DA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS PARA A DEFESA DE DIRIGENTES E GESTORES DOS SERVIÇOS SOCIAIS AUTÔNOMOS.
DA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS PARA A DEFESA DE DIRIGENTES E GESTORES DOS SERVIÇOS SOCIAIS AUTÔNOMOS.
Por: Eduardo Meira Ribas
Advogado em Curitiba. Consultor Jurídico da JML Consultoria e Eventos Ltda. Integrante da equipe de apoio técnico da Revista JML de Licitações e Contratos.
1. Da natureza e da finalidade dos recursos despendidos pelos Serviços Sociais Autônomos.
Os Serviços Sociais Autônomos são entidades dotadas de personalidade jurídica de direito privado, não integrantes da Administração Pública direta ou indireta, mas que exercem atividades em cooperação com o Estado, desempenhando funções reconhecidamente de interesse público, voltadas à assistência social e à formação profissional no âmbito do setor econômico ao qual se vinculam.
Nesse sentido, pondera Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx:
“Serviços sociais autônomos são todos aqueles instituídos por lei, com personalidade de Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais.
São entes paraestatais, de cooperação com o Poder Público, com administração e patrimônio próprios, revestindo a forma de instituições particulares convencionais (fundações, sociedades civis ou associações) ou peculiares ao desempenho de suas incumbências estatutárias. (...). Essas instituições, embora oficializadas pelo Estado, não integram a Administração direta nem a indireta, mas trabalham ao lado do Estado, sob seu amparo, cooperando nos setores, atividades e serviços que lhes são atribuídos, considerados de interesse específico de determinados beneficiários. Recebem, por isso, oficialização do Poder Público e autorização legal para arrecadarem e utilizarem na sua manutenção contribuições parafiscais, quando não são subsidiadas diretamente por recursos orçamentários da entidade que as criou.
Assim, os serviços sociais autônomos, como entes de cooperação, vicejam ao lado do Estado e sob seu amparo, mas sem subordinação hierárquica a qualquer autoridade pública, ficando apenas vinculados ao órgão estatal mais relacionado com suas atividades, para fins de controle finalístico e prestações de contas dos dinheiros públicos recebidos para sua manutenção.”1
Tais entidades executam, assim, atividades de natureza privada de interesse eminentemente público incentivadas e subvencionadas pelo Estado através das denominadas contribuições parafiscais, cobradas de forma compulsória dos integrantes das categorias profissionais que representam.
Justamente por isso, os Serviços Sociais Autônomos estão sujeitos à incidência das regras e princípios gerais que regem as atividades administrativas2, em
1 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. Direito administrativo brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 346.
2 O próprio Tribunal de Contas da União já determinou que:
especial os que se referem à utilização de recursos públicos, submetendo-se, inclusive, à fiscalização dos respectivos Tribunais de Contas, conforme objetivamente estabelece o art. 71, inc. II, da Constituição Federal de 19883.
Assim é que, para salvaguardar a observância do interesse público na gestão de suas atividades, como regra geral, todo e qualquer ajuste formalizado pelo Sistema “S”, seja ele oriundo de licitação, dispensa ou inexigibilidade, deve coadunar-se rigorosamente com as atividades previstas em seu ato constitutivo, sob pena de desvio de finalidade4. Além disso, é importante que todos os recursos utilizados pela Entidade sejam destinados exclusivamente para o atendimento de seus objetivos, nos moldes dos princípios e regras a que se submete.
A propósito do tema, já se manifestou o Tribunal de Contas da União nos seguintes julgados:
“1.1. abstenha-se de realizar despesas que não se harmonizem com os objetivos institucionais da Entidade, bem como que se destinem a apoiar atividades de interesse específico ou preponderante de entidade privada, cujos benefícios não importem claramente em aprimoramento profissional ou promoção social, a exemplo da aquisição de bonés e camisetas com logotipo da Federação da Agricultura do Estado de Sergipe (Faese); e)
“Os serviços sociais autônomos não estão sujeitos à observância dos estritos procedimentos das normas gerais de licitações e contratos, e sim aos seus regulamentos próprios, pautados nos princípios gerais aplicáveis à Administração pública.” (grifou-se) (TCU. Decisão nº 907/1997 – Plenário).
De outro lado, vale registrar, ainda que não seja a posição por nós defendida no presente artigo jurídico, as recentes manifestações do TCU e STF que preveem a inaplicabilidade dos princípios gerais da Administração Pública previstos no “caput” do art. 37 da CRFB/1988:
“Voto (...)
17. Relembro de passagem de meu Voto, no qual falei de nossa tentação publicista de declarar a autonomia e a liberdade de auto- gestão do Sistema, falando da inaplicabilidade de normas como a Lei 8.666/1993, averbando, contraditoriamente, que o Sistema só está submetido aos princípios da administração pública. Ora, se são privados não estão regidos por princípios da administração pública. Prova é que eles não se submetem ao princípio da legalidade administrativa. Ao contrário, quando falamos em princípios da moralidade, da legitimidade, da eficiência, estamos a falar de meta-princípios, aplicáveis a todos indistintamente. Aos incrédulos dou um exemplo: quando a lei fundamental declara o direito fundamental à propriedade, ao mesmo tempo declara a função social da mesma, dizendo desapropriáveis as propriedades improdutivas. Nada mais está a falar o texto constitucional do que a produtividade (eficácia e eficiência) na iniciativa privada. O mesmo se pode dizer do instituto da encampação de empresas. (...)
21. Afirmo, sem qualquer hesitação, que ao Sistema S Sindical não se aplica o art. 37 da Constituição Federal, pois de Administração Pública não se trata. Também não lhe incide o § 1º do art. 173 da Carta da República, pois não há estatuto jurídico especial do Sistema S Sindical. São entidades de direito privado.” (TCU. Acórdão nº3.554/2014 – Plenário)
“VOTO (...)
8. Por outro lado, não procede a alegação de que o só fato de serem os serviços sociais autônomos subvencionados por recursos públicos seria circunstância determinante da submissão das entidades do Sistema “S” aos princípios previstos no art. 37, caput, da Constituição, notadamente no que se refere à contratação de seu pessoal. Tal relação de causa e efeito, além de não prevista em lei e nem ser decorrência de norma ou princípio constitucional, jamais foi cogitada para outras entidades de direito privado que usufruem de recursos públicos, como as de utilidade pública declarada, as entidades beneficentes de assistência social e mesmo as entidades sindicais, também financiadas por contribuições compulsórias.” (STF. Recurso Extraordinário nº 789.874/DF).
3 “Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
(...)
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;”
4 Nesse sentido, vale destacar, ainda que a título meramente exemplificativo, a regra disposta no art. 54, “caput”, do Decreto nº 57.375/1965, que aprova o Regulamento do SESI:
“Art. 54. Nenhum recurso do SESI, quer na administração nacional, será aplicado, seja qual fôr o título, se não em prol das finalidades da instituição, de seus beneficiários, ou de seus servidores.
(...).”
e (Relação 73/2005 – Gab. do Min. Subst. Xxxxxxx Xxxxxxx – Primeira Câmara, Processo TC 008.404/2004-0, Senar/AL, item 1.1 procure realizar despesas exclusivamente para a consecução de seus fins institucionais, abstendo-se de utilizar recursos em finalidades para os quais não foram destinados;).”5 (grifou-se)
“6. Conquanto não tenha restado a configuração de eventual débito, o porte de tais comemorações alcançou dimensão que evidencia inobservância a dois requisitos básicos que todo gestor do sistema ‘S’ - porque administra recursos oriundos de contribuições parafiscais, revestidos portanto de caráter público -, deve seguir ao realizar despesas com eventos da espécie: vinculação à finalidade da entidade - voltada essencialmente, no caso do Senac, ao fomento das atividades de aprendizagem comercial para qualificação do comerciário e de apoio técnico e financeiro (Decreto n. 61.843/1967, art. 1º) -, e à moderação nos gastos, traduzida no uso racional do dinheiro público, a teor do decidido no Acórdão n 128/1998 - 2º Câmara. Cabe, assim, na linha da jurisprudência do Tribunal, determinar à entidade que se abstenha de realizar despesas com eventos da espécie.”6 (grifou-se)
Igualmente, pondera a Secretaria de Controle Interno da Controladoria-Geral da União em sua Coletânea de Entendimentos sobre os Principais Temas de Gestão do Sistema “S”:
“18.1- Entendimento Sobre Realização de Despesas Fora da Finalidade da Entidade Via Convênio e/ou Contrato - dessa forma, o entendimento no âmbito desta Secretaria Federal de Controle Interno, levando-se em conta a jurisprudência do Tribunal de Contas da União aqui tratada é o de que as despesas realizadas pelos ‘S’, devem ser exclusivamente executadas em atividades que constituem os objetivos da Entidade, devendo-se rejeitar, portanto, aquelas despesas realizadas fora de sua finalidade.”7 (grifou-se)
2. Da contratação de serviços advocatícios para a defesa de dirigentes e gestores em processos administrativos ou judiciais.
Justamente pelo fato de os Serviços Sociais Autônomos não poderem destinar seus recursos para atender finalidades diversas daquelas para as quais foram criados, sob pena de afronta aos princípios e regras gerais que regem as atividades administrativas, é que a contratação de serviços advocatícios, principalmente para a defesa de dirigentes, ex-dirigentes, gestores e ex-gestores em processos administrativos ou judiciais, deve ser objeto de percuciente e cautelosa análise pelas Entidades que compõem o denominado Sistema “S”.
A rigor, o dispêndio de recursos com tal finalidade deve se restringir às hipóteses em que restar efetivamente comprovada a legalidade e a natureza estritamente funcional do ato praticado, bem como o interesse público na defesa da legitimidade de tal ato. Em outras palavras, é essencial que a defesa se dê em face de um ato que tenha sido praticado em prol dos interesses da Entidade, e não de interesses estritamente pessoais do agente. Com efeito, se o agente exorbitou de suas competências institucionais ou atuou de forma contrária aos interesses do SSA, a rigor,
5 TCU. Acórdão nº 1.761/2005 – 1ª Câmara.
6 TCU. Acórdão nº 1.485/2012 – 2ª Câmara.
7 CGU. Coletânea de Entendimentos da SFC/CGU Sobre os Principais Temas de Gestão do Sistema “S”. Brasília, 2004. p. 40.
não poderá se valer dos serviços advocatícios fornecidos pela Entidade.
Nesse sentido, inclusive, pondera a Controladoria-Geral da União em sua cartilha de “Entendimentos do Controle Interno Federal sobre a Gestão dos Recursos das Entidades do Sistema ‘S’”, nos seguintes termos:
“29. Em quais situações as entidades do Sistema ‘S’ podem contratar serviços advocatícios, ou utilizar advogados do próprio quadro, para defesa de dirigentes e ex-dirigentes em processos judiciais ou administrativos?
A concessão da assistência jurídica deve se restringir às hipóteses em que ficar evidenciada a legalidade e a natureza estritamente funcional do ato questionado, bem como o interesse público na defesa de sua legalidade, de modo que a defesa dos agentes configure a defesa da própria entidade. Além disso, o ato deve ter sido praticado em prol da entidade, e não visando proveito pessoal do acusado. Esses requisitos são cumulativos e não alternativos, de forma que, inexistindo qualquer um deles, a defesa institucional se mostra incabível. Quando ficar comprovado que o ato praticado for ilegal ou contrário ao interesse das entidades do Sistema ‘S’, os serviços advocatícios não devem ser fornecidos por contratados ou advogados do quadro.” (grifou-se)
Na mesma linha, argumenta Xxxxxx Xxxxx Xxxx em seu “Manual do Gestor do Sistema ‘S’”:
“As entidades do Sistema ‘S’ devem abster-se de utilizar serviços advocatícios de seu corpo técnico, ou mesmo de advogados contratados, para defender ex-dirigentes da entidade em processos administrativos ou judiciais, quando comprovado que os atos praticados foram manifestamente ilegais ou contrários ou interesse público, (...).”8 (grifou-se)
A jurisprudência pátria também se manifesta a respeito do tema, conforme se observa teor dos seguintes julgados:
“PROCESSUAL CIVIL — ADMINISTRATIVO — DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL CONFIGURADO — CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO ESPECIAL — CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO PRIVADO PARA DEFESA DE PREFEITO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA — ATO DE IMPROBIDADE.
1. Merece ser conhecido o recurso especial , se devidamente configurado o dissid́ io jurisprudencial alegado pelo recorrente.
2. Se há para o Estado interesse em defender seus agentes polití cos, quando agem como tal, cabe a defesa ao corpo de advogados do Estado, ou contratado às suas custas.
3. Entretanto, quando se tratar da defesa de um ato pessoal do agente polití co , voltado contra o órgão público , não se pode admitir que , por conta do órgão público , corram as despesas com a contratação de advogado. Seria mais que uma demasia, constituindo-se em ato imoral e arbitrário.
4. Agravo regimental parcialmente provido, para conhecer em parte do recurso especial.
5. Recurso especial improvido.”9 (grifou-se)
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. XANGRI-LÁ. CONTRAÇÃO DE ADVOGADO PARTICULAR PARA DEFESA PESSOAL DE PREFEITO. PRELIMINAR DE LITISPENDÊNCIA REJEITADA. PRESCRIÇÃO INOCORRENTE, EIS QUE AJUIZADO O FEITO ANTES DO DECURSO DO PRAZO DE CINCO ANOS A PARTIR DO TÉRMINO DO
8 XXXX, Xxxxxx Xxxxx. Manual do gestor do Sistema “S”. São Paulo: SESI-SP Editora, 2012. p. 205.
9 STJ. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 681571/GO.
MANDATO DO EX-PREFEITO. INTERCORRÊNCIA PRESCRICIONAL NÃO RECONHECIDA. SÚMULA 106 DO STJ. INTERPRETAÇÃO DO ART. 23, I DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATO PESSOAL DE AGENTE POLÍTICO, VERSANDO SOBRE INTERESSE PRIVADO, VOLTADO CONTRA O ÓRGÃO PÚBLICO A QUE SERVE, NÃO PODE SER DEFENDIDO POR ADVOGADO, COM PAGAMENTO DOS COFRES PÚBLICOS DO PRÓPRIO ENTE PÚBLICO. IMORALIDADE. AUSÊNCIA DE EXIGÍVEL LICITAÇÃO. PRESENÇA DO INTERESSE PÚBLICO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. O ENQUADRAMENTO NO ART. 10 E INCISOS DA LEI 8429/92 PRESSUPÕE CONDUTAS QUE CAUSEM PREJUÍZO AO ERÁRIO O QUE INOCORREU NO CASO. REDIMENSIONAMENTO DAS SANÇÕES, CONSIDERANDO AS CIRCUNSTÂNCIAS PESSOAIS DOS ENVOLVIDOS, OS COMEMORATIVOS DOS FATOS E A PROPORCIONALIDADE DAS PENAS. APENAMENTO QUE NÃO TEM A CARACTERÍSTICA DE CUMULAÇÃO, E SIM, DE ALTERNATIVIDADE, COM EVENTUAL CUMULAÇÃO, INTEGRAL OU PARCIAL, FACE AOS PRINCÍPIOS QUE REGEM A APLICAÇÃO DAS PENAS, EM ESPECIAL O DA PROPORCIONALIDADE. APELOS PROVIDOS PARCIALMENTE.”10 (grifou-se)
Por sua vez, no âmbito do Tribunal de Contas da União observamos a existência de inúmeras decisões que afastam a possibilidade de contratação de serviços advocatícios para a defesa de gestores/dirigentes quando estes, desobedecendo normas internas ou a legislação vigente, praticam atos contrários aos interesses da entidade a que estão vinculados:
“Acórdão (...)
1.3. ao Serviço Social do Comércio – Administração Regional no Rio Grande do Norte que: (...)
1.3.5. abstenha-se de utilizar os serviços advocatícios de seu corpo técnico, ou mesmo de advogados contratados, para defender ex-dirigentes da entidade em processos administrativos ou judiciais, quando comprovado que os atos praticados foram manifestamente ilegais ou contrários ao interesse público, em consonância com o contido no Acórdão n. 35/2000 – TCU – Plenário;”11 (grifou-se)
“(...)
Ademais, outra irregularidade constatada refere-se ao fato de que a contratação deu-se em defesa pessoal de dirigentes do Senar/RS (acompanhamento processual e elaboração de razões de justificativa, alegações de defesa, recursos e memoriais), com recursos da Entidade, em face de falhas verificadas na prestação de convênios, desatendendo o art. 93 do Xxxxxxx-xxx 000/00, conforme se constata na cláusula primeira- objeto do contrato firmado, tendo em vista os Convênios de Cooperação Técnica Financeira nºs: 02/0-2006 (exercício de 2006) e 04/0-2007 (exercício de 2007), referentes, respectivamente, aos Acórdãos do TCUs 4.070/2009-Segunda Câmara e 5.074/2009-Segunda Câmara (sendo que, neste último, há, em especial, o subitem 1.5.1.9 que fixa prazo para a Entidade na adoção de medidas).
(...).”12 (grifou-se)
“3.19. Da utilização de advogados do quadro da Eletrobras para a defesa de dirigentes e gestores da estatal, por atos praticados contra os próprios interesses da empresa e em afronta literal a seus próprios normativos.
3.19.1. Ao serem analisadas as razões de justificativa ofertadas pelos responsáveis (peças 213, 214, 220, 222, 223, 224, 225, 226, 233, 234 e 235), constata-se que suas defesas foram patrocinadas por advogados do quadro da Eletrobras, ou seja, por empregados públicos da
10 TJ/RS. Apelação Cível nº 70024845414.
11 TCU. Acórdão nº 1.179/2008 – 1ª Câmara.
12 TCU. Acórdão nº 554/2011 – 2ª Câmara.
estatal, componentes de seu quadro profissional próprio de advogados, que foram alocados para defender os dirigentes, ex-dirigentes, gestores e ex-gestores da empresa perante este Tribunal de Contas.
(...)
3.19.3. A jurisprudência desta Corte de Contas, conforme passa-se a expor, veda a utilização de advogados dos quadros próprios de órgãos/entidades públicos para atuarem na defesa de interesses pessoais de seus dirigentes e empregados, quer ainda estejam ou não exercendo suas funções ou cargos nas entidades, especialmente quando há conflito de interesses entre os defendentes e o órgão/entidade público.
(...)
3.19.7. Na hipótese concreta destes autos, há fortes indícios de que a remansosa jurisprudência acima colacionada haja sido infringida, é dizer, que advogados da Eletrobras tenham sido indevidamente utilizados para a defesa de dirigentes/empregados e pela prática de atos manifestamente ilegais e contrários aos próprios interesses da empresa.
3.19.8. Nesse sentido, é oportuno relembrar que, não raras vezes, as condutas dos responsáveis, ora defendidos pelos advogados da Eletrobras, afrontaram os próprios normativos da empresa, tais como sua Política de Patrocínios e seus Contratos de Patrocínio. Por este motivo, ou seja, por estar configurado inequívoco conflito de interesses, os responsáveis não poderiam ter sido defendidos pelos advogados da Eletrobras.
3.19.9. Veja-se que não se está a pré-julgar os responsáveis, ou seja, não se está discutindo, nesta sede, a culpabilidade dos agentes. É certo que ao advogado, profissional do Direito que é, compete defender, dentre teses razoáveis, a que melhor aproveita os interesses de seu cliente. Ocorre que, e este é o cerne da questão, os causídicos dos autos são advogados da Eletrobras, e não de seus dirigentes e gestores, sendo incompreensível que tenham defendido teses e condutas que afrontam os próprios interesses e as normas da empresa, depondo, portanto, contra a estatal.”13 (grifou-se)
“SUMÁRIO: TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA. PAGAMENTO DE DESPESA REFERENTE À CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO PARA PATROCÍNIO DE DEFESA JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO COM VERBAS DO CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA. IMPOSSIBILIDADE. CONTAS IRREGULARES. DÉBITO. MULTA.
1. A despesa relativa à contratação de advogado para atuar na defesa de dirigente de órgão ou entidade públicos não pode ser custeada pelo cofre daqueles entes quando o ato praticado pelo gestor for manifestamente ilegal ou contrário ao interesse público.
2. De igual modo, também não há de ser custeada pelos cofres de órgão ou entidade públicos a despesa referente à contratação de causídico para a defesa de gestor quando a imputação lhe tiver sido dirigida, de forma pessoal, e não haja interesse do ente a ser defendido.”14 (grifou-se)
Portanto, somente nos casos em que não houver dúvidas quanto à natureza institucional do ato praticado, bem como evidenciado o interesse público na sua defesa, é que visualizamos a possibilidade de as Entidades do Sistema “S” contratarem serviços advocatícios específicos para realizar a defesa de seus dirigentes e gestores em processos administrativos e/ou judiciais, de modo que a defesa do ato praticado pelo agente guarde estrita pertinência com a defesa da própria Entidade.
Em face disso, é que o atual Ministro do Supremo Tribunal Federal Xxxxxx Xxxxxx, em obra específica a respeito de tema, destaca a necessidade de realizar um
13 TCU. Acórdão nº 545/2015 – Plenário.
14 TCU. Acórdão nº 2.055/2013 – 2ª Câmara.
juízo de valor prévio do ato praticado pelo agente, de modo a aferir a existência da finalidade pública:
“Essa regulação, obviamente, obriga a um juízo prévio de valor quanto à verossimilhança das alegações postas na ação contra o servidor ou agente público, justamente para prevenir situações em que o servidor, acionado, que tenha contra si severas e pesadas acusações de prática de atos ilegítimos (com substanciais elementos sinalizadores ou evidenciadores de tal procedimento, nos autos), venha a ter a prática de tais atos, pelo menos no primeiro momento processual, indevidamente legitimada pela assunção de sua defesa pela Advocacia-Geral da União. Dito isso, resta evidente que a autorização legal — que hoje alcança igualmente os titulares de cargos efetivos e não somente aqueles ocupantes de cargos em comissão e funções de direção e assessoramento superior — jamais haverá de implicar conflito algum de interesses entre a defesa do patrimônio público e a defesa da autoridade pública. Com efeito, se os atos a serem defendidos vinculam-se estritamente ao desempenho das atribuições institucionais dos agentes públicos e se somente se oferecerá defesa em havendo interesse público em fazê-lo, é manifesto que o dado paradigmático reside na existência de um ato oficial veiculador de manifestação do próprio e autêntico interesse público. Em verdade, o crivo decisivo haverá de restar configurado exatamente na existência de interesse público em defesa do ato oficial eventualmente impugnado.
Assim, verificado o interesse público na defesa do ato, haverá a representação judicial da União de contestar a impugnação contra ele oferecida, o que, ao contrário do que sugerido por alguns, constituirá ato evidentemente coerente com a defesa do agente público responsável pela prática do ato impugnado. Essas exigências evidenciam, destarte, que somente se defenderá o agente público se houver interesse público na defesa do ato por ele praticado, o que elimina a mais remota possibilidade de conflito de interesses e afigura- se obviamente conseqüência absolutamente natural da defesa do ato impugnado. A esse respeito, assevere-se que a Advocacia-Geral da União já se recusou a promover a defesa de agentes políticos — embora para tal expressamente provocada — por não identificar os pressupostos legais que a autorizariam. Imagine-se, por outro lado, a circunstância em que agente público cujos atos representam a mais inequívoca manifestação da legalidade e do interesse público queda alvo de dezenas de ações judiciais decorrentes de motivações eminentemente políticas. Em um tal contexto, seria legítimo que viesse o Estado a promover a defesa dos atos praticados e declinasse do dever moral de promover a defesa da prática desses mesmos atos pelo agente público ou responsável? Seria igualmente ético relegar o agente público à ruína financeira decorrente da necessidade de fazer-se representar em juízo
— incontáveis vezes — a expensas próprias?”15 (grifou-se)
Assim, somente quando restar efetivamente demonstrado que o ato questionado foi praticado no exercício regular das funções de seu cargo, é que o agente poderá se valer dos serviços advocatícios fornecidos pela Entidade para a sua defesa em processos administrativos e/ou judiciais. De outro lado, se o ato ofende o interesse público, foi praticado em desacordo à legislação ou visando auferir algum tipo de vantagem pessoal, deverá o SSA se abster de fornecer ao agente a prestação de serviços jurídicos.
15 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx. Medida Provisória nº 2.143-31/2001. Revista Jurídica Consulex, v. 5, n. 103, abr. 2001. p. 22-27.
3. Da realização de licitação para a contratação dos serviços advocatícios ou do enquadramento em inexigibilidade em face da notória especialização do profissional.
A contratação de serviços advocatícios, nos moldes descritos nos Regulamentos de Licitações e Contratos do Sistema “S”, deverá ser realizada sempre de maneira excepcional. Isso porque, como regra geral, a execução desses serviços deve ser realizada por profissionais diretamente vinculados à Entidade, pertencentes aos seus quadros funcionais, que deverão ser selecionados mediante processo seletivo específico16, em atenção aos já destacados princípios gerais do regime jurídico administrativo expressos no art. 37, “caput”, da Constituição Federal de 1988, aos quais se sujeitam os Serviços Sociais Autônomos.
Dessa forma, a contratação de tais serviços somente será admitida quando o seu objeto se tratar de serviços singulares, especializados, que exijam extrema notoriedade e conhecimento do profissional, “para atender a situações específicas, devidamente justificadas, de natureza não continuada, que não possam ser atendidas por profissionais do próprio quadro do órgão ou entidade (...)”17, ou, ainda, em situações eventuais, imprevisíveis e incompatíveis com o volume de serviço possível de ser executado por empregados do quadro próprio da Entidade.
Nesse sentido, bem resume o Tribunal de Contas da União, apontando ainda a possibilidade de contratação de advogados quando houver conflitos entre os interesses da instituição e dos empregados que poderiam vir a defendê-la:
“2. A terceirização de atividades advocatícias previstas em plano de cargos do órgão ou entidade só é permitida excepcionalmente, nas seguintes hipóteses: a) demanda excessiva, incompatível com o volume de serviço possível de ser executado por servidores ou empregados do quadro próprio; b) especificidade do objeto a ser executado; c) conflitos entre os interesses da instituição e dos empregados que poderiam vir a defendê-la
Pedido de Reexame interposto pela Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A.- Nuclep requereu a reforma do Acórdão 1115/2012-Plenário, que considerou irregular a contratação de escritórios de advocacia para prestação de serviços de natureza contínua e não específica, inerentes ao plano de cargos e salários da companhia estatal. Alegou a recorrente, em essência que: fundou-se no parecer AGU GQ 077/95; arrimou-se nas premissas de excepcionalidade de terceirização dessas atividades definidas pelo TCU, conforme Decisão 494/1994-Plenário e Acórdão 250/2002-2ª Câmara; explora atividade econômica; depende do Ministério do Planejamento para aumentar seu efetivo; é antieconômica a manutenção de excessivo contingente de advogados empregados. O relator entendeu que os argumentos esgrimidos não merecem guarida, pois o Tribunal, conforme “O Acórdão 250/2002-TCU-2ª Câmara, prolatado em um contexto de excepcionalidade, apenas permite contratação de
16 Ao decidir o Recurso Extraordinário nº 789.874/DF, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as Entidades integrantes do Sistema “S” não estão obrigadas a realizar concurso público nos termos do art. 37, inc. II, da Constituição Federal, o que não significa que os Serviços Sociais Autônomos estão isentos de certos critérios para contratação, tais como a objetividade.
Assim, com fundamento no multicitado art. 37, “caput”, da CRFB/1988, a admissão de empregados pelos Serviços Sociais Autônomos, como regra, deve ser precedida de regular processo de seleção pública que deverá prever critérios objetivos de avaliação, possibilitando-se, ainda, a participação de todos os interessados que atendam as exigências mínimas consignadas no ato de convocação.
Para maiores esclarecimentos sobre a questão, recomenda-se a leitura de matéria específica veiculada na Revista JML de Licitações e Contratos nº 34, de março de 2015, seção “Comentários às Decisões”.
17 TCU. Acórdão nº 1.048/2014 – Plenário.
escritórios de advocacia em três hipóteses específicas: a) em função de demanda excessiva, incompatível com o volume de serviço possível de ser suprido por servidores/empregados do quadro próprio; b) em função da especificidade da questão a ser discutida; c) em razão da existência de conflitos entre os interesses da instituição e dos empregados que poderiam vir a defendê-la”. Nenhuma dessas circunstâncias ocorreu no caso concreto. O Tribunal, então, ao acolher proposta do relator, negou provimento ao pedido de reexame. Precedente mencionado: Acórdão 250/2002-2ª Câmara.”18
Portanto, ressalte-se que a terceirização das atividades advocatícias pelas Entidades do Sistema “S” será sempre uma exceção, justificável apenas para casos esporádicos (singularidade/especialidade ou volume excessivo dos serviços).
E, a regra para a realização de tais contratações é que o SSA promova sempre a licitação (conforme preceitua os arts. 1º e 2º do RLC), onde o objeto, com todas as suas especificações técnicas, critério de julgamento, condições de execução, etc., deve ser perfeitamente identificado e definido, à vista da necessidade a ser atendida e das condições praticadas pelo mercado, dando igualdade de condições a todos os concorrentes.
Ao revés, tratando-se de objeto singular, que necessite de profissional de notória especialização, é possível cogitar a contratação por inexigibilidade de licitação, com fundamento no art. 10, inc. II, do Regulamento, desde que atendidas plenamente as exigências previstas no aludido dispositivo.
Quanto a este aspecto, vale mencionar que para a Entidade justificar tal hipótese de contratação direta (art. 10, inc. II), é necessário que a empresa ou profissional a ser contratado, ainda que não seja o único existente no mercado, reúna certas particularidades ou especialidades que o diferencia dos demais prestadores do serviço.
A exigência de profissionais com qualificações específicas capazes de embasar o afastamento de um procedimento licitatório decorre não apenas da notória especialização inerente à empresa ou profissional19, sendo igualmente necessário que o interesse da Entidade, cumulado com a complexidade e a importância do objeto, seja singular e, portanto, requeira a contratação de profissional com essas qualificações.
Nesse sentido, destaca-se a posição defendida pelo Tribunal de Contas da União, já pacificada na Súmula nº 252/2010:
“A inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado”. (grifou-se)
18 TCU. Informativo de Licitações e Contratos nº 139. Acórdão nº 141/2013 – Plenário.
19 Muito embora o Regulamento não exija, é preciso também que o serviço seja técnico especializado.
Sobre o conceito de serviço singular, o TCU já decidiu:
“Contratação por inexigibilidade de licitação: 1 – Para a contratação, por inexigibilidade de licitação, de serviço técnico profissional especializado deve estar demonstrado que este possui características singulares, além da condição de notória especialização do prestador Mediante denúncia, foram relatados ao Tribunal indícios de irregularidades que estariam ocorrendo no âmbito do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Piauí
– (CREA/PI), nos exercícios de 2006 a 2008, dentre elas, a contratação direta, por inexigibilidade de licitação, de escritórios de advocacia, para defesa do CREA/PI, em causas trabalhistas. Para a unidade técnica, não restaram comprovados os requisitos da natureza singular do serviço técnico e da notória especialização dos contratados, o que contou com a concordância do relator, o qual, ainda, refutou a justificativa dos responsáveis de que contratados deteriam notória e larga experiência em suas áreas de atuações, que poderia ser comprovada a partir de seus os currículos profissionais. Segundo o relator, desde a Súmula nº 39, de 1973, “a jurisprudência deste Tribunal tem se consolidado quanto à necessidade de se demonstrar, nas contratações diretas de serviço técnico profissional especializado, que tal serviço tenha características singulares (incomum, anômalo, não usual), aliada à condição de notória especialização do prestador (que reúna competências que o diferenciem de outros profissionais, a ponto de tornar inviável a competição)”. Precedentes citados:Acórdãos nos: 817/2010, da 1ª Câmara, 250/2002, da 2ª Câmara, 596/2007, 1.299/2008 e 1.602/2010, do Plenário.”20
É preciso mencionar que a contratação por notória especialização possui natureza personalíssima, visto que a Entidade, diante da necessidade de contratação de um objeto singular, escolhe determinada empresa ou profissional em razão de seu conhecimento peculiar na área da prestação a ser desenvolvida. Portanto, serão as características pessoais do contratado, somadas a singularidade do objeto, que justificarão a contratação direta em apreço.
Ao tratar da hipótese de inexigibilidade em comento, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx explica que:
“A contratação dos serviços, nos casos do inc. II do art. 25, visa obter não apenas uma utilidade material. É evidente que interessa à Administração a produção de certo resultado, mas a contratação também é norteada pela concepção de que esse resultado somente poderá ser alcançado se for possível contar com uma capacidade intelectiva extraordinária. O que a Administração busca, então, é o desempenho pessoal de ser humano dotado de capacidade especial de aplicar o conhecimento teórico para a solução de problemas no mundo real.”21 (grifou-se)
Assim é que a notória especialização se reflete no “desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou outros requisitos relacionados com sua atividade”, conforme previsto no inciso II do art. 10 do Regulamento. Consoante orientação do Tribunal de Contas da União, “a notoriedade do profissional especializado pode ser comprovada por meio de
20 TCU. Informativo de Licitações e Contratos nº 59. Acórdão nº 1.038/2011.
21 FILHO, Xxxxxx Xxxxxx. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 497.
documentos hábeis para tanto, como: diplomas, participações em eventos, cursos ministrados etc”. (TCU. Acórdão nº 658/2010). (grifou-se)
Dessa forma, será cabível a inexigibilidade de licitação (art. 10, inc. II) somente se o serviço a ser executado possuir natureza singular e que o mesmo seja prestado por profissional ou empresa de notória especialização, cabendo ao contratado evidenciar, por todos os meios cabíveis, que detém esta especialização exigida.
Não sendo atendido algum desses requisitos, incabível a contratação direta com base em tal dispositivo legal. A título de ilustração, inclusive, cabe citar que o STJ já reputou ilegal a contratação de serviços advocatícios especializados, mas não singulares:
“Estando comprovado que os serviços jurídicos de que necessita o ente público são importantes, mas não apresentam singularidade, porque afetos a ramo do direito bastante disseminado entre os profissionais da área, e não demonstrada a notoriedade dos advogados
– em relação aos diversos outros, também notórios, e com a mesma especialidade – que compõem o escritório de advocacia contratado, decorre ilegal contratação que tenha prescindido da respectiva licitação.”22 (STJ, 2ª Turma, REsp 436869/SP, Min. Rel. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx, data do julgamento: 06.12.2005, DJ de 01.02.2006.)
22 STJ. Recurso Especial nº 436869/SP.