OS CONTRATOS “SWAP”, EM ESPECIAL O CONTRATO “SWAP” ESPECULATIVO
OS CONTRATOS “SWAP”, EM ESPECIAL O CONTRATO “SWAP” ESPECULATIVO
XXXX XXXXXXXX XX XXXXX XXXXXX MESTRADO EM CIÊNCIAS JURÍDICO-PRIVATÍSTICAS
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO SOB A ORIENTAÇÃO DO PROFESSOR DOUTOR XXXX XXXXXX XXXXXXX XX XXXXXXXXXXX
PORTO – PORTUGAL JULHO DE 2015
Agradecimentos
Ao Professor Doutor Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx pela orientação, observações e disponibilidade
Aos Senhores Drs. Xxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxx pelos conhecimentos transmitidos e pela compreensão
À minha família e à Xxxxx pelo apoio incondicional e por toda a paciência
RESUMO
O presente estudo procede a uma análise global dos contratos de “swap”, e das problemáticas mais relevantes que surgiram em torno deste tema, em face da crise social, financeira e económica de 2008. Tais problemáticas correspondem, em primeiro lugar, à eventual nulidade deste tipo contratual, quando tenham subjacentes finalidades marcadamente especulativas, por equiparação dos mesmos ao jogo e aposta. Em segundo lugar, a eventual resolução contratual por aplicação do instituto da alteração anormal das circunstâncias previsto no art. 437º do CC.
Antes de se debruçar em concreto sobre esses temas, procede a uma contextualização dos contratos de “swap”, quer enquanto figura económica, que enquanto instrumento jurídico. Para tal, efetua uma breve resenha histórica do seu surgimento, procede à sua conceptualização, faz referência às modalidades e finalidades de que se pode revestir, caracteriza-o juridicamente e menciona os formalismos tendentes à sua celebração.
No que concerne especificamente às questões centrais a que se propõe dar resposta, parte de uma contextualização socioeconómica dos problemas, recolhendo em seguida os contributos mais relevantes da doutrina sobre os temas, e elencando as principais soluções jurisprudenciais que têm sido dadas para os mesmos.
Como principais conclusões tem o facto de considerar que os contratos de “swap” de taxa de juro são válidos e geradores de obrigações civis, não caindo assim no regime desfavorável do jogo e aposta, mesmo quando tenham subjacentes finalidades marcadamente especulativas.
Conclui ainda em abono da resolução contratual por aplicação do instituto da alteração anormal das circunstâncias, em face da grave crise de 2008, sendo no entanto apenas abrangidas as prestações efetuadas “injustamente” em função de tal alteração.
PALAVRAS-CHAVE: contrato “swap”; especulação; taxa de juro; nulidade contratual; alteração das circunstâncias; crise económica; resolução contratual;
ABSTRACT
This study pretends to make a global analysis of the “swap” contracts and the most outstanding issues that have appeared around this theme, regarding the social, financial and economic crisis in the year of 2008. First, those issues are related to the eventual nullity of this type of contracts, when the underlying purposes are markedly speculative by assimilating these contracts with gambling and betting. Secondly, the eventual contractual resolution, by application of the institute of the abnormal change of the circumstances according to the 437th art. of the Portuguese Civil Code.
Before analysing these particular problems, it makes a contextualization of the “swap” contracts, both as an economic feature and a legal instrument. In order to reach that goal, it makes a brief historical review of its appearance, undertakes its conceptualization, refers to its modalities and purposes, makes its legal characterization and mentions the formalities that lead to the contract signature.
Specifically regarding the main questions that it intends to answer, it begins with the social and economic contextualization of the problems, gathering the most relevant contributes of the doctrine about the themes and listing the main legal solutions that have been given to them.
As main conclusions it has the fact of considering that the interest rate “swap” contracts are valid, they generate civil obligations and they can’t fall in the unfavourable regime of gambling and betting, even when they have markedly speculative underlying purposes.
It concludes for the contractual resolution, by application of the institute of the abnormal change of the circumstances, regarding the severe crisis of 2008, covering only the payments “unjustly” made, as a result of that change.
KEYWORDS: “swap” contract; speculation; interest rate; contractual nullity; change of circumstances; economic crisis; contractual resolution.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
Ac. | Acórdão |
Art./Arts. | Artigo/Artigos |
BCE | Banco Central Europeu |
CC | Código Civil |
CRP | Constituição da República Portuguesa |
CVM | Código dos Valores Mobiliários |
DL | Decreto-Lei |
EUA | Estados Unidos da América |
EURIBOR | Euro Interbank Offered Rate |
FMI | Fundo Monetário Internacional |
FRA | Forward Rate Agreement |
ISDA | International Swaps and Derivatives Association |
JOUE | Jornal Oficial da União Europeia |
RLJ | Revista de Legislação e Jurisprudência |
ROA | Revista da Ordem dos Advogados |
ss | Seguintes |
STJ | Supremo Tribunal de Justiça |
TRL | Tribunal da Relação de Lisboa |
TRG | Tribunal da Relação de Guimarães |
UE | União Europeia |
INDÍCE
INTRODUÇÃO 3
PARTE I
EVOLUÇÃO HISTÓRICA 6
PARTE II
O CONTRATO DE “SWAP”
1 – CONCEITO 10
2 – MODALIDADES 12
2.1 – O “swap” de divisas (currency swaps) 12
2.2 – O “swap” de taxa de juro (interest rate swaps). 13
2.3 – O “swap” sobre valores mobiliários (equity swap). 15
3 – FINALIDADES 15
3.1 – Cobertura de riscos financeiros 15
3.2 – Especulação. 16
3.3 – Arbitragem 16
4 – CARACTERIZAÇÃO JURÍDICA 17
5 – FORMAÇÃO DO CONTRATO 20
PARTE III
O CONTRATO DE “SWAP” ESPECULATIVO
1 – FINALIDADE E ESTRUTURA BÁSICA 22
2 – O REGIME DE (IN)VALIDADE 24
2.1 – O jogo e aposta 26
2.2 – A especulação. 28
2.3 – A estrutura do risco. 30
2.4 – Consagração legal 31
2.5 – Soluções jurisprudenciais 34
3 – A ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS 37
3.1 – A crise derivada do subprime 38
3.2 – O “especial” dever de informação. 40
3.3 – O regime do art. 437º do CC. 42
3.3.1 – Circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar. 43
3.3.2 – A alteração anormal 44
3.3.3 – Lesão para uma das partes 45
3.3.4 – Colisão com o princípio da boa fé 46
3.3.5 – Riscos próprios do contrato. 47
3.3.6 – Inexistência de mora do lesado. 49
3.4 – Consequências da aplicação do regime do art. 437º do CC. 50
3.4.1 – Resolução vs Modificação. 50
3.4.2 – Os efeitos da resolução. 51
CONCLUSÃO 54
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 56
INTRODUÇÃO
Ao longo das últimas décadas tem-se vindo a assistir a uma grande evolução civilizacional, com repercussões nas mais diversas áreas do nosso quotidiano, no qual a economia mundial ocupa uma determinante parcela, com os fluxos monetários e os produtos financeiros que lhe estão subjacentes.
No entanto a evolução, no que concerne a essa economia, tem-se marcado por uma crescente volatilidade e dinamismo dos mercados financeiros, grandemente impulsionados pela evolução das tecnologias da informação e comunicação das últimas décadas, que conduziu a que, atualmente, a transmissão de dados possa atravessar o globo numa mera fração de segundos.
Nessa senda evolutiva, e em face da crescente complexidade da gestão empresarial, sentiu-se a necessidade de se criarem instrumentos que permitissem facilitar a adaptação às mudanças que foram surgindo, e que amenizassem a imprevisibilidade que a intervenção nos mercados económicos acarreta.
Para esse efeito assistimos ao recurso a diversos instrumentos financeiros, mais concretamente na sua sub-categoria dos instrumentos derivados, nos quais se englobam os contratos de “swap”, alvo do presente estudo.
Por forma a se traçar a verdadeira compreensão dos contratos de “swap”, e para o estudo dos mesmos, iremos partir de uma breve referência ao contexto histórico do seu surgimento, passando de seguida a efetuar um enquadramento económico-social subjacente a este tipo de realidade contratual que, de resto, não poderia deixar de ser o ponto de partida para que se possa discernir a verdadeira essência da mesma.
Posteriormente iremos percorrer os vários elementos essenciais deste tipo de contratos, nomeadamente as suas modalidades, finalidades, caracterização jurídica e formação para que possamos finalmente concentrar o nosso estudo na modalidade dos contratos de “swap” de taxa de juro, especialmente na sua vertente especulativa.
Este último tipo de contratos encontra-se atualmente no epicentro de uma elevada discussão, quer doutrinal, quer jurisprudencial, em torno dos vários elementos que o rodeiam.
Historicamente, e desde o seu surgimento até sensivelmente ao ano de 2008, os contratos de “swap” em geral eram vistos como um contrato “feliz”, na medida em que a sua execução não deu origem a praticamente nenhum litígio, quer em Portugal, quer
internacionalmente1. Sendo certo que “os contratos felizes não têm história”2, verificou-se até ao supra citado ano a inexistência, quase total, de qualquer decisão jurisprudencial que incidisse sobre este tipo de contratos.
No entanto, essa realidade a partir do ano de 2008 sofreu uma profunda alteração. Os tempos de crise financeira e económica assumem-se como períodos de excelência para o surgimento das mais diversas discussões jurídicas, tendo a maior parte delas subjacentes questões extremamente relevantes e com um forte impacto monetário, e para as quais raramente existe uma solução consensual.
Desde meados de 2007, e em especial a partir de Setembro de 2008 com a falência do banco Lehman Brothers, que assistimos a uma crise financeira, económica e social, com um impacto à escala global, e repercussões nos mais diversos ramos do Direito, em especial no que concerne ao Direito Bancário e às realidades jurídicas que lhe estão subjacentes.
Uma das principais consequências da crise económica e financeira global que se instalou a partir de Setembro de 2008 foi a queda abrupta da taxa de juro EURIBOR3, no seu índice a 3 meses, que é o mais frequentemente aplicado. A referida taxa passou, em escassos meses, de valores percentuais inteiros, acima dos 3%, para as meras casas decimais, valores nos quais ainda se mantém atualmente.
A eclosão da crise e suas consequências, que foram verdadeiramente surpreendentes para a maioria dos intervenientes económicos, aliadas a uma “incapacidade dos intitulados especialistas em dominar os produtos financeiros”4 - que no que concerne aos contratos de “swap” vinham revestindo uma forma cada vez mais complexa - levaram ao surgimento de inúmeros litígios judiciais.
Com efeito, instrumentos financeiros como o contrato de “swap” de taxa de juro com finalidades especulativas, perante a queda abrupta e inesperada das taxas de juros, levaram inevitavelmente a que uma das partes do contrato saísse gravemente lesada.
1 XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato de swap, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Studia Jurídica, n.º 51, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, pág. 11.
2 Y. LOUSSOUARN e P. XXXXXX (apud XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato de swap, cit., pág. 11).
3 A palavra EURIBOR resulta da união das palavras “Euro Interbank Offered Rate” e corresponde à taxa de juro frequentemente aplicada na maioria dos instrumentos financeiros derivados, como por exemplo nos contratos de “swap” de taxa de juro. Embora usualmente seja feita uma referência unitária à taxa EURIBOR, esta apresenta na verdade 8 índices diferentes consoante o número de meses a que se reporta o seu cálculo. O cálculo desta taxa de juro baseia-se na média das taxas de juro praticadas em empréstimos interbancários em Euros pelos mais importantes bancos Europeus.
4 XXXX XXXXX XXXXX, As 10 Questões da Crise, Dom Quixote, Lisboa, 2011.
Essas partes lesadas optaram assim por recorrer aos meios judiciais para salvaguardar os seus interesses, e assim se geraram as mais variadas questões em torno dos contratos de “swap”.
Em primeiro lugar, e atendendo à velha prática forense portuguesa de colocar todas as questões possíveis quando se recorre aos meios judiciais, discute-se atualmente a validade jurídica dos contratos de “swap” quando não existe a troca real de qualquer montante entre as partes, ou seja, do contrato de “swap” especulativo. Esta é uma questão extremamente delicada e sobre a qual têm incidido vários arestos, inclusive do Supremo Tribunal de Justiça, e para a qual não existe uma resposta consensual e pacífica. Esta será assim uma questão sobre a qual incidirá o presente estudo, procurando-se sustentar a solução que consideramos ser a mais indicada.
Outra questão que tem surgido relativamente aos contratos de “swap”, em especial do contrato de “swap” de taxas de juro, e que deriva diretamente da crise de 2008 e das consequências desta, prende-se com o facto das partes lesadas com o contrato de “swap” (em face da queda abrupta da taxa de juro) pretenderem a sua resolução com base no instituto da alteração anormal das circunstâncias previsto no art. 437º do CC.
Em torno deste tema suscitam-se diversas questões, nomeadamente no que concerne à delimitação do conceito de “alteração anormal das circunstâncias”, à inclusão, ou não, da crise de 2008 nesse referida alteração, à prova de tais factos, ao preenchimento dos restantes requisitos do art. 437º do CC, e aos efeitos da resolução do contrato. Todas estas questões foram já alvo de decisões judiciais, algumas delas muito recentes e do mais alto Tribunal da jurisdição Portuguesa. Como tal, no presente estudo, faremos uma revisão das referidas questões e das soluções que lhes têm sido apontadas, procurando alcançar uma resposta que lhes seja adequada e devidamente fundamentada.
Em suma, e esquematizando, o presente trabalho irá incidir num primeiro momento sobre o contexto histórico de surgimento e a caracterização dos contratos de “swap” em geral para, em seguida, se debruçar em concreto no contrato de “swap” especulativo e nas questões que se têm suscitado em torno deste, quer na jurisprudência, quer na doutrina, em face do contexto socioeconómico atual.
PARTE I EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Para que se possa alcançar a verdadeira essência dos contratos de “swap” torna-se necessário partir do seu enquadramento histórico, e dos seus antecedentes.
Os contratos de “swap” surgem como uma subcategoria dos denominados instrumentos derivados que, por sua vez, correspondem a um tipo de instrumentos financeiros.
A origem dos referidos instrumentos derivados é difícil de balizar no tempo, mas existem razões para se acreditar que já vêm sendo utilizados desde tempos ancestrais5. Existem mesmo referências históricas da antiga Babilónia 6 a contratos com uma base semelhante à estrutura daquele tipo de instrumentos.
No entanto, os instrumentos derivados, que na definição de ENGRÁCIA ANTUNES correspondem a “instrumentos financeiros resultantes de contratos a prazo celebrados e valorados por referência a um determinado ativo subjacente”7, tiveram o seu auge de desenvolvimento durante o século XIX8.
Com efeito, a década de 70 ficou marcada por uma série de acontecimentos que conduziram a que o sistema monetário internacional passasse a ter flutuações erráticas das moedas e das taxas de juro, geradoras de instabilidade e insegurança em todos os intervenientes económicos. Na referida década assistiu-se ao colapso do acordo de Bretton Woods9, firmado em 1944 e do qual resultou a constituição do FMI. Em função de tal acordo existia um padrão cambial fixo das moedas por referência ao valor da onça de ouro em dólares. Assistiu-se ainda ao primeiro choque petrolífero em 1973, em que o preço do barril de crude triplicou, e ainda a um total desequilíbrio nas balanças de pagamentos10.
As principais consequências dos referidos acontecimentos, traduziram-se essencialmente na crescente instabilidade dos mercados financeiros, em especial no que concerne às taxas de câmbio e de juro, circunstâncias contra as quais os agentes económicos tiveram de procurar soluções, assumindo aqui especial relevo os instrumentos derivados.
5 XXXXXX XXXXXXXX, Financial Law, Oxford University Press, Oxford, 2007, pág. 64.
6 XXXXXXXX XXXXXX, The Law of Financial Derivatives, 5ª Ed., Sweet & Maxwell, London, 2012, pág. 11.
7 XXXX XX XXXXXXXX XXXXXXX, Os instrumentos financeiros, 2ª Edição, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 113.
8 XXXXXX XXXXXXXX, op. cit., loc. cit..
9 Ibidem, pág. 65.
10 XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato de swap, cit., pág. 14 e XXXX XXXXXXX XXXXXXX, Contratos de Swap Revisitados, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 44, Abril 2013, págs. 71 e 72.
Desses instrumentos destacam-se os futuros, as opções, os FRA’s e os “swaps” que, na sua génese, tinham como objetivo comum a cobertura de riscos, com especial relevo para os riscos das flutuações dos câmbios e das taxas de juro.
Assim, os primeiros contratos de “swap” foram desenvolvidos no final dos anos 7011, aparecendo em força durante os anos 80 em face da conjuntura económica da época, favorecidos também pelo desenvolvimento tecnológico a que se assistiu na altura, em especial no que toca à informática e às telecomunicações. Os contratos de “swap”, surgem também em função das maiores exigências de remuneração por parte dos clientes dos bancos, e da redução drástica dos controlos governamentais sobre este tipo de instrumentos financeiros12 13.
Na verdade, o surgimento deste tipo contratual acaba por ter na sua génese uma função económica extraída da teoria das vantagens comparativas no comércio internacional, desenvolvida por XXXXX XXXXXXX, na medida em que, dois agentes económicos procuram beneficiar das condições mais vantajosas de que o outro dispõe no mercado14.
Dois marcos históricos importantes no desenvolvimento dos contratos de “swap” foram, em primeiro lugar, o famoso contrato daquele tipo, celebrado em 1981 entre a “IBM” e o Banco Mundial15 e, em segundo lugar, a proliferação daquele tipo contratual durante os anos 80 no Reino Unido para suportar o denominado “mercado de Eurobonds”16. No entanto, cumpre frisar que estes dois pontos históricos de referência para o estudo dos contratos de “swap” correspondem a categorias distintas deste género contratual. Com efeito, o contrato de “swap” celebrado entre a “IBM” e o Banco Mundial assume-se como o primeiro “swap” de divisas, em que as duas entidades beneficiaram das condições de financiamento da contraparte em determinada divisa, ao passo que os “swaps” celebrados em função do “mercado de Eurobonds” revestiram a forma de “swaps” de taxa de juro, como incentivo da parte dos
11 XXXXXX XXXXXXXX, Financial Law, cit., pág. 67.
12 XXXX XXXXXXX XXXXXXX, Contratos de Swap Revisitados, cit., pág. 71.
13 A este respeito diz XXXX XXXXX (apud XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato de swap, cit, pág. 18, nota 19) que “Os swaps foram introduzidos durante os anos oitenta como meio de controlo das significativas e imprevisíveis flutuações das taxas de juro e de câmbio que caracterizam este período. (...) A consequente procura no mercado de instrumentos novos e flexíveis caminhou paralelamente à crescente preparação dos bancos para fornecer esse tipo de produtos. O desenvolvimento de técnicas de cobertura de riscos pelos bancos destinava-se inicialmente a consumo próprio. (...) Os novos instrumentos de cobertura de riscos depressa foram comercializados em larga escala no contexto dos serviços prestados aos clientes, sendo elevados à categoria de produtos de mercado, multiplicando o número de mecanismos financeiros disponíveis para as empresas”.
14 XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato de swap, cit., págs. 52 e 53.
15 Ibidem, págs. 28 a 30.
16 XXXXXX XXXXXXXX, op. cit., loc. cit. e XXXXXXX XXXXXXX, op. cit., pág. 72.
bancos ao investimento em Eurobonds, que venciam taxas de juro fixas, por contraposição aos financiamentos bancários sobre os quais incidiam taxas de juro variáveis17.
Certo é que, após o surgimento dos contratos de “swap”, não mais abrandou o seu desenvolvimento, sendo progressiva e firme a procura deste tipo de produto financeiro ao longo dos tempos, evoluindo consequentemente a sua complexidade, e aumentando o tipo de ativos que lhe estão subjacentes, as entidades que os celebram, e os mercados que lhes servem de base.
Mais recentemente, e em concreto no ano de 2007 e no início de 2008, foram celebrados muitos contratos de “swap” entre os vários intervenientes económicos e as instituições financeiras, fundamentalmente na sua modalidade da troca de taxas de juro. Tal circunstância deveu-se essencialmente ao facto de, à data, as taxas de juro se encontrarem em valores muito altos, nomeadamente a EURIBOR a 3 meses, com perspetivas de continuarem a sua subida. Os contratos de “swap” assumiram-se assim como uma possibilidade de proteção contra essa subida, o que, como já se referiu, não veio a ocorrer em função da crise de 2008, dando origem a inúmeros litígios em Tribunal, e conferindo toda a pertinência ao presente estudo.
No que concerne à evolução legislativa desta figura contratual, ou pelo menos às tentativas de uniformização ou regulação da mesma, verificamos que foram várias as iniciativas nesse sentido, protagonizadas por diversos intervenientes económicos.
Com efeito, em 1984 houve uma primeira iniciativa de normalização deste tipo de práticas contratuais e de estandardização da terminologia utilizada, protagonizada por um grupo de 18 operadores dos EUA, do qual surgiu o denominado Code of Standard Wording, Assumptions and Provisions for Swaps, mais conhecidos por ISDA Code18, que veio a ser publicado já no ano de 1985.
Com objectivos semelhantes à referida iniciativa surgiram outras que vieram a conduzir igualmente à criação de códigos profissionais dos quais destacamos as Conditions
17 A distinção entre “swap” de divisas e “swap” de taxas de juro será desenvolvida infra, ponto 2 da Parte II.
18 A ISDA é uma associação internacional com sede em Nova Iorque, que desde 1985 tem procurado uniformizar a documentação dos “swaps” e das regras contabilísticas dos mesmos. Em 1987 criou modelos padrão de contratação para os “swaps” de taxas de juro e para os “swaps” combinados de divisas e taxas de juro, que vieram a ser adotados por operadores económicos em todo o mundo. Procuraram assim preencher o vácuo normativo que os legisladores internacionais e nacionais deixaram deliberadamente à autonomia privada neste campo de inovação financeira. (cfr. XXXXXX XX XXXXX, Swap de taxa de juro: sua legalidade e autonomia e inaplicabilidade da excepção do jogo e aposta, in RLJ, Ano 142º, n.º 3979, Março-Abril 2013, págs. 254 e ss.).
Génerales de L’Associaton Française de Banque, em França, e os British Bankers Association Terms, no Reino Unido19.
No que toca ao plano interno, constatamos que os “swaps” só vieram a ter consagração legislativa expressa com o DL 357-A/2007, de 31 de outubro que procedeu à transposição da Diretiva n.º 2004/39/CE do Parlamento e do Conselho de 21 de abril de 200420 e que conduziu à alteração do CVM, passando então, desde esse momento, a ser feita uma referência expressa aos “swap”, mais especificamente na alínea e) do n.º 1 do art. 2º do CVM, onde se coloca esta figura a par das “opções”, dos “futuros” e de “outros contratos derivados”.
19 XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato de swap, cit., pág. 154 e ss..
20 Publicada no JOUE de 30 de Abril de 2005, L145 e que é usualmente designada por “Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros” ou DMFI.
PARTE II
O CONTRATO DE “SWAP”
1 – CONCEITO
Tendo já ficado demonstrado o contexto económico e financeiro do aparecimento dos contratos de “swap”, cumpre agora dedicarmo-nos ao aprofundamento da compreensão do seu conceito e funcionamento, não se podendo para o efeito olvidar a análise das várias variantes ou modalidades que esta forma contratual pode assumir. Toda esta primeira análise será feita, num primeiro momento, partindo da função económica que é intrínseca à celebração de qualquer contrato de “swap”.
O termo “swap”, que traduzido de forma literal para a língua portuguesa significa troca ou permuta, tem sido alvo de várias conceptualizações ao longo dos tempos na sua vertente contratual, tanto no plano interno como no plano internacional.
Sintetizamos assim alguns dos conceitos emanados pela Doutrina, que nos parecem resumir de forma esclarecedora em que consiste um contrato de “swap”, seja na sua vertente económica, seja enquanto instrumento jurídico.
Assim, nas palavras de XXXX XXXXX, “o swap consiste num contrato entre duas partes, modificando ou criando uma posição financeira (o que, na perspetiva de ambas as partes, comporta uma vantagem quantificável ou uma transferência de risco verificável), baseado na temporária e/ou periódica troca de fluxos de pagamento pré-determinados ou determináveis, com (uma ou mais) características financeiras diferentes ao nível da moeda, do tipo de taxa de juro, da estrutura do calendário de vencimento, etc.”21, definição esta em que está patente o cunho económico do contrato22.
Por sua vez, XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, que no plano interno tem dedicado grande parte da sua obra ao estudo deste tipo de instrumentos derivado, adota o conceito de BOULAT e XXXXXXX, segundo o qual “os swaps são uma família de contratos, pelos quais se estabelece entre as partes uma obrigação recíproca de pagar, de acordo com modalidades pré-estabelecidas, na mesma divisa ou em diferentes divisas, certas quantias de dinheiro
21 XXXX XXXXX (apud XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato swap, cit., pág. 125, nota 324).
22 Cunho económico também sintetizado por XXXXX XXXXXX, Manual de direito dos valores mobiliários, 2ª Ed., Almedina, Coimbra, 2011, pág. 192, ao definir os “swaps” como “contratos através dos quais uma parte transfere o risco económico inerente a um ativo para outra parte, em troca de uma remuneração. Os contratos de swaps podem envolver liquidação física, dando origem à aquisição de ativos (incluindo mercadorias) ou assumir referências meramente nocionais, o que os aproxima dos contratos diferenciais”.
calculadas por referência aos fluxos financeiros ligados a ativos e passivos monetários, reais ou fictícios, ditos subjacentes”23, sendo tal definição muito semelhante às formuladas por XXXXXX XXXXXXXX00, XXXX XXXXXXXX XXXXXXX00 ou por XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX00.
Quanto à consagração legal dos contratos de “swap” na já referida al. e) do n.º 1 do art. 2º do CVM certo é que não nos fornece qualquer definição do conceito. No entanto, a este respeito, cumpre trazer à colação o Regulamento UE n.º 549/2013 do Parlamento e do Conselho de 21 de Maio de 2013, que nos fornece no seu ponto 5.210 uma definição dos contratos de “swap”, como sendo os “acordos contratuais entre duas partes que acordam na troca, ao longo do tempo e segundo regras predeterminadas, de uma série de pagamentos correspondentes a um valor hipotético de capital, entre elas acordado. As categoria mais frequentes são os swaps de taxas de juros, os swaps cambiais e os swaps de divisas”.
Simplificando, esquematizando e resumindo, os contratos de “swap” surgem quando duas partes, detentoras de posições económicas e jurídicas distintas (seja no que concerne ao acesso a taxas de juros, taxas de câmbio ou montantes de financiamento em determinadas divisas) pretendem aceder à posição de que a contraparte é detentora ou a que tem acesso. Tal pode ocorrer porque a consideram mais vantajosa para a sua situação concreta ou porque fazem uma análise da evolução do mercado num sentido de que eventualmente poderão vir a obter benefícios da situação a que pretendem aceder. Por sua vez, a contraparte está disposta a abdicar da situação económica e jurídica de que é detentora, ou porque vislumbra como mais vantajosa a que lhe é proposta em troca, ou porque está disposta a assumir um determinado
23 XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato swap, cit., pág 126.
24 XXXXXX XXXXXXXX, The Law of International Finance, Oxford University Press, Oxford, 2008, pág. 563 define os “swaps” da seguinte forma: “Under a swap transaction, the parties to the transactionagree that each of themwill pay to the other, at regular intervals during the life of the transaction, set amounts or variable amounts that are calculated by reference to a notional principal sum, amount, or quantity”, desta definição destacamos a referência ao conceito de “montante nocional”, conceito esse que assumirá particular relevo no desenvolvimento do presente trabalho.
25 Para este autor o contrato de “swap” é aquele “pelo qual as partes se obrigam ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, na mesma moeda ou em moedas diferentes, numa ou várias datas predeterminadas, calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um ativo subjacente, geralmente uma determinada taxa de câmbio ou de juro”, XXXX XXXXXXXX ANTUNES, Os instrumentos financeiros, cit., págs. 156 e 157. Definição também adotada por XXXX XXXXX XX XXXXXXX, Contrato de Swap meramente Especulativo, Regimes de validade e de alteração de circunstâncias, artigo destinado à obra coletiva em memória dos Professores Doutores Xxxxx Xxxxxx x Xxxxxx Xxxxxx pág. 947, disponível em xxxx://xxx.xx.xx/xxx/%0X00x00x0x-x0x0-0x00-x00x-000x000x0000%0X.xxx.
26 O autor define os “swaps” como o “contrato pelo qual as partes se obrigam reciprocamente a pagar, em data futura ou em sucessivas datas, o montante das obrigações da outra parte ou o produto da cobrança dos seus prórprios créditos, tomando como referência passivos ou activos, reais ou nocionais, assim como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a pagar à outra a diferença em seu desfavor apurada pelo cálculo dos valores daquelas obrigações ou daqueles créditos”, XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos II – Conteúdo. Contratos de troca, 2ª edição, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 118.
risco em troca de uma remuneração. Reunidas estas circunstâncias as partes propõem-se então a permutar as posições relativas a que têm acesso, havendo assim potenciais benefícios para ambos os lados.
2 – MODALIDADES
Temos vindo até agora a referir-nos aos contratos de “swap” na sua globalidade, no entanto, certo é que esta forma contratual pode assumir diferentes modalidades, consoante os objetivos que lhe estão subjacentes e atendendo à estrutura de que se revestem.
Com efeito, XXXXX XXXXX XXXXXXXXX divide os contratos de “swap” em cinco modalidades básicas27, das quais destacamos, devido à sua relevância, os “swaps” de divisas, os “swaps” de taxa de juro e os “swaps” sobre valores mobiliários (equity swaps), que cuidaremos de analisar em seguida. No entanto, devido à evolução exponencial característica do sector financeiro tem-se assistido atualmente à existência de inúmeras variantes desta forma contratual, como os “swaps” a prazo modificável, os “swaps” sobre valores variáveis, os “swaps” com taxa de juro alternativa, os “swaps” com limites, os “swaps” de combinação múltipla, os “swaps” diferidos, os “swaps” em aumento ou com amortizações, os “swaps” embutidos, os “swaps” relacionados com taxas de câmbio, os comodity swaps, os credit default swaps28 entre outros29.
2.1 – O “swap” de divisas (currency swap)
O “swap” de divisas, correspondendo a uma das principais modalidades do contrato de “swap”, antecedeu historicamente a modalidade dos “swaps” de taxa de juro.
Nesta modalidade é acordado entre as partes a troca (ou permuta) inicial de determinadas quantias pecuniárias expressas em duas moedas (divisas) diferentes, sendo o reembolso de tais quantias efetuado ao longo do período da duração do contrato, podendo
27 Cfr. XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato swap, cit., pág. 33,
28 Sobre esta variante contratual cfr. XXXXXX XXXXXXXX, Financial Law, cit., pág. 77, XXXXXXX XXXXXXX XX XXXXXXX, Instrumentos Financeiros: os SWAPS, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx – vol. II, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 54 e L. XXXXXX XXXXXXX XX XXXXXXXXXXX, Direito das Garantias, 2ª edição, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 179.
29 XXXXX XXXX XXXXX, Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar, in RLJ, ano 143º, n.º 3987, Xxxxx-Xxxxxx xx 0000, xxx. 000, XXXXXXX XXXXXXX XX XXXXXXX, op. cit., pág. 51 e XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, op. cit., págs. 48 a 50, XXXXXX
XXXXXXXX, The Law of International Finance, cit., pág. 565.
implicar meramente a troca do capital em função do que for previamente convencionado quanto a tais amortizações30, ou ser também convencionada a troca de juros periódicos, por referência a taxas de juro fixas ou variáveis31.
O tipo de “swaps” ora em análise revela-se um instrumento bastante útil nos negócios empresariais transfronteiriços, quando duas empresas, sediadas em países diferentes, pretendem levar a cabo negócios no país da contraparte. Na maioria das vezes, certo é que a empresa encontra melhores condições de financiamento na divisa do seu país sede ou, em alguns casos, o acesso à divisa estrangeira está-lhe mesmo vedado. Assim as partes acordam trocar entre si as condições a que têm acesso no seu mercado nacional, com vista à execução de negócios no mercado estrangeiro32.
Cumpre no entanto frisar que esta modalidade dos contratos de “swap” é utilizada atualmente em número extremamente inferior ao da outra grande modalidade que cuidaremos de seguida.
2.2 – O “swap” de taxa de juro (interest rate swap)
O contrato de “swap” de taxa de juro é a modalidade contratual daquele tipo que se encontra mais proliferada atualmente. Como já se referiu anteriormente, existiu uma elevada procura deste tipo de produto financeiro durante o ano de 2007 e no início de 2008 como forma de proteção contra as elevadas taxas de juro, e sua presumível subida na altura.
Nesta modalidade contratual33, também designada por interest rate swap, assistimos à troca entre duas partes, de quantias pecuniárias expressas numa mesma moeda, quantias essas representativas dos juros vencidos sobre um determinado capital. O cálculo desses juros é efetuado por referência a índices de taxa diferentes, normalmente sendo o de umas das partes
30 XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX, op., cit., pág. 35, definição também adotada pelo acórdão do STJ de 10 de Outubro de 2013, proc. n.º 1387/11.5TBBCL.G1.S1, que teve como Relator o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Xxxxxx xx Xxxxxxx, disponível em xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxx.xxx/000x0xx0xx0xx0x000000x0x000xx000/00x0x0xx0x00000000000x0000000000?Xxxx Document.
31 Os “swaps” de divisas assumem a designação de cross-currency swaps quando se convenciona igualmente a troca de juros por referência determinadas taxas. Por sua vez a referida denominação desdobra-se em cross- coupon swaps e em cross-currency swaps, conforme exista uma taxa de juro fixa e outra variável ou quando as duas taxas sejam variáveis, respetivamente, cfr. XXXXXXX XXXXXXX XX XXXXXXX, Instrumentos Financeiros: os SWAPS, cit., pág. 53.
32 Quanto às vantagens da celebração de um contrato de “swap” de divisas cfr. XXXXXX XXXXXXXX, The Law of International Finance, cit., págs. 563 e 564.
33 Quanto às variantes que o contrato de “swap” de taxa de juro pode assumir cfr. XXXXXXXX XXXXXX, The Law of Finance, 1ª ed., Sweet & Maxwell, London, 2009, págs. 1100 a 1102.
um índice variável e o da outra um índice fixo, forma contratual que comummente se designa por coupon swap34 35.
Tal como decorre da definição apresentada, o montante sobre o qual as partes acordam o pagamento de juros indexados a diferentes taxas nunca chega a ser realmente trocado entre elas, surgindo como tal o conceito de valor nocional36.
O valor nocional corresponde à cifra do capital sobre o qual as partes contratualizam o pagamento recíproco de taxas de juro, assim tal valor poderá ser meramente hipotético.
Este é um conceito que assumirá particular relevância aquando da análise das funções do contrato de “swap”37, em especial no que toca à função especulativa.
34 WOOLF L.J. no caso Xxxxxx v Hammersmith & Fulham LBC (apud XXXXXXXX XXXXXX, The Law of Finance, cit., págs. 1099 e 1100, e XXXXXX XXXXXXXX, Financial Law, cit., págs. 67 e 68) traz-nos uma definição de interest rate swap nos seguintes termos: “an interest rate swap is an agreement between two parties by which each agrees to pay the other on a specified date or dates an amount calculated by reference to the interest wich would have accrued over a given period on the same notional principal sum assuming different rates of interest are payable in each case. One rate of interest is usually fixed and does not change; the other rate is a variable or floating rate based on a fluctuating interest rate such as the six-month London Inter-Bank Offered Rate (LIBOR) (...)”.
35 XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato swap, cit., pág. 39, define os contratos de “swap” de taxa de juro como sendo “o acordo de pagamentos recíproco de juros baseados em diferentes índices, ou de taxa variável/taxa fixa, por certo período de tempo. Os fluxos de pagamentos são ambos efetuados na mesma moeda, sendo o cálculo do montante dos juros realizado a partir de um dado valor de capital subjacente, que não chega a ser trocado”. Esta mesma definição foi adoptada pela jurisprudência com ligeiras alterações, nomeadamente nos acórdãos do STJ de 29 de Janeiro de 2015, proc. n.º 531/11.7TVLSB.L1.S1 e de 10 de Outubro de 2013 proc. n.º 1387/11.5TBBCL.G1.S1, e também nos acórdãos do TRL, de 17 de Fevereiro de 2011, proc. n.º 2408/10TVLSB-B.L1-8 e de 13 de Maio de 2013, proc. n.º 309.11.8TVLSB.L1-7, todos disponíveis em xxx.xxxx.xx. Outra definição de interest rate swap obtemos de XXXXX XXXXXXXX GONZALES, Interest Rate Swaps: Perspectiva Jurídica, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 44, Abril de 2013 pág. 14, o Autor refere que este tipo contratual na sua forma mais simples é o “(...) contrato mediante o qual as partes se vinculam reciprocamente, durante período determinado, a realizar prestações pecuniárias periódicas com objetivos distintos: assim acontece, num exemplo simples, quando uma das partes, “A” assume a obrigação de pagar à outra, “B” uma taxa de juro (nomeadamente de tipo fixo, e.g. 3%) e recebe da outra parte uma taxa de juro distinta (que poderá ser de tipo variável, e.g. Euribor a 6 meses), por um período pré-determinado, sobre um montante nocional previamente acordado (...). Na substância, è uma permuta de taxas de juro cujo valor é calculado atendendo a pressupostos distintos mas com referência a um mesmo montante nocional acordado (...)”. 36 Neste sentido XXXXXXXX XXXXXX, The Law of Finance, cit., pág. 1103 refere que “the amounts wich are to be paid between the parties are usually in the form of interest rates calculated by reference to a notional amount of money, as opposed to by reference to a real debt. This makes it possible to use swaps for speculation (...)”. XXXXXX XXXXXXXX, The Law of International Finance, cit., pág. 564 também presta especial destaque ao conceito do valor nocional na definição que formula de interest rate swaps, nos seguintes termos: “An interest rate swap is based on the calculation of interest on a notional principal amount. One party will agree to pay to the second party, at set intervals during the life of the agreement, a sum equivalent to interest calculated at a floating rate on the nominal principal sum, whilst the second party will agree to pay to the first party a sum equivalent to interest at a fixed rate on that principal sum”.
37 Vide infra ponto 2.2 da Parte III.
2.3 – O “swap” sobre valores mobiliários (equity swaps)
Os equity “swaps”, enquanto mais uma das modalidades que os contratos de “swap” podem assumir, surgiu temporalmente em momento posterior às duas modalidades anteriormente abordadas.
Nesta modalidade contratual, as partes acordam a troca de fluxos financeiros decorrentes de determinados instrumentos com rendimentos variáveis, como por exemplo as ações, por fluxos decorrentes de outros instrumentos com rendimentos fixos, ou com uma estrutura diferente, como por exemplo as obrigações com taxa fixa38.
O recurso a esta modalidade contratual dos “swaps” pode ter variadas finalidades para além das que serão desenvolvidas no ponto seguinte, como por exemplo a diversificação de investimentos ou o investimento indireto com baixo custo39.
3 – FINALIDADES
A determinação das finalidades do contrato de “swap” não se revela uma tarefa isenta de dificuldades. Com efeito, na maioria das vezes, um mesmo contrato de “swap” pode assumir diversas finalidades, apenas se conseguindo alcançar a essência das mesmas analisando os contratos de “swap” caso a caso.
No entanto, na Doutrina são classicamente atribuídas três diferentes finalidades aos contratos de “swap”, a saber: a cobertura de um risco financeiro, a especulação e a arbitragem40.
3.1 – Cobertura de riscos financeiros
Sintetizando as lições de XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, a atribuição da função de cobertura de riscos financeiros aos contratos de “swap” é efetuada praticamente por todos os autores que se dedicaram ao estudo do tema e, originalmente, era uma finalidade que estava intrinsecamente associada à celebração de qualquer contrato deste tipo. Com efeito, na génese da celebração dos contratos de “swap” estava o facto das partes pretenderem salvaguardar-se
38 A este respeito cfr. XXXXXX XXXXXXXX, Financial Law, cit., pág. 69.
39 XXXXXXX XXXXXXX XX XXXXXXX, Instrumentos Financeiros: os SWAPS, cit., pág. 53.
40 XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato de swap, cit., págs. 65 e ss. e XXXXX XXXX XXXXX, Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar, cit., pág. 402.
das flutuações (erráticas) das taxas de juro e de câmbio41, procurando assim minorar eventuais perdas a que estavam sujeitas, atividade essa denominada de “hedging”. Esta seria então um finalidade que estaria ligada a qualquer contrato de “swap”, pelo menos para uma das partes, na medida em que podem existir casos em que apenas uma das partes se pretenda proteger contra um risco, estando a outra disposta a assumir tal risco, mediante uma retribuição42.
3.2 – Especulação
Uma outra finalidade atribuída aos contratos de “swap” é a da especulação, ou seja, a obtenção de um lucro. A doutrina é pacífica ao reconhecer a referida finalidade, estando assente que a procura da cobertura de riscos económicos não exclui as finalidades especulativas43.
Especulação é um conceito que não goza de boa fama, especialmente em Portugal, no entanto, nada mais é que a exposição livre e deliberada de um agente económico às incertezas do mercado, com vista à obtenção de um lucro44.
Assim, determinado interveniente económico pode procurar no “swap” uma forma de obter lucros mediante a previsão que faz do sentido da evolução das taxas de juro ou de câmbio, e assumindo deliberadamente o risco de tal evolução.
Mais controversa é a correlação desta finalidade com a de cobertura de riscos financeiros, e também a questão da validade dos contratos de “swap” quando alegadamente lhes estejam apenas e somente subjacentes finalidades especulativas. No entanto, estas são questões a que nos dedicaremos mais aprofundadamente infra45.
3.3 – Arbitragem
Por fim, uma outra finalidade atribuída aos contratos de “swap” é a da arbitragem. Chama-se a atenção neste ponto para o conceito de arbitragem a que nos referimos, na medida
41 XXXXX XX XXXXXXX, Contrato de swap meramente especulativo, cit., pág. 948.
42 A este respeito XXXXXX XXXXXXXX, Financial Law, cit., pág. 67 refere que “swaps are very widely used in managing financial risks, including in particular interest rate, currency, market, and credit risks.”
43 XXXXX XX XXXXXXX, Contrato de swap meramente especulativo, cit., pág. 948 e XXXXXXXX XXXXXX,
The Law of finance, cit., pág. 1103.
44 L. XXXXXX, (apud XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato de swap, cit., pág. 70) define especulação como sendo “um acto que, qualquer que seja o seu ponto de aplicação, tende para a mais-valia de um capital envolvido num risco deliberadamente aceite em função de uma previsão de curto ou longo prazo (...) Para precisar a definição, teremos certamente de insistir no acto deliberado”.
45 Vide infra pontos 2.2 e 2.3 da Parte III.
em que neste contexto pretende-se o seu significado económico, e não o seu significado jurídico.
Nesse sentido, arbitragem corresponde ao aproveitamento, por parte de determinado agente económico, das diferenças de preço existentes entre dois mercados46. Utilizando a linguagem popular, corresponde à atividade de “comprar barato para vender caro”, feita de uma forma praticamente instantânea, aproveitando as imperfeições do mercado.
No contexto dos contrato de “swap”, a arbitragem ocorre quando as partes pretendem repartir entre elas os benefícios que uma delas detém em determinado mercado, em face da sua maior credibilidade, ou quando as partes pretendem aceder a mercados aos quais apenas a contraparte tem acesso, e que consideram mais atrativos para a sua posição relativa e para a obtenção dos objetivos que almejam.
No entanto, a importância e autonomia desta finalidade tem-se vindo a esbater com o passar do tempo, havendo mesmo autores que a referem como sendo parte integrante da finalidade especulativa, e absorvida por esta47.
4 – CARACTERIZAÇÃO JURÍDICA
No que respeita à classificação jurídica do contrato de “swap”, a doutrina tem sido unânime ao atribuir-lhe as características de contrato consensual, sinalagmático, oneroso e de trato sucessivo48.
Reveste a forma de um contrato consensual, ou não solene49 na medida em que não existe qualquer imposição legal para os formalismos de que se deve revestir a celebração deste tipo de contratos. Como tal, a celebração dos contratos de “swap” está sujeita ao princípio da liberdade de forma, legalmente plasmado no art. 219º do CC. No entanto, a
46 Na definição de R. XXXXXXXXXX, (apud XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato de swap, cit. pág. 68) “a arbitragem consiste normalmente... numa série de transações isentas de risco levadas a cabo para aproveitar em benefício próprio as diferenças de preços e rendimentos existentes nos diferente mercados”.
47 XXXXX XXXXXXXX XXXXXXXX, Interest Rate Swaps: Perspectiva Jurídica, cit., pág. 13, nota 15.
48 Cfr. a este respeito XXXX XXXXXXXX XXXXXXX, Direito dos Contratos Comerciais, Xxxxxxxx, Xxxxxxx 0000, págs. 649 e 650, XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato de swap, cit., págs. 79 a 91 e XXXXX XXXXXXXX XXXXXXXX, op, cit. págs. 17 a 22,. Características também indicadas nos acórdãos do STJ de 10 de Outubro de 2013 de 29 de Janeiro de 2015, ambos disponíveis em xxx.xxxx.xx.
49 Termo trazido por XXXXXX XXXXXXX XX XXXX XXXXX, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Edição por XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX E XXXXX XXXX XXXXX, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pág. 392, que define os negócios consensuais, ou não solenes, como os que “podem ser celebrados por quaisquer meios declarativos aptos a exteriorizar a vontade negocial, porque a lei não impõe uma determinada roupagem exterior para o negócio”.
formação destes contratos apresenta especificidades e particularidades concretas, pelo que nos dedicaremos a este ponto de forma autónoma50.
Por sua vez, os contratos de “swap” são também sinalagmáticos, na medida em que existe uma interdependência entre os deveres de prestação das partes, ou seja, cada uma dessas prestações atua como contravalor da outra. No entanto cumpre frisar que o referido entendimento dos contratos de “swap” enquanto sinalagmáticos terá de ser observado sob uma perspetiva ampla. Isto porque, só no decorrer da execução contratual é que será determinado sobre qual das partes, e em que me montante, se irão concretizar as prestações devidas. Tal fator deve-se ao mecanismo da compensação, ou seja, na execução do contrato de “swap”, normalmente só terá de efetuar um pagamento, a parte cuja prestação exceder a da contraparte, e no estrito montante da diferença. No entanto, a referida situação não impede que se continue a incluir os contratos de “swap” na categoria dos contratos sinalagmáticos51.
Os contratos de “swap” são também englobados na categoria dos contratos onerosos. Com efeito, este tipo contratual, independentemente das suas modalidades, implica a realização de despesa decorrente de pagamentos bilaterais, na medida em que qualquer das partes está sujeita ao pagamento de uma prestação, mesmo nos casos em que se recorre ao mecanismo da compensação supra descrito.
Outra classificação unânime desta forma contratual é o enquadramento nos contratos duradouros, de execução sucessiva ou periódica52. Na verdade, o decurso do tempo revela-se determinante na execução do contrato de “swap”. Com efeito, para além desta forma contratual plasmar o seu cumprimento na realização sucessiva de várias prestações, o montante e o conteúdo destas vai ainda depender de cálculos a serem efetuados no futuro. A classificação dos contratos de “swap” como contratos de execução periódica terá também uma influência determinante no que concerne à aplicação das regras da resolução contratual, que assumem particularidades em contratos deste tipo.
50 Vide infra ponto 5 da Parte II.
51 Neste sentido BOULAT e XXXXXXX (apud XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato de swap, cit. pág.
83) referem que “a intenção das partes no momento da conclusão do contrato é a de se obrigarem reciprocamente a pagar o diferencial, qualquer que seja o seu sinal e parte sobre a qual recai. A reciprocidade da obrigação resulta do facto do pagamento poder potencialmente ser efectuado por qualquer uma das partes. A evolução ulterior das taxas não apaga, portanto, a obrigação inicial e recíproca das duas partes”.
52 XXXXXXXX XXXXXX, The Law of Finance, cit., págs. 1106 e 1107 coloca em destaque a relevância da caracterização dos contratos “swap” como contratos de trato sucessivo. Com efeito, refere o Autor que “the advantage of this segmental analysis is that it reduces markedly the amount which remains to be resolved in the insolvency by focusing in on the few payments which remain outstanding”. Cfr. também XXXXX XXXXXXXX XXXXXXXX, Interest Rate Swaps: Perspectiva Jurídica, cit., pág. 24 e XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato de swap, cit.. pág. 81.
Outras classificações são apontadas aos contratos de “swap”, sem no entanto gozarem de um acolhimento pacífico na doutrina. Com efeito, é controversa a classificação deste tipo contratual enquanto negócios patrimoniais ou negócios pessoais, questão que assume particular relevância quanto à fungibilidade (ou não) das prestações das partes. No entanto, face à natureza específica do contrato, no contexto das operações bancárias não é despiciente a relevância das características pessoais das partes, especialmente no que toca a sua solvabilidade. Ainda assim, cremos ser uma classificação que só poderá ser analisada caso a caso, na medida em que a relevância das características pessoais das partes para a contratação varia consoante o objeto, os objetivos e o contexto da celebração de cada contrato de “swap” em concreto53.
Por fim, uma outra classificação dos contratos de “swap” controversa é a inserção destes no âmbito dos contratos aleatórios. No entanto, doutrinalmente, o entendimento maioritário é a sua classificação como tal54. Com efeito, não é de ignorar a natureza eminentemente aleatória do contrato de “swap”. As prestações futuras a serem efetuadas entre as partes, nomeadamente no que concerne ao seu montante, dependem da verificação de acontecimento incertos e não influenciáveis pelas partes55, como sejam a variação das taxas de juro ou de câmbio. Mesmo nos contratos de “swap” de taxa de juro, a parte adstrita ao pagamento da prestação indexada a uma taxa de juro fixa, operado que seja o mecanismo da compensação, apenas saberá se terá de efetuar algum pagamento com a evolução que a taxa de juro variável da contraparte vier a ter.
Assim, na esteira de XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, XXXXX XXXXXXXX XXXXXXXX, XXXX XXXXXXXX XXXXXXX e XXXXX XXXX XXXXX00 cremos ter toda a
propriedade a classificação dos contratos de “swap” enquanto contratos aleatórios57. No entanto, frisamos desde já que a referida aleatoriedade não poderá ter como consequência
53 Neste sentido XXXX XXXXX (apud XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato de swap. cit., pág. 86).
54 Cfr. XXXXX XXXX XXXXX, Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar, cit., pág. 398.
55 INZITARI (apud XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, op. cit. pág. 88) expõe esta situação com clareza ao referir que “o principal elemento recorrente e caracterizante do contrato de swap é constituído pelo facto de que a obrigação de cada uma das partes de efetuar a prestação devida à outra surge, ou pelo menos torna-se atual e exigível, somente pela verificação de certos acontecimentos – a subida ou descida da cotação de uma moeda em relação a outra, ou a alta ou baixa do nível de uma taxa variável. Ao verificar-se tal acontecimento, a obrigação surgirá a cargo de uma ou de outra parte (...) A aleatoriedade distingue então o contrato em causa uma vez que a realização da prestação principal por uma ou outra das partes, bem como a determinação do seu montante dependem da verificação de um acontecimento incerto e de modo nenhum influenciável pelas partes”.
56 Vide supra notas 46 e 52.
57 Em sentido inverso XXXXXXX XXXXXXX XX XXXXXXX, Instrumentos Financeiros: os SWAPS, cit., págs. 65 e 66, refere que “é (...) de afastar a sua qualificação como contrato aleatório, devendo ser qualificado como um contrato comutativo”.
direta e necessária a invalidade dos contratos de “swap” quando este revistam um carácter meramente especulativo, ou ainda conduzir à inaplicabilidade do instituto da alteração anormal das circunstâncias, previsto no art. 437º do CC58.
5 – FORMAÇÃO DO CONTRATO
Atualmente a negociação e celebração de contratos de “swap” é fundamentalmente efetuada recorrendo ao uso de documentação estandardizada.
Com efeito na génese da celebração de um contrato de “swap” encontra-se um verdadeiro contrato-quadro, estandardizado e uniformizado internacionalmente, também denominado de master agreement que, de uma forma geral, define o regime para as sucessivas transações acordadas entre as partes59.
O referido master agreement a que comummente se recorre foi elaborado pela ISDA, correspondendo assim a um acordo base idêntico para a celebração de todos os contratos de “swap” internacionalmente, a partir do qual ficam ab initio coligidas as condições gerais dos “swaps” que venham a ser celebrados entre as partes60.
Assim, um mesmo master agreement celebrado entre as partes pode vir a dar origem a vários contratos de “swap” celebrados entre elas no futuro61.
Resumindo e esquematizando este processo de celebração dos contratos de “swap”, diremos que usualmente as partes estabelecem contacto telefonicamente através do qual definem as principais cláusulas do contrato a celebrar. Em seguida, trocam faxes de confirmação desse mesmo contrato, onde é feita expressa alusão às cláusulas verbalmente ajustadas e onde remetem as questões omissas para os códigos e os documentos-tipo elaborados por determinados agrupamentos profissionais. Por fim, e posteriormente, as partes reduzem a escrito tudo o que convencionarem nas negociações anteriores. Do que foi descrito,
58 Vide infra ponto 2 e 3 da Parte III.
59 Cfr. XXXXXXX XXXXXXXX, Direito Bancário, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, págs. 877 e ss. e XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, Os contratos swap, cit., págs. 142 e ss..
60 A este respeito, XXXXXX XXXXXXXX, Financial Law, cit., Pág. 71 refere que “standard documentation is not of course required by the rules of any exchange, but is provided by ISDA, whose standard form are almost invariably used”.
61 XXXXXX XX XXXXX, Swap de taxa de juro: sua legalidade e autonomia..., cit, pág. 257, refere que “no fundo, a confirmação escrita, contendo os termos e condições do contrato (de swap) antes concluído e a que as partes se quiseram vincular desde logo, tem em vista apenas a consolidação (e não substituição) desse contrato anterior ou contemporâneo validamente celebrado, sendo formalidade ad probationem (e não ad substantium) importantíssima em caso de o contrato ter sido oralmente concluído. Numa palavra: na arquitetura da ISDA, sob o mesmo “Master Agreement” a que as partes aderem podem concluir-se várias transações, cada uma documentada em “confirmação” distinta”.
facilmente se conclui que os contratos de “swap” são instrumentos financeiros derivados, negociados fora dos mercados regulamentos, ou seja, “over the counter”62.
Cumpre ainda alertar para o papel que os bancos têm vindo a desempenhar na celebração dos contratos de “swap” atualmente, na medida em que passaram de meros intermediários ou mediadores, com a função de angariar e colocar em contacto duas partes que pretendessem celebrar um contrato de “swap”, para passarem a ser verdadeiramente uma contraparte deste tipo de contratos, perseguindo objetivos próprios 63 . Esta última circunstância é, de resto, a mais frequente nos contratos de “swap” celebrados atualmente.
62 Em Português “contratos de balcão”.
63 Neste sentido XXXXXX XXXXXXX, Swap de Taxa de Juro: A Primeira Jurisprudência, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 44, Abril de 2013, págs. 31 e 32.
PARTE III
O CONTRATO DE “SWAP” ESPECULATIVO 1 – FINALIDADES E ESTRUTURA BÁSICA
Como já se referiu supra64, uma das finalidades que pode ser apontada à celebração de um contrato de “swap” é a prossecução de um lucro financeiro, ou seja, a finalidade especulativa.
Para alguns autores a finalidade especulativa que o contrato de “swap” pode assumir é mesmo colocada lado a lado com a finalidade de cobertura de um risco financeiro. Com efeito, para ENGRÁCIA ANTUNES, as finalidades de especulação e de cobertura de riscos, perseguidas pela celebração de um contrato de “swap”, são mesmo “duas faces da mesma moeda”. Refere o Autor, que um operador económico que celebre um contrato de “swap”, só poderá almejar a cobertura de determinado risco, se encontrar no mercado outro operador disposto a assumir esse risco, em face das perspetivas que tem de obter um lucro com tal comportamento. Este entendimento, da dependência e profunda correlação das finalidades especulativas e de cobertura de riscos é também seguido, com algumas alterações por XXXXX XXXXX XXXXXXXXX. Já XXXXXXXX XX XXXXXXX considera ser irrelevante que as partes prossigam uma ou outra das referidas finalidades, ou seja, ambas as finalidades existem, mas independentemente uma da outra65.
Por outro lado, XXXX XXXXX DE FREITAS66 refere que a função especulativa dos contratos de “swap” deverá ter-se sempre como secundária ou complementar à finalidade de cobertura de um risco, sob pena de, caso contrário, se estar a descaracterizar a figura.
Ora, focalizando o presente estudo apenas nos contratos de “swap” de taxa de juro67, e na estrutura característica desta forma contratual já descrita, não se pode, de forma alguma, ignorar a sua finalidade especulativa em determinados casos.
Com efeito, na maioria dos contratos de “swap” celebrados mais recentemente, nomeadamente no que respeita ao grande volume celebrado no ano de 2007 e no início do ano
64 Vide supra ponto 3.2 da Parte II.
65 Cfr. XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos II..., cit., pág. 118, XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O
contrato de swap, cit.. pág. 65 e XXXX XXXXXXXX XXXXXXX, Os instrumentos financeiros, cit., págs. 117 a 120.
66 XXXX XXXXX XX XXXXXXX, Contrato de Swap meramente especulativo, cit., pág. 948.
67 De ora em diante todas as referência singelas a “contrato de swap” serão correspondentes à sua modalidade de “swap” de taxa de juro.
de 2008, constata-se que têm como denominador comum o facto de uma das partes ser uma instituição bancária prosseguindo interesses próprios, nomeadamente especulativos.
Na verdade, um banco ao ser parte num contrato de “swap” terá como objetivo predominante a obtenção de um lucro financeiro. Esquematizando, na celebração de um contrato de “swap” em que existe uma instituição bancária como contraparte, se esta assume o risco das variações da taxa de juro, risco esse contra o qual o particular se pretende precaver, está a fazer uma previsão da evolução dessas taxas num sentido que lhe seja favorável, e em função do qual possa obter lucros.
As finalidades especulativas são fulcrais para os mercados económicos, nomeadamente para lhes conferir liquidez e para servir como a outra face da moeda no que consiste à cobertura de riscos financeiros. Assim, a especulação é necessariamente tolerada pela ordem jurídica, não podendo, sem mais, considerar-se nulo qualquer contrato que tenha como uma das suas finalidades interesses especulativos68.
Mais melindrosa coloca-se a questão de aferir a validade de um contrato meramente especulativo, ou seja, quando aparentemente não exista para nenhuma das partes o intuito de se proteger contra um risco económico, ficando assim ambas à mercê da evolução das taxas de juro para a eventual obtenção de um lucro69. No entanto, aflorando já esta questão, que será desenvolvida infra70, conclui-se que, nem nestas situações, o contrato de “swap” poderá ser considerado nulo, uma vez que as funções especulativas deste tipo contratual são legalmente permitidas. Na verdade, os contratos de “swap” só se poderão considerar como “meramente” especulativos num plano abstrato, uma vez que lhe estão sempre subjacentes funções económicas, não censuradas pela Lei.
Neste âmbito referimo-nos ao já citados contratos de “swap” em que não é trocado entre as partes qualquer valor, aplicando-se a taxa de juro a cifras abstratas, aos denominados valores nocionais. Com efeito, esta é uma realidade juridicamente reconhecida. Os contratos de “swap” enquanto instrumentos financeiros derivados, e como bem nos ensina ENGRÁCIA
68 Nas duras palavras de XXXXXXXX XXXXXXX (apud XXXX XXXXXXXX XXXXXXX, Os derivados, in Caderno do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 30, Agosto de 2008. pág. 126, nota 173) “A especulação possui com o Direito uma relação antagonista. A especulação é agiotagem, sendo banida de há muito como um enriquecimento sem causa – dela desconfiando assim o Direito. Mas a especulação é a base do comércio, sendo justamente o critério especulativo que traça habitualmente as fronteiras entre o direito civil e o direito comercial – pelo que o Direito também a reconhece”.
69 XXXXXXXX XXXXXX, The Law of Finance, cit., págs. 1103 a 1106, é peremptório ao reconhecer a validade dos contratos de “swap” de taxa de juro mesmo quando tenham por referência valores meramente nocionais e não lhes esteja subjacente qualquer realidade financeira concreta. Refere o Autor que “speculation is achieved by betting, in effect, that one rate will generate a surplus over the other”.
70 Vide ponto 2 da Parte III.
DE ANTUNES71, “são instrumentos financeiros abstratos, no sentido em que uma vez criados, se tornam autónomos ou independentes em face dos respetivos ativos subjacentes: muito embora economicamente o derivado constitua uma duplicação do ativo subjacente (pelo que o valor do primeiro deriva do valor do segundo), de um ponto de vista jurídico encontramo-nos perante instrumentos juscomerciais “a se” cuja existência e validade é totalmente independente das vicissitudes jurídicas desse ativo”. Entendimento este que, levado um pouco mais longe, nos permite compreender, aceitar e valorar a existência de instrumentos derivados com uma realidade subjacente meramente fictícia, como é o caso dos contratos de “swap” com um valor de referência meramente nocional72.
Com efeito o “swap” de taxa de juro, tendo uma natureza financeira, e as características supra descritas, basta-se a si próprio, não necessitando ser complementar de outro (como por exemplo um mútuo ou algum tipo de financiamento), gozando assim de um certo grau de abstração.
2 – O REGIME DE (IN)VALIDADE
A validade do contrato de “swap” tem sido atualmente alvo de grande discussão no seio da doutrina, fruto do grande volume de litígios que têm surgido em Tribunal, em torno desta figura contratual.
Com efeito, as partes que se têm vindo a considerar lesadas com a celebração de contratos de “swap”, fruto da vertiginosa queda das taxas de juro com a crise de 2008, no momento em que recorrem aos Tribunais para dirimir a questão, têm frequentemente alegado, como um dos seus principais argumentos, a invalidade desses mesmos contratos.
Referimo-nos aqui em específico aos contratos de “swap” de taxa de juro em que, pelo menos por uma das partes, são perseguidas finalidades especulativas. Tal circunstância ocorre nomeadamente quando uma das partes é uma entidade bancária que assume o risco da variação das taxas de juro prevendo com isso poder vir a obter um lucro no futuro. No entanto, estão também aqui inseridos os contratos de “swap” a que abstratamente se aponta uma função meramente especulativa. Contratos esses em que, numa análise mais superficial, não se lhes vislumbra qualquer objetivo de cobertura de um risco financeiro para qualquer
71 XXXX XXXXXXXX XXXXXXX, Os derivados, cit., págs. 101.
72 Neste sentido XXXXX XXXXXXXX GONZALES, Interest Rate Swaps: Perspectiva Jurídica, cit, pág. 23 defende que “os “interes rate swaps” são figuras contratuais autónomas e não necessáriamente complementares a um contrato de mútuo ou outro tipo de financiamento”.
uma das partes. Nestas últimas formulações contratuais, a questão da (in)validade dos contratos de “swap” de taxa de juro assume particular relevância.
Como já se referiu anteriormente73, uma das características do contrato de “swap” é a sua aleatoriedade, ou seja, o facto das prestações a que as partes estão adstritas dependerem de um acontecimento futuro e incerto (variação das taxas de juro), quer no que concerne à obrigatoriedade da sua realização (operado que seja o mecanismo da compensação), quer no que respeita ao seu montante.
Assim, em face de tal aleatoriedade, e perante a quantidade de contratos de “swap” sem qualquer ativo real subjacente, a doutrina tem-se debatido quanto à validade destes, na medida em que, perseguindo finalidades meramente especulativas, poder-se-iam incluir no conceito de jogo e aposta e serem consequentemente nulos.
Com efeito, XXXXX XXXXX XXXXXXXXX escreveu já no ido ano de 2000, e antes da vaga de litígios envolvendo os contratos de “swap” a que assistimos atualmente, que “o carácter aleatório do swap fez temer, a uma grande parte da doutrina, que este contrato viesse a ser classificado como contrato de jogo ou aposta. Esta hipótese, a verificar-se, teria consequências catastróficas para a evolução futura do mercado de swap e colocaria em perigo os interesses de todos aqueles que fossem já partes em contratos de swap exequendos”74.
No entanto certo é que os receios demonstrados pela Autora, e a discussão que se fazia em torno do tema à época, quer no plano interno como no plano internacional eram bastante inconsequentes, na medida em que, como já se referiu, o contrato de “swap” era visto como um contrato “feliz”, gerador de raros litígios.
Sucede que, com o virar da década a situação alterou-se radicalmente, e o contrato de “swap” passou de um contrato “feliz” para uma “bomba relógio” geradora de “explosões” sucessivas nos Tribunais Portugueses.
O problema relativo à (in)validade dos contratos de “swap” com uma finalidade especulativa pode ser resumido da seguinte forma: se duas partes celebram um contrato de “swap” sem que lhe esteja subjacente qualquer realidade económica concreta, ou seja, recorrendo à aplicação das respetivas taxas de juro sobre valores meramente nocionais, com a finalidade de obterem um lucro em função da previsão que cada uma delas faz da evolução
73 Vide supra ponto 4 da Parte II.
74 XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato de swap, cit., pág. 90.
das taxas de juro, preconizam alguns autores que estaríamos aqui perante um contrato equivalente ao de jogo e aposta, e como tal submetido à previsão legal do art. 1245º do CC75.
Prescreve o referido preceito legal que “o jogo e aposta não são contratos válidos nem constituem fontes de obrigações civis, porém, quando lícitos, são fontes de obrigações naturais, exceto se neles concorrer qualquer outro motivo de nulidade ou anulabilidade, nos termos gerias de direito, ou se houver fraude do credor na sua execução”. Como tal, os contratos de “swap” de que temos vindo a tratar, se forem equiparados ao jogo e aposta, ou seriam jogo ilícito e como tal irremediavelmente nulos, ou seriam jogo lícito, e nesse sentido meramente geradores de obrigações naturais.
2.1 – O jogo e aposta
Chegados a este ponto, cumpre fazer um breve excurso relativamente à temática do jogo e aposta. Tal tema - ainda que não seja abordado com a devida profundidade, uma vez que se reveste de uma complexidade passível de um estudo autónomo - assume-se de particular importância para o estudo da matéria ora em crise.
No que concerne à distinção entre jogo e aposta, o critério mais comummente adotado pela doutrina é o que aponta para a existência, ou não, de uma intervenção direta das partes nos acontecimentos de que depende o resultado76. Ou seja, quando as partes diretamente criam a possibilidade de obter um ganho ou sofrer uma perda, mediante a criação dos pressupostos de que tal depende, estaremos perante o jogo.
Por seu turno segundo XXXXX XX XXXX e XXXXXXX XXXXXX, a aposta surge quando aliado ao jogo surja um interesse económico nomeadamente a perda para um lado e
75 Neste sentido LEBRE DE FREITAS, Contrato de Swap Meramente Especulativo, cit, pág. 949, a respeito da utilização dos contratos de “swap” sem ligação a uma realidade subjacente refere que “a função do instrumento (...) é então desviada. No caso do swap de taxa de juro que não vise cobrir um risco de variação de valor respeitante a determinada ou determinadas operações, económicas ou puramente financeiras, que pura e simplesmente não existem, há um contrato meramente especulativo, em que a troca mais não serve de que uma finalidade de jogo ou aposta”. No mesmo sentido MENEZES CORDEIRO, Direito bancário e alteração de circunstâncias, in I Congresso de Direito Bancário, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 78, refere que “celebrado ad nutum (o swap), ele apenas faculta, às entidades aderentes, a hipótese de lucros ou de perdas, em função de dados aleatórios. Jogando com grandes números, o banqueiro pode transformar esse tipo de contrato em negócio comum. Mas no que toca às empresas estamos perante um jogo”. Neste sentido cfr. ainda PEDRO PAIS DE VASCONCELOS Contratos de risco e contratos especulativos em direito bancário, in I Congresso de Direito Bancário, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, págs. 96 e 97.
76 Assim XXXXXX XX XXXX XXXXX, Teoria Geral do Direito Civil, cit., pág. 404, refere que “o critério mais idóneo para a distinção entre o jogo e a aposta, que tem recebido a adesão maioritária da doutrina, é o que aponta para a existência ou não de participação das partes no acontecimento de que depende o prémio (...)”.
um ganho para o outro77. Com efeito, e na esteira do que já se referiu supra, na aposta as partes não têm uma intervenção direta nos acontecimentos de que depende o resultado78. Ao invés, as partes fazem uma determinada previsão sobre um determinado acontecimento, ficando sujeitos à sorte e azar que a evolução do mesmo lhes possa atribuir.
No entanto certo é que tanto os contratos de jogo, como os contratos de aposta, têm regras comuns, pelo que subscrevemos o entendimento de que a distinção entre eles não assume qualquer relevância prática especial79.
Assim, prima facie e num plano descontextualizado, poder-se-iam encontrar denominadores comuns entre a aposta e o contrato de “swap” de que temos vindo a tratar. Com efeito, a evolução das taxas de juro, nomeadamente do índice da taxa EURIBOR a três meses, não depende de qualquer influência ou participação direta de nenhuma das partes. Como tal, a previsão que qualquer uma delas faça quanto à evolução da referida taxa, poderia ser verdadeiramente equiparada a uma aposta, na medida em que ficariam sujeitas a um acontecimento incerto e não influenciável, para virem a obter um lucro.
No entanto, cumpre desde já firmar que o jogo e a aposta são realidades manifestamente distintas da especulação no âmbito económico80. No contexto da especulação económica as partes têm sempre em vista um objetivo comercial ou financeiro, ao contrário do jogo e aposta em que a vontade de contratar das partes é exclusivamente dominada pela submissão à contingência da verificação de determinado acontecimento futuro e incerto. Nesse sentido, o jogador ou apostador busca com a sua atuação um fim maioritariamente lúdico, enquanto que o especulador tem o objetivo de lucrar, fazendo uma previsão racional das variáveis a que se sujeita. Esta atividade especulativa exerce no contexto dos mercados financeiros uma função extremamente relevante tanto económica como socialmente, como veremos de seguida.
77 Crf. XXXXX XX XXXX e XXXXXXX XXXXXX, Código Civil Anotado, 4ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, pág. 927.
78 XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos III, Contratos de Liberalidade, de Cooperação e de Xxxxx, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 268, define a aposta como sendo “o contrato em que as partes estipulam que quem erre acerca da previsão ou da verdade de um facto se obriga a efectuar uma prestação patrimonial a favor de quem acerte, ou perde uma entrada em favor de quem acerte ou da entidade promotora do sistema, e que quem acerte tem direito a uma prestação patrimonial a efetuar pela outra parte”.
79 Neste sentido XXXXX XXXXX XX XXXXXXX XXXXX, Direito das Obrigações, 12ª Edição Revista e Atualizada, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 151 (1).
80 Do referido facto dá nota XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato de swap, cit., págs. 95 e 96.
2.2 – A especulação
Nas palavras de XXXXXX XX XXXXX, “os especuladores são cruciais para os mercados; são os tomadores de risco que permitem os “garantes” (hedgers) baixar os seus riscos. E a prova evidente é que abertamente se admitem na lei instrumentos derivados de ativos meramente nocionais, por definição baseados em valores fictícios ou hipotéticos e por definição independentes, autónomos ou abstratos (...) do nada de que derivam. Nestes casos, os swaps utilizam-se para tomar posição de risco independente de qualquer outra posição (em risco) inexistente”81.
Assim, certo é que as finalidades especulativas que determinado agente económico persiga com a celebração do contrato de “swap”, na maioria das vezes, atua como contraponto às finalidades de cobertura de riscos que outra parte perseguirá. Aliás, só mediante tais comportamentos especulativos é que contratos nos referidos termos poderão ser celebrados, não sendo despiciendas todas as vantagens económico-financeiras que daí advêm.
Na verdade a especulação nos contratos de “swap” de taxa de juro é feita em função da evolução de taxas profundamente condicionada por políticas financeiras, governamentais e dos bancos de centrais, que vão fornecendo elementos vitais para uma fundada previsão da respetiva evolução. Razões pelas quais tal atividade é perpetrada por profissionais formados e que efetuam uma análise cuidada do mercado, com vista a formar uma previsão fundada da evolução do mesmo. Tal atividade não reveste assim a função lúdica e absolutamente sujeita ao azar e à sorte que caracterizam o jogo e a aposta82.
A especulação a que se assiste no mercado económico é assim uma especulação que persegue objetivos concretos e valorados pelo Direito. Estamos aqui no âmbito da denominada “spéculation sérieuse”83, realidade oposta à da “spéculation hasardeuse” que existe independentemente de qualquer razão ou interesse útil.
E nem se diga que a tolerância às atividades especulativas neste âmbito deverá ser limitada em face do preceito Constitucional vertido no art. 99º/c) da CRP que prescreve como “objetivos das política comercial” o “combate às atividades especulativas e às práticas comerciais restritivas”. Com efeito, este é um normativo que deriva diretamente da redação
81 Cfr. XXXXXX XX XXXXX, Swap de taxa de juro: sua legalidade e autonomia..., cit.. págs. 262 e 263.
82 XXXXXX XX XXXXX, op. cit., págs. 264 e 265.
83 Neste sentido XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global, in Cadernos de Direito Privado, n.º 42, 2013, pág. 9 refere que “é precisamente porque os mercados necessitam da existência desta “spéculation sérieuse” (sem a qual seria impossível contrariar os ciclos de baixa, por exemplo) que o direito a não censura”.
vigente até 1989 (correspondendo anteriormente ao art. 109º/1 da CRP) e que prescrevia que “O Estado intervém na racionalização dos circuitos de distribuição e na formação e no controlo dos preços, a fim de combater atividades especulativas, evitar práticas comerciais restritivas e os seus reflexos sobre os preços, e adequar a evolução dos preços de bens essenciais aos objetivos da política económica e social”. Ora, em face da evolução económica que se verifica desde o ido ano de 1989, especialmente no que toca à iniciativa privada, dever- se-á efetuar uma interpretação da redação vigente do referido preceito, condizente com a realidade económico-social atual84.
O que vem sendo descrito serve, desde logo, para descaracterizar a atividade especulativa neste âmbito como jogo e aposta e consequentemente não incluir os contratos de “swap” que persigam tais finalidades no âmbito da exceção de jogo e aposta.
Sucede que a circunstância de, por vezes, o contrato de “swap” na modalidade que temos vindo a tratar, apresentar um certo grau de abstração relativamente à relação jurídica de que deriva, em nada enferma a validade dos mesmos85. Com efeito, como já foi referido supra86, os instrumentos derivados podem existir independentemente do quadro financeiro que lhes deu causa. E mesmo nas circunstâncias de abstração pura e absoluta, nada impede que ainda se vislumbrem finalidades de cobertura de um risco financeiro no âmago do contrato de “swap” ainda que meramente temporárias ou momentâneas87.
Assim, a atividade especulativa económica, à qual o Direito reconhecidamente atribui validade, não deverá merecer censura no âmbito do contrato de “swap”. Com efeito, ao declararem-se nulos, in totum, os contratos de “swap” com uma natureza marcadamente
84 Como de resto se retira da nota VII ao art. 99º da CRP anotada por J.J. XXXXX XXXXXXXXX e XXXXX XXXXXXX, Volume I, 4ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 1074, “Tal como na restante constituição económica, também aqui existe uma ampla abertura constitucional à liberdade de conformação legislativa, tanto mais que a liberdade de iniciativa económica (art. 61º) deixa margem para reserva legal de delimitação da mesma (cfr. nota ao art. 61º), desde que não ponha em causa o seu núcleo essencial”.
85 Em sentido oposto, XXXXX XXXX XX XXXXXXXXXXX, Contratos de risco e contratos especulativos em direito bancário, cit., pág. 96, é peremptório ao assumir a invalidade dos contratos de “swap” sem qualquer realidade económica subjacente que comporte riscos paras uma das partes. Com efeito, refere o Autor que “o cliente tem de estar sujeito ao risco que é coberto pelo contrato de swap. Pode suceder que o swap cubra o risco de um certo e determinado financiamento e pode também acontecer que cubra toda a sua dívida global em taxa variável ou naquelas divisas. Porém, se o cliente não tiver, não sofrer, o risco que é objeto do swap, o contrato não pode ser qualificado com swap mas sim como jogo ou aposta”.
86 Vide supra ponto 1 da Parte III.
87 Neste sentido XXXXX XXXX XXXXX, Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar, cit., pág. 19, refere que “um swap com capital nocional ou fictício, não correspondente a qualquer elemento subjacente (...) pode assim, servir também uma finalidade de gestão de risco (...)”. Refere ainda o Autor que, independentemente da existência de um risco financeiro concreto subjacente ao contrato de “swap”, não se poderá deixar de atender ao enquadramento objetivo do mesmo numa concreta atividade profissional ou económica, como intermediário financeiro quanto a ambas ou a uma das partes.
especulativa estar-se-ia a retirar às empresas um mecanismo essencial para a gestão de riscos financeiros a que se encontram expostas, bem como, a privar os mercados de um instrumento determinante para a sua liquidez88 89.
2.3 – A estrutura do risco
Outro argumento utilizado pela doutrina que preconiza a invalidade dos contratos de “swap” de que temos vindo a tratar vai no sentido da inclusão dos mesmos na categoria dos contratos diferenciais em que o risco de ganho ou perda a que as partes se sujeitam é endógeno à celebração do próprio contrato, ou seja, criado pelas próprias partes e que com ele se conformam90. Contratos diferenciais são aqueles em que uma parte fica adstrita a efetuar uma prestação em dinheiro à outra igual à diferença entre dois valores91. Tal circunstância é o que virtualmente ocorre num contrato de “swap” de taxa de juro por referência a um capital nocional, na medida em que, operado que seja o mecanismo da compensação, apenas uma das partes terá de efetuar uma prestação à outra. Os contratos diferenciais são atualmente alvo de reconhecimento jurídico, nomeadamente no art. 2º/1/d) do CVM, estando assim acautelada a sua proteção. Assim, mesmo na circunstância limite dos contratos de “swap” de taxa de juro
88 No sentido descrito XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX em parecer juntos aos autos do Tribunal da Relação de Lisboa, proc. n.º 531/11.7TVLSB.L1-8 de 8 de Maio de 2014 (disponível em xxx.xxxx.xx) refere que “a especulação pode ser uma das finalidades do swap de taxa de juro, como o valor monetário de referência deste é, por definição, nocional... Acresce, ainda que, nos swaps mais comuns, os coupon swaps ou plain vanilla, em que uma das partes permuta uma taxa variável por outra fixa, pode haver uma parte que possa afastar o risco da flutuação das taxas de juro, protegendo-se assim do risco inerente à relação subjacente, é necessário que haja um agente económico disposto a assumir esse risco. Este último estará a aceitar a incerteza inerente àquela flutuação, como vista, claro está, à obtenção de um beneficio financeiro. Estará, então, a especular. Portanto a especulação tem necessariamente uma finalidade económica legítima nestes swaps de taxa de juro, pelo que não pode ser de afastar, tout court, enquanto interesse digno de proteção jurídica. O especulador é, por conseguinte, crucial para os mercados enquanto tomador de risco que permite àqueles que lhe são avessos protegerem-se, contribuindo assim para o bom e eficiente funcionamento dos mercados. Em suma, há especulação séria, informada e indispensável ao sistema financeiro, a qual desempenha um papel económico, não só legítimo, como também indispensável, mesmo".
89 Em sentido diverso MENEZES CORDEIRO, Direito bancário e alteração das circunstâncias, cit. e XXXXX XXXX XX XXXXXXXXXXX, Contratos de risco e contratos especulativos em direito bancário, cit., no entanto, ambos os Autores propugnam uma análise casuística dos contratos de “swap” para aferir a respetiva validade, consoante lhes esteja, ou não, subjacente uma finalidade concreta de cobertura de um risco financeiro concreto. Não seguimos este entendimentos pelos argumentos já aludidos. Fundamentalmente porque, mesmo não se vislumbrando, prima facie, a finalidade de cobertura de um risco financeiro subjacente à celebração de um “swap”, não é despiciendo o restante enquadramento económico e financeiro que envolve o mesmo, nomeadamente a especulação juridicamente reconhecida.
90 Neste sentido LEBRE DE FREITAS, Contrato de Swap Meramente Especulativo, cit., pág. 953 e XXXXX XXXX XX XXXXXXXXXXX, Contratos de risco e contratos especulativos em direito bancário, cit., págs. 95 e 96.
91 Crf. XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos II..., cit., pág. 119 (13).
poderem ser considerados apostas, o que, como já se referiu, não parece ter cabimento, tal não significaria que se tornassem automaticamente nulos devido à previsão legal supra referida.
No entanto, na esteira do entendimento de XXXXX XXXX XXXXX00, consideramos que, na verdade, o risco a que as partes se sujeitam com a celebração do contrato é exógeno. Deriva na maioria das vezes da cobertura de riscos financeiros concretos, pelo menos para uma das partes. Ou mais não seja pela procura da gestão de riscos financeiros intrínsecos à atividade de qualquer um dos contraentes. Ou seja, cremos ser defensável que, neste tipo de contratos, o risco que recai sobre o ganho ou perda de cada uma das partes dificilmente se vislumbra como sendo emanado pelo próprio comportamento daquelas, ao assumirem a contratação93. Isto porque, só se poderia vislumbrar um risco meramente exógeno, derivado da celebração de um contrato de “swap”, mediante a declaração expressa de ambas as partes do intuito de especular, e de ficaram submetidas às contingências do mercado para a obtenção de um lucro. Logicamente este cenário é utópico e, como tal, não basta o propósito subjetivo, não declarado de uma das partes, de perseguir finalidades meramente especulativas com a celebração do “swap”, para se reconduzir a forma contratual à nulidade. De qualquer forma, a presente questão não poderá deixar de ser remetida para um plano secundário, uma vez que devido ao enquadramento económico e financeiro dos contratos de “swap” nunca serão despiciendas as funções económicas que em qualquer caso perseguem.
2.4 – Consagração legal
A reforçar a tese que vem sendo defendida, surge o facto de atualmente os contratos de “swap” terem um consagração legal expressa, nomeadamente na alínea d) do n.º 1 do art. 2º do CVM. No entanto, certo é que tal consagração assume uma natureza genérica, em que não é feita qualquer referência às várias modalidade desta forma contratual e das finalidades que pode perseguir. Com efeito, na referida norma, surge em singelo a referência aos “swaps”, sem que seja fornecida qualquer definição legal ou âmbito de extensão do reconhecimento da figura. Este facto serve também de alicerce à tese da invalidade dos
92 XXXXX XXXX XXXXX, Contrato de swap de taxas de juro..., cit.. págs. 14 a 21.
93 Neste sentido também XXXXXX XX XXXXX, Swap de taxa de juro: sua legalidade e autonomia..., cit., pág. 266, refere que no swap não há “criação artificial do risco pelo contrato”. Em sentido diverso PEDRO PAIS DE XXXXXXXXXXX, Contratos de risco e contratos especulativos em direito bancário, cit., pág. 96 refere que “O risco tem de ser alheio, externo ao contrato que opera a sua cobertura ou transferência; se o risco for criado pelo próprio contrato tratar-se-á de jogo ou aposta”.
contratos de “swap” de taxa de juro sobre valores nocionais, preconizada por alguns Autores94.
No entanto, este entendimento não parece ter em conta todo o quadro normativo que serviu de base à inserção da figura dos “swaps” no direito interno. Com efeito, os contratos de “swap”, enquanto instrumentos derivados passaram a ter consagração legislativa expressa após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro que alterou a redação do art. 2º do CVM. Tal DL procedeu à transposição da diretiva n.º 2004/39/CE do Parlamento e do Conselho de 21 de Abril de 2004. A referida diretiva, apesar da sua natureza95, não deixa de ser um corpo normativo emanado por entidades Europeias e, como tal, sujeita ao primado do direito comunitário previsto constitucionalmente no art. 8º/4 da CRP, mais não seja para cumprir efeitos interpretativos das normas internas. Assim, a inclusão dos “swaps” enquanto instrumentos financeiros, na secção C da citada diretiva, em que é feita referência a várias modalidades daquela forma contratual, tem de necessariamente ser atendido aquando da interpretação dos normativos internos.
Nesse sentido, surge também o preâmbulo do DL que efetuou a transposição da diretiva, a admitir o acolhimento por parte do legislador dos instrumentos derivados sobre ativos de natureza nocional96, como são o caso dos contratos de “swap” de que temos vindo a tratar. Mas mesmo que se considere o quadro legislativo apontado como insuficiente para defender a legalidade dos contratos de “swap” de taxa de juro com funções especulativas, no que toca ao direito constituído, dispomos atualmente de mais um corpo normativo emanado por um entidade Europeia que vem dissipar qualquer dúvida no que concerne à legalidade daquele tipo de instrumentos. Referimo-nos aqui ao Regulamento UE n.º 549/2013 do Parlamento e do Conselho97, relativo ao sistema europeu de contas nacionais e regionais na União Europeia que, devido à sua natureza, tem aplicabilidade no nosso direito interno. O referido Regulamento fornece-nos, nos pontos 5.210 e 5.211 do anexo A, preciosas definições
94 Nesse sentido, LEBRE DE FREITAS, Contrato de Swap Meramente Especulativo, cit., pág. 952, refere que “o intérprete é confrontado apenas com algum reconhecimento do contrato de swap (e uma regulação de entidades financeiras e procedimentos que sempre evitará males maiores). Mas qual a extensão desse reconhecimento? A norma do art. 2.º -1 –e do Código dos Valores Mobiliários não a define, pelo que terá de se recorrer às normas gerais do sistema jurídico português, que aquela pressupõe. Uma destas normas é a do art. 1254.º do Código Civil, visto que há na prática financeira swaps que são um puro jogo ou aposta e não há norma específica que expressamente autorize, ou diga tolerar, essa modalidade contratual”.
95 As diretivas, ao contrário dos regulamentos, necessitam da devida transposição para o direito interno.
96 Cfr. preâmbulo do DL n.º 357-A/2007 de 31 de Outubro onde se lê “Para este efeito, acolhe-se a lista constante da directiva, cuja principal novidade é a inclusão de instrumentos derivados sobre mercadorias e activos de natureza nocional e, desta forma, a sujeição da prestação de serviços sobre estes a normas prudenciais de conduta harmonizadas a nível comunitário”.
97 Disponível em xxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/XxxXxxXxxx/XxxXxxXxxx.xx?xxxxXX:X:0000:000:0000:0000:XX:XXX
no que concerne aos contratos de “swap”, mais especificamente na modalidade que temos vindo a tratar. Devido à sua relevância passamos a transcrever a definição de “swaps” para esse Regulamento:
“5.210 Definição: os swaps são acordos contratuais entre duas partes que acordam na troca, ao longo do tempo e segundo regras predeterminadas, de uma série de pagamentos correspondentes a um valor hipotético de capital, entre elas acordado. As categorias mais frequentes são os swaps de taxas de juro, os swaps cambiais e os swaps de divisas.
5.211 Os swaps de taxas de juro consistem na troca de juros de diferentes tipos relativos a um capital hipotético que nunca é trocado. Exemplos de taxas de juro que podem ser objeto de swaps: taxas fixas, taxas variáveis e taxas denominadas numa divisa. Geralmente, os pagamentos ocorrem em numerário no correspondente à diferença entre as duas taxas de juro estipuladas no contrato e que se aplicam ao capital hipotético que foi acordado”.
Das definições transcritas do Regulamento, resulta inequivocamente a validade legal dos contratos de “swap” de taxa de juro por referência a um capital nocional, em face do direito comunitário, sendo ainda admitidas as suas finalidades especulativas. Como tal, é mister lançar-se mão do referido documento para se efetuar a interpretação do alcance da disposição legal interna que faz referência aos contratos de “swap” (art. 2º/1/e) do CVM).
Do exposto é notória e existência de legislação com carácter especial, tanto a nível interno como Europeu, que derroga, por remissão do art. 1247º do CC, a aplicação do art. 1245º do CC, aos contratos de “swap”.
De resto, a orientação legislativa de vários países Europeus tem-se dirigido para a exclusão concreta de qualquer eventual comparação dos contratos de “swap” especulativos ao jogo e aposta e à sua consequente ilicitude. Com efeito, países como França, Luxemburgo, Bélgica, Reino Unido e Alemanha, que tendo mercados de “swap” bem mais desenvolvidos que Portugal, adotaram consagrações legislativas que excluem a equiparação dos contratos de “swap” ao jogo e aposta98.
Cremos que o caminho legislativo que vem sendo traçado nos referidos países é de salutar. Com efeito, face à vaga consagração legislativa interna dos contratos de “swap”, e ao esforço interpretativo a que a mesma obriga, cremos ter toda a pertinência uma nova alteração legislativa no sentido do esclarecimento cabal das questões que vêm sendo debatidas. No entanto certo é que tal alteração, em face das razões já aludidas, não poderá ser outra que não
98 XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato de swap, cit., págs. 96 a 103.
a consagração legal expressa da validade dos contratos de “swap” de taxa de juro, mesmo que tenham uma vocação especulativa.
2.5 – Soluções jurisprudenciais
Cumpre, por fim, efetuar uma breve revisão das principais orientações jurisprudenciais quanto à questão sobre a qual nos temos vindo a debruçar. A referida revisão reveste-se de particular interesse, na medida em que têm existido decisões díspares quanto ao julgamento das questões em crise, mesmo por parte do STJ.
Em primeiro lugar salientamos o ac. do TRL de 21 de Março de 201399 que decidiu julgar nulos os contratos dos autos100, por equiparação dos mesmos ao jogo e aposta e, como tal, incluindo-os no regime desfavorável do art. 1245º. Tal acórdão, em primeiro lugar, surgiu numa altura em que era ainda escassa a doutrina sobre os contratos de “swap” em crise e, em segundo lugar, incidiu concretamente sobre contratos celebrados antes da publicação do supra citado DL n.º 357-A/0000000, julgando assim não lhes ser aplicável a regulamentação especial da qual aquele tipo de contratos é alvo atualmente102. Cremos no entanto que, em face do corpo normativo atual e da doutrina que se tem pronunciado sobre o tema, a decisão do referido arresto, se fosse pronunciada atualmente, seria necessariamente diferente.
No entanto, existe já um ac. do STJ, de 29 de janeiro de 2015103 que julgou igualmente serem nulos os contratos de “swap” dos autos. As razões da referida nulidade derivam no
99 Proferido no proc. n.º 2587/10.0TVLSB.L1-6 e que teve como Relatora a Exma Sra. Juíza Desembargadora Xxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, disponível em xxx.xxxx.xx.
100 Contratos esses que o ac. caracteriza como sendo contratos de “swap” de taxa de juro.
101 Nesse sentido o acordão refere especificamente em dois pontos das suas conclusões que:
“XIV) Nada no ordenamento jurídico permite concluir pela licitude da aposta de taxas de juros com pagamento diferencial, pelo menos antes da previsão dos contratos diferenciais no CVM.
XV) Apenas com a transposição da Directiva 2004/39/CE do Parlamento e do Conselho (DMIF), operada pelo DL 357-A/2007, veio o CVM prever no seu artigo 2º, n.º 1, alínea d), os contratos diferenciais como objecto de regulamentação”.
102 Sobre este acórdão XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O Contrato de Swap no Contexto da Actual Crise Financeira Global, cit,, pág. 8, escreveu, “Nos principais países de tradição civilística, bem como nos países anglo-saxónicos, também o jogo e aposta são visto pelos ordenamentos jurídicos respectivos de forma pouco favorável. É, pois, fácil compreender que tenha existido desde sempre fundado receio, por parte dos juristas que participam e acompanharam o processo de criação e desenvolvimento deste novo contrato, ante a possibilidade de verem o swap ser classificado na categoria dos contratos de jogo e aposta. Este receio foi, de resto, confirmado no decurso do tempo, por várias decisões judiciais, de que a decisão portuguesa atrás citada é apenas um último exemplo. Assim, embora o legislador tenha acolhido expressamente os contratos de swap na categoria de “instrumentos financeiros”, estabelecida no art. 2º do CVM (alínea e) do n.º 1), tal não veio a impedir que a validade de alguns contratos de swap continue a ser questionada nos tribunais, pelo seu desenho contratual específico”.
103 Proferido no proc. n.º 531/11.7TVLSB.L1.S1 e que teve como Relator o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Bettencourt de Faria, disponível em xxx.xxxx.xx.
entanto de razões ligeiramente distintas das do ac. anteriormente citado. Com efeito, para este último ac., os contratos de “swap” de troca de juro com finalidades especulativas revelam-se nulos por contrariedade à ordem pública e consequente aplicação do n.º 2 do art. 280º do CC104. Contudo, tal conclusão ocorre mesmo contra a doutrina maioritária elencada no corpo argumentativo do ac. e não se dá mesmo sem que lhe seja aposto um voto de vencido no seu julgamento da responsabilidade do Exmo. Sr. Xxxx Xxxxxxxxxxx Xxxx Xxxxxxxx. Assim, na nossas opinião, ficam bem patentes as erradas valorações que tal ac. efetua, sendo que já se teve o cuidado de, ao longo de todo o presente trabalho, se contrariar toda a linha argumentativa que foi levada a cabo no ac. ora em crise.
Por outro lado, existe atualmente vária jurisprudência com uma posição similar à que vem sendo defendida ao longo de presente trabalho e com a qual, na sua generalidade argumentativa, concordamos.
Nesse sentido enunciamos, em primeiro lugar, devido a tratar-se de um ac. extremamente recente e da mais alta instância da jurisdição cível, o ac. do STJ de 11 de Fevereiro de 2015105, que segue uma linha argumentativa em tudo semelhante à ora subscrita no presente trabalho. Com efeito, o referido ac. é categórico ao excluir qualquer equiparação dos contratos de “swap” de taxa de juro ao jogo e aposta. Tal exclusão é mesmo efetuada tendo em conta a aleatoriedade dos contratos, o relativo grau de abstração em relação ao ativo subjacente e as suas finalidades especulativas. O ac. fundamenta ainda a validade de tais contratos de “swap”, na previsão e cobertura legal de que esta figura dispõe atualmente, tanto a nível Europeu como a nível interno, em virtude dos diplomas já elencados no presente trabalho106.
104 Lê-se na fundamentação do ac. que “Confrontando a pura especulação viabilizada pelos contratos dos autos com os princípios e valores prevalentes na nossa sociedade (ainda que interpretados actualisticamente), ponderando as desutilidades sociais e económicas que aqueles são aptos a gerar e rememorando o que evola do supra referido comando constitucional, facilmente se alcança a sua desvalia face a esses valores cogentes e ao bem comum, o que autoriza que se conclua pela sua contrariedade à ordem pública. Assim, consequentemente, há que concluir pela sua nulidade (n.º 2 do artigo 280º do Código Civil)”.
105 Proferido no proc. n.º 309/11.8TVLSB.L1.S1 e que teve como Relator o Exmo. Sr. Xxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx, disponível em xxx.xxxx.xx.
106 Lê-se na fundamentação do ac. que “Assim, os contratos de “swap” de taxa de juro que não têm propósito directo de cobertura de risco, antes e v.g., de gestão do risco financeiro, não são proibidos por lei, antes admitidos e regulamentados. Por sua vez os contratos de “swap” de taxa de juro, cujo valor nocional não corresponde a um passivo real também não são proibidos, face à inaplicabilidade daquele preceito”.
Das conclusões de tal ac. cumpre também destacar as seguintes devido à sua relevância para a posição que vem sendo adotada:
“i) As taxas de juro incidem sobre um capital meramente hipotético (nominal ou nocional) mas o “swap” pode ser utilizado sem ligação a qualquer outro contrato (contrato subjacente).
j) Basta-se a si próprio, tendo natureza financeira e não é complementar de outro (como v.g. mútuo ou algum financiamento) gozando de abstracção pura e absoluta.
No mesmo sentido enunciam-se também, devido à sua acuidade e lucidez argumentativa, os acs. do TRL de 13 de Maio de 2013107 e de 8 de Maio de 2014108. Quanto ao primeiro cumpre salientar que, à semelhança do primeiro ac. citado109, surge também numa altura em que era ainda escassa a doutrina sobre o tema. No entanto, tal não impediu que se salientasse o papel determinante que a legislação especial assume na resolução da questão em crise, e a manifesta diferença que as realidades do jogo e aposta assumem face à finalidade especulativa do contrato de “swap”110. Quanto ao segundo ac. elencado, é também elucidativo quanto à validade legal dos contratos de “swap” na modalidade em causa. Surgindo este num panorama jurídico em que a doutrina sobre o tema era já manifestamente mais extensa o ac. é categórico ao referir que discorda da posição assumida por XXXXX XX XXXXXXX, elencando no seu corpo argumentativo as razões de tal discordância, razões essas já escalpelizadas no presente estudo111.
k) Não se trata de jogo ou aposta não estando, em consequência sujeito ao disposto no artigo 1245.º do Código Civil, aliás nunca aplicável por existir legislação especial (europeia e nacional) “ex vie” do artigo 1247º.
l) Os contratos de “swap” de taxa de juro, que não têm o propósito directo de cobertura de risco, não são proibidos por lei, tal como o não são aqueles cujo valor nocional não corresponde a um passivo real.”
107 Proferido no proc. n.º 309/11.8TVLSB.L1-7 e que teve como Relatora a Exma. Sra. Juíza Desembargadora Maria do Rosário Morgado, disponível em xxx.xxxx.xx
108 Proferido no proc. n.º 531/11.7TVLSB.L1-8 e que teve como Relator o Exmo. Sr. Juiz Desembargador Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, disponível em xxx.xxxx.xx
109 Referimo-nos ao ac. do TRL de 21 de Março de 2013.
110 Lê-se no texto do ac., que se transcreve devido à sua pertinência, que “Contudo, o carácter aleatório do swap não permite (...) classificar este contrato como contrato de jogo e aposta, sujeito à disciplina do art. 1245º, do CC. Em primeiro lugar porque o legislador acolheu expressamente os contratos de swap na categoria de “instrumentos financeiros”, nos termos estabelecidos no art. 2º, nº1, al. e), do CVM o que, a nosso ver, só por si, afasta a sua subordinação ao regime do contrato de jogo e aposta, previsto no Código Civil. Em segundo lugar, porque, no contrato de jogo e aposta, e ao contrário do que sucede no de swap, em que a exposição à incerteza é apenas o efeito secundário do esforço de perseguir um objetivo comercial ou financeiro legítimo, a vontade de contratar é exclusivamente dominada pelo desejo de submissão à contingência da verificação de um acontecimento incerto. Por outro lado, no contrato de aposta ambas as partes, e não apenas uma delas, tem uma intenção especulativa. Ainda assim, a especulação que é suposto existir nos mercados financeiros (dita “especulação séria”) e sem a qual seria impossível contrariar os ciclos de baixa, por exemplo, não merece censura do direito. Já no jogo se encontra uma especulação independente de qualquer justificação. Além disse, no jogo e aposta os contratantes prometem-se reciprocamente e so condição idêntica, uma determinada soma ou uma coisa, de tal forma que, no final, só um deles será credor do outro. Não assim no contrato de swap que visa organizar o pagamento recíproco de somas de dinheiro em que o valor nominal de ambas ou de uma só das prestações a efectuar, ou, pelo menos, o seu valor real, não está determinado desde logo, antes depende do nível das taxas de juros que se verificar num determinado mercado de capitais. (...) Feitas estas considerações (...) parece-nos inquestionável que não se mostram reunidos no contrato celebrado entre as partes os elementos constitutivos do jogo e aposta”.
111 Transcrevem-se as conclusões mais elucidativas do ac., devido à sua relevância:
“6.- É improcedente qualquer qualificação ou equiparação do contrato de swap de taxas de juro como jogo e aposta, com a consequência de não originar obrigações civis válidas, pois no contrato de swap o risco a que as partes de expõem è em grande medida exógeno, isto é, resulta de circunstâncias exteriores ao contrato, como o activo ou passivo das partes e a variação das taxas de juro.
7.- A inaplicabilidade da chamada “excepção de jogo” (artigo 1245º do Código civil) ao contrato de swap de taxas de juro corresponde ao relevante papel que este contrato hoje desempenha na gestão financeira do
Assim, vincado está, em face de tudo o que vem sendo apontado, que a tese que defendemos com o presente trabalho é a da validade dos contratos de “swap” de taxa de juro. Como tal, esses contratos, mesmo quando têm como referência valores meramente nocionais e finalidades marcadamente especulativas, são geradores das devidas e consequentes obrigações civis.
Em síntese conclusiva, rematamos com as palavras de XXXXXX XX XXXXX que refere “nenhuma dúvida séria e consistente pode subsistir acerca da legalidade do swap da taxa de juro no direito português independentemente de o activo subjacente ser real ou meramente nocional (nominal, fictício ou hipotético) (...)”112.
3 – A ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Cumpre neste ponto efetuar uma análise do regime da resolução ou modificação dos contratos por alteração anormal das circunstâncias, previsto no art. 437º do CC, e sua eventual aplicação no âmbito dos contratos de “swap” de taxa de juro. A referida questão assume uma particular relevância no momento atual derivada da crise económica, financeira e social que se abateu sobre o Mundo a partir do ano de 2008. Assim, a compreensão do referido tema terá de necessariamente partir de uma prévia análise de que crise é essa, quais as suas principais influências e de que forma poderá ela afetar os contratos de “swap” de taxa de juro. Só após efetuada a referida contextualização é que se poderá partir para a análise do regime da resolução contratual pela parte lesada, no âmbito dos contratos de “swap”, parte essa que tenha visto as circunstâncias em que fundou a sua pretensão de contratar alterarem-se “anormalmente”.
endividamento na actividade empresarial, sendo dominante na generalidade das ordens jurídicas e das economias desenvolvidas que nos são mais próximas.
8.- A qualificação de contratos de swap de taxas de juros celebrados por instituições financeiras, quer como contrapartes, quer como intermediárias, como contratos de jogo e aposta, com a consequente negação de eficácia vinculativa aos seus efeitos, limitaria a possibilidade de recurso a tais contratos na nossa ordem jurídica e pelas empresas portuguesas, também para finalidade como a gestão de riscos de balanço, colocando-as em desvantagem perante a generalidade das ordem jurídicas, onde tais contratos são admitidos, além de constituir um restrição injustificada à actividade de intermediação financeira”.
112 XXXXXX XX XXXXX, Swap de taxa de juro: sua legalidade e autonomia..., cit., pág. 261.
3.1 – A crise derivada do subprime
Concretamente, o conceito de subprime113 consiste num tipo de crédito hipotecário imobiliário, originalmente desenvolvido nos EUA, crédito esse que comporta um risco extremamente elevado para a instituição financeira que o concede, na medida em que é atribuído a famílias com baixos rendimentos e que, para além do próprio imóvel a que se destina o crédito, poucas, ou nenhumas, garantias podem dar.
Esta era uma forma de crédito que era usualmente concedida devido à alta valorização que os imóveis vieram tendo ao longos dos anos 90, e até sensivelmente ao ano de 2006. Com efeito, os referidos anos corresponderam a uma época dourada do sector imobiliário, e a constante valorização dos imóveis ia permitindo às famílias, que já possuíam créditos de risco anteriores, alastrarem o seu endividamento através da contração de novos créditos para cobrir os primeiros, dando sempre o mesmo imóvel como garantia.
Sucede que, a partir sensivelmente do ano de 2006, o valor dos imóveis iniciou uma descida acentuada e abrupta, e com o inevitável incumprimento por parte dos devedores dos créditos, uma vez que em alguns dos casos nem tiveram de fazer prova dos seus rendimentos, as instituições de crédito viram-se confrontadas com uma falta de liquidez preocupante e com as garantias dos seus créditos extremamente desvalorizadas. Estas circunstâncias revelaram-se profundamente nefastas para o sector económico e financeiro, tendo-se vindo a alastrar a uma escala global por um efeito de contágio devido à comercialização nos mercados financeiros de produtos derivados dos subprime.
Assim, a partir do final do ano de 2006 e especialmente durante o ano de 2007, assistiu-se a uma crise de confiança no sistema financeiro e a uma profunda falta de liquidez nos mercados, alastrada à escala global, e à consequente descida da cotação das ações dos bancos, entrando grande parte deles numa situação de falência iminente.
Este quadro global conduziu à intervenção no setor financeiro de vários Bancos Centrais através da injeção de dinheiro mas, no entanto, foi inevitável a falência de alguns bancos, com uma influência determinante no mercado global, como foi o caso do Lehman
113 Subprime significa literalmente “abaixo da taxa prime”, correspondendo a taxa prime (prime lending rate) aquela que os bancos aplicam a clientes que fornecem maiores garantias, cfr. XXXX XXXXXXXXX, Do subprime à recessão in “Crise 2008”, 1ª Edição, Bnomics, Lisboa, 2009, pág. 59 a 63.
Brothers, uma instituição com mais de 150 anos de existência e das mais importante de Wall Street, falência essa que veio ocorrer em Setembro de 2008114.
A nível Europeu assistimos, a partir dessa data, a um financiamento sem precedentes por parte do BCE dos vários bancos, numa perspetiva de conceder novamente liquidez ao mercado, acompanhado por uma descida extremamente acentuada das taxas de juro de referência, nomeadamente no que respeita à EURIBOR, decorrente da reação europeia para reduzir os custos de financiamento.
Com efeito, o índice da taxa de juro EURIBOR calculado a três meses, enquanto índice de referência para a celebração da maioria dos contratos de “swap” de taxa de juro, a partir de 2008 desceu de valores acima dos 4% para valores a baixo de 1%, chegando mesmo próximo de 0%, como xxxxx se comprova pela análise do gráfico seguinte:
Gráfico 1115
Ora, os contratos de “swap” de taxa de juro, como aliás já se teve a oportunidade de esclarecer supra116, para uma das partes traduzem-se na fixação da taxa de juro a pagar, referente a determinado montante, nocional ou não, para se proteger contra uma eventual subida da taxa, que até 2008 se verificava como provável.
À partida, a parte que acorda pagar uma taxa fixa, formula o seu juízo no sentido de que a taxa irá subir, ou pelo menos variar dentro de limites não muito díspares da taxa em que
114 Neste ponto seguimos até agora de perto XXXXXX XXXXX, O Novo Paradigma dos Mercados Financeiros – a crise económica de 2008 e o seu significado, 2ª edição, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000 e XXXXXXXX XXXXXX, The Law of finance, cit. págs. 832 e ss..
115 Evolução da taxa de juro EURIBOR calculada a três meses, desde 1999 até 2015. Fonte: xxxx://xxxxxxx- xxxxx.xx/xxxxxxx-xxxx-0-xxxxxx.xxx
116 Vide supra ponto 1 da Parte III
fixa a sua prestação. E faz esse juízo em consonância com as informações que lhe é possível recolher do mercado na altura da contratação.
Como tal, a parte que fica adstrita ao pagamento de uma prestação em função da taxa de juro variável passa a obter lucros avultados com a descida das taxas de juro, uma vez que a diferença entre a taxa fixa em valores próximos dos 4%, em relação à EURIBOR a três meses que se cifra em valor abaixo dos 1% conduz a que, operado o mecanismo da compensação, existam sucessivos pagamentos da parte que tem uma taxa fixa à parte que tem uma taxa variável.
Assim, a primeira questão que se coloca neste âmbito corresponde a indagar se existe uma alteração anormal das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar, em função da descida abrupta e imprevista da taxa de juro EURIBOR a partir de Setembro de 2008. A segunda questão é a de aferir se, atendendo à natureza aleatória dos contratos de “swap” de taxa de juro, a referida alteração imprevista das taxas de juro está ou não incluída nos riscos próprios deste tipo de contratos. A resposta que se possa dar a estas duas questões influenciará, de forma direta, a eventual aplicação do mecanismo de resolução do contrato de “swap” previsto no art. 437º/1 do CC, como analisaremos infra.
3.2 – O “especial” dever de informação
No que concerne à celebração da maioria dos contratos com um cariz económico, entre uma instituição financeira e um particular, somos remetido para as normas do CVM que regem a atuação específica daquela instituição. Com efeito prescreve, em primeiro lugar, o art. 304º/1 do CVM que “os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado”. Por sua vez, estão previstos nos arts. 312º e ss. do mesmo código os especiais deveres de informação que a instituição financeira deve prestar ao seu cliente117. Tais deveres, sendo
117 XXXXX XXXXXX, Manual de direito dos valores mobiliários, cit., págs. 691 e 692, indica como deveres de informação dos intermediários financeiros os seguintes:
“- a categorização do cliente e o seu eventual direito de requerer uma categorização diferente;
- eventuais conflitos de interesses do intermediário financeiro ou das pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que comportem o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados;
- os instrumentos financeiros e as estratégias de investimentos propostas;
- os riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (artigo 312.º-E);
- a política de execução de ordens e, se for o caso, a possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral;
extensamente regulamentados e minuciosamente previstos, procuram acautelar a transparência da atuação das instituições financeiras nos mercados, e a garantia de que os particulares com que contratam tomam uma decisão livre e esclarecida.
Ora, em concreto no âmbito dos contratos de “swap” de taxa de juro, em que uma das partes é uma instituição financeira que contrata com determinado cliente, tem surgido, na vaga de litígios a que já nos reportámos, a questão da eventual violação dos especiais deveres de informação daquela instituição.
Neste âmbito cumpre, em primeiro lugar, afirmar que na celebração de um contrato de “swap” entre um banco e o seu cliente, o primeiro está adstrito aos especiais deveres de informação decorrentes do CVM. No entanto, cumpre também alertar para o facto de que, por norma, a celebração deste tipo contratual é precedida pela elaboração de um master agreement118 que irá reger as futuras contratações individuais entre as partes. Ora, se não restam dúvidas quanto aos especiais deveres de informação que recaem sobre a instituição financeira contratante quanto ao master agreement e ao primeiro “swap” celebrado, mais duvidosa é a questão no que concerne à celebração dos “swaps” subsequentes. Com efeito, estando já em curso um, ou mais, contratos de “swap” entre as partes, para a celebração de subsequentes contratos, não fará sentido que continuem a recair sobre o banco integralmente os deveres de informação119.
No entanto, a questão ora em crise, logicamente só poderá ser analisada caso a caso. Com efeito, só em face da factualidade concreta de cada situação é que se poderá aferir se foram, ou não, cumpridos os especiais deveres de informação a que o banco está adstrito120. Ainda assim, não podemos deixar de alertar para o facto de que, estando em causa um
- a existência ou a inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;
- o custo do serviço a prestar (artigo 312.º-G)”
118 Vide supra ponto 5 da parte II.
119 Assim decidiu o ac. do TRL de 25 de Setembro de 2012, proc. n.º 2408/10.4TVLSB.L1-7 que teve como Relator o Exmo. Sr. Juiz Desembargador Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx, disponível em xxx.xxxx.xx que refere “(...) já não faz sentido pretender que, aquando da realização do terceiro contrato, quase um ano após o primeiro contacto negocial entre as partes e a respetiva consumação (do primeiro), com a subsequente vigência ininterrupta, eficaz e actuante, desta relação contratual, ainda fosse obrigatório proceder a qualquer questionário acerca do perfil do investidor, ou outro, atendendo essencialmente ao continuado e pessoal conhecimento qua as partes já tinham uma da outra e à prévia aceitação e vigência – com o agrado do cliente – do tipo de instrumento financeiro em causa”.
120 Neste sentido pronuncia-se MENEZES CORDEIRO, Direito bancário e alteração de circunstâncias, cit., págs. 79 a 81, o Autor propugna a análise casuística adotada no presente trabalho, refere o Autor que “(...) os aderentes (salvo as grandes empresas) não conheciam o produto “swap”. Foram abordados pelos banqueiros que lhes referiram as suas vantagens (...) A oferta, para adesão, a particulares, de um produto da maior complexidade, com riscos muito elevados, é contrária à deontologia e, por aí, aos bons constumes. Segue-se a sua nulidade, por via do artigo 280º/1, do Código Civil (...)” argumentos com os quais, na sua essência concordamos.
contrato de xxxxxx, como é o caso específico do master agreement nos contratos de “swap”, o dever de informação, por parte da instituição bancária, reveste a forma de uma mera obrigação de meios, em que terá de efetuar as ações adequadas para esclarecer o seu cliente, que não fica dispensado de ter um comportamento diligente com o intuito de também se esclarecer121.
Por fim, não se pode também considerar que exista qualquer violação dos deveres especiais de informação da parte da instituição bancária, por não ter informado o cliente da possibilidade de sofrer perdas avultadas em função de uma eventual crise financeira com a que veio a ocorrer em 2008 122. Com efeito, no que concerne a contratos celebrados anteriormente à eclosão da referida crise, não estava ao alcance do banco, tal como não estava ao alcance de ninguém, a previsão de uma crise com tais dimensões e contornos. Porém, tal facto não abala a eventual resolução contratual por aplicação do instituto da alteração anormal das circunstâncias, como veremos de seguida123.
3.3 – O regime do art. 437º do CC
Sendo certo que o sistema jurídico português tem como princípio base o pacta sunt servanda – art. 406º do CC124, segundo o qual os contratos livremente celebrados pelas partes devem ser pontualmente cumpridos – é também certo que tal princípio não é estanque, sendo
121 Neste sentido foi o ac. do TRL de 13 de Maio de 2013, proc. n.º 309.11.8TVLSB.L1-7 que teve como Relatora a Exma. Sra. Juíza Xxxxx do Rosário Morgado, disponível em xxx.xxxx.xx.
122 Vide neste sentido ac. do TRL de 25 de Setembro de 2012 e ac. do TRL de 17 de Fevereiro de 2011.
123 Em sentido inverso MENEZES CORDEIRO Direito bancário e alteração de circunstâncias, cit., págs. 76 e
79. O autor reconduz a possibilidade da resolução contratual por aplicação do instituto da alteração anormal das circunstâncias à questão dos especiais deveres de informação a que o banco está adstrito. Refere o Autor, em análise ao ac. do STJ de 10 de Outubro de 2013, que “(...) a pista da alteração das circunstância é operacional. No caso concreto, afigura-se que, perante os factos, houve, antes um claro problema de falta de informação; quiçá, mesmo: a quebra de um dever de não propor, ao aderente e dado o perfil deste, um contrato tão arriscado e tão difícil de entender, como o do swap de taxas de juro”. O Autor, por referência à súbita baixa das taxas de juro, refere ainda que “(...) era de prever que, no médio e no longo prazo, houvesse uma baixa de juros, na Europa. Não havia certezas: mas a probabilidade existia e era razoável.”, defendendo assim a existência de uma violação dos especiais deveres de informação por parte do banco e não uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar.
124 O art. 406º do CC prescreve que:
“1 – O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
2 – Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na
lei”.
permitido que, em certas circunstâncias, uma das partes modifique ou resolva o contrato unilateralmente. É precisamente nesse sentido que surgem os arts. 437º e ss. do CC125.
O último preceito referido, partindo de vários conceitos indeterminados126, estabelece como requisitos legais para que a parte lesada com o contrato se possa fazer valer dos seus efeitos os seguintes: a) que a alteração a ter por relevante diga respeito a circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar, b) que essas circunstâncias tenham sofrido uma alteração anormal, c) que a estabilidade contratual nos seus termos iniciais envolva lesão para uma das partes, d) que a manutenção do contrato, ou dos seus termos, afete gravemente princípios da boa-fé, e) que a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato, f) que a parte lesada não esteja em mora no momento em que se verifica a alteração de circunstância127.
Passaremos de seguida a analisar cada um desses requisitos e, por uma razão sistemática, será de imediato contextualizada, em cada um deles, a sua aplicação aos contratos de “swap” de taxa de juro.
3.3.1 – Surge como primeiro requisito o facto de que a alteração a ter por relevante tem de se reportar às circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar. Ora, em função de tal requisito cumpre delimitar o âmbito da indeterminação de que se reveste o conceito de “circunstâncias que fundaram a decisão de contratar”. Este conceito pode ser perspetivado por duas óticas diferentes: uma na vertente das circunstâncias que as partes consideraram necessárias para a celebração do negócio 128 e a outra respeitante às
125 Artigos referentes à “alteração anormal das circunstâncias”. Nas palavras de XXXXXXX XXXXXXXX, Direito bancário e alteração de circunstâncias, cit., pág. 40 “Em Direito, diz-se alteração das circunstâncias a situação na qual um contrato regularmente celebrado seja colocado numa situação superveniente de grave desiquilíbrio, por se ter modificado o circunstancialismo existente à data da sua conclusão”.
126 XXXXX XX XXXX E XXXXXXX XXXXXX, Código Civil Anotado, cit., nota 1 ao art. 437º, indicam que tal indeterminação surge propositadamente, ao referirem que “A resolução ou modificação do contrato é admitida em termos propositadamente genéricos, para que, em cada caso, o tribunal atendendo à boa-fé e à base do negócio, possa conceder ou não a resolução e modificação”.
127 Segue-se de perto os ensinamentos de XXXXXXX XXXXX, Direito das Obrigações, cit., págs. 336 a 342.
128 É neste ponto que que o regime legal das alterações anormais das circunstâncias se distinguem do regime legal do erro. O primeiro reporta-se à não representação de certas circunstâncias no futuro, enquanto que o segundo refere-se a uma falsa representação, ou desconhecimento das circunstâncias contemporâneas à celebração do contrato. Acrescendo ainda, e nas palavras de XXXXXX XXXXXX, Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Actualizado, 4ª edição, Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, págs 343 a 345, “(...) Mas a base do negócio apresenta-se aqui, quanto à configuração e ao regime, como algo de diverso da base do negócio em matéria de erro. A base do negócio no domínio do erro tem carácter subjectivo, porque se traduz na falsa representação psicológica da realidade. A base do negócio no domínio da alteração das circunstâncias tem carácter objectivo, visto não se reconduzir a uma imaginária falsa representação psicológica da manutenção de tais circunstâncias”, segundo o mesmo autor, a base do negócio no erro assume ainda uma natureza unilateral,
circunstâncias cuja manutenção se revela necessária para que não se desvirtue o fim do contrato, ou o equilíbrio do mesmo129. Nas elucidativas palavras de XXXXXX XXXXXX, “são as circunstâncias que determinaram as partes a contratar, de tal modo que, se fossem outras, não teriam contratado ou tê-lo-iam feito, ou pretendido fazer, em termos diferentes”130.
Não nos referimos aqui apenas à objetividade das circunstâncias que rodeiam o contrato, como por exemplo a existência concreta das taxas de juro ou da moeda em que vão ser efetuados os pagamentos. Deverá sim também incluir-se no presente âmbito aquelas circunstâncias perante as quais o contrato deixa de fazer sentido.
Ora, no que concerne aos contratos de “swap” de taxas de juro, certo é que as partes celebraram o acordo tendo como base o circunstancialismo da variação da taxa de juro dentro de determinados limites, onde se mantinha há anos, prevendo ainda como possível uma eventual subida da mesma. É igualmente certo que à data da celebração dos contratos de “swap” anteriores a 2008, todos os cenários macroeconómicos apontavam no sentido da estabilização ou ligeira subida da taxa EURIBOR. Assim, o circunstancialismo que rodeou a celebração desses contratos de “swap” foi precisamente esse, não sendo despicienda a sua relevância, pelo menos para a parte que ficou adstrita ao pagamento de uma taxa de juro fixa. A referida factualidade terá ainda sido necessariamente reconhecida pela contraparte, que não a impugnou.
Como tal, a verificação deste primeiro requisito, de natureza positiva, no âmbito dos contratos de “swap”, encontra-se preenchido.
3.3.2 – O segundo requisito corresponde ao facto de que as supra citadas circunstâncias têm de ter sofrido uma alteração anormal. Neste ponto cumpre indagar em que consiste uma alteração “anormal” e ainda se a grave crise financeira de 2008 se poderá incluir nesse conceito.
Nas palavras de XXXXXX XXXXXX, a lei ao referir-se a uma alteração “anormal”, coloca em relevo “que a alteração deve ser significativa, que deve assumir apreciável vulto ou
enquanto que na alteração anormal das circunstâncias é bilateral, por essas circunstâncias dizerem respeito a ambos os contratantes”.
129 LEBRE DE FREITAS, Contrato de Swap Meramente Especulativo, cit., pág. 958, na esteira de PAIS VASCONCELOS, resume as duas circunstâncias, da seguinte forma: “constitui base do negócio o conjunto de circunstâncias concretas que fundaram a decisão (de ambas as partes) de contratar, englobando quer aquelas cuja subsistência as partes conscientemente consideraram necessárias, tendo sido pois objeto da sua representação comum, quer aquelas cuja insubsistência frustraria o fim negocial ou perturbaria inaceitavelmente o equilíbrio negocial, ainda que delas as partes não tenham tido consciência”.
130 XXXXXX XXXXXX, Manual dos Contratos em Geral, cit., págs. 343 a 345.
proporções extraordinárias”131. Densificando tal conceito, dir-se-á que “a alteração anormal caracteriza-se pela excecionalidade: é a anómala, a que escapa à regra, a que produz um sobressalto, um acidente, no curso ordinário ou série natural dos acontecimentos”132.
Como não se pode deixar de notar, a verificação do preenchimento deste requisito terá de necessariamente ser efetuada caso a caso, e mediante as circunstâncias concretas que envolvem cada um eles. Concretamente, no que concerne aos contratos de “swap” de taxa de juro, a circunstância que se poderá ter alterado “anormalmente”, é a que respeita ao valor das taxas, elemento esse essencial à celebração dos referidos contratos. Como já se referiu, o valor das taxas de juro sofreram uma redução abrupta e acentuada, fruto da crise financeira de 2008. Cumpre então aferir se a crise financeira de 2008 e as suas consequências, como a referida redução drástica das taxas de juro corresponde, ou não, a uma alteração anormal das circunstâncias, para os efeitos do art. 437º do CC. A esta questão responde-nos CARNEIRO DA FRADA, que refere que “a forma, inopinada e profunda, como a actual crise eclodiu, com a surpresa de muitos ou de quase todos, mesmo especialistas, parece apontar nesse sentido”133
134. Prossegue o autor que, atendendo à dimensão da ocorrência de tal crise, ao facto de não ter sido possível a sua antecipação nem pelos mais reputados estudiosos na área, e de ter causas múltiplas interdependentes extensíveis a uma escala global, tem sido entendimento comum que estamos de facto perante uma alteração anormal das circunstâncias.
Ora, nos contratos de “swap” de taxa de juro, conjugando o facto de que, para pelo menos uma das partes, a estável variação das taxas de juro que se verificava há pelo menos 15 anos, esteve na base da contratação, com o facto de que essa circunstância sofreu uma alteração anormal, em virtude de ser uma consequência reflexa da crise financeira de 2008135, mister é concluir que neste âmbito o segundo requisito de natureza positiva se encontra igualmente preenchido.
3.3.3 – Para que se possa recorrer à aplicação do instituto jurídico de que temos vindo a tratar é ainda necessário que se verifique uma lesão para algumas das partes, ainda que tal não se
131 XXXXXX XXXXXX, Manual dos Contratos em Geral, cit., pág. 344.
132 XXXXXXX XXXXX, Direito das Obrigações, cit., pág. 339.
133 CARNEIRO DA FRADA, Crise Financeira Mundial e Alteração das Circunstâncias: Contratos de Depósito versus Contratos de Gestão de Carteiras, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 69 – vol. III/IV, 2009, pág. 683. No mesmo sentido LEBRE DE FREITAS, Contrato de Swap Meramente Especulativo, cit., pág. 965.
134 Em sentido inverso, XXXXXX XX XXXXX, Swap de taxa de juro: inaplicabilidade do regime da alteração das circunstâncias, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 143.º, n.º 3986, 2014, pág. 370.
135 Neste sentido XXXXX XX XXXXXXX, op. cit., págs. 965 e 966, refere que “a baixa acentuada das taxas Euribor, de modo inédito quando considerada a sua história de quase 15 anos, é uma consequência indireta da crise e constitui, como esta, uma circunstância anormal”.
revista num ganho para a contraparte. Neste âmbito o lesado será a parte que, com a alteração anormal das circunstâncias que estão na base da contratação, vier a ser prejudicada pelo normal cumprimento do contrato136. A referida lesão deverá assumir uma determinada dimensão, ainda que não corresponda à ruína económica da parte prejudicada. Deverá revestir contornos que torne a manutenção do contrato, com todos os prejuízos que acarreta para uma das partes, manifestamente abusiva, violando o princípio da igualdade decorrente da boa-fé contratual137.
No âmbito dos contratos de “swap” de taxa de juro, com a acentuada e repentina descida das taxas, as prestações a realizar pelas partes tornaram-se manifestamente desproporcionais, saindo uma delas extremamente lesada. Com efeito, a parte com a prestação indexada a um valor de taxa de juro fixa, com a descida do índice da taxa variável, que como já se disse assumiu contornos de uma alteração verdadeiramente anormal, passou a sofrer danos patrimoniais graves em virtude da manutenção do contrato. Concluindo-se assim que, também este requisito positivo se encontra manifestamente cumprido nas circunstâncias de que temos vindo a tratar.
3.3.4 – Sucede que, o preceito em análise apresenta também como requisito, que a manutenção do contrato nos seus precisos termos afete gravemente os princípios da boa-fé. Abordaremos a presente questão de uma forma propositadamente superficial, uma vez que não se engloba no âmbito do presente trabalho o aprofundamento que as questões relacionadas com o princípio da boa-fé exigem. No entanto, sempre se dirá que não se pode conceber que as já explicitadas “alterações anormais das circunstâncias” onerem exclusivamente uma das partes do contrato por elas afetadas138. Nestes termos, a exigência da subsistência do contrato mediante a onerosidade desproporcional para uma das partes, consubstanciaria uma violação grave ao princípio da boa-fé139.
Certo é que, aquando da celebração dos contratos de “swap” anteriores à crise financeira de 2008, nenhuma das partes anteviu a descida das taxas que veio a ocorrer posteriormente, não tendo o clausulado contratual em consideração tal facto. Assim, seria um profundo atentado ao princípio da boa-fé, que qualquer uma das partes se pretenda valer da alteração anormal das circunstâncias que se verificaram posteriormente, para obter avultados
136 XXXXXX XXXXXX, Manual dos Contratos em Geral, cit., pág. 345.
137 Neste sentido cfr. XXXXXXX XXXXX, Direito das Obrigações, cit. pág. 339.
138 CARNEIRO DA FRADA, Crise Financeira Mundial e Alteração das Circunstâncias..., cit. pág. 688.
139 Em relação a este ponto LEBRE DE FREITAS Contrato de Swap Meramente Especulativo, cit., pág. 967 refere que “a execução do contrato nestes termos é contrária à boa fé”.
lucros em prejuízo da contraparte. Xxxxxx esses que em momento algum vislumbrou como possíveis. Razões pelas quais se pode considerar que o presente requisito, também ele de natureza positiva, se encontra preenchido no âmbito dos contratos de “swap” de taxa de juro.
3.3.5 – Outro requisito de que depende a aplicação do instituto do art. 437º do CC é que a alteração superveniente não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato.
Certo é que, na sua maioria, as relações jurídicas contratuais estão sujeitas à incerteza da verificação de certas contingências, e às flutuações normais das finalidades a que se destinam. Tal incerteza é comummente descrita como estando englobada na álea140 normal do contrato porque, como bem refere LEBRE DE FREITAS141 “qualquer contrato implica a assunção de riscos pelas partes”.
O legislador partiu então para o estabelecimento de mais um conceito indeterminado, nomeadamente o de “riscos próprios”, deixando ao cuidado do julgador e da ciência jurídica a densificação do mesmo.
A referida densificação revela parâmetros distintos consoante a qualificação jurídica dos contratos em causa. Nesse sentido, partiremos já para a contextualização no âmbito dos contratos de “swap” de taxa de juro, que são os que relevam para o presente estudo.
Como já se referiu supra142, o contrato de “swap” tem vindo pacificamente a ser qualificado como um contrato aleatório. Ora, nas palavras de XXXXXXX XXXXX, a questão dos riscos próprios dos contratos apresenta a maior dificuldade de densificação “quanto aos contratos aleatórios, em cuja essência intervém a álea, pois os seus efeitos dependem de um facto futuro e incerto, pelo menos temporariamente”143.
Com efeito, os contratos de “swap” de taxa de juro assentam sempre em determinados parâmetros de risco, relacionados com a variação das taxas de juro. Assim, as partes ao efetuaram a contratação sabiam que estavam sujeitas ao risco da variação dessas taxas, quer em seu favor, quer eu seu desfavor. No entanto, cumpre indagar até que ponto esse risco se engloba no âmago dos contratos de “swap”. Por outras palavras, cumpre definir a esfera de risco assumido pelas partes, e que se pode considerar como tolerável com a celebração de um contrato de “swap”144. Isto porque, a alteração anormal das circunstâncias pode se revelar de
140 Nas palavras de XXXXXX XXXXXX, Manual dos contratos em geral, cit. pág. 483, álea corresponde a “um facto incerto quanto à sua verificação (incertus an) ou quanto ao momento dessa verificação (incertus quando)”. 141 XXXXX XX XXXXXXX, Contrato de swap meramente especulativo, cit., pág. 959.
142 Vide supra ponto 4 da Parte II.
143 XXXXXXX XXXXX, Direito das Obrigações, cit., pág. 341.
144 Cfr. XXXXX XX XXXXXXX, op. cit., pág. 961.
tal magnitude que, mesmo nos contratos aleatórios, se excedam as margens delimitadas pelos riscos próprios desses contratos145.
Concretamente, no que respeita aos contratos de “swap”, facilmente se comprova que a variação das taxa de juro à data da celebração de contratos anteriores a 2008, ocorria há vários anos dentre de certos parâmetros considerados “normais”, e era confiança generalizada que por lá continuasse. Foram esses os padrões de referência146 para as partes, no momento de contratar.
Comprovada que está a verificação de uma alteração anormal das circunstâncias com a crise de 2008 e a sua consequente queda abrupta e inesperada das taxas de juro, cumpre indagar se foram assim ultrapassados os riscos próprios derivados do contrato de “swap”.
Na esteira de LEBRE DE FREITAS147 e da jurisprudência dominante148 consideramos que sim. Esta é uma solução com uma dimensão eminentemente ética, na medida em que, a alteração das taxas de juro que ocorreu após 2008, ultrapassou todos os limites considerados como razoáveis e que estavam na capacidade de previsão das partes. Uma solução distinta não só iria colidir com a dimensão ética enunciada, como também atentaria gravemente contra o princípio da boa-fé. Na verdade, nenhuma das partes ao celebrar o contrato de “swap” sequer ficcionou a descida tão acentuada das taxas de juro. E não o fizeram, da mesma forma que
145 XXXX XX XXXXXXXX ASCENSÃO, Direito civil - Teoria Geral, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pág. 418, relativamente à possibilidade da resolução de contratos aleatórios por aplicação do instituto da alteração anormal das circunstâncias: “em princípio não são abrangidos por este instituto (. Mas podem sê-lo, se a variação exceder consideravelmente a margem de risco própria do contrato”, neste sentido também GALVÃO TELLES, Manual dos contratos em geral, cit., pág 347, admite a resolução de contratos aleatórios quando a alteração de circunstâncias exceda “todos os limites possíveis”.
146 XXXXX XX XXXXXXX, contrato de swap meramente especulativo, cit., pág. 964.
147 XXXXX XX XXXXXXX, op., cit., pág. 965. Entendimento semelhante tem CARNEIRO DA FRADA, Crise Financeira Mundial e Alteração das Circunstâncias..., cit., pág. 687 ainda que por referência a contratos diferentes dos de “swap” refere que “pode, portanto, dizer-se que, num contrato de gestão de carteira, se na altura do cumprimento da obrigação de devolução ou remuneração do capital pelo banco ao cliente as consequências, para aquele, desse cumprimento ultrapassarem o grau de risco que o contrato podia razoavelmente (pretender) regular ou determinar, a exigibilidade, incondicionada e integral, dessa obrigação ao banco não corresponde a um risco próprio do contrato que afaste a aplicabilidade do art. 437.º/1 do CC”.
148 Com efeito, o ac. do TRG de 31 de janeiro de 2013 refere que “efectivamente, os contratos swap são um instrumento financeiro especialmente vocacionado para a gestão do risco de taxa de juro; só que que as alterações verificadas após Setembro de 2008, e a crise no sistema financeiro (que podemos considerar como um colapso à escala mundial) não pode ser considerada como risco normal, bem como as oscilações da taxa de juro (que se verificou com a falência do Lehman Brothers) como riscos próprios do contrato sob pena de se violarem gravemente os princípios da boa fé contratual”. Por sua vez, refere o ac. do STJ de 10 de outubro de 2013 que “tal como se infere dos ensinamentos da doutrina (...) não poderá deixar de se considerar que o risco previsto é o risco tolerável, isto é, o risco razoavelmente e de algum modo previsível na conjuntura económica e financeira vigente à data da celebração do contrato (...). Deste modo, atendendo à boa –fé que terá norteado o banco nos preliminares do contrato, não será razoável, perante as actuais circunstâncias, que se queira fazer valer de cláusulas que não foram equacionadas para um quadro de crise como o actual, em que as consequências do cumprimento do contrato, no que à autora respeita, ultrapassam o grau de risco nele previsto e com que as partes poderiam razoavelmente contar” (sublinhado e negrito nosso). Estas duas concepções foram posteriormente adotadas pelo ac. do TRL de 8 de maio de 2014.
ninguém o fez, pelo que é de todo inconcebível incluir no âmbito dos riscos próprios dos contratos de “swap” tal circunstância.
Assim, consideramos que a alteração anormal das circunstâncias, no que concerne à evolução das taxas de juro em que as partes fundaram a sua vontade de contratar, não está abrangida pelos riscos próprios do contrato de “swap”149, razão pela qual o requisito negativo de que temos vindo a tratar não obsta a que se aplique o instituto previsto no art. 437º do CC.
3.3.6 – Por fim, surge também como requisito negativo do instituto de que temos vindo a tratar, a inexistência de mora por parte do lesado à data da propositura de resolução do contrato, tal como prescreve o art. 438º do CC150.
O sentido e alcance do referido preceito são questões doutrinalmente discutidas e para as quais não existe uma resposta unânime. Com efeito, a mora da parte lesada poderá, ou não, ter como causa a “alteração anormal das circunstâncias”, e para parte da doutrina o segundo caso não deve excluir in totum a aplicação do instituto do art. 437º do CC151. No entanto, a análise de tal questão não pode deixar de ser equacionada à luz de que estamos perante um instituto jurídico de natureza absolutamente excecional, e ao qual o legislador pretende conferir requisitos estritos, e determinados casos de exclusão.
Assim, a norma do art. 438º do CC terá de necessariamente ser vista como uma causa de exclusão do instituto do art. 437º do CC, perante a qual a parte lesada, estando em mora relativamente às suas prestações no momento da alteração das circunstâncias, não poderá usufruir da resolução ou da modificação contratual. Com efeito, essa parte já se absteve de realizar as suas prestações por iniciativa própria, não devendo assim gozar de um instituto excecional para ter cobertura ao seu incumprimento. Como tal, este é um requisito que
149 Entendimento diverso tem XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, O contrato de swap, cit., pág. 90: “A principal consequência da classificação do contrato de swap na categoria dos contratos aleatórios é a não aplicação do regime do artigo 437º do Código Civil sobre resolução com base na alteração das circunstâncias, em face da inesperada e grave evolução, para uma ou outra das partes, das taxas ou das cotações das moedas adoptadas como referentes do contrato de swap celebrado”, reiterando tal entendimento em, O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global, cit., pág. 12 ao referir que: “não se vê como possa entender-se que a descida acentuada das taxas de juro não configurava um risco próprio do contrato, pois se é justamente a possibilidade que ocorra esta subida ou descida abrupta que leva à celebração do contrato de swap pelas partes”. Neste sentido também XXXXXX XX XXXXX, Swap de taxa de juro: inaplicabilidade do regime da alteração das circunstâncias, cit., pág. 366, refere que nos contratos de “swap” as partes assumem uma “repartição assimétrica (não equivalente ou proporcionada em termos objectivos de justiça comutativa, própria dos contratos onerosos comutativos, mas não dos contratos aleatórios) do risco”, não podendo assim, para este autor, existir uma resolução do contrato com base na alteração anormal das circunstâncias.
150 Prescreve o art. que: “a parte lesada não goza do direito de resolução ou modificação do contrato, se estava em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou”.
151 Neste sentido vide v. g. XXXX XX XXXXXXXX XXXXXXXX, Onerosidade Excessiva por Alteração das Circunstâncias, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 635.
logicamente terá de ser analisado caso a caso, apesar de não se revestir de grande complexidade, nos termos propostos. No contrato de “swap” de taxa de juro a parte lesada não estará em mora se até a propositura da ação de resolução do contrato tiver cumprido pontualmente a prestação a que estava vinculada, fruto da relação contratual que detém.
3.4 – Consequências da aplicação do regime do art. 437º do CC
3.4.1 – Resolução vs Modificação
Da exposição que antecede resulta que, no âmbito dos contratos de “swap”, e partindo de uma análise abstrata, se podem encontrar preenchidos os pressupostos de que depende a aplicação do instituto jurídico da alteração anormal das circunstâncias previsto no art. 437º do CC, em face da crise financeira e económica de 2008. Ora, partindo desse pressuposto cumpre então indagar quais as possíveis consequências concretas de tal aplicação, e quais os efeitos que a mesma poderá ter numa forma contratual tão peculiar como a do “swap”.
Em primeiro lugar, o preceito referente à alteração anormal das circunstâncias prescreve que a parte lesada tem direito à resolução do contrato, ou à modificação do mesmo segundo juízos de equidade. Estes serão direitos alternativos à escolha da parte lesada? Ou ao invés estaremos consoante possibilidades autónomas com pressupostos específicos que conduzirão à sua aplicação em face de determinadas circunstâncias? Mais uma vez são questões para as quais não encontramos uma resposta conclusiva por parte da Lei.
Ambas as opções poderão encontrar uma sustentação jurídica. Com efeito, a suportar uma preferência legal pela modificação do contrato está o princípio geral do favor negotti segundo o qual a validade de um negócio jurídico é sempre preferível à sua invalidade, devendo o mesmo ser aproveitado sempre que possível 152 . Como consequência deste entendimento, surge uma outra possibilidade, correspondente à circunstância de se poder negar a resolução contratual à parte lesada, mediante uma proposta de alteração do contrato, efetuada pela contraparte.
152 Vide neste sentido XXXXX XXXX XX XXXXXXXXXXX, Teoria Geral do Direito Civil, 6ª Edição, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, págs. 755 a 756.
Por outro lado, parte da doutrina sustenta que a resolução contratual será a única solução admitida, se em função da alteração anormal das circunstâncias, uma das partes perder o interesse objetivo no contrato153.
Ora, independentemente do entendimento que se subscreva certo é que no âmbito dos contratos de “swap” de taxa de juro dificilmente se poderá vislumbrar a modificação contratual como uma solução viável. Com efeito, em face da alteração anormal das circunstâncias nos contornos supra mencionados, a parte lesada nunca manterá o interesse na continuidade do contrato, nem o mesmo fará sentido. Para além disso, não se consegue vislumbrar uma formulação contratual modificada que acautele os interesses da parte lesada. Tudo isto ocorre em face das especificidades concretas dos contratos de “swap”, da sua formulação, das suas características e das finalidades que persegue.
Assim, cremos que a única solução que não desvirtua o fundamento do instituto da alteração anormal das circunstâncias no âmbito dos contratos de “swap”, é partir para a resolução dos mesmos. Solução essa que, aliás, é a única que tem sido suscitada e debatida na jurisprudência.
3.4.2 – Os efeitos da resolução
Assente que está a resolução dos contratos de “swap” de taxa de juro como a consequência normal e legal da aplicação do instituto da alteração anormal das circunstâncias, cumpre aferir quais os efeitos concretos de tal resolução.
Prescreve o art. 439º do CC que, resolvido o contrato, em função da alteração anormal das circunstâncias, se aplicam as regras gerais da resolução contratual, previstas nos arts. 432º a 436º do CC. No entanto, em primeiro lugar é mister delimitar o sentido da remissão efetuada pelo art. 439º do CC, isto porque, a resolução fundada na alteração anormal das circunstâncias, opera de forma diferente da resolução nos termos gerais.
Com efeito, a resolução em termos gerais, é um negócio jurídico unilateral processado através da declaração de uma das partes à outra. Por sua vez, a resolução por alteração anormal das circunstâncias terá de ser requerida e decidida judicialmente154. Ora, em função de tais circunstâncias é forçoso concluir que a remissão efetuada pelo art. 439º do CC se refere apenas aos efeitos da resolução e não à resolução em si.
153 Neste sentido, XXXX XX XXXXXXXX ASCENSÃO, Onerosidade Excessiva por Alteração das Circunstâncias, cit., pág. 637.
154 Segue-se XXXXX XXXX XX XXXXXXXXXXX, Teoria Geral do Direito Civil, cit., pág. 772.
Por sua vez, o regime geral da resolução contratual, equipara os seus efeitos à nulidade ou anulabilidade do contrato, sendo-lhe assim aplicável o disposto no art. 289º do CC. Mediante tal art., tanto a anulação do negócio jurídico em causa, como a sua declaração de nulidade, têm efeitos retroativos, colocando assim em crise todas as prestações efetuadas anteriormente. No entanto, esta equiparação de efeitos, no que concerne ao regime da resolução contratual, encontra as suas exceções, nomeadamente nos arts. 434º e ss. do CC. Uma dessas exceções reporta-se aos contratos de execução continuada ou periódica e vem prescrita no art. 434º do CC155.
Como já foi explanado supra156, os contratos de “swap” são contratos de execução continuada ou periódica. Esta qualificação atribuída aos contratos de “swap” revela-se de particular importância para o regime da resolução contratual por alteração anormal das circunstâncias, na medida em que, nas formulações contratuais deste tipo, a resolução não abrange, em princípio, as prestações já efetuadas157.
Este é o regime legal que decorre cristalinamente da análise da primeira parte do nº 2 do art. 434º do CC, aplicável assim aos contratos de “swap”. No entanto, a segunda parte do último preceito mencionado, procede a uma exceção à não retroatividade da resolução dos contratos de execução continuada ou periódica, nomeadamente quando entre as prestações já efetuadas e “a causa da resolução, existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas”158. Ora, como é natural, o requerimento da resolução contratual com base na alteração anormal das circunstâncias, efetuado pela parte lesada, dá-se após essa mesma alteração. Se em função da mesma a parte lesada efetuar prestações para além do que se poderia considerar justo, caso a vida contratual não tivesse sofrido qualquer vicissitude, é perfeitamente compreensível a solução legal de abranger essas prestações pela resolução contratual. No entanto, tal abrangência deve-se restringir unicamente às prestações efetuadas após a ocorrência da alteração anormal das circunstâncias.
Transpondo o que vem sendo descrito para os contratos de “swap”, facilmente se compreende que se encontra preenchido o vínculo que legitima a resolução de algumas das prestações já efetuadas.
155 O art. 434º do CC prescreve que:
“1 – A resolução tem efeito retroativo, salvo se a retroatividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução.
2 – Nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efetuadas, exceto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas.” 156 Vide supra ponto 4 da parte II.
157 Cfr. XXXXXXX XXXXX, Direito das Obrigações, cit., pág. 466.
158 Cita-se a segunda parte do n.º2 do art. 434º do CC.
Referimo-nos aqui às prestações que ocorreram após a queda abrupta e inesperada das taxas de juro, decorrente da crise financeira e económica de 2008. Assim, alertamos para o facto de que a resolução dos contratos de “swap”, nos termos que temos vindo a descrever, não poderá abranger a totalidade das prestações efetuadas entre as partes, mas sim, unicamente, as que ocorreram “injustamente” após a verificação da alteração anormal das circunstâncias, uma vez que as realizadas anteriormente corresponderiam à real vontade objetiva e subjetiva das partes159 160.
159 Neste sentido LEBRE DE FREITAS, Contrato de Swap Meramente Especulativo, cit., pág. 967 refere que: “Se (...) for entendido que o contrato é lícito e válido, mas que procede o pedido de resolução, há que aplicar o art. 434.º-2 do Código Civil, que, como regra, determina que as prestações já efetuadas não são restituídas, mas exceciona os casos em que entre elas e a causa da resolução exista um vínculo que legitime a restituição de todas. A alteração das circunstâncias dá-se, por natureza, antes da propositura da ação em que é invocada. Se, por causa dela, D tiver pago a S importâncias consideráveis, contrariamente ao que – como ficou frisado – seria justo, a causa da resolução estende-se a todas as prestações posteriores à queda vertiginosa da taxa Euribor tem fevereiro de 2009 e o vínculo a que se refere a parte final do referido art. 434.º-2 verifica-se. Dir-se-á então que há que proceder, sem mais, à restituição das quantias pagas por D depois dessa data”.
160 O entendimento que se tem vindo a preconizar, no que concerne à resolução dos contratos de “swap” por aplicação do instituto da alteração anormal das circunstâncias é, de resto, o que tem tido maior acolhimento na jurisprudência. Em primeiro lugar, no ac. do TRG e 31 de Janeiro de 2013 em que a mais relevante das conclusões refere que:
“II – Apesar de ser um contrato aleatório, verificando-se uma alteração anormal das circunstâncias que se traduz num profundo desequilíbrio entre as prestações, o mesmo pode ser resolvido nos termos do disposto no artigo 437º do Código Civil.
Prosseguindo no que concerne aos efeitos práticos de tal resolução que “(...) não se aplicando o disposto no n.º 2 do artigo 434º, do Código Civil, 1ª parte, pelo que a resolução deve operar desde 2/4/09 (...)”.
Por sua vez, o ac. do STJ de 10 de outubro de 2013 julgou que:
“IV – A resolução ou modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias depende da verificação dos seguintes requisitos: (i) que haja alteração relevante das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar, ou seja, que essas circunstâncias se hajam modificado de forma anormal, e que
(ii) a exigência da obrigação à parte lesada afete gravemente os princípios da boa fé contratual, não estando coberta pelos riscos do negócio.
V – Nos contratos, como os referidos em I em que as partes visam justamente negociar sobre a incerteza, o risco fornece o próprio objeto contratual pelo que a alteração das circunstâncias têm de ser de apreciável vulto ou proporções extraordinárias: o prejuízo só justifica a resolução ou modificação do contrato quando se verifique um profundo desiquilíbrio do contrato, sendo intolerável com a boa fé que o lesado o suporte.
VI – Tal profundo desiquilíbrio pode resultar da significativa descida das taxas de juro (que chegou a baixo dos 3,95%), provocada por grave crise financeira, com grande divergência da taxa, superior, que as partes representaram como possível e a que o contrato pretendia assegurar (in casu, 5,15%).
VII – Os swaps, que conferem às partes posições jurídicas permutáveis relativas a determinadas quantias pecuniárias em data ou datas futuras previamente fixadas são contratos de execução sucessiva ou periódica – a sua realização exige várias prestações, durante o tempo de vigência do contrato – pelo que se lhes aplica o n.º 2 do artigo 434º do CC.”.
Por fim, mais recentemente, o ac. do TRL de 8 de Maio de 2014 decidiu que:
“9.- A resolução do contrato por alteração das circunstâncias (artigo 437º do Código Civil) aplica-se no domínio dos contratos aleatórios, como são os contratos de swap”.
No entanto, o mesmo ac. decidiu que os efeitos resolutivos tinham efeitos retroativos na sua totalidade, julgando que devia ser restituído tudo o que foi prestado na vigência do contrato. Solução esta com a qual não se pode concordar, pelas razões já aludidas.
CONCLUSÃO
É tempo de concluir o presente estudo. Conclui-se sabendo que não se alcançou um qualquer dogmatismo argumentativo, mas com a profunda convicção de que, em primeiro lugar, se conseguiu aflorar as questões de maior pertinência que envolvem os contratos de “swap” e, em segundo lugar, se lançou o mote para um estudo mais aprofundado sobre este tema.
Se há alguma coisa de positivo a retirar dos tempos de crise, é a sua fertilidade no surgimento de novas questões jurídicas que, até então, não se equacionavam. Uma dessas questões prende-se com os contratos de “swap”, especialmente no que concerne à sua validade quando se revistam de finalidades marcadamente especulativas, e quanto à possibilidade da sua resolução pela aplicação do instituto da alteração anormal das circunstâncias.
Partimos para a análise das referidas questões tendo presente não só o positivismo jurídico, que não poderá deixar de ser o “norte” de uma dissertação desta natureza, mas atendendo também às envolvências e finalidades económicas inerentes a um produto financeiro como os contratos de “swap”. Foi colocando nos pratos da balança essas duas realidades, e aferindo o seu peso relativo no que concerne aos contratos de “swap”, que nos propusemos alcançar as respostas adequadas aos problemas que equacionámos resolver.
Não se teve como mote qualquer dogmatismo ou ideia pré-concebida, mostrando-se antes uma profunda abertura aos contributos de diversas fontes, em função dos quais se partiu para a elaboração de determinadas propostas que se consideram ser as mais adequadas, quer em função do direito vigente, quer em função da realidade socioeconómica atual.
Os contratos de “swap” são um instrumento financeiro ou, mais concretamente, um instrumento derivado, profundamente proliferado atualmente no meio económico e financeiro, e que persegue finalidades essenciais ao regular funcionamento dos mercados, que não são censuradas pelo direito. Com efeito, através destes contratos, determinados intervenientes económicos têm a possibilidade de se precaver contra os riscos imanentes à atuação nos mercados, ainda que outros vejam neles a possibilidade de obtenção de um lucro. Estas duas realidades, neste contexto, são indissociáveis uma da outra, na medida em que a segunda tem a função de contraponto da primeira. Já por este facto se poderia excluir, à partida, qualquer solução que propugne a invalidade dos contratos de “swap”. No entanto, outras razões existem para defender a legalidade deste tipo de contratos, como seja a
consagração legislativa de que os mesmos já são alvo atualmente, seja em função do corpo normativo interno, seja em função de legislação Comunitária. E mesmo no caso extremo de equacionarmos a existência de contratos de “swap” com finalidades meramente especulativas, nunca se poderá deixar de considerar o cariz eminentemente económico de que os mesmos não deixam de se revestir, e as finalidades profícuas dos comportamentos especulativos no âmbito dos mercados financeiros, que o direito não censura, e que não podem, de todo, ser equiparadas ao jogo e aposta.
Perante este quadro, e em função das consequências devastadoras que existiriam nos mercados financeiros caso se declarasse a invalidade, in totum, dos contratos de “swap” quando assumam finalidades especulativas, a única solução possível é propugnar a sua validade. Na verdade, esta não deixa de ser a conclusão mais plausível tanto em função da realidade socioeconómica atual, como em função do positivismo jurídico.
No que concerne à possibilidade da resolução dos contratos de “swap” por aplicação do instituto da alteração anormal das circunstâncias, ter-se-á de, naturalmente, partir de determinados pressupostos para avaliar a questão.
Assim, atendendo às duas questões que mais dúvidas poderiam suscitar em torno deste tema, não se poderá deixar de considerar que a crise financeira, social e económica de 2008 constituiu verdadeiramente uma alteração anormal das circunstâncias que foram assumidas pelas partes e que estão na base da contratação de um “swap”. Em segundo lugar, considera- se que a aleatoriedade dos contratos de “swap” não exclui, à partida, a possibilidade da aplicação do instituto da alteração anormal das circunstâncias, nem a descida tão abrupta, inesperada e constante das taxas de juro se poderá considerar incluída nos riscos próprios do contrato.
Nesse sentido, ensaia-se a solução que se considera ser a mais adequada, e lógica, para esta questão, que é a possibilidade de se proceder à resolução dos contratos de “swap”, por aplicação do instituto do art. 437º do CC, sendo apenas abrangidas as prestações que terão sido “injustamente” efetuadas após a alteração anormal das circunstâncias, decorrente da crise financeira de 2008.
Cremos ser este o caminho a seguir, e as soluções mais adequadas para os litígios que já emergiram, ou que poderão vir a emergir, em torno deste tema. Fica no entanto aberta a porta a uma aprofundamento dos temas em crise, porque de jure constituendo vasto é o caminho a desbravar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx de - Instrumentos Financeiros: os SWAPS, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx – vol. II, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 37
XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de - Contratos II – Conteúdo. Contratos de troca, 2ª edição Almedina, Coimbra, 2011
- Contratos III, Contratos de Liberalidade, de Cooperação e de Risco, Almedina, Coimbra, 2012
XXXXXXX, Xxxx xx Xxxxxxxx - Xx derivados, in Caderno do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 30, Agosto de 2008, pág. 91
- Os valores mobiliários: Conceito, Espécies e Regime Jurídico, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, vol. 5, 2008, pág. 87
- Os instrumentos financeiros, 2ª edição, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000
- Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, 2014
ASCENSÃO, Xxxx Xxxxxxxx - Direito civil - Teoria Geral II, Coimbra Editora, Coimbra, 1999
- Onerosidade Excessiva por Alteração das Circunstâncias, artigo destinado aos estudo jurídicos em memória do Prof. Doutor Xxxx Xxxx Xxxxxxx, disponível em xxxx://xxx.xx.xx/Xxxxxxxxx/Xxxxxxx/xxxxxxx_xxxxxx.xxxx?xxxx00000&xxxxx00000&xxxx0000 9
XXXXXXXX, Xxxxxx - Financial Law, Oxford University Press, Oxford, 2007
CÂMARA, Paulo - Manual de direito dos valores mobiliários, 2ª Ed., Almedina, Coimbra, 2011
XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx - X contrato de swap, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, n.º 51, Studia Jurídica, Coimbra Editora, Coimbra, 2000
- O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global, in Cadernos de Direito Privado, n.º 42, Abril/Junho 2013, pág. 3
XXXXXXXXX, X.X. Xxxxx / XXXXXXX, Vital - Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007
XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx - Direito Bancário, Almedina, Coimbra, 2014
- Direito bancário e alteração de circunstâncias, in I Congresso de Direito Bancário, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 27
XXXXX, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx e - Direito das Obrigações, 12ª Edição Revista e Atualizada, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000
XXXXXXXX, Xxxx – Principles of banking law, Clarendon press, Oxford, 1997
XXXXXXXX, X. X. / XXXXXXXX, Xxx / XXXXXX, Xxxxxxx – Xxxxxxxx’x modern banking law, 4ª Edição, Oxford University press, Oxford, 2006
XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx - Contratos de Swap Revisitados, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 44, Abril 2013, pág. 71
FRADA, Carneiro da - Crise Financeira Mundial e Alteração das Circunstâncias: Contratos de Depósito versus Contratos de Gestão de Carteiras, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 69 – vol. III/IV, 2009, pág. 633
XXXXXXX, Xxxx Xxxxx de - Contrato de Swap meramente Especulativo, Regimes de validade e de alteração de circunstâncias, artigo destinado à obra coletiva em memória dos Professores Doutores Xxxxx Xxxxxx x Xxxxxx Xxxxxx, disponível em xxxx://xxx.xx.xx/xxx/%0X00x00x0x- a1e3-4f43-b06a-300e112c9896%7D.pdf
XXXXXXXXX, Xxxx - Xx subprime à recessão in “Crise 2008”, 1ª Edição, Bnomics, Lisboa, 2009
XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx - Interest Rate Swaps: Perspectiva Jurídica, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 44, Abril de 2013, pág. 10
XXXXXX, Xxxxxxxx – The Law of Finance, 1ª Ed., Sweet & Maxwell, London, 2009
- The Law of Financial Derivatives, 5ª Ed., Sweet & Maxwell, London, 2012
LIMA, Pires de / XXXXXX, Antunes - Código Civil Anotado, 4ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010
XXXXXXXX, Xxxxxx – The Law of International Finance, Oxford University Press, Oxford, 2008
XXXXXXX, Hélder - Swap de Taxa de Juro: A Primeira Jurisprudência, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 44, Abril de 2013, pág. 29
XXXXX, Xxxx Xxxxx - As 10 Questões da Crise, Xxx Xxxxxxx, Lisboa, 2011 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx – Futuros e Opções, McGraw-Hill, Lisboa, 1995
XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx - Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Edição por A. Xxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxx Xxxxx, Coimbra Editora, Coimbra, 2005
XXXXX, Xxxxx Xxxx - Contrato de swap de taxas de juro, jogo e aposta e alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar, in RLJ, ano 143º, n.º 3987, Julho- Agosto de 2014, pág. 391
XXXXX, Calvão da - Swap de taxa de juro: sua legalidade e autonomia e inaplicabilidade da excepção do jogo e aposta, in RLJ, Ano 142º, n.º 3979, Março-Abril 2013, pág. 253
- Swap de taxa de juro: inaplicabilidade do regime da alteração das circunstâncias, in
RLJ, ano 143.º, n.º 3986, 2014, pág. 364
XXXXX, George - O Novo Paradigma dos Mercados Financeiros – a crise económica de 2008 e o seu significado, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2009
TELLES, Xxxxxxxxx Xxxxxx - Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Atualizado, 4ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2002
XXXXXXXXXXX, X. Xxxxxx Xxxxxxx de - Direito das Garantias, 2ª edição, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000
XXXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx de - Teoria Geral do Direito Civil, 6ª Edição, Almedina, Coimbra, 2010
- Contratos de risco e contratos especulativos em direito bancário, in I Congresso de Direito Bancário, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pág. 83