COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – CONSTITUI-SE, OU NÃO, EM CONTRATO PRELIMINAR?1
COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – CONSTITUI-SE, OU NÃO, EM CONTRATO PRELIMINAR?1
Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx
Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Pós- Graduado, com título de especialista, em Direito dos Contratos e Direito Processual Civil. Professor do curso de pós-graduação lato sensu em processo civil do COGEAE – PUC/SP. Professor convidado da Pós - Graduação em processo civil da PUC/RJ.
Sumário: 1 – Introdução. 2 – Contratos Preliminares: 2.1.
Denominação; 2.2. Conceituação; 2.3. Características; 2.4. O contrato preliminar no novo Código Civil. 3 – Compromisso de Compra e Venda: 3.1. Conceituação; 3.2. Características; 3.3. Direito real; 3.4. O compromisso de compra e venda no novo Código Civil. 4 – Compromisso de Compra e Venda e Contrato Preliminar: Análise do posicionamento da Doutrina; 5 – Nossa posição e seus reflexos práticos. 6 – Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO
1 Artigo publicado na Revista dos Tribunais, ano 92, vol. 814, agosto de 2003, p. 44/62.
O tema objeto deste ensaio é de relevante importância prática, eis que o compromisso de compra e venda – seja ele relativo a imóveis loteados ou não – teve e ainda tem enorme aplicação nos negócios imobiliários.
Sem dúvida, tal figura contratual encontrou larga utilização no campo imobiliário, apresentando-se, sem sombra de dúvida, como o mecanismo mais utilizado nesse importante setor. Isso seguramente se deu porque tal forma de contratação apresenta-se como um atraente instrumento, dotado de eficácia e pouco complicado, para regular os negócios jurídicos atinentes à compra e venda de bens imóveis, emprestando, desta feita, rapidez e segurança aos negócios jurídicos.
Nesse diapasão, merece destaque que o compromisso de compra e venda apresenta inúmeras vantagens de ordem prática, v.g., liberdade de forma, facilidades de ordem tributária, segurança ao transmitente e ao adquirente, entre outras.
Alie-se, ainda, a tais fatores, o contexto histórico-econômico que culminou na criação do compromisso de compra e venda entre nós, marcado essencialmente por uma crescente expansão imobiliária e conseqüente valorização da propriedade imobiliária e, bem assim, pelo processo inflacionário, o que acabou por gerar a ineficácia dos instrumentos jurídicos existentes até então para impedir
abusos, desvantagens econômicas e trazer certo equilíbrio às transações imobiliárias.
De qualquer forma, muito já se escreveu na doutrina pátria acerca do histórico do Decreto-Lei 58/37 – que marcou o ingresso do compromisso de compra e venda em nosso direito positivo – daí porque não nos parece importante tratar de tal tema, até porque pouca relação apresenta com o busílis deste trabalho.
O que, em realidade, nos interessa é a definição do compromisso de compra e venda e, bem assim, seu correto enquadramento em nosso ordenamento jurídico. Disso resulta a insofismável necessidade de se enfrentar a questão objeto deste trabalho, vale dizer: se o compromisso de compra e venda constitui, ou não, um contrato preliminar.
De se registrar, por oportuno, que dependendo da resposta que se dê à questão anteriormente formulada, extrair-se-á diferentes conseqüências práticas e jurídicas.
Definido, portanto, nosso desafio, resta-nos o espinhoso mister de adentrar ao tema. Para tanto, faremos, num primeiro momento, a análise separada do contrato preliminar e do compromisso de compra e venda, de forma a traçar as características de cada uma dessas figuras jurídicas. Após a análise – estanque, por assim dizer – de tais institutos, traremos subsídios doutrinários para
possibilitar uma análise conjunta do compromisso de compra e venda e do contrato preliminar e as conseqüências daí decorrentes, culminando com nossa tomada de posicionamento.
2. CONTRATOS PRELIMINARES
2.1. Denominação
A denominação deste negócio jurídico tem suscitado divergências.
Com efeito, no direito italiano prefere-se a terminologia “contrato preliminar”, que é utilizada por grande parte da doutrina brasileira 2.
Também se costuma utilizar o termo “pré-contrato”, que aparece com mais freqüência no direito alemão e francês e, entre nós, é utilizado por Pontes de Miranda, entre outros.
Na prática contratual, além dos dois termos mais comuns, anteriormente mencionados, floresce ainda uma pluralidade de denominações, das quais destacamos as seguintes: “promessa de contrato”, “contrato preparatório”, ou mesmo “compromisso”, este último largamente utilizado quando se tem em conta a promessa da concretização do negócio de compra e venda.
Como se vê, diversas são as formas de se referir a tal negócio jurídico. Entendemos, contudo, que o termo contrato preliminar é preferível aos outros,
2 Daqueles que se utilizam da denominação “contrato preliminar” podemos citar, dentre outros, os seguintes autores: Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx.
principalmente ao termo pré-contrato. Isso porque a utilização do termo pré- contrato pode suscitar a idéia de negar ao contrato preliminar um ajuste de natureza contratual.
Ora, pré-contrato dá a idéia de que ainda não existe um instrumento hábil a produzir efeitos vinculativos, o que, permissa venia, está equivocado, pois o contrato preliminar é instrumento de natureza contratual e, portanto, vincula as partes contratantes, obrigando-as a, na pior das hipóteses, responder por perdas e danos.
Colocada de lado a questão terminológica, que na prática negocial se apresenta como secundária – até porque o negócio jurídico se define por seu conteúdo e não pelo nome que lhe deram as partes – é bom ter presente ao ler os autores nacionais e estrangeiros, que os termos contrato preliminar e pré-contrato devem ser entendidos como equivalentes.
Importante registrar, ainda, que sem embargo de existir uma clara diferença entre contrato preliminar e protocolo de intenções, ou mera punctação como preferem os autores mais clássicos, existe na prática negocial e contratual uma certa confusão entre essas duas figuras, daí não raro se verificar a existência de um contrato preliminar intitulado como protocolo de intenções e vice-versa.
Bem se vislumbra a distinção entre o contrato preliminar e o protocolo de intenções em pelo menos dois aspectos básicos.
Em primeiro lugar, o protocolo de intenções não tem caráter vinculante e serve apenas para documentar intenções preliminares das quais as partes podem validamente se arrepender3. Por sua vez, o contrato preliminar, como instrumento de natureza contratual que é, vincula as partes contratantes, tendo se formado o vínculo obrigacional entre elas, na medida em que pelo menos alguns elementos (os essenciais) do negócio jurídico futuro já foram delineados e acordados.
Outra distinção entre o contrato preliminar e o protocolo de intenções está justamente no seu conteúdo. No protocolo de intenções o conteúdo do negócio jurídico principal pode não estar determinado, nem tampouco ser objetivamente determinável. Já o contrato preliminar, como veremos mais adiante, deve conter necessariamente todos os elementos essenciais do contrato definitivo.
2.2. Conceituação
O contrato preliminar pode ser definido, a nosso ver, como o ajuste pelo qual as
3 Há consenso na doutrina de que a mera carta de intenção (ou protocolo de intenções), por ter a exclusiva função de aproximar as partes com o escopo de entabular futuramente um negócio jurídico ainda não delineado, não representa um vínculo obrigacional entre as partes, daí porque se permite o arrependimento ou desistência sem direito a indenização. Parece-nos, contudo, que em havendo má-fé – e desde que isso seja comprovado – pode-se cogitar de responsabilização da parte desistente por perdas e danos.
partes se obrigam a concluir determinado negócio jurídico, o qual será formalizado por meio de um contrato definitivo ou principal, que necessariamente atenderá as condições e elementos essenciais já estabelecidos no contrato preliminar.
Acerca da conceituação do contrato preliminar manifesta-se a doutrina com certa convergência, senão vejamos.
Pontes de Xxxxxxx assim se manifesta: “contrato preliminar, ou melhor, pré- contrato (Vorvertrag, nome proposto por H. Thöl), pactum de contrahendo, entende-se o contrato pelo qual uma das partes, ou ambas, ou todas, no caso de pluralidade subjetiva, se obrigam a concluir outro negócio jurídico, dito negócio principal, ou contrato principal.”4
Xxxxxxx Xxxxx conceitua nos seguintes termos: “convenção pela qual as partes criam em favor de uma delas, ou de cada qual, a faculdade de exigir a imediata eficácia de contrato que projetaram.”5
Por sua, vez preleciona Xxxxxx Xxxxxxxxx que: “o contrato preliminar (pacto de contrahendo) é uma espécie de convenção, cujo objeto é sempre o mesmo, ou
4 Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, vol. 13, p.30, § 1.432, 2. 5 Xxxxxxx Xxxxx. Contratos, 18ª ed., 1999, pág. 135.
seja, a realização de um contrato definitivo. Com efeito, o contrato preliminar tem sempre por objeto a efetivação de um contrato definitivo.”6
E, ainda, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, assim se pronuncia: “contrato por via do qual as partes ou uma delas se comprometem a celebrar mais tarde outro contrato, que será contrato principal.”7
Bem se vê, pela definição dada em uníssono pela doutrina pátria, que o contrato preliminar é um contrato preparatório de outro contrato, denominado definitivo ou principal.
Infere-se, portanto, que se trata de instrumento dos mais úteis, eis que faculta aos contratantes a possibilidade de assegurar que o negócio jurídico almejado seja ultimado, nos moldes já delineados, no momento mais oportuno. Pode-se, portanto, por meio de um contrato preliminar, adiar validamente a efetivação de um negócio jurídico, sem risco de perdê-lo.
2.3. Características
De início, impõe-se dizer que em companhia da doutrina majoritária8, reconhecemos a autonomia do contrato preliminar, eis que, embora seja
6 Xxxxxx Xxxxxxxxx. Direito Civil, vol. 3, 13ª ed., 1983, pág. 40.
7 Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx. Instituições de Direito Civil, vol.III, cap. nº 198, 6ª ed., 1984. 8 Em sentido contrário, manifesta-se Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx.
preparatório de outro contrato, cumpre ele próprio uma finalidade econômica e legal, encerrando o consentimento das partes em torno de uma determinada finalidade jurídica.
No que pertine ao seu conteúdo, o contrato preliminar deve ser determinado ou, ao menos, objetivamente determinável. É justamente por isso que o contrato preliminar não obriga a nova oferta, nova aceitação, nem a novo consentimento contratual, quando da realização do contrato definitivo.
Quando se pensa no conteúdo do contrato preliminar, impossível deixar de tratar de uma questão que está umbilicalmente ligada àquela, vale dizer: a eficácia. Com efeito, muito se discute acerca da possibilidade de execução específica do contrato preliminar. Noutras palavras, é de se indagar em quais hipóteses pode um dos contratantes, diante do inadimplemento da outra, ensejar execução específica por meio de uma declaração de vontade contida no contrato preliminar.9
Nesse ponto, como já dissemos, entendemos que existe contrato preliminar quando todos os elementos essenciais do negócio jurídico já se encontram
9 Acerca de tal questão, imprescindível a leitura de famoso Xxxxxxx, fruto da decisão proferida em 19.09.1979 pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (RE 88.716-RJ, in RTJ 92/250), que teve como Relator o Ministro Xxxxxxx Xxxxx, no qual se lê verdadeiro tratado acerca da possibilidade ou não de execução específica dos contratos preliminares e, bem assim, da diferenciação existente entre contrato preliminar e mero protocolo de intenções tendo-se em conta os elementos definidos pelas partes (se suficientes ou não) à formação do vínculo contratual.
definidos10. Ainda acerca desse ponto – quanto aos elementos essenciais – pensamos que o contrato preliminar pode conter cláusulas indeterminadas, porém objetivamente determináveis.
Não vislumbramos, portanto, necessidade de que todos os elementos do negócio jurídico, tais como os elementos acidentais, estejam definidos para que haja contrato preliminar. Nesse sentido, o conteúdo do contrato preliminar, a nosso ver, não necessita ser idêntico ao do contrato definitivo, bastando, como já se disse e ora se repete, a fixação dos elementos essenciais do negócio jurídico.
Questão outra, porém, dotada de conseqüências bem distintas é a seguinte: Todo contrato preliminar enseja execução específica, ou, somente aqueles que contêm todos os elementos (essenciais e acidentais) do contrato definitivo?
No nosso sentir a execução específica só é possível quando o contrato preliminar apresentar todos os elementos do contrato definitivo, não bastando a definição dos elementos essenciais. Isso porque não nos parece razoável, pelo menos em face da nossa legislação, admitir que o juiz definirá as questões secundárias – que não foram acordadas pelas partes – de forma a viabilizar a execução específica do contrato preliminar.
10 Opinião diversa é exposta por Xxxxxxx Xxxxx, no Acórdão referido na nota antecedente, para o qual só há contrato preliminar quando estiverem presentes todos os elementos – e não só os essenciais – do negócio jurídico.
Concluímos, portanto, que definidos os elementos essenciais estar-se-á diante de um contrato preliminar (não havendo necessidade de se estabelecer também os elementos acidentais), daí porque o inadimplemento de qualquer das partes faz nascer, na pior das hipóteses, a obrigação de indenizar (perdas e danos). Porém, a executoriedade direta e específica somente está reservada àqueles contratos preliminares que já contenham definição sobre todos os elementos do contrato definitivo, tanto os essenciais como os acidentais.11 De se frisar, porém, que nos parece viável a execução direta e específica quando, embora não estejam determinados de forma clara todos os elementos (essenciais e acidentais), sejam tais elementos objetivamente determináveis de acordo com parâmetros fixados no contrato preliminar.
Ainda no que concerne às características dos contratos preliminares, resta-nos tratar da questão atinente a forma.
No direito italiano encontra-se a regra de que o contrato preliminar deve seguir a forma prescrita para o contrato principal.12 Essa regra, contudo, não se aplica necessariamente ao direito brasileiro, sendo perfeitamente possível utilizar-se, no contrato preliminar, de forma diversa daquela prevista para o contrato principal. Assim, para aqueles negócios jurídicos em que se exige a forma pública, nada obsta que o contrato preliminar seja feito por contrato particular.
11 Também é dessa a opinião o Ministro Xxxxxx xx Xxxxx, que a expôs em voto vencido no já referido Xxxxxxx publicado na RTJ 92/250.
12 Código Civil Italiano, art. 1351.
Por derradeiro, ainda com relação às características do contrato preliminar, pode- se dizer da sua irrevogabilidade, eis que tem prevalecido o entendimento de que, a não ser que conste do contrato cláusula de arrependimento, o contrato preliminar não permite a qualquer das partes eximir-se das obrigações assumidas, sendo certo que a parte prejudicada pode exigir a celebração do contrato definitivo.
De se registrar, contudo, que segundo pensamos e já dissemos anteriormente, somente se poderá exigir a celebração do contrato definitivo se isso for possível. Noutras palavras, se as partes, por meio do contrato preliminar, estiverem definidas quanto a tudo aquilo que se fará necessário para implementar o contrato definitivo (elementos essenciais e acidentais), possível será obrigar a celebração deste.
A contrario sensu, se existirem questões necessárias à celebração do contrato definitivo sobre as quais não tenha havido definição no contrato preliminar, ou ao menos, não tenha sido determinada uma forma objetiva para sua apuração, impossível, no nosso sentir, obrigar a celebração do contrato definitivo, eis que tal contrato (definitivo) compreenderá um universo maior do que aquele em que houve consentimento (contrato preliminar). Nessa hipótese, só resta, portanto, o caminho das perdas e danos.
2.4. O contrato preliminar no novo Código Civil
Embora seja uma figura contratual de enorme utilidade, o contrato preliminar não encontrava regulação no Código Civil que vigorou por quase noventa anos no Brasil (Lei nº 3.071, de 1.1.16). No entanto, no novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10.01.2002), que entrou em vigor a partir do dia 11 de janeiro de 2003, o contrato preliminar é tratado de forma específica, como se vê expressamente nos artigos 462 usque 466, a saber:
“Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à sua forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.”
“Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do contrato definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.”
Parágrafo Único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.” “Art. 464. Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação.”
“Art. 465. Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá a outra parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos.”
“Art. 466. Se a promessa de contrato for unilateral, o credor, sob pena de ficar a mesma sem efeito, deverá manifestar-se no prazo nela previsto, ou, inexistindo este, no que lhe for razoavelmente assinado pelo devedor.”
Percebe-se, pois, que tais normas refletem o entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritário que se consolidou no tocante a este instituto, privilegiando a sua autonomia e eficácia.
3. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA
3.1. Conceituação
A quase-unanimidade dos nossos autores estuda o compromisso de compra e venda a partir da análise do contrato preliminar.
Nesse sentido, leia-se a definição de Xxxxx Xxxxxxx que bem demonstra a opinião consolidada por nossa doutrina. Para ele a promessa de compra e venda é definida como “o contrato pelo qual ambas as partes, ou uma delas, se comprometeu a celebrar, mais tarde, o contrato de compra e venda.” 13
A doutrina pátria, na sua maioria, enxerga no compromisso de compra e venda a obrigação de contratar uma futura compra e venda, daí dizer que seu objeto é um contrahere, uma obrigação de contratar. Enfim, um típico contrato preliminar.14
13 apud Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx. Compromisso de Compra e Venda, 4ª ed., 1998, pág. 19, fazendo referência à imorredoura obra de Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx, Da compra e venda, promessa e reserva de domínio, Belo Horizonte, 1960, p.119.
14 É essa a opinião, entre outros, de Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx.
Por sua vez, Xxxxxxx Xxxxx00, com a objetividade e o brilhantismo que lhe é peculiar, explica que a promessa bilateral de compra e venda (na qual uma parte se obriga a vender e a outra a comprar) pode abarcar duas figuras jurídicas distintas: o contrato preliminar de compra e venda e o compromisso de venda.
No que pertine ao contrato preliminar de compra e venda diz o jurista baiano que: “o contrato preliminar de compra e venda gera, para ambas as partes, a obrigação de contrair o contrato definitivo. Contém, implicitamente, a faculdade de arrependimento, assim entendida, em sentido amplo, a de submeter-se a parte inadimplente às consequências normais da inexecução culposa de um contrato.” 16
Tal figura, como se vê do magistério de Xxxxxxx Xxxxx, apenas cria a obrigação de um futuro contrahere e geralmente admite a possibilidade de arrependimento com a solução em perdas e danos.
Por outro lado, com relação ao compromisso de compra e venda propriamente dito, ensina Xxxxxxx Xxxxx que tal instrumento traz a possibilidade, prevista na lei, de se substituir a vontade das partes por uma sentença constitutiva. E não é só. Tal compromisso atribui, ainda, ao promitente comprador, um direito real sobre o bem compromissado.
15 Xxxxxxx Xxxxx. Contratos, 18ª ed., 1999, págs.239 usque 254.
Nesse sentido, para bem elucidar a diferenciação entre os dois negócios jurídicos (contrato preliminar de compra e venda X compromisso de compra e venda), impõe-se trazer à baila os dizeres do mestre citado acerca do compromisso de compra e venda propriamente dito:
“Poder-se-ia denominar esse negócio jurídico distinto pela expressão compromisso de venda, a fim de evitar a confusão reinante na doutrina, com repercussão na jurisprudência. Costuma-se chamá-lo promessa irrevogável de venda, valendo a qualificação como nota distintiva, que não conduz à sua verdadeira natureza jurídica.
Trata-se, com efeito, de um contrato que, bem analisado, não encerra promessa recíproca de contratar, mas, apenas, a obrigação de, preenchidas certas condições ou chegada a oportunidade, praticarem o ato necessário à efetivação do intento que uniu suas vontades.
Concluído o compromisso, não pode qualquer das partes arrepender-se. Ele é irretratável. Levando-o ao registro de imóveis, impede-se que o bem seja alienado a terceiro.
Imite-se na posse do imóvel e se comporta como se fora seu dono. Preenchidas as condições que o habilitam a pedir o título translativo de propriedade, obtém-
16 Xxxxxxx Xxxxx. Contratos, 18ª ed., 1999, pág. 241.
se, através de sentença, se a outra parte não quiser ou não puder firmá-lo. Admite-se a execução coativa sob forma específica, ocorrendo, nesse caso, a adjudicação compulsória.”17
Feitas as definições, o insigne doutrinador baiano conclui no sentido de que o compromisso irretratável de compra e venda não pode ser considerado como contrato preliminar em sua tradicional conceituação, por duas razões precípuas:
(i) a uma, porque existe a possibilidade, prevista em lei, de se substituir o contrato definitivo por uma sentença constitutiva; (ii) e, a duas, porque existe a atribuição, se registrado o contrato, de direito real ao promitente-comprador. Por tais razões, resolveu identificar o compromisso de compra e venda – dotado das particularidades anteriormente expostas – de contrato preliminar impróprio.18
Contudo, sem pretender adentrar, por ora, na polêmica que é a questão nodal deste ensaio, vale dizer, se o compromisso de compra e venda é ou não contrato preliminar, tentaremos definir a seguir o compromisso de compra e venda.
Com efeito, o compromisso ou promessa de compra e venda vem a ser o contrato pelo qual o compromitente-vendedor obriga-se a vender determinado imóvel, pelo preço, condições e modos avençados; por outro lado, o compromitente- comprador obriga-se a comprar tal imóvel, pagando para tanto o preço nas condições estipuladas. De se notar que em sendo de natureza irretratável e
17 Xxxxxxx Xxxxx. Contratos, 18ª ed., 1999, pág. 242.
irrevogável e, ainda, levado a registro, tal instrumento gera ao compromissário comprador, além de um direito real, a possibilidade de, desde que pago o preço, reclamar a escritura definitiva e valer-se da adjudicação compulsória.
O compromisso de compra e venda, portanto, contém todos os elementos da compra e venda – com exceção da sua forma (escritura pública) – ficando a compra e venda propriamente dita postergada para um momento ulterior, seja pela falta de um documento, do pagamento total do preço ou por mera conveniência.
Por óbvio, não se pode negar a enorme diferença entre o compromisso de compra e venda de natureza irretratável daquele instrumento que admite arrependimento.
Em tempos hodiernos, parece-nos possível afirmar que a mera promessa de ultimar a compra e venda – aquela figura contratual que admite o arrependimento
– é praticamente inexistente, tendo cedido espaço para o compromisso de compra e venda, ou seja, aquele instrumento de natureza irretratável, ou noutras palavras, sem possibilidade de arrependimento.
3.2. Características
18 Xxxxxxx Xxxxx. Contratos, 18ª ed., 1999, pág. 243.
Neste tópico, trataremos das características do compromisso de compra e venda, que para nós – seguindo o magistério de Xxxxxxx Xxxxx que também é reforçado por Xxxxx Xxxxxx Xxxxx 19 – deve ser entendido somente como aquela promessa irretratável.
Bem se vê, portanto, que a primeira característica necessária ao compromisso de compra e venda é a irretratabilidade 20. Importante registrar que a irretratabilidade refere-se, por óbvio, à impossibilidade de arrependimento, daí porque o fato de o compromisso ser irretratável não impede a resolução do contrato em decorrência de alguma infração contratual (rescisão em razão do inadimplemento), nem tampouco sua resilição bilateral (dissolução por mútuo acordo).
Outra característica do compromisso de compra e venda – que nos parece a mais importante – está na particular atribuição de um direito real ao compromissário
19 Xxxxx Xxxxxx Xxxxx. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, 3ª ed., 1999, vol. 01, págs. 283 e 284. 20 Nesse sentido, imperioso dizer que o compromisso de compra e venda surgiu, entre nós, por meio do Decreto-lei 58/37, o qual se destinava a regulamentar a venda de imóveis loteados. Nesse regime legal o arrependimento é absolutamente vedado, como se depreende da leitura do art. 15 do mencionado Decreto- lei que dispõe que: “os compromissários têm o direito de, antecipando ou ultimando o pagamento integral do preço, e estando quites com os impostos e taxas, exigir a outorga da escritura de compra e venda.” Como se vê, para os imóveis loteados impossível se prever o arrependimento, sendo certo que se houver cláusula nesse sentido, será a mesma nula de pleno direito. Não vislumbramos impedimento, contudo, na hipótese das partes estipularem cláusula de arrependimento nos imóveis não loteados. Nessa hipótese, estaremos diante, contudo, de outro instrumento (mera promessa de vender que comporta arrependimento) que não se confunde com o compromisso de compra e venda – como, aliás, bem salientou Xxxxxxx Xxxxx em sua doutrina.
comprador, desde que o contrato esteja devidamente inscrito no registro imobiliário. Sobre tal particularidade, vale dizer, o direito real oriundo do compromisso de compra e venda, trataremos com mais vagar em item separado (3.3 posterior).
Importante definir, também, que o compromisso de compra e venda pode ter como objeto um imóvel, loteado ou não loteado, rural ou urbano, edificado ou não.
O preço, por sua vez, pode ser pago a vista ou a prazo, em prestações periódicas, sendo certo que a escritura definitiva somente poderá ser exigida após o pagamento integral do preço.
O compromisso de compra e venda deverá revestir-se, necessariamente, da forma escrita, sendo perfeitamente admissível que seja feito por instrumento particular, não havendo necessidade nenhuma de seguir a forma solene, por escritura pública, tal como é necessário e imprescindível à compra e venda. Interessante notar neste ponto que a exigência do registro para atribuição do direito real de certa forma, faz contrapeso à pseudo insegurança que alguns enxergam nos contratos particulares.21
21 Xxxxxxx Xxxxx. Contratos, 18ª ed., 1999, pág. 247.
Para a perfeita validade do compromisso de compra e venda é de exigir-se, invariavelmente, a plena capacidade das partes no ato da celebração do contrato. Poder-se-ia sustentar, ad argumentandum tantum, que somente seria de se exigir a plena capacidade das partes quando da formalização do ato solene, vale dizer, a escritura definitiva. Tal raciocínio, permissa venia, não se sustenta porque é no momento da assinatura do compromisso de compra e venda – e não da escritura definitiva – que o vendedor se obriga irretratavelmente a dispor do bem imóvel ou, noutras palavras, manifesta seu jus disponendi. É, portanto, nesse momento, que se exerce, parafraseando os dizeres de Xxxxxxx Xxxxx00, o poder de disposição sobre a coisa. Assim, necessário que na celebração do compromisso as partes tenham plena capacidade.
Pode-se concluir, desta feita, que as exigências e limitações existentes para a compra e venda, com exceção da forma, também existem, de tudo e por tudo idênticas, quando se tem em conta o compromisso de compra e venda. Exemplificativamente temos que: ao assinar o compromisso imprescindível que o vendedor, se casado for, colha a outorga uxória ou o consentimento marital; da mesma forma, não se pode excogitar de um compromisso de compra e venda que tenha por objeto a venda de um imóvel inalienável; ou, ainda, imprescindível que as partes ao firmar o compromisso estejam no uso e gozo pleno de sua capacidade civil.
22 Xxxxxxx Xxxxx. Contratos, 18ª ed., 1999, pág. 247.
3.3. Direito real
Como já dissemos no item precedente, a principal característica do compromisso de compra e venda irretratável, desde que devidamente inscrito no registro imobiliário, está na particular atribuição de um direito real ao compromissário comprador, daí a necessidade de se tratar desse tema com mais espaço.
Todos os textos legais que disciplinam a matéria explicitam que o registro atribui ao compromissário “direito real oponível a terceiros.”23
A jurisprudência, em uníssono, e a doutrina, em sua grande maioria, também reconhecem no compromisso de compra e venda registrado a atribuição de um direito real ao compromissário comprador.
A questão é tormentosa, no entanto, quando se tenta classificar e determinar qual a natureza e extensão do dito direito real. Eis o busílis.
Para Xxxxx Xxxxxxx, trata-se de “uma forma especial de direito de garantia à qual falta o direito de preferência”.24
23 Leia-se os seguintes dispositivos legais: arts. 5º e 22 do Decreto-Lei 58/37, com as redações dadas pelas Leis 649/49 e 6.015/73; art. 69 da Lei 4.380/64; art. 35, § 4º, da Lei 4.591/64; e art. 25 da Lei 6.766/79.
24 apud Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx. Compromisso de Compra e Venda, 4ª ed., 1998, pág. 65.
Por sua vez, Xxxxxxx Xxxxx, assim trata essa questão: “o direito real sui generis do compromissário comprador reduz-se, verdadeiramente, à simples limitação do poder de disposição do proprietário que o constitui. Uma vez registrado proibido fica de alienar o bem, e, se o fizer, o compromissário ou promitente- comprador, sendo titular de um direito com seqüela, pode reivindicar a propriedade do imóvel, tanto que execute o contrato de compromisso, exigindo o cumprimento da obrigação contraída pelo promitente-vendedor.” 25
Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx preleciona que: “distinto da propriedade, na promessa de compra e venda o titular não tem os atributos do domínio sobre a coisa. Aliás, se os tivesse, já não haveria falar num direito real do promitente comprador, senão que a promessa se confundiria com a venda, e o promitente comprador, pelo só fato de o ser, já se equipararia ao comprador. (...) É um direito real novo, pelas suas características, como por suas finalidades. E deve, conseqüentemente, ocupar um lugar à parte na classificação dos direitos reais. Nem é um direito real pleno ou ilimitado (propriedade), nem se pode ter como os direitos reais limitados que o Código Civil, na linha dos demais, arrola a disciplina. Mais próximo da sua configuração andou Xxxxx Xxxxx, quando fez alusão a uma categoria de direito real de aquisição, ocupada pela promessa de venda.” 26
25 Xxxxxxx Xxxxx. Contratos, 18ª ed., 1999, pág. 246.
26 Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx. Instituições de Direito Civil, 6ª ed., 1984, pág. 310.
Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xx., em obra lapidar acerca do compromisso de compra e venda, aproxima-se da esteira de Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxx e praticamente equipara o direito real atribuído ao compromissário comprador com a propriedade. Com efeito, assim se manifesta o desembargador paulista: “para nós, a propriedade que terá remanescido com o compromitente vendedor, após o pagamento do preço, não passa de uma dessas palavras vazias com as quais tão frequentemente os homens do direito têm que se haver.” 27
Não nega, contudo, o eminente professor, que a letra da lei é clara no sentido de que a propriedade só se adquire pela transcrição28 do título (escritura pública de compra e venda) no Registro de Imóveis, daí a impossibilidade de se considerar idênticos o direito real atribuído ao compromissário comprador e o direito real que cabe ao proprietário, senão vejamos:
“Ainda assim, porém, mesmo sem ter havido alteração legislativa, mas considerando o trabalho da jurisprudência aproximando cada vez mais o compromisso da compra e venda, podemos dizer que o compromisso registrado e com transferência da posse transmite os poderes de usar, fruir e dispor do imóvel, transmissão essa que, uma vez pago o preço é definitiva e irreversível.
27 Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx. Compromisso de Compra e Venda, 4ª ed., 1998, pág. 67.
28 A lei atual de Registros Públicos (Lei nº 6.015, de 31.12.1973), no seu artigo 167 usa apenas a expressão “registro”, a qual engloba, nos termos do artigo 168 da mesma Lei, os antigos atos de transcrição e de inscrição.
Deve, portanto, o compromissário, no nosso modo de pensar, receber tratamento cada vez mais próximo do dispensado ao proprietário, pois as situações jurídica e econômica de ambos, se não são iguais enquanto há preço a pagar, uma vez pago o preço, tornam-se idênticas.
Todavia, enquanto não houver modificação da lei, as partes precisarão, para maior normalidade dos negócios, continuar prestando vassalagem àquela palavra vazia, cumprindo o ritual de providências tão do agrado de nosso Estado Cartorário.” 29
Por outro lado, existem aqueles que negam a existência de um direito real ao compromissário comprador, como é o caso de Pontes de Miranda30, vislumbrando que o registro tem apenas o condão de assegurar uma eficácia real ao compromisso.
Como se vê, a discussão está longe de chegar num consenso.
Temos para nós, que a posição do Prof. Xxxx Xxxxxx, é a que mais se aproxima da realidade fática e jurídica que envolve, em tempos hodiernos, o compromisso de compra e venda.
29 Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx. Compromisso de Compra e Venda, 4ª ed., 1998, págs. 67 e 68. 30 Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, vol. 13, § 1.433.
Com efeito, concordamos com o insigne desembargador Xxxx Xxxxxx quando afirma que o compromissário deve receber – e recebe, na prática – tratamento muito próximo daquele dispensado ao proprietário, na hipótese de pago o preço na sua integralidade.
Parece-nos, contudo, que o compromissário somente pode utilizar-se de todos os poderes inerentes à propriedade quando se tornar, nos termos da lei, proprietário, o que só ocorrerá com o registro da escritura pública de compra e venda ou com
o registro da sentença de adjudicação compulsória, porém nunca por meio do registro do compromisso.
O que estamos sustentando é que o direito real que cabe ao compromissário comprador, tendo-se em conta um compromisso de compra e venda irretratável e quitado, é um direito real único e particular que com os outros não se confunde. Engloba tal direito real muitos dos poderes inerentes à propriedade, tais como, o de usar, gozar e fruir da coisa de uma forma ampla e irrestrita (respeitando-se, por óbvio, o conteúdo da função social da propriedade). Nesse ponto, assemelha- se ao usufruto, porém com ele não se confunde, na medida em que o compromissário comprador exerce a posse da coisa com ânimo de dono, em caráter permanente, definitivo e irreversível, sem obrigação de restituição; ao passo que no usufruto existe sempre a característica da provisoriedade, temporariedade e reversibilidade, mesmo nas hipóteses de usufruto vitalício,
ocasião em que se cessa o usufruto com a morte do usufrutuário (isso se não ocorrer qualquer outra das causas de extinção - art.1.410 do Código Civil atual).
Porém o direito real do compromissário comprador significa ainda muito mais. Esvazia-se de tal forma a propriedade nas mãos do promitente vendedor, que a ele não lhe resta nenhum poder inerente ao domínio: não pode dispor, usar, fruir, etc; resta-lhe, enfim, uma “casca” de propriedade, um poder vazio (menos, portanto, do que a nua propriedade). Doutro lado, o compromissário comprador, pago o preço integral, tem em suas mãos todos os poderes inerentes ao conteúdo da propriedade, podendo, inclusive, alterar a coisa, transformá-la e até destrui-la. Ora, só falta ao compromissário o “título” do domínio pleno propriamente dito, o que só se transfere pela inscrição da compra e venda ou da sentença judicial, porém, o conteúdo do domínio está, segundo pensamos, nas mãos do compromissário.
Ora, a falta de “titulação” anteriormente referida ocasiona uma séria dificuldade ao compromissário comprador, principalmente na seara processual. Xxxxxxxx demandas em que se exige que o proprietário figure num dos pólos da relação processual, carece o compromissário de legitimidade, pois é certo que proprietário – que se afigura como um estado de direito e não de fato – não o é.
Disso resulta que – e é nesse ponto que discordamos do magistério do Professor Xxxx Xxxxxx – o compromissário comprador, a nosso ver, não pode exercitar ação de reivindicação, pois não é ele, ainda, o titular do domínio pleno da coisa.
Claro está que o direito, nesse ponto, mantém uma desnecessária e porque não dizer perigosa distância da realidade fática. Não há como negar que tal “limitação”, por assim dizer, ao direito real do compromissário comprador só existe em razão de a lei não admitir o registro do próprio compromisso de compra e venda como forma de transferência de propriedade.
De lege ferenda tal possibilidade nos afigura perfeitamente possível e salutar, reconhecendo e prestigiando um negócio jurídico que se apresenta, modernamente, como o mais utilizado para, no campo prático, transmitir a propriedade dos bens imóveis.31
Ainda nesse diapasão, de se frisar que o compromisso irretratável de compra e venda, devidamente registrado, tem muito mais força que a própria compra e venda (título hábil para transferir o domínio) sem o competente registro. Isso porque a compra e venda, sem o competente registro, além de não ser suficiente para transferir a propriedade, nem tampouco serve para gerar um direito real.
31 Dissemos isso porque nos parece que na ordem prática, no mundo dos fatos, o compromisso de compra e venda transfere o domínio da coisa. Somente no campo do Direito se pode sustentar a posição de que a propriedade permanece com o promitente vendedor.
Se assim é, impõe-se indagar por que a nossa legislação, passados vários anos desde a criação do compromisso de compra e venda entre nós, ainda insiste em exigir a escritura de compra e venda (um segundo contrato) e não se contenta com o contrato de compromisso, desde que acompanhado da prova do pagamento integral do preço? Data maxima venia, não nos parece razoável que nossa lei, por muito mais tempo, continue a negar a transferência da propriedade por força do compromisso irretratável e desde que pago todo o preço.
3.4. O compromisso de compra e venda no novo Código Civil
No novo Código Civil, o legislador pátrio perdeu rara oportunidade de disciplinar a contento o compromisso de compra e venda, incorporando inovações e tendências doutrinárias e jurisprudenciais, de forma a dirimir muitas dúvidas que ainda hoje persistem e acabam por disseminar interpretações divergentes em nossos Tribunais.
Com efeito, no novo Estatuto Civil coube ao compromisso de compra e venda, apenas dois dispositivos legais, que são a seguir transcritos:
“Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.”
“Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.”
Merece menção, também, o dispositivo encontrado no artigo 1225 do novo Código Civil, pelo qual, no seu inciso VII, o direito do promitente comprador é tido expressamente como um direito real, a saber:
“Art. 1.225. São direitos reais:
(...)
VII - o direito do promitente comprador do imóvel”
Como se vê, limitou-se o legislador a disciplinar aquilo que está assente na jurisprudência, vale dizer, que o compromisso, se registrado, gera direito real e, bem assim, que o compromissário tem direito à adjudicação compulsória.
O Novo Código Civil, no entanto, ao dispor sobre o direito à adjudicação compulsória, diz textualmente no art. 1418, que somente o “titular de direito real” tem a faculdade de se utilizar da referida ação judicial. Ora, se apenas o titular de direto real pode valer-se da adjudicação compulsória, quer dizer, s.m.j., que apenas os compromissos registrados servirão a tal finalidade. Tal
posicionamento, contudo, parece-nos retrógrado e pouco afinado com a jurisprudência mais atual e, a nosso ver, acertada.32
O direito à adjudicação compulsória, a nosso ver, é de natureza pessoal, restrito aos contratantes, daí porque não vislumbramos necessidade da inscrição no Registro de Imóveis e criação de direito real para viabilizar tal via processual. De qualquer forma, o novo Código Civil assim prevê, daí porque nos parece numa primeira análise que somente poderão escolher a via da adjudicação aqueles compromissários com compromisso inscrito; àqueles que tiverem compromisso não registrado, restará a via da cominatória (art. 461 e seguintes do CPC), de forma a obrigar ao promitente vendedor passar a escritura definitiva, sob pena de responder por astreintes até o cumprimento da obrigação.
Como se vê, além de estampar, na nossa opinião, um entendimento equivocado quando se refere à adjudicação compulsória, o novo Código Civil peca pela exiguidade de dispositivos, tendo perdido a oportunidade de regular várias questões atinentes ao compromisso de compra e venda, e.g., mora, resolução, indenização, cessão, etc.
Fazemos nossas, portanto, as palavras de Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xx. 33, a saber:
32 Nesse sentido ver REsp 30, rel. Min. Xxxxxxx Xxxxxxx, x. 15.8.89; REsp 39.215-2-RJ, rel. Min. Xxxxxx Xxxxx, x. 27.6.94; e, Ap. 429.326/5, rel. Xxxxxxx Xxxxxxxxx Credir in Boletim da AASP 1.647.
33 Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx. Compromisso de Compra e Venda, 4ª ed., 1998, pág. 279.
“O Anteprojeto já havia merecido as críticas do Des. Xxxxxxx Xxxxxxxx (RT 456/306) por deixar de, pelo menos, incorporar as conquistas jurisprudenciais e legislativas na matéria. Aprovado o projeto como está, não só se perderá boa oportunidade para ir além daquelas conquistas, como haverá um grande retrocesso.”
4. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA E CONTRATO
PRELIMINAR: ANÁLISE DO POSICIONAMENTO DA DOUTRINA
Como já fizemos menção no item 3.1 deste ensaio, a maioria da doutrina vê o compromisso de compra e venda como uma espécie do gênero contrato preliminar. Nesse sentido se manifesta Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx 34, Xxxxx Xxxxxxx 35, Xxxxxxxxx xx Xxxxx 36, Xxxxxx Xxxxxxxxx 37, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx 38, entre outros vários.
Por sua vez, com opiniões opostas, figuram Xxxxxxx Xxxxx00, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx 40 e Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xx. 41
34 Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx. Instituições de Direito Civil, 6ª ed., 1984, pág. 309. 35 Xxxxx Xxxxxxx. Do Contrato – Teoria Geral, 1987, pág. 71.
36 Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Da compra e Venda, 2ª ed., 1956, pág. 344. 37 Xxxxxx Xxxxxxxxx. Direito Civil, vol. 3, 13ª ed., 1983, pág. 176.
38 Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Teoria Geral dos Contratos, vol. I, 1998, pág. 431. 39 Xxxxxxx Xxxxx. Contratos, 18ª ed., 1999, pág. 243.
40 Xxxxx Xxxxxx Xxxxx. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, 3ª ed., 1999, vol. 01, págs. 284.
Como se vê, não faltam opiniões de peso em ambos os lados.
O que nos parece, contudo, é que a doutrina, na sua maioria, ao fazer a análise para saber se o compromisso de compra e venda é ou não um contrato preliminar, parte de uma idéia, concessa venia, incompleta destes dois institutos.
Com efeito, tem-se a idéia de que o contrato preliminar – ou, como muitos chamam, o pré-contrato – é um pacto de contrahendo, uma convenção, cujo objeto serve somente à efetivação de um contrato definitivo.
Ora, como deixamos claro em notas anteriores, o contrato preliminar, na nossa visão, é mais do que uma mera convenção com o escopo único de firmar um contrato definitivo.
Serve o contrato preliminar, sem dúvida, para obrigar as partes à realização de uma contratação futura, porém estabelece, ainda, os elementos – na pior das hipóteses os essenciais – do negócio jurídico futuro a ser celebrado, firmando o consentimento das partes e vinculando-as desde aquele momento (a formação do contrato preliminar) até a concretização do contrato definitivo. O negócio futuro, portanto, já se encontra delineado em suas linhas mestras por força do contrato
41 Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx. Compromisso de Compra e Venda, 4ª ed., 1998, pág. 19.
preliminar. É por isso, exatamente por isso, que o contrato preliminar tem o condão de gerar uma obrigação de fazer.
O que estamos sustentando é que o contrato preliminar não pode ser encarado como uma mera aproximação das partes, sem qualquer vínculo contratual, nem tampouco como um instrumento, de tudo e por tudo idêntico, ao contrato definitivo. O contrato preliminar, para nós, situa-se exatamente no meio termo entre essas duas declarações de vontade, vale dizer: é mais do que uma mera aproximação entre as partes, sem vínculo obrigacional; e menos que o contrato definitivo que já contempla todos os elementos do negócio jurídico de forma definitiva, sem necessidade de qualquer outro instrumento.
O contrato preliminar presta-se, então, a delinear um negócio jurídico que será formalizado em oportunidade mais propícia às partes, vinculando-as à realização desse negócio.
Por sua vez, ao fazer a análise do compromisso de compra e venda, grande fatia da doutrina parte da idéia de que o objetivo dos contratantes ao firmar o compromisso é o de celebrar outro contrato (a compra e venda).
Nesse ponto, imperioso relembrar a divisão feita por Xxxxxxx Xxxxx, a qual já mencionamos no item 3.1 precedente. Com efeito, bem demonstra o ilustre
doutrinador as grandes diferenças entre a mera promessa bilateral de compra e venda e o compromisso (irretratável) de compra e venda.
Segundo seu escólio, na figura da promessa bilateral de compra e venda - o que só pode se dar em relação aos imóveis não loteados 42 – vislumbra-se verdadeiro contrato preliminar, na medida em que tal instrumento gera a mera obrigação de contrair o contrato definitivo, estando implícita a faculdade de arrependimento.
Nesse ponto, apenas ousamos discordar do jurista baiano no sentido de que a faculdade de arrependimento, segundo pensamos, não pode ser implícita, mas deve constar de forma explícita no contrato, sob pena de se presumir irretratável a avença.
Ainda na esteira de Xxxxxxx Xxxxx, tem-se que doutro lado situa-se o compromisso irretratável de compra e venda que não encerra apenas a obrigação de contratar, mas, por força da irretratabilidade, implica na obrigação de praticar o ato solene necessário à concretização da compra e venda desde que cumpridas as condições contratuais estabelecidas.
Eis, portanto, que a irretratabilidade é nota característica para se analisar o compromisso de compra e venda, com o que concordamos.
42 Por força do art. 15 do Decreto-lei 58/37, que regulamenta a venda de imóveis loteados, o arrependimento é absolutamente vedado.
Nesse mesmo sentido, parece-nos inequívoco que o compromisso de compra e venda irretratável representa muito mais do que a simples vontade de contratar uma futura compra e venda. Pelo contrário, a nosso ver, o compromisso de compra e venda contempla e regula, de forma definitiva e irretratável, todos – absolutamente todos – os elementos da compra e venda, garantindo o compromitente vendedor quanto ao recebimento do preço e, bem assim, o compromissário comprador quanto ao recebimento da propriedade do imóvel.
É, portanto, levando-se em conta tais definições e conceituações, no que pertine ao contrato preliminar e ao compromisso de compra e venda, que iremos nos nortear para situar o compromisso como espécie do gênero contrato preliminar ou não.
5. NOSSA POSIÇÃO E SEUS REFLEXOS PRÁTICOS
Definir o compromisso de compra e venda como contrato preliminar ou como uma espécie do contrato de compra e venda (negócio jurídico definitivo) é, sem dúvida, questão de relevante conseqüência prática.
A primeira indagação que se impõe seja analisada, diz respeito ao direito real que cabe ao compromissário comprador, na hipótese, evidentemente, de tal compromisso ser irretratável, estar inscrito e ter havido pagamento total do preço.
Ora, o fato de ter o compromissário comprador direito real implica em diversas conseqüências, v.g., opor seu direito a terceiros; utilizar do bem imóvel sem qualquer restrição, fruindo de suas utilidades; faculdade de dispor do bem; responder pelas obrigações que gravam o imóvel, entre outras.
Como sustentamos anteriormente, vislumbramos nas mãos do compromissário comprador um direito real atípico, igual ao do proprietário no seu conteúdo, porém sem a “titulação” jurídica de tal estado de direito, o que lhe ocasiona prejuízos de ordem processual na medida em que não pode ele compromissário ser considerado como parte legítima para as ações em se exige a presença do proprietário num dos pólos da ação.
Bem se vê, portanto, que o direito real que cabe ao compromissário comprador é dotado de extrema força e só não é idêntico ao direito do proprietário, porque àquele falta a titulação jurídica de proprietário.
Fica difícil, pois, admitir o nascimento de um direito real, mormente um direito real dessa grandeza e extensão, por meio de um contrato preliminar.
Como já dissemos anteriormente, o contrato preliminar, na nossa opinião, não pode nem deve se confundir com o contrato definitivo. O contrato preliminar, embora já traga a delimitação do negócio jurídico definitivo, presta-se à
realização de um contrato principal. E, mais ainda, não é sempre que o contrato preliminar comporta execução específica, havendo hipóteses – naquelas em que não há definição sobre alguns ou todos os elementos acidentais do negócio jurídico – em que nos parece viável apenas a solução das perdas e danos.
Disso se infere que um contrato com as características do contrato preliminar, tal como o situamos, é inábil à produção do direito real que é atribuído ao compromissário comprador, na medida em que tal direito real implica numa segurança e extensão que não se coadunam com a natureza do contrato preliminar.
Assim, se o compromisso irretratável de compra e venda for tido como contrato preliminar e, portanto, dependente da realização de um negócio futuro, não há, para nós, como se sustentar, e.g., que basta o compromisso para que o compromissário comprador seja imitido na posse de forma irreversível, transferindo, por completo e também de forma irreversível, os riscos da coisa. E é isso o que ocorre.
Pensamos, portanto, que o compromisso de compra e venda está mais para uma espécie de compra e venda do que para o contrato preliminar dependente de outro, dito principal.
Nem se diga que o compromisso irretratável de compra e venda é dependente da escritura de compra e venda (negócio jurídico principal), pois nos parece que a dita escritura não se afigura como um negócio jurídico próprio, mas sim como um ato devido para formalizar aquilo que já se convencionou e, mais ainda, já se
operou quando da assinatura do compromisso de compra e venda. Nesse sentido
se manifesta expressamente Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xx.43
E não há outra razão para exigir-se a escritura, eis que esta nada complementa ou agrega ao compromisso de compra e venda, servindo apenas para de viabilizar o competente registro. Nesse ponto, importante destacar que nem a própria escritura é título hábil à transferência de propriedade, o que só se opera mediante o competente registro.
De se ressaltar, ainda, que a nosso ver o compromisso irretratável de compra e venda gera em primeiro plano uma obrigação de dar, tal como é na compra e venda. Noutras palavras, a mesma obrigação de dar que compete ao vendedor, existe, de igual forma e proporção, para o compromitente-vendedor.
Quando se assina o compromisso irretratável de compra e venda, não temos dúvida de que a intenção precípua das partes é a mesma da compra e venda. Com efeito, o compromissário comprador quer o imóvel e, por sua vez, o compromitente vendedor quer o preço. Evidente, para nós, que não tinham as
43 Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx. Compromisso de Compra e Venda, 4ª ed., 1998, pág. 25.
partes, ao firmar o compromisso, o objetivo principal de realizar um outro contrato (a compra e venda), o que se configuraria inequivocamente numa obrigação de fazer.
A corroborar tal raciocínio, imperioso transcrever lapidar pensamento desenvolvido por Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xx.: 44 “a obrigação de dar é assumida pelo compromitente vendedor no momento capital do negócio, isto é, por ocasião da assinatura do contrato, quando ocorre a única manifestação de vontade das partes. E essa obrigação é normalmente executada nessa mesma ocasião ou a curto prazo – pois para isso mesmo que o negócio é realizado – e geralmente sem maiores complicações, motivo por que esse aspecto do contrato não tem acarretado muitas discussões nos tribunais.”
Vê-se, portanto, que no compromisso irretratável de compra e venda a obrigação de maior relevo – e que motiva as partes à assinatura do negócio jurídico – é justamente a obrigação de dar, que pode ser assim caracterizada: pelo lado do compromitente vendedor, a obrigação de entregar a coisa imóvel; e, pelo lado do compromissário comprador, a obrigação de pagar o preço combinado.45
44 Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx. Compromisso de Compra e Venda, 4ª ed., 1998, pág. 27
45 Importante mencionar que tanto a obrigação de entregar coisa como a de pagar são espécies do gênero obrigação de dar, como aliás, bem demonstra Xxxxxx Xxxxxxx França ao dizer que “no rol das obrigações de dar, têm-se incluído várias categorias, como a de entregar, de contribuir, as pecuniárias e as complexas.” (in Instituições de Direito Civil, 1988, Saraiva, pág. 593).
Isso não quer dizer, em absoluto, que não haja no compromisso de compra e venda uma obrigação de fazer. Ela existe e está caracterizada na obrigação de outorga da escritura definitiva. Tal obrigação, contudo, afigura-se, segundo pensamos, como de menor relevância e, portanto, deve ser colocada em segundo plano.
Xxxxxxx é a prevalência da obrigação de dar sobre as demais, que ela resiste, inclusive, sem a existência do direito real. Pago o preço, tendo em conta a natureza irretratável da negociação, surge o inexorável direito do compromissário-comprador ter para si o imóvel, independente ou não do registro, podendo valer-se, portanto, da adjudicação compulsória.46
Mais uma razão, portanto, para não se confundir o compromisso irretratável de compra e venda com o contrato preliminar, eis que neste a obrigação de fazer (celebrar o contrato definitivo) é característica primordial, ao passo que naquele a obrigação de dar é a que tem maior relevância.
Xxxxxxxxxxx, contudo, que tal opinião, vale dizer, da prevalência da obrigação de dar no compromisso de compra e venda, não é unânime, encontrando resistência principalmente por aqueles que defendem a idéia de que o compromisso de compra e venda tem natureza de contrato preliminar. Para tais
46 Sobre a polêmica existente acerca dessa questão já dedicamos algumas linhas quando nos referimos ao novo Código Civil naquilo que pertine ao compromisso de compra e venda (item 3.4 supra).
autores, por uma questão de coerência, a obrigação de fazer é a que tem maior relevo.47
Parece-nos, ainda, que o compromisso irretratável de compra e venda – como já fizemos menção em linhas passadas neste ensaio – com exceção da forma, exige estejam presentes todos os outros requisitos para a compra e venda. Assim, é de se exigir, quando da assinatura do compromisso de compra e venda, que: (i) haja plena capacidade das partes contratantes; (ii) haja outorga uxória ou consentimento marital, na hipótese do alienante ser casado; (iii) o imóvel objeto do compromisso não seja inalienável; (iv) haja o consentimento dos demais descendentes na hipótese do ascendente comprometer a venda imóvel para um de seus descendentes; etc.48
Isso se dá porque é no momento da assinatura do compromisso de compra e venda – e não da escritura definitiva – que o vendedor manifesta de forma irretratável a sua vontade de disposição sobre a coisa.
Como se vê, impossível se chegar a conclusão idêntica se identificarmos o compromisso de compra e venda como um contrato preliminar.
47 Nesse sentido, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xx. dá notícia da opinião do Prof. Clovis do Couto e Xxxxx, para o qual: “Além da obrigação de fazer, irradia o pré-contrato a obrigação de dar posse. O credor pré- contratante possui hoje direito à posse do imóvel. Essa obrigação notoriamente é de dar. A obrigação principal e que define o contrato, contudo, é a de fazer.” (in Compromisso de Compra e Venda, 4ª ed., 1998, pág. 27).
48 Nesse exato sentido manifesta-se Xxxxxxx Xxxxx in Contratos, 18ª ed., 1999, pág. 247.
Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xx., dá notícia de outras conseqüências se considerarmos
– como nós assim o fazemos – o compromisso como espécie de venda e compra, senão vejamos: (i) os problemas quanto à capacidade das partes e aos vícios do negócio jurídico devem ser examinados tendo em vista o momento da realização do compromisso; (ii) não há fraude à execução, se o compromisso de compra e venda preexiste à propositura da lide; (iii) o direito de preferência, conferido ao condômino de coisa indivisível também deve ser exercido em favor do compromissário comprador; (iv) a superveniência de leis novas criando obstáculos às transações de imóveis não alcança negócios já formalizados por meio de compromisso de compra e venda; e, (v) nas hipóteses em que for exigido alvará para a compra e venda, faz-se necessário a apresentação do alvará no ato de celebração do compromisso.49
Concordamos integralmente com as hipóteses mencionadas pelo ilustre professor, eis que em todas elas se tem presente que o negócio jurídico ocorreu por ocasião da celebração do compromisso irretratável de compra e venda e não da escritura.
Assim, por tudo o que foi dito neste ensaio, finalizamos posicionando-nos no sentido de que, para nós, compromisso de compra e venda – assim entendido como o compromisso irretratável que foi criado pelo Decreto-Lei 58/37 – não
49 Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx. Compromisso de Compra e Venda, 4ª ed., 1998, págs. 46 usque 54.
pode ser considerado como contrato preliminar, constituindo-se como um contrato que é espécie do gênero compra e venda.
Tal conclusão, se reconhecida expressamente por nossa legislação civil, traria, sem dúvida, enormes benefícios práticos, elevando o compromisso de compra e venda a um patamar jurídico condizente com a realidade prática dos negócios imobiliários brasileiros.
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6. BIBLIOGRAFIA
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LEGISLAÇÃO:
Código Civil Brasileiro vigente até 10 de janeiro de 2003.
Novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10.01.2002), vigente a partir de 11 de janeiro de 2002.
Código Civil Italiano. Decreto-Lei 58/37.
Lei 4.380/64. Lei 4.591/64. Lei 6.766/79.
JURISPRUDÊNCIA:
Revista Trimestral da Jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (RTJ). Boletim AASP.
LEX – Jurisprudência do STJ e do TRF