vários códigos que o seguiram.11
Assim, no Código Civil francês, por decisiva influência de Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, que participava dos debates que se fizeram quanto ao projeto dessa codificação, foi a doação tida como ato unilateral e, dessa forma, foi colocada a doação ao lado do testamento12 como modo de adquirir a propriedade
11 XXXXXX, Xxxxxxx. Trattato delle donazioni. 2ªed. Società Editrice Libraria: Milano, 1935, pgs 38 e seguintes.
12 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Dos contratos nominados no direito civil brasileiro. 2ª ed. Conquista: Rio de Janeiro, 1956, pg 154.
sem caráter de natureza contratual, no que seguia as Institutas de Xxxxxxxxxx que dispunham que a doação é também outro gênero de aquisição.
Seguindo essa linha, encontram-se diversos códigos que, na Europa e na América do Sul se inspiraram, tanto definição quanto no posicionamento, no Código Civil francês, como o Código Civil italiano de 1865 e o Código Civil do Chile de 1855 cujos artigos 1.050 e 1.386, respectivamente, traduziram, de modo literal, o teor do artigo 894 do primeiro desses códigos.
1.3 - A doação na doutrina dos pandectistas
No século XIX, Xxxxxxxxx Xxxxxx xxx Xxxxxxx fundou a denominada Escola Histórica Tedesca num manisfesto, publicado em 1814, com o título “Sobre a vocação da nossa época para a legislação e para a ciência jurídica”, e que foi uma resposta à Xxxxxxx, que sustentava que se deveria criar um código civil para todos os estados germânicos, unificando-os juridicamente à semelhança da unificação para o direito francês do código de Napoleão.
Essa Escola, que renovou o estudo do direito romano, adotava a tese de que o direito de um povo era um produto histórico, e não, como sustentava a Escola do Direito Natural, uma construção racional. Considerou ele que o direito romano não era um direito nacional, mas, ao contrário, um direito supranacional, por não se poder tê-lo como direito exclusivo de uma só nação, o que ocorria também com a religião e a literatura. Seu objetivo era deduzir dos textos do direito romano as teorias que os informavam para aplicá-las aos tempos modernos. Por isso, deu à sua obra o título “O Sistema do Direito Romano Atual”.13
Nesse livro, todo um volume – o quarto – foi ocupado pelo estudo que Xxxxxxx fez sobre a doação, e aí, como salienta Xxxxxxxxx Xxxxx, ele:
13 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx. Curso de direito romano. 4ª ed. Haddad Editor: Rio de Janeiro, 1960, pgs 192 e 193.
Não lhe nega o caráter de contrato nos caso em que haja transmissão de propriedade; mas nega que a transmissão lhe esgote o conteúdo, pois transmissão de propriedade não há nos casos de constituição de usufruto, enfiteuse, remissão de divida, comodato, e outros mais, que podem envolver doação.14
Os seguidores dessa Escola, no entanto, admitem, geralmente, que a doação tenha natureza contratual.15
1.4 - A natureza jurídica da doação no direito brasileiro anterior ao código civil de 1916.
Logo depois de ocorrida a independência no Brasil, lei de 20 de outubro de 1823 estabeleceu que permanecessem em vigor no país as ordenações, leis e decretos editados pelos reis de Portugal até 25 de abril de 1821 enquanto não se elaborasse novo código.16
Por outro lado, rezou o artigo 179, XVIII, da Constituição Imperial de 1824: “Organizar-se-á, quanto antes, um código civil e um criminal, fundados nas sólidas bases da justiça e da equidade”.17
Foi então Xxxxxxxx xx Xxxxxxx contratado, em 1855, para elaborar obra preparatória da feitura do código civil – Consolidação das leis civis -, a qual foi concluída em 1858. Nessa obra, em que se ordenaram as regras civis das
14 XXXXX, Xxxxxxxxx. Da doação. 3ª ed. Saraiva: São Paulo, 1980, pg 6.
15 Assim, entre outros, DERNBURG, Arrigo. Diritto delle obbligazioni. Tradução de Xxxxxxxxx X. Cicala. Fratelli Bocca Editori: Milano, 1903, pg 450.
16 BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Volume I. 9ª ed. Livraria Xxxxxxxxx Xxxxx: Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, 1951, pgs 9 e 10.
17 BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Volume I, 9ª ed. Livraria Xxxxxxxxx Xxxxx: Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, 1951, pg 10.
Ordenações Filipinas e das leis extravagantes, se permitiu saber quais os dispositivos legais vigentes no Brasil.18
Aí o instituto da doação é disciplinado pelos artigos 411 a 429 que se subordinam ao capítulo I, do título II “Dos contratos em particular”, o que implica dizer que a doação tinha como natureza jurídica a de um contrato.
Um ano depois, no início de 1859, foi Xxxxxxxx xx Xxxxxxx contratado para elaboração do projeto de código civil do Império brasileiro. Divergindo ele da orientação do governo na feitura dessa obra, quando já estavam impressos 4.908 artigos, seu contrato foi rescindido em 1872, e no trabalho por ele já elaborado e que por ele foi denominado “Esboço”19, a doação está disciplinada nos artigos 2.119 a 2.176, os quais se encontram colocados no capítulo I “Dos contratos em geral”, do título I “Das obrigações derivadas dos contratos”. Portanto, também se apresenta ela como contrato.
A essa tentativa de elaboração do código civil brasileiro, a qual se frustrou, seguiu-se, em 1.881, o projeto de Código Civil de Xxxxxxx Xxxxxxx xxx Xxxxxx.20 Nele a doação está tratada nos artigos 2.372 a 2.397, os quais se acham no capítulo XI, do título 2º “Dos contratos”. E Xxxxxxx xxx Xxxxxx, ao comentar em “Projeto do Código Civil brasileiro e comentário” os diversos artigos sobre doação, em não poucos deles repisa a natureza jurídica contratual desse instituto21. Também esse projeto não prosperou.
Já durante a República, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx, em 1890, é contratado pelo governo para elaborar novo projeto do Código Civil, o qual foi
18 XXXXXX, X. Ferreira. Código Civil dos Estados unidos do Brasil. Volume I. Oficinas gráficas do “Jornal do Brasil”: Rio de Janeiro, 1920, pgs 251 e seguintes.
19 BEVILAQUA, Clóvis. Idem, pgs 12 e seguintes.
20 BEVILAQUA, Clóvis. Idem, pgs 16 a 18.
21 Assim, a título exemplificativo, Xxxxxxx xxx Xxxxxx faz o seguinte comentário ao artigo 2.373 de seu projeto (“A doação torna-se perfeita, e, salvo as exceções legais, irrevogável, logo seja aceita pelo donatário”): “É aplicação do disposto no artigo 1.832. Nenhum contrato é perfeito sem o acordo de ambas as partes contratantes.”
concluído no início de 189322. Neste projeto, a parte que trata da doação vem disciplinada nos artigos 990 a 1.027, que se encontram no título XI, do livro I “Das obrigações”, na parte especial. O artigo 990 que define a doação, a ela se refere como “o ato de liberalidade espontânea pelo qual uma pessoa transfere um ou mais dos seus bens a outra, que a aceita”. Havendo aceitação por parte do donatário, ainda que presumida, a doação tem nesse projeto natureza contratual. À semelhança dos projetos anteriores, não teve êxito o de Xxxxxx Xxxxxxxxx.23
Em 25 de janeiro de 1899, Xxxxxxxx Xxxxxx, então Ministro da Justiça, convidou, por carta, Xxxxxx Xxxxxxxxx para elaborar um novo projeto de Código Civil. No final de outubro de 1899,o projeto primitivo foi concluído24. Nele a doação era definida, no artigo 1.304, como “o ato entre vivos, em virtude do qual uma pessoa, gratuitamente, desloca, de seu patrimônio, uma vantagem para com ela aumentar o de outra que concorda em aceitá-la”. Essa definição, no entanto, não foi acolhida pela Comissão Revisora do projeto de Xxxxxx Xxxxxxxxx, tendo sido substituída por esta outra (artigo 1.325) cujos termos eram os seguinte: “Considera-se doação o ato entre vivos, pelo qual uma pessoa, por liberalidade, transfere de seu patrimônio uma coisa para com ela aumentar o de outra que concorda em aceita-la”.
Foi porém, por proposta de Xxxxxxxx xx Xx que a expressão “ato entre vivos” da definição de doação nesse projeto revisto foi alterada para
22 BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Volume I, 9ª ed. Livraria Xxxxxxxxx Xxxxx: Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, 1951, ps. 18 e 19.
23 XXXXXXX, X. X. Lacerda de (O Direito Civil e sua Codificação, in Livro do centanário dos cursos jurídicos – 1827/1927, volume I. Imprensa Nacional: Rio de Janeiro, 1928,
p. 176) noticia que, “em 1895, deliberando o Senado escolher entre o projeto de Xxxxxx Xxxxxxxxx
– vê-se que este não contava com muitas simpatias – e o do senador Xxxxxxx Xxxxxxx xxx Xxxxxx, de que se havia publicado uma nova edição por autorização do Ministro da fazenda Tristão de Xxxxxxx Xxxxxxx, foi pela comissão para aquele fim nomeada preferido o do professor da faculdade de direito de recife, Dr. Xxxxxx Xxxxxxxxx, a esse tempo senador pelo estado do Piauí. Não lhe valeram, porém, juízos favoráveis no país e no estrangeiro. O projeto foi posto à margem...”
24 XXXXXX, X. Ferreira. Código Civil dos Estados unidos do Brasil. Volume I. Oficinas gráficas do “Jornal do Brasil”: Rio de Janeiro, 1920, ps. 377 e 378.
“contrato”.25 Daí, no texto definitivo do Código Civil brasileiro, aprovado em 1916, constar no Título V (“Das várias espécies de contratos”) o de doação cujo artigo
1.165 reza: “Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra, que os aceita”.
Seguindo a maioria da doutrina e dos códigos modernos, o Código Civil brasileiro de 1916 adotava a natureza contratual da doação, embora com particularidades que serão examinadas mais adiante.
1.5 - A natureza jurídica da doação nos códigos civis brasileiros de 1916 e de 2002.
O artigo 1.165 do Código Civil de 1916, como já se salientou, é categórico no estabelecer que a doação é um contrato.
Em nota a esse dispositivo, o jurista português Xxxxxx Xxxxx Xxxxx, embora considerando que o legislador brasileiro, ao não adotar o impróprio sistema francês que aproxima as doações dos testamentos, bem fizera em colocar a doação entre os contratos26. Salientava, porém, que ainda melhor teria sido que a colocasse na parte geral do código, como em sua maioria entendiam os civilistas germânicos, uma vez que a doação “não é, ou pelo menos pode deixar de ser, fonte de obrigações”.27
No programa de reforma dos códigos brasileiros na década de 1960, foi elaborado o projeto de código das obrigações, de autoria de Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx. Nele, também, a doação tem natureza jurídica de contrato como está expresso no artigo 402 que assim dispõe: “Pelo contrato de doação uma pessoa, por liberalidade, transfere de seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra, que os aceite”.
25 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Código Civil brasileiro anotado. Livraria Clássica Editora de A.M.Xxxxxxxx: Lisboa, 1917, pg 375.
26 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Idem, ibidem.
27 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Idem, ibidem.
Já o Código Civil brasileiro de 2002, reproduzindo na parte inicial de seu artigo 538 a conceituação do código anterior, desta retira, no entanto, a parte final: “que os aceita”. Essa intencional eliminação, que não afastou a natureza contratual da doação, se explica tendo em vista que com ela se procurou dar ênfase – o que não fora feito pela codificação de 1916 apesar de conter, até certo ponto, regras similares – aos dispositivos que admitem a doação, sem que haja em rigor a aceitação dela por parte do donatário, como sucede com os artigos 542 (“a doação feita ao nascituro valerá sendo aceita pelo seu representante legal”), 543 (“se o donatário for absolutamente incapaz, dispensa- se a doação, desde que se trate de doação pura”) e 546 (“a doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não pode ser impugnada por falta de aceitação e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar”).
II) – PECULIARIDADES DA ACEITAÇÃO NO CONTRATO DE
DOAÇÃO
2.1 – Introdução
Em obra dedicada aos comentários dos artigos referentes à doação no Código Civil brasileiro de 1916 – e o mesmo ocorre com os dispositivos a ela pertinentes na codificação civil de 2002 -, Xxxxxxxxx Xxxxx acentua, com inteira razão, que não lhe ocorria nenhum outro contrato que apresentasse tantas particularidades, ou originalidades, como a doação.28
Também Pontes de Xxxxxxx adverte no tocante ao problema da aceitação do donatário absolutamente incapaz:
Seria contradição extrema reputar-se válida e eficaz a manifestação de vontade do absolutamente incapaz. A construção, diante dos princípios
28 XXXXX, Xxxxxxxxx. Da doação. 3ª edição. Saraiva: São Paulo, 1980, p. 5.
gerais, seria difícil. Admitamos, porém, que sempre foi difícil, em todos os tempos, construir-se o negócio jurídico da doação.29
Examinaremos nesta parte deste trabalho, como seu título indica, as peculiaridades que a doação apresenta com referência à aceitação desse contrato.
Por isso mesmo, no artigo 538 do Código Civil de 2002, o qual conceitua como contrato a doação, se diz que se considera ela o em que uma pessoa, por liberalidade, transfere de seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra, sem fazer alusão à frase final – “que os aceita” – constante da conceituação do artigo 1.165 do Código Civil de 1916.30
Com efeito, embora a doação sendo um contrato devesse ter como imprescindível a aceitação por parte do donatário, nosso Código Civil atual
– e o mesmo ocorria com o Código Civil anterior – ora a admite como consentimento presumido pela lei (assim, no artigo 539)31, ora a tem como feita a quem ainda não é pessoa física, desde que emitida pelo seu representante legal (conforme o artigo 542, que se refere ao nascituro), ora a dispensa se o donatário for absolutamente incapaz e se tratar de doação pura (nesse sentido, o artigo 543), ora não se admite que a doação não possa ser impugnada por falta de aceitação (como ocorre na hipótese disciplinada pelo artigo 546).
Nessa ordem de peculiaridades acima referidas, as analisaremos nos itens que se seguirão.
29 XXXXXXX, Xxxxxx de. Tratado de direito privado (parte especial), tomo XLVI.
2ª edição. Editor Borsoi:Rio de janeiro, 1964, p. 226.
30 Xxxxxxx XXXXXXXXX, Xxxxxx (Direito Civil, volume III. 28ª edição. Saraiva: São Paulo, 2002, p.197) que a omissão dessa locução final que os aceita “criou, assim, uma dúvida, pois parece dispensar a aceitação do donatário. Não é esse, porém, o intuito do legislador, visto que a doação é um contrato, envolvendo sempre a manifestação concordante da vontade de ambas as partes. Fixava, portanto, o preceito de 1916 o caráter contratual”.
31 XXXXXXXXX, Xxxxxx (Direito Civil, volume III. 28ª edição. Saraiva: São Paulo, 2002, p.198) salienta que, quando a lei presume a aceitação do donatário, essa circunstância “tem conduzido alguns autores a entender que nesses casos perde a doação o seu caráter contratual, pois o negócio se ultima em virtude de uma só declaração da vontade, hipótese em que se caracteriza como ato unilateral. Não é verdadeiro tal entendimento, pois a aceitação sempre constitui elemento indispensável”.
2.2 – A aceitação como consentimento presumido.
Xxxx o artigo 539 do atual Código Civil: “O doador pode fixar prazo ao donatário para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.”
Embora existam autores que salientem que esse dispositivo se refere a consentimento tácito, parece que a melhor opinião é a de que nele se trata de consentimento presumido pela legislação – presunção que é iuris et de iure, ou seja, absoluta – , sendo uma hipótese de consentimento pelo silêncio, que se distingue do consentimento tácito, porque neste há a necessidade de comportamento que o manifeste conclusiva mas indiretamente, ao passo que naquele a doação se aperfeiçoa no instante em que termina o prazo para que o donatário declare se aceita, ou não, a doação.32
Por outro lado, vários problemas ocorrem no período em que ou está em curso o prazo, se houver, para a aceitação, ou, não havendo, enquanto o donatário se manifestar por ela.
Assim, exemplificativamente, pode haver arrependimento ou revogação antes que pela aceitação se aperfeiçoe a doação? A resposta a essa questão depende de se ter, ou não, como indispensável à doação a persistência do animus donandi.
Se o doador falecer antes de esgotado o prazo para a aceitação, os herdeiros do donatário poderão aceita-la, ou a obrigação de doar inexistirá? Essa questão é controvertida na doutrina.
Observe-se, ainda, se a doação for sujeita a encargo – e ela não o deixa de ser ainda quando o encargo seja insignificante – , não se aplica a parte final do artigo 539, ou seja o consentimento presumido do donatário.
32 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx (Instituições de Direito Civil, vol.3, contratos, 11ª edição, Forense: Rio de Janeiro, 2003), porém, entende que se trata de consentimento ficto, porquanto “o incapaz, porque o é, não pode emitir uma declaração de vontade, qualquer que seja.”
2.3 – O consentimento para a doação quando o donatário é
um nascituro.
Dispõe o artigo 542: “A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal”.
Sendo a doação um contrato, não se deixou de exigir, na hipótese de doação feita a nascituro, que alguém – seu representante legal33 – aceite por ele.
De outra parte, não admitiu o atual Código Civil, à semelhança do que ocorria no Código anterior, que o nascituro já tivesse personalidade jurídica, que, pelo artigo quarto só começa com o nascimento com vida, mas, nesse mesmo dispositivo estabeleceu que “a lei põe a salvo, desde a concepção os direitos do nascituro”.
Assim sendo, não basta o consentimento do representante legal do nascituro para que a doação a ele feita se aperfeiçoe. É necessário, ainda, que o nascituro nasça com vida.
2.4 – Em se tratando de doação pura, dispensa-se o consentimento do donatário se ele não puder aceita-la.
Preceitua o artigo 543: ”Se o donatário for absolutamente incapaz, dispensa-se a aceitação, desde que se trate de doação pura”.
Esse dispositivo, que se refere expressamente a donatário absolutamente incapaz, diz respeito à capacidade de aceitar doação, tendo como pressuposto a capacidade de ser donatário.
Essa referência expressa a donatário absolutamente incapaz pôs termo à divergência que havia com relação ao artigo 1.170 do Código Civil de
33 O novo código civil modificou a redação do artigo 1.169 do código de 1916 substituindo a referência aos pais que neste constavam pela expressão mais abrangente de “representante legal”, o que atende à hipótese de estarem os pais impedidos de manifestar a vontade de aceitação.
1916, o qual aludia “às pessoas que não puderem contratar”, sem especificar se se referiria a todos os incapazes ou apenas aos relativamente incapazes, dividindo-se a doutrina e a jurisprudência entre uma ou outra orientação.34
Por outro lado, o teor do artigo 543 do atual Código Civil também acabou com a dúvida no sentido de dispensar ele a aceitação do incapaz35, pois ao invés de dispor , como o fazia o referido artigo 1.170 do anterior Código Civil de 1.916, que “às pessoas que não puderem contratar é facultado, não obstante, aceitar doações puras”, optou por seguir o preceituado pelo artigo 1.468 do Código Civil português de 1867 que expressamente dispensava a aceitação da doação, desde que fosse ela pura, a saber:
As pessoas que não podem contratar não podem aceitar, sem autorização das pessoas a quem pertence concede-la, doações condicionais ou onerosas. Porém, as doações puras e simples, feitas a tais pessoas, produzem efeito, independentemente de aceitação, em tudo o que aproveitar aos donatários.
Assim, o texto do novo Código Civil brasileiro, ao invés de permitir a aceitação pelo incapaz em se tratando de doação pura – e isso para não admitir a falta de aceitação do contrato –, expressamente a dispensou, como xxxxx pode fazer o legislador.
Com essa dispensa da aceitação o Código Civil de 2002 acabou com a discussão da contradição que existiria entre os artigos 1.170 e 427, III, da codificação anterior, por dispor aquele que os incapazes – e , como vimos atrás, havia divergência sobre se essa expressão só alcançava os relativamente incapazes, ou se abrangia também os absolutamente incapazes – podiam aceitar doações puras, enquanto este, fosse a doação onerosa ou pura, exigia para sua aceitação a participação de tutor ou de curador, além de autorização judicial.
34 XXXXX, Xxxxxxxxx. Da doação. 3ª edição. Saraiva: São Paulo, 1980, p. 87 e
seguintes.
35 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Comentários ao novo código civil, Vol.8. Forense:Rio de janeiro, 2004, ps. 149 e 150.
aceitação.
2.5- Doação que não pode ser impugnada por falta de
Estabelece o artigo 546 do atual Código Civil brasileiro:
A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos,ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não pode ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar.
Trata-se aqui de doação propter nuptias (por causa de núpcias), o que implica dizer de doação para casamento.
Nesse caso, não pode haver impugnação, inclusive por terceiros interessados, por entender o legislador que a celebração do casamento supre a aceitação quer expressa, quer tácita, do donatário, que, no entanto, para recusar a doação, necessita de manifestar-se expressamente, a fim de que com o seu silêncio não se aperfeiçoe, sendo realizado o casamento, essa doação.
É, pois, mais um caso em que o aperfeiçoamento da doação prescinde de aceitação do donatário.36
III) - A REVOGAÇÃO COMO PECULIARIDADE DA DOAÇÃO COMO CONTRATO
3. 1 A revogação da doação por ingratidão do donatário.
O artigo 1.181 do Código Civil de 1916, em seu caput, cometia uma impropriedade ao dizer que “além dos casos comuns a todos os contratos, a doação também se revoga por ingratidão do donatário, e isso porque, à exceção do mandato, os demais contratos não se revogam”. E no parágrafo único desse dispositivo preceituava a doação onerosa poderia ser revogada por inexecução do encargo, desde que o donatário incorresse em mora.
36 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Comentários ao novo código civil, Vol.8. Forense:Rio de janeiro, 2004, pg 169.
A impropriedade acima apontada foi corrigida pelo artigo 555 do novo Código Civil brasileiro que se limitou a dizer: “A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo”.
Note-se que mesmo no tocante à revogação da doação, ao contrário do que sucede com a revogação do mandato, não pode ela dar-se apenas pela vontade do doador, mas demanda uma motivação, que se traduz na ingratidão do donatário ou na inexecução do encargo.
Por outro lado, o donatário quando aceita a doação não fica obrigado a ser grato, mas apenas não pode cometer certos atos que a lei considera reveladores de ingratidão, tais como, segundo o artigo 557 do novo Código Civil brasileiro:
a) se o donatário atentou contra a vida do doador ou praticou crime de homicídio doloso contra ele;
b) se cometeu contra ele ofensa física;
c) se o injuriou gravemente ou o caluniou;
d) se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava.
E, agora, pelo artigo 558 do Código Civil de 2002, admitiu-se que também pode haver revogação da doação quando o ofendido, nos casos acima aludidos, seja o cônjuge, o ascendente, o descendente, ainda que adotivo, ou irmão do doador.37
37 XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxx (Direito Civil, volume III. 3ª edição. Atlas S/A: São Paulo, 2003, p. 130) acentua a ampliação do sentido moral dessas possibilidades de revogação.
Ademais, nem todas as doações são susceptíveis de revogação por ingratidão, como, em conformidade com o artigo 564 do Código Civil, as seguintes:
a) puramente remuneratórias;
b) as oneradas com encargo;
c) as que se fizerem em cumprimento de obrigação natural; e
d) as feitas para determinado casamento.38
No tocante às doações puramente remuneratórias como susceptíveis de ser revogadas, tem-se que, com fundamento no disposto no artigo 540 (“A doação feita em contemplação do merecimento do donatário não perde o caráter de liberalidade, como não o perde a doação remuneratória, ou a gravada, no excedente ao valor dos serviços remunerados ou ao encargo imposto”), não sendo a doação puramente remuneratória, só poderá ela ser revogada por ingratidão do donatário na parte remuneratória em que não há liberalidade.
Quanto às doações oneradas com encargo (ou modo), não se admite a revogação dessa modalidade de doação na parte em que esta for onerada pelo encargo, mas essa não-admissão não alcança a parte da doação que é de pura liberalidade, separando-se,assim, quanto a isso a doação em duas partes, por haver nessas doações um negócio jurídico oneroso e outro gratuito.
No concernente ás doações que se fizerem em cumprimento de obrigação natural, não poderão ser revogadas pelo doador, uma vez que feitas por pagamento ou retribuição não exigíveis juridicamente, mas nem por isso realizadas por mera liberalidade.
38 Observa VENOSA, Xxxxxx xx Xxxxx (Direito Civil, volume III. 3ª edição. Atlas S/A: São Paulo, 2003, p. 128) que, no tocante à essa hipótese de revogação da doação por ingratidão, “o motivo, sem dúvida, é não introduzir elemento de instabilidade no matrimônio” e que “a proibição, é evidente, não atinge as doações em geral somente porque o donatário é casado”.
Por fim, no que diz respeito às doações feitas para determinado casamento, a causa de não se revogarem essas doações é a proteção ao casamento, para não tirar-lhe, ainda que haja ingratidão do donatário, aquilo que integra a base econômica dele.
3.2 – Não se pode renunciar antecipadamente o direito de revogar a doação por ingratidão do donatário.
Preceitua o artigo 556 do atual Código Civil: “Não se pode renunciar antecipadamente o direito de revogar a doação por ingratidão do donatário”.
Trata-se de regra de ordem pública, e, portanto, inderrogável pela vontade das partes.39
Direitos como esses, que não podem ser antecipadamente renunciáveis40, são, no entanto, renunciáveis quando já adquiridos.
Admitir-se a renúncia antecipada do direito de revogar a liberalidade por ingratidão do donatário seria como que permitir-se a prática dos atos graves que são os susceptíveis dessa revogação.
Em contrapartida, a possibilidade de renúncia desse direito depois da ocorrência da ingratidão visa a permitir, principalmente, o perdão com relação a ingratidão passada.
Apesar dessa renúncia, pode o doador, se outra ingratidão ocorrer posteriormente, ter de novo direito de revogar a doação.
39 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Comentários ao novo código civil, Vol.8. Forense:Rio de janeiro, pg 246.
40 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxxx. In: Novo Código Civil comentado sob a coordenação de Xxxxxxx Xxxxx. Saraiva: São Paulo, 2002, pg. 492.
3.3 – A revogação da doação por ingratidão do donatário não prejudica os direitos adquiridos por terceiros.
Preceitua o artigo 563 do atual Código Civil:
A revogação por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por terceiros, nem obriga o donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação válida; mas sujeita-o a pagar os posteriores, e, quando não possa restituir em espécie as coisas doadas, a indeniza-la pelo meio- termo do seu valo.
Afora duas alterações de forma sem maior significado, esse dispositivo só alterou a redação do seu correspondente – o artigo 1.186 do Código Civil de 1.916 – ao dizer que revogação não obriga o donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação válida, ao invés de afirmar que será antes de contestada a lide.
Por essa norma a revogação da doação por ingratidão do donatário não alcança doação anterior a ela, pois se a alcançasse, atingindo terceiro adquirente, esse alcance seria retroativo, ficando difícil ao donatário, por exemplo, achar quem quisesse comprar a coisa doada, dado o risco do adquirente de posteriormente ver, em detrimento seu, revogada a doação.41
Por outro lado, os direitos de terceiro aludidos nesse dispositivo legal não são apenas os de propriedade transferidos pelo donatário, mas também outros direitos reais como o usufruto.
Ademais, esse artigo 563 não se ocupa somente com a situação do terceiro. Trata ele ainda da situação do donatário em face do doador no que diz respeito aos frutos percebidos, declarando que pertencem ao donatário os frutos percebidos pagos antes da citação válida, e ao doador os percebidos depois dessa fase processual.42
41 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Comentários ao novo código civil, Vol.8. Forense:Rio de janeiro, pg 287.
42 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Comentários ao novo código civil, Vol.8. Forense:Rio de janeiro, pg 290.
Por fim, esse texto se refere à indenização que é devida se não for possível a restituição da coisa doada, estabelecendo como critério dessa indenização o do meio-termo do valor da coisa doada, ou seja, a média entre o maior valor alcançado pela coisa e o menor valor por ela atingido no período que vai do início da doação até o seu término que se dá com a restituição.43
Conclusão
Embora nem sempre no sistema jurídico adotado, como o romano, o francês e os códigos por este influenciados, tenham a natureza da doação como contrato, no Brasil, como ocorreu com os juristas alemães da Escola Histórica Tedesca, no século XXIX, ela tem tido essa natureza jurídica expressamente reconhecida, e isso quer no direito anterior ao código civil de 1916 quer no atual código civil de 2002.
Isso não obstante, apresenta esse contrato peculiaridades quanto à sua aceitação e à sua revogação. No tocante à aceitação, tem-se que, ao contrário do que ocorre com os contratos em geral, pode haver no contrato de doação, desde que esta não seja sujeita a encargo, aceitação presumida, além da admissão do consentimento quando o donatário é um nascituro e a dispensa, em se tratando de doação pura, do consentimento do donatário se ele não puder aceitá-la. Já no tocante às peculiaridades no que diz respeito à revogação do contrato de doação, tem-se, não só a revogação por ingratidão do donatário, mas também a impossibilidade de renúncia antecipada do direito de revogar a doação por ingratidão de quem a recebe, e a circunstância de que a revogação, nesse mesmo caso, não prejudica os direitos adquiridos por terceiros.
43 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Comentários ao novo código civil, Vol.8. Forense:Rio de janeiro, pgs 293 e 294.
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