FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA E DESEMPREGO: A RECENTE POLÊMICA DA LEI DE PRIMEIRO EMPREGO NA FRANÇA
FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA E DESEMPREGO: A RECENTE POLÊMICA DA LEI DE PRIMEIRO EMPREGO NA FRANÇA
Xxxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxx* Xxxxxx Xxxxx Xxxxx**
SUMÁRIO
1 A DISCIPLINA GERAL DAS DISPENSAS NO DIREITO FRANCÊS
2 A DISCIPLINA PREVISTA PARA O CONTRATO DE PRIMEIRO EMPREGO
3 O DESEMPREGO ENTRE OS JOVENS NA FRANÇA
4 A OPOSIÇÃO DOS SINDICATOS, TRABALHADORES E ESTUDANTES AO CPE
5 MEDIDAS PROPOSTAS EM SUBSTITUIÇÃO AO CPE
6 O CNE: O “IRMÃO” DO CPE PARA AS PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS
7 FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA E DESEMPREGO: ANÁLISE CRÍTICA
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS RESUMO
O presente artigo versa sobre a recente polêmica vivenciada na França acerca da tentativa de se instituir o Contrato de Primeiro Emprego (CPE). Será analisado o conteúdo das normas que o previam, confrontando-as com a atual disciplina das dispensas dos trabalhadores no direito francês. Em seguida será discutido se essa figura seria realmente capaz de atingir o objetivo apontado por seus defensores: o combate ao desemprego entre os jovens. Será abordado ainda o papel decisivo dos sindicatos, trabalhadores e estudantes no processo que culminou com a revogação do CPE e a sua substituição por outras medidas de combate ao desemprego juvenil. Por fim, analisar-se-á criticamente a flexibilização das leis trabalhistas com relação ao problema do desemprego nos dias atuais.
ABSTRACT
The present article discusses the recent controversy occurred in France about the attempt to create the First Employment Act (CPE). This Act’s rules are analyzed in contrast to the current Labour Law’s rules related to the worker’s dismissal in France. It intends to discuss if this Act would really be able to achieve its goal, which is, according to its defensors, to make the youth unemployment rate decrease. Yet, it discusses the crucial role of trade unions, workers and students in the process that ended up to abolish the CPE and replace it by other measures to fight against the youth unemployment. Finally, it criticizes the Labour Law’s flexibilization when it comes to solve the unemployment problem.
* Pesquisa, conclusões e elaboração final do trabalho: XXXXXX XXXXXXXXXXX XXXXX, bacharel em Direito pela UFMG, especialista em Direito do Trabalho pela Universidade de Roma II, mestranda em Direito do Trabalho na PUC-Minas e bolsista da CAPES.
** Orientação do trabalho: XXXXXX XXXXX XXXXX, Professor de Direito do Trabalho na UFMG e na PUC-Minas.
1 A DISCIPLINA GERAL DAS DISPENSAS NO DIREITO FRANCÊS
Na ordem jurídica francesa, a partir da Lei de 13 de julho de 1973, a dispensa do trabalhador contratado a prazo indeterminado não pôde mais ser imotivada, devendo necessariamente ser justificada por uma causa real e séria.1 A realidade da causa consiste, basicamente, na sua existência e exatidão, enquanto que a seriedade está relacionada a uma conduta faltosa do trabalhador ou ao interesse da empresa (v.g., motivo econômico ou insuficiência profissional do empregado). Essa proteção é estendida à generalidade dos trabalhadores, independentemente do seu tempo de serviço e da dimensão da empresa. Tais fatores, no entanto, são relevantes para diferenciar as sanções impostas à dispensa irregular. Assim, se a empresa ocupa menos de 11 empregados ou se o trabalhador tem menos de 2 anos de serviço, ele tem direito a uma indenização calculada em
função do prejuízo real causado pela dispensa imotivada.2
No caso de a empresa ocupar 11 ou mais empregados e o trabalhador tiver mais de 2 anos de serviço, a sanção consiste na reintegração ou na indenização, cujo valor não pode ser inferior à remuneração bruta recebida nos últimos 6 meses do contrato. Trata-se, assim, de um patamar mínimo, necessariamente observado pelo juiz, mesmo que não tenha existido qualquer prejuízo para o trabalhador.3 Há vozes, inclusive, que sustentam que esse mínimo legal deveria ser elevado, pois, se à época de sua criação, em 1973, ele correspondia à duração média do desemprego, isso não se verifica mais atualmente, uma vez que esta se elevou bastante.4
À indenização acima citada soma-se ainda uma outra sanção: o ressarcimento pelo empregador ao erário público das parcelas de seguro- desemprego pagas ao empregado, respeitado o máximo de 6 meses. O objetivo é duplo: proteger os interesses da coletividade, que não deve suportar a falta cometida pela empresa, e ajudar a dissuadir a prática da dispensa imotivada, tornando-a mais onerosa.
A reintegração, por sua vez, é raramente observada na prática, não apenas porque o juiz (Conseil des prud’hommes) não está obrigado a determiná-la, mas, sobretudo, porque a lei prevê expressamente que tanto o empregador quanto o empregado podem recusar a sua aplicação.5
1 A “causa real e séria” não foi definida pelo legislador, mas o seu conceito vem sendo desenvolvido pela jurisprudência. Nos dias atuais, a Corte de Cassação mostra-se muito mais exigente para a sua configuração no caso concreto, em razão da taxa de desemprego (2,5 milhões) ser bem maior do que em 1974 (400.000), entendendo a dispensa como a última solução (ultima ratio). In XXX, Xxxx-Xxxxxxxx. Droit du Travail: droit vivant. 13ª ed. Paris: Éditions Liaisons, 2004, p. 264.
2 LYON-CAEN, Xxxxxx, XXXXXXXXX, Xxxx, XXXXXX, Xxxxx. Droit du travail. 17ª ed. Paris: Éditions Dalloz, 1994, p. 287. De modo geral, o trabalhador logra êxito na prova do prejuízo sofrido, obtendo, assim, a indenização, cujo valor não encontra limitação legal, podendo ser até mesmo de 10 meses de salário. In XXX, Xxxx-Xxxxxxxx. Op. cit., p. 287.
3 Cita-se, ilustrativamente, o caso de um trabalhador que permaneceu desempregado por 14 dias e recebeu a indenização equivalente a 30 meses de salário (decisão de 02 de julho de 2003). Idemibidem, p. 286.
4 Idemibidem, p. 286.
5 Idemibidem, p. 285-6.
Observa-se que a diferença entre as duas hipóteses acima aludidas é que na primeira o pagamento da indenização está condicionado à ocorrência de prejuízo. Todavia, não é raro que o juiz tome como parâmetro o valor de 6 meses de salário, que é previsto legalmente para a segunda hipótese.6
Demais disso, em qualquer hipótese, ou seja, independentemente do número de empregados da empresa ou do tempo de serviço do trabalhador, a lei impõe ao empregador a observância de um procedimento antes de efetuar a dispensa por motivo pessoal, para assegurar o direito de defesa do empregado. Assim, exige-se uma tentativa prévia de conciliação na empresa, na qual o trabalhador pode ser assistido, e a comunicação formal da dispensa, por meio de carta registrada contendo as razões que a motivam. Desrespeitado esse procedimento, o empregador deve pagar uma indenização, fixada, segundo a gravidade da irregularidade, entre o mínimo simbólico de 1 euro e o máximo de 1 mês de salário. Importa destacar que o direito à proteção contra a dispensa imotivada encontra-se previsto na Constituição Européia - aprovada em Roma, no dia 29 de outubro de 2004 - na parte relativa à Carta dos Direitos Fundamentais (art. II-90).7 É assegurado também pela Convenção n. 158, da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), que foi ratificada pela França.
2 A DISCIPLINA PREVISTA PARA O CONTRATO DE PRIMEIRO EMPREGO
O Contrato de Primeiro Emprego - Contrat Première Embauche - encontrava- se previsto no art. 8º de um projeto de lei relativo à igualdade de oportunidades. Consistia em um pacto a prazo indeterminado que poderia ser firmado entre uma empresa com mais de 20 empregados e um jovem com menos de 26 anos. Era previsto um período de prova de 2 anos, durante o qual o trabalhador poderia ser dispensado imotivadamente, não se exigindo, portanto, a presença de uma causa real e séria. Era devido apenas um aviso prévio de 15 dias, entre o segundo e o sexto mês do pacto, e de 1 mês, se a duração do contrato tivesse sido maior.
Sendo imotivada a dispensa, dever-se-ia também pagar uma indenização no valor de 8% sobre o montante total da remuneração bruta devida ao empregado desde o início do contrato. Além disso, era obrigatória a observância de um prazo mínimo de 3 meses para que as mesmas partes pudessem celebrar entre si um novo CPE.
Ao analisarmos as normas aplicáveis ao CPE, percebemos que elas reduzem consideravelmente a proteção contra a dispensa injustificada assegurada pela disciplina geral do direito francês. Como vimos, esta última impõe a observância
6 “Os juízes não podem atribuir uma indenização equivalente a seis meses de salário sem ter analisado a importância do prejuízo sofrido, mas eles podem condenar o empregador a pagar uma indenização igual a seis meses de salário desde que eles precisem que se trata de danos e interesses correspondentes à importância do prejuízo ocasionado pela dispensa.” Traduzido pelos autores. Idemibidem, p. 296.
7 “Artigo II-90 - Proteção em caso de dispensa injustificada. Todo trabalhador tem o direito à proteção contra toda dispensa injustificada, em conformidade ao direito da União e às legislações e praxes nacionais.”
de um procedimento formal pela empresa para efetuar a dispensa e, caso seja esta imotivada, garante o direito à percepção de uma indenização de alto valor pelo empregado (ou, eventualmente, a sua reintegração). O regime do CPE, todavia, além de não assegurar o aludido procedimento, prevê uma indenização de valor bastante reduzido. Isso torna bem mais simples e menos onerosa a dispensa imotivada na França, contribuindo, portanto, para a sua maior ocorrência.
3 O DESEMPREGO ENTRE OS JOVENS NA FRANÇA
Nos dias atuais, a taxa de desemprego entre os jovens franceses com menos de 25 anos é de 22,8%.8 O CPE foi proposto pelo primeiro-ministro Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx como uma medida de combate a esse grave problema social. Sustentou- se que uma maior flexibilização do contrato de trabalho dos jovens estimularia a sua contratação pelas grandes empresas, reduzindo o desemprego. Não se submetendo às exigências formais e às pesadas indenizações ligadas à dispensa imotivada, nos dois primeiros anos do contrato, as empresas seriam incentivadas a empregar a mão-de-obra juvenil.
O projeto de lei relativo à igualdade de oportunidades - inclusive o seu art. 8o que criava o CPE - foi declarado válido pelo Conselho Constitucional francês, em 30 de março de 2006. Em tal decisão, foi defendida a instituição do contrato, afirmando-se que ele respondia diretamente a uma exigência constitucional: “O CPE tende a concretizar, em benefício dos jovens, a exigência resultante da quinta alínea do Preâmbulo da Constituição de 1946: o direito de cada um à obtenção de um emprego”. Para justificar a derrogação às normas protetivas do Direito do Trabalho francês, o Conselho não hesitou em enquadrar os jovens na categoria das “pessoas desfavorecidas”.9
4 A OPOSIÇÃO DOS SINDICATOS, TRABALHADORES E ESTUDANTES AO CPE
Desde o anúncio da criação do CPE pelo primeiro-ministro Xxxxxxxx, em 16 de janeiro de 2006, começaram a se organizar grandes protestos. O movimento estudantil passou a realizar manifestações, ocupando colégios, universidades, ruas, estações ferroviárias, e a convocar uma greve geral no país.10 A eles se uniram os trabalhadores, as confederações sindicais francesas (FO, CGT, CFDT e UNEF)11 e até mesmo uma parte do empresariado, já prevendo que, em face da grande contestação dos jovens, o CPE teria dificuldades de ser introduzido nas empresas.12
8 Artigo “L’impasse de la radicalisation”, publicado no Jornal Le Monde, de 23 de março de 2006. Site: xxx.xxxxxxx.xx. Acesso em: 20 de abril de 2006.
9 “Le Conseil constitutionnel, avocat du CPE”. Le Monde, de 01 de abril de 2006.
10 “CPE: lycéens et étudiants appellent à une grève générale reconductible”. Le Monde, de 03 de abril de 2006.
11 “Les syndicats, mécontents, maintiennent leur appel à la mobilisation”. Le Monde, de 31 de março de 2006.
12 “Scènes de crise à Matignon”. Le Monde, de 30 de março de 2006.
Os representantes dos estudantes e as confederações de trabalhadores reuniram esforços na realização de jornadas nacionais de greves e manifestações, como os dias 28 de março e 4 de abril, que reuniram milhões de manifestantes.13 A lei que previa o CPE já havia sido aprovada pelo Parlamento francês e recebido parecer favorável à sua validade pelo Conselho Constitucional. No entanto, no dia 10 de abril, o presidente Xxxxxxx Xxxxxx anunciou a retratação: o CPE deixava de existir, sendo substituído por medidas para promover a inserção profissional de jovens em dificuldades. À época, o primeiro-ministro Xxxxxxxx, que defendeu até o fim o CPE e a idéia de uma maior flexibilidade do contrato de trabalho, afirmou que “as condições necessárias de confiança e de serenidade não foram reunidas nem do
lado dos jovens, nem do lado das empresas, para permitir a aplicação do CPE”.14 Indubitavelmente, essa retratação foi fruto da enorme pressão exercida pelos
trabalhadores, estudantes e sindicatos franceses.15 Para Xxxxxx Xxxxx, secretária da central sindical CGT, estava ali patente o “sucesso da ação convergente dos empregados, dos estudantes e também da unidade sindical”. Xxxxxx Xxxxxxxx, da FSU, assevera que foi “uma vitória inegável do movimento social”, uma vez que o CPE em nada resolveria o problema do desemprego dos jovens, mas adverte que se deve permanecer vigilante, pois que a direção da política governamental não foi modificada. Xxxxx Xxxxx, secretário-geral da UNSA, diz se tratar de “uma vitória incontestável e incontestada para aqueles que lutam há dois meses contra este contrato derrogatório do Direito do Trabalho”.
5 MEDIDAS PROPOSTAS EM SUBSTITUIÇÃO AO CPE
As medidas propostas em substituição ao CPE consistem, basicamente, na reformulação e fortalecimento de contratos já existentes, destinados à formação profissional dos jovens e à sua colocação no mercado de trabalho, como o contrato de inserção na vida social (CIVIS), o contrato jovem na empresa (CJE), o contrato de profissionalização, dentre outros, além de estágios de formação. Adota-se o princípio da ajuda estatal às empresas que contratam jovens em situação de maior dificuldade, segundo os critérios legais (v.g., moradores de “áreas sensíveis”, com menor qualificação).16
13 “Les opposants au CPE réitèrent leur démonstration de force”. Le Monde, de 06 de abril de 2006.
14 “Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx s’est résolu à annoncer le retrait du CPE”. Le Monde, de 10 de abril de 2006.
15 É interessante observar que o episódio gerou grande desgaste político para o primeiro- ministro Xxxxxxxx e o presidente Xxxxxx, cuja popularidade despencou para 29%. Isso o levou, inclusive, a desistir da apresentação de um projeto de lei que proíbe fumar em locais públicos, temendo prejudicar ainda mais a sua popularidade. (“Rendição no grito”, in Revista Veja, ano 39, n. 15, Editora Abril, 19 abr. 2006, p. 70).
16 Dentre os jovens em situação desfavorável destacam-se os descendentes dos imigrantes (e.g., provenientes das ex-colônias francesas na África), que moram na periferia das grandes cidades, entre os quais a taxa de desemprego alcança 40% (“Rendição no grito”, in Revista Veja). Essa forte exclusão socioeconômica a que estão submetidos desencadeou uma série de violentas revoltas e caos social em diversas cidades francesas, o que foi amplamente noticiado pela mídia no final de 2005.
De acordo com uma proposta de lei, os recursos necessários - 150 milhões de euros para 2006 e 300 milhões de euros em 2007 - poderiam ser buscados no aumento da tributação sobre o tabaco.17 Outra proposta debatida, invocada publicamente pela primeira vez por Xxxxxxx Xxxxxxxx, secretário-geral da CGT, em 1º de maio de 2001, é a instituição de um seguro social profissional, visando proteger os direitos dos trabalhadores em momentos mais difíceis da carreira, como no desemprego e em situação de contratação precária, os quais atingem particularmente os jovens.18 Há também a idéia de se criar um serviço público permanente de orientação profissional que, associando os sindicatos e as regiões, seria dotado de um observatório profissional, a fim de adequar a oferta e a procura de trabalho o mais possível à realidade.
O Partido Socialista francês (PS), condenando a precarização e afirmando o direito de todo jovem a uma primeira experiência profissional, sustenta que esta deveria se dar no âmbito de um contrato a prazo indeterminado. Isso é coerente com o que buscam os estudantes universitários franceses, segundo as pesquisas: uma vida profissional estável, sem riscos. Todavia, consciente da resistência das empresas a esse respeito, o PS propõe uma ajuda do Estado aos empregadores, cujo montante e duração dependeria dos esforços necessários à integração profissional do jovem recrutado, como o acompanhamento por um tutor.19
Para Xxxxxxxx Xxxxxxxx, secretário-geral da CFDT, as medidas que visam propiciar o acesso dos jovens ao emprego devem ser precedidas por consultas e negociações com os sindicatos, convocando o empresariado para assumir também as suas responsabilidades nessa questão.20
Observa-se que as medidas acima citadas reclamam a intervenção do Estado na dinâmica da economia e no mercado de trabalho, por meio de investimentos públicos na geração de empregos. São, portanto, medidas típicas do modelo de Estado de Bem-Estar (Welfare State). O CPE, ao contrário, é inspirado em uma lógica distinta: a redução das normas de proteção do Estado, para propiciar a máxima liberalização do mercado (laissez-faire, laissez-passer), defendida pela corrente neoliberal.21
6 O CNE: O “IRMÃO” DO CPE PARA AS PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS
Em setembro de 2005, entrou em vigor a lei que instituiu o Contrato de Novo Emprego (Contrat Nouvelle Embauche, doravante denominado CNE). Trata- se de um pacto escrito, de duração indeterminada, que pode ser estabelecido
17 “Les anti-CPE se félicitent du retrait du CPE”. Le Monde, de 10 de abril de 2006.
18 “Un défi majeur en France et à l’international”. Le Monde, de 17 de abril de 2006.
19 Idem.
20 “Les anti-CPE se félicitent du retrait du CPE”. Le Monde, de 10 de abril de 2006.
21 O pensamento neoliberal “sustenta, em síntese, na linha da velha matriz oitocentista, o primado do mercado econômico privado na estruturação e funcionamento da economia e da sociedade, com a submissão do Estado e das políticas públicas a tal prevalência”. In XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. São Paulo: LTr, 2006, p. 21.
pelas empresas com menos de 20 empregados, sendo previsto um período de prova de dois anos, no curso do qual o trabalhador pode ser dispensado imotivadamente. Nessa hipótese, são devidos o aviso prévio - de 1 mês, se o contrato durou ao menos 6 meses, e de duas semanas, se a duração foi inferior - e uma indenização no valor de 8% sobre o montante total da remuneração bruta devida desde o início do contrato. A empresa deve pagar ainda uma contribuição no valor de 2%, incidente sobre esse mesmo montante, destinada a financiar o acompanhamento do empregado por um serviço público que visa ao seu retorno ao mercado de trabalho. Além disso, deve ser observado o prazo mínimo de 3 meses para que as mesmas partes possam celebrar entre si um novo CNE.
Percebem-se as grandes semelhanças entre o CNE e o CPE, podendo-se dizer que aquele é o correspondente deste no âmbito das empresas menores, isto é, com menos de 20 empregados. Observa-se que o CNE, ao não exigir que o trabalhador tenha menos de 26 anos, é ainda mais flexível, pois pode ser pactuado em um número maior de situações. Por outro lado, a sua instituição sequer pode ser justificada como uma medida específica de combate ao desemprego juvenil.
Os primeiros conflitos relativos ao CNE já começam a surgir, com a propositura de ações judiciais pelos trabalhadores dispensados imotivadamente. Destaca-se a decisão do Conselho de Prud’Hommes de Longjumeau, proferida em 28 de abril, que considerou a lei do CNE contrária à Convenção n. 158 da OIT, ratificada pela França. Esse tratado veda a dispensa imotivada e garante ao trabalhador o direito de se defender previamente. Todavia, estabelece a possibilidade de um período de prova, no qual essa vedação inexiste, desde que este seja razoável. Nesse sentido, a decisão considerou que a lei do CNE, ao estabelecer um prazo excessivo - 2 anos - fere a Convenção n. 158, sendo, portanto, inválida. Reconheceu-se, então, no caso, a celebração de um contrato a prazo indeterminado, condenando-se o empregador ao pagamento das indenizações relativas à dispensa injusta.22
Resta saber se as mesmas forças que conduziram à retratação do CPE, encorajadas pela vitória, também reivindicarão a revogação do CNE, como já defende o Partido Socialista francês e a central sindical operária CGT.23 Do lado empresarial, já se afirma a resistência: a confederação patronal “Le Medef”, que era contrária ao CPE, sustenta a manutenção do CNE, afirmando a necessidade de uma maior flexibilidade no caso das pequenas e médias empresas.24
22 A decisão considerou que uma “duração de dois anos para os contratos executados na França, qualquer que seja o posto ocupado, não é razoável sob o prisma do direito e das tradições, tanto internas quanto comparadas com as dos outros países da Europa”. Demais disso, considerou-se que “uma duração única, de ordem pública, não dependente das circunstâncias e das condições próprias de cada emprego, carece necessariamente de razoabilidade”. Traduzido pelos autores. In “Les prud’hommes de Xxxxxxxxxx jugent le CNE contraire au droit international”. Le Monde, de 28 de abril de 2006.
23 “Le PS réclame aussi l’abrogation du contrat nouvelles embauches”. Le Monde, de 04 de abril de 2006 e “Xxxxxxx Xxxxxxxx sort victorieux du 48e congrès de la CGT”. Le Monde, de 28 de abril de 2006.
24 “Le patronat craint de voir le contrat nouvelles embauches emporté dans la tourmente”. Le Monde, de 06 de abril de 2006.
7 FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA E DESEMPREGO: ANÁLISE CRÍTICA
O argumento sustentado pelos defensores do CPE, de que este reduziria o desemprego, não encontra respaldo na realidade. Nos dias atuais, a inserção dos jovens no mercado de trabalho na França já se encontra marcada pela precariedade. Em regra, uma pessoa com menos de 30 anos já celebrou diversos contratos de trabalho, sendo maciça a utilização dos pactos de duração determinada.25 Assim, na realidade atual, já existe a possibilidade de se contratar os jovens de forma precária e menos onerosa, não sendo raro o seu uso pelas empresas. Isso, no entanto, não solucionou o problema do desemprego juvenil; ao contrário, somente contribuiu para agravá-lo.
Com efeito, conforme ressaltado por especialistas, o desemprego na França não decorre de uma suposta rigidez do Direito do Trabalho, mas sim da falta de crescimento econômico, da correlata ausência de confiança por parte da população e de um problema geral de educação e formação profissional.26 São esses fatores que, em verdade, devem ser combatidos para se reduzir a alta taxa de desocupação juvenil e não acrescentar mais uma forma precária de contratação às já previstas pelo direito francês. De fato, conforme ironicamente afirmado por um autor, prosseguindo-se na tendência de precarização, as máquinas serão tratadas melhor do que o “capital humano”, pois que este se torna cada vez mais “descartável”.27
Desse modo, a flexibilização do Direito do Trabalho não é uma solução ao desemprego, contribuindo normalmente apenas para agravá-lo.28 Ela desencadeia e acentua diversos problemas, como a rotatividade da mão-de-obra, a insegurança social, a carência de especialização e a falta de investimento das empresas nos trabalhadores, a redução do patamar salarial, o enfraquecimento do sindicato.29-30 De modo reflexo, também a própria atividade empresarial e o desenvolvimento da economia do país restam prejudicados.
25 “L’impasse de la radicalisation”. Le Monde, de 23 de março de 2006.
26 “Le contrat première embauche repose sur une erreur de diagnostic”. Le Monde, de 04 de abril de 2006.
27 “Désormais l’outil de travail sera mieux traité que le ‘ capital humain’” LE GRAND, Thibault. “Un CPE pour les machines!”. Le Monde, de 24 de março de 2006.
28 Cft. XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. “Proteção ao emprego e flexibilização: onde termina o discurso e começa a realidade”. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx>. Acesso em: 12 dez. 2004.
29 Podemos citar, como exemplo análogo, o que ocorreu no Brasil após a instituição do FGTS, pela Lei 5.107/66, como regime alternativo à estabilidade prevista pela CLT. Conforme noticiado por Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx: “Só no município de São Paulo as dispensas aumentaram de 74,4% para 179,6% no decurso do período de 1964-1971. No setor de transportes e comunicações, as taxas são ainda mais elevadas, pois triplicaram. Nos bancos e no comércio, duplicaram-se.” XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx xx. Proteção contra a dispensa na nova Constituição. Belo Horizonte: Xxx Xxx, 1991, p. 238.
30 A título de exemplo, dentre os inúmeros prejuízos causados aos jovens pela precarização, podemos citar a dificuldade de acesso a financiamentos e crédito junto ao sistema financeiro, como o relativo à aquisição de moradia própria. Conforme observado por Xxxx Xxxxx, diretor de um centro de pesquisas na Escola dos Altos Estudos Comerciais (EDHEC), “o CPE passa uma mensagem negativa ao sistema bancário, aquela de uma clientela da qual os fluxos de renda podem se interromper a qualquer momento e à qual, portanto, é arriscado efetuar empréstimos”. “Confrontées à la précarisation des jeunes, les banques cherchent à s’adapter”. Le Monde, de 24 de março de 2006.
Costuma-se afirmar que as elevadas taxas de desemprego no capitalismo atual têm caráter estrutural, pois que decorrentes das profundas mudanças verificadas nas últimas décadas do século XX e que perduram no atual século: as inovações tecnológicas, o processo de reestruturação empresarial e a acentuação da concorrência, inclusive no plano internacional. Esse pensamento tem exercido grande influência nos países ocidentais, induzindo à formulação de reformas na área do trabalho, invariavelmente no sentido da flexibilização do Direito do Trabalho, como é o caso do CPE.31
Todavia, conforme demonstra o Professor Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, o problema do desemprego também apresenta um caráter conjuntural, sendo produto de políticas públicas de orientação neoliberal (v.g., redução dos investimentos e da participação estatal na economia e na sociedade, altas taxas de juros, valorização artificial da moeda). Não é por acaso que assistimos atualmente a taxas recordes de desemprego se comparadas às prevalentes na época do Estado de Bem-Estar Social (anos 60 e 70).32
O mesmo autor destaca que os elevados índices de desemprego na Europa e nos EUA, nas décadas de 20 e 30 do século passado, foram vencidos através de drástica mudança na política econômica, abandonando-se inteiramente o liberalismo até então dominante, por meio da intervenção econômica do Estado, da restrição ao mercado financeiro, do fortalecimento da legislação trabalhista e da maior valorização do trabalho e do emprego.33 Essa mesma mudança, de comprovada eficácia no passado, deveria também ser adotada no momento atual, como forma de combate à desocupação.
O Estado de Bem-Estar Social, através da promoção e da proteção do trabalho, propiciou uma maior distribuição da renda e maior democratização nos países capitalistas centrais, notadamente na Europa, incluindo-se aí a França. Isso contribuiu para expansão da educação e para a maior conscientização dos direitos pela população, levando-a a lutar contra as medidas do Governo contrárias aos seus interesses, o que restou claramente demonstrado no caso presente. É evidente, portanto, que o Direito do Trabalho caminha de mãos dadas com a construção de uma sociedade mais igualitária, justa e democrática, daí a importância da luta contra a sua destruição.
Por fim, seguindo a máxima de que devemos também procurar, em cada situação, um eventual traço positivo, pensamos que o episódio do CPE nos deixou um raio de esperança: demonstrou a força do movimento sindical e a sua importância para a defesa dos direitos dos trabalhadores. Mostrou também como essa força se potencializa quando unida a outros segmentos da sociedade civil, como o movimento estudantil.34
31 Destaca-se o papel exercido por grande parte da mídia, reproduzindo esse discurso: a Revista Veja, por exemplo, ao tratar do CPE, no mencionado artigo, afirma que “a flexibilização do mercado de trabalho ajuda a gerar novos empregos da Inglaterra à Eslováquia e da Espanha à Finlândia, mas é repudiada com vigor pelo código genético dos sindicatos franceses, acostumados a empregos vitalícios”. Ao comentar a substituição do CPE por outras medidas, afirma que se trata de “uma fórmula que adia a solução do problema do desemprego”.
32 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Op. cit., p. 83.
33 Idemibidem, p. 100.
34 A própria realidade brasileira já nos deu mostra disso, por ocasião da luta contra a ditadura e pela redemocratização do nosso País no final dos anos 70 e ao longo dos anos 80 do século passado.
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- Artigos do Jornal Le Monde. Disponíveis em <xxxx://xxx.xxxxxxx.xx>. Acesso nos meses de março e abril de 2006.
- “L’impasse de la radicalisation”. Le Monde, de 23 de março de 2006.
- “Un CPE pour les machines!”. Le Monde, de 24 de março de 2006.
- “Confrontées à la précarisation des jeunes, les banques cherchent à s’adapter”. Le Monde, de 24 de março de 2006.
- “Scènes de crise à Matignon”. Le Monde, de 30 de março de 2006.
- “Les syndicats, mécontents, maintiennent leur appel à la mobilization”. Le Monde, de 31 de março de 2006.
- “Le Conseil constitutionnel, avocat du CPE”. Le Monde, de 01 de abril de 2006.
- “CPE : lycéens et étudiants appellent à une grève générale reconductible”. Le Monde, de 03 de abril de 2006.
- “Le contrat première embauche repose sur une erreur de diagnostic”. Le Monde, de 04 de abril de 2006.
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- “Les opposants au CPE réitèrent leur démonstration de force”. Le Monde, de 06 de abril de 2006.
- “Le patronat craint de voir le contrat nouvelles embauches emporté dans la tourmente”. Le Monde, de 06 de abril de 2006.
- “Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx s’est résolu à annoncer le retrait du CPE”. Le Monde, de 10 de abril de 2006.
- “Les anti-CPE se félicitent du retrait du CPE”. Le Monde, de 10 de abril de 2006.
- “Un défi majeur en France et à l’international”. Le Monde, de 17 de abril de 2006.
- “Les prud’hommes de Xxxxxxxxxx jugent le CNE contraire au droit internacional”. Le Monde, de 28 de abril de 2006.
- “Xxxxxxx Xxxxxxxx sort victorieux du 48e congrès de la CGT”. Le Monde, de 28 de abril de 2006.
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